A questão sobre “quem nós representamos?” tem perseguido a comunidade global de direitos humanos já há algum tempo, e uma recente enxurrada de artigos tem questionado a legitimidade de ONGs de direitos humanos e outras, contrapondo-as aos movimentos sociais ou populares. Vários autores têm observado que, devido à dependência de doadores por parte das ONGs, suas agendas e perspectivas políticas são necessariamente afetadas, e até mesmo subjugadas, e seus vínculos com a comunidade são enfraquecidos. Envolvido nesses debates na região árabe há mais de vinte anos e tomando o exemplo da Palestina como uma sociedade extremamente dependente de assistência e politicamente volátil, o autor deste artigo discorda de algumas das afirmações, seja em relação a organizações de direitos humanos ou organizações da sociedade civil em geral. Ao invés de apresentar proposições limitadas a uma ou outra alternativa, este artigo sustenta que é importante adotar uma atitude mais inclusiva, a qual reconheça que a diversidade de abordagens enriquece componentes criativos e de apoio mútuo da sociedade civil. Na Palestina, a própria multiplicidade e variedade da sociedade civil talvez seja o único vislumbre de esperança em um ambiente político soturno.
Uma das questões apresentadas para este número de aniversário da Revista Sur é “quem representamos?”. Esta é uma questão que tem perseguido a comunidade global de direitos humanos já há algum tempo, e uma recente enxurrada de artigos tem questionado a legitimidade das ONGs de direitos humanos e outras, contrapondo-as aos movimentos sociais ou populares, acusando-as de corrupção (Dana, 2013), criticando a “ONGzação” (JAD, 2014) e exaltando as virtudes do voluntarismo versus o “profissionalismo” (Suresh, 2014). Tais autores observam que, devido à dependência de doadores por parte das ONGs, suas agendas e perspectivas políticas são necessariamente afetadas e até mesmo subjugadas, e seus vínculos com a comunidade são enfraquecidos. Eles propõem que a sociedade civil deve se afastar da “ONGzação” para uma forma idealizada e mais “politicamente correta” de movimento popular mobilizado, a fim de ganhar legitimidade. Curiosamente, quase todos esses artigos focam os esforços da sociedade civil no Sul Global.1
Há mais de vinte anos envolvido nesses debates na região árabe, eu discordo de algumas dessas afirmações, quer tratem de ONGs de direitos humanos ou de organizações da sociedade civil em geral. Essa discussão se concentrará mais sobre as experiências na Palestina, uma sociedade extremamente dependente de assistência e politicamente volátil, em que tais preocupações assumem uma importância maior e onde a defesa dos direitos humanos está intimamente entrelaçada com a política de resistência e libertação. Ao invés de postular proposições limitadas a uma ou outra alternativa, este artigo sustenta que é importante adotar uma atitude mais inclusiva, que reconheça a diversidade de abordagens como enriquecimento de componentes criativos e de apoio mútuo da sociedade civil. Na Palestina, a própria multiplicidade e variedade da sociedade civil talvez seja o único vislumbre de esperança em um ambiente político soturno.
Na Palestina, uma questão levantada regularmente é que um dos resultados da assinatura dos Acordos de Oslo entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), em 1993, foi uma mudança nas organizações da sociedade civil – de comitês de base “profundamente enraizados no movimento para libertação nacional” para ONGs intermediárias, dependentes de assistência, entre o global e o local (Dana, 2013). O cenário, no entanto, é mais sutil e complicado, e nosso entendimento sobre isso deve começar por questionar se os idealizados movimentos “de massa” eram realmente “de massa” e representaram uma agenda popular nacional, em vez daquela dos atores políticos concorrentes nos bastidores.
As ONGs já eram ativas bem antes de Oslo. Muitas das ONGs de desenvolvimento, direitos humanos e direitos das mulheres foram estabelecidas no início da década de 1980 e já faziam um trabalho muito bom, bem antes do aumento de financiamentos pós-Oslo. O fenômeno do “comitê popular” palestino dos anos 1970 e 1980, como os comitês de voluntários iniciados pela Universidade de Birzeit, os Comitês de Assistência Médica e de Assistência Agrícola e outros, também fez um excelente trabalho e ajudou a preparar o terreno para a primeira Intifada popular. Atores políticos, especialmente o Partido Comunista, iniciaram muitos desses comitês, mas ao final os vários partidos políticos da OLP estabeleceram também comitês rivais. Em certo ponto, tivemos três comitês de assistência médica e três comitês “de base” de mulheres, assim como outros comitês em outras áreas. Apesar do bom trabalho que esses comitês fizeram, eles não estavam isentos de elitismo político e manipulação do sentimento nacionalista para fins de mobilização partidária do partido político. Além disso, o êxito desses esforços de mobilização também pode ser questionado, tendo em vista a fragilidade desses movimentos nos dias atuais. As razões dessa debilidade devem ser estudadas no contexto de sua própria história e seus modos de funcionamento, ao invés de simplesmente responsabilizar a proliferação de ONGs melhor financiadas.
Outra questão mais difícil, dada a fragmentação política atual da sociedade palestina, é se há ou não uma “agenda nacional” unitária ou coerente para além de uma geral com a qual todos concordam: libertação da ocupação. As várias correntes e forças políticas na sociedade palestina – inclusive o Fatah, na Cisjordânia, o Hamas, na Faixa de Gaza, a esquerda em geral e até mesmo a “nova elite globalizada” – não necessariamente compartilham da mesma visão de futuro da sociedade palestina. Certamente elas devem ser capazes também de articular essas visões igualitariamente e oferecer ao público em geral as agendas concorrentes e caminhos para alcançá-las. Nesse sentido, defensores de direitos humanos ou do bem público também devem ter o direito de aderir ou não a qualquer uma dessas interpretações de uma “agenda nacional”. Alguns atores políticos podem discordar de uma visão de direitos humanos sobre um futuro em que parâmetros universais internacionalmente reconhecidos de direitos humanos e de Estado de Direito possam entrar em conflito com definições mais restritas de direitos e liberdades com base em outros critérios.
Há a crítica de que as ONGs têm estruturas hierárquicas, em que o poder está concentrado nas mãos de uns poucos indivíduos que são apenas responsáveis perante seus Conselhos (isso se os Conselhos realmente existem ou funcionam como deveriam), e não perante sua comunidade. Esse não é um fenômeno novo na Palestina, nem mesmo na região, e não se limita às organizações não governamentais.
Organizações da sociedade civil quase sempre reproduzem os modelos de liderança ao qual estão acostumadas. Na Palestina e em outros lugares, não é apenas o diretor de muitas ONGs que esteve em seu posto por 30 anos, mas também o chefe de Estado ou de um comitê local ou conselho, partido político e organização dos trabalhadores, entre outros. É equivocado tomar isso como um problema exclusivo das ONGs.
A presunção de que os movimentos sociais de alguma forma podem ser isentos de manipulação política e simplesmente operar por razões morais ou éticas mais elevadas não é necessariamente procedente. Na região árabe, muitos grupos de direitos humanos começaram como organizações associativas com um modelo de movimento social em mente. Muito rapidamente, e provavelmente por causa da falta de verdadeira participação política na região, as lutas pelo controle político ocorreram dentro dessas organizações, levando à paralisia e à ineficácia.
Por vezes as ONGs são acusadas de corrupção, desvio de verbas ou gastos excessivos com salários e despesas administrativas, em vez de “ajuda[r] uma vítima de estupro ou sobrevivente de tortura” (Suresh, 2014). Corrupção ocorre e requer vigilância diária, mas não é um problema exclusivo de organizações profissionalizadas e dependentes de recursos estrangeiros. Isso ocorre nos movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos (é claro), organizações de desenvolvimento de base e, sim, também em organizações doadoras (Lebanon Debate, 2013). A corrupção é uma característica humana que deve ser combatida com traços humanos éticos mais elevados e com mecanismos de responsabilização e transparência. Entretanto, parece injusto considerar isoladamente as organizações dependentes de doação como endemicamente corruptas.
Outra sobreposição demasiadamente simplificada opõe as presumidas agendas globalizadas impulsionadas pelos doadores de ONGs contra a (novamente presumida) agenda nacional mais doméstica dos movimentos sociais populares. Certamente, houve uma série de questões relacionadas com o financiamento estrangeiro de esforços locais, inclusive a equiparação das prioridades dos doadores e as nacionais, as “listas negras” estabelecidas pelos Estados Unidos, a crescente dependência, entre outras; e o financiamento pode, naturalmente, ter um efeito, uma vez que os doadores chegam com suas próprias agendas e prioridades.
Na verdade, há política na filantropia de justiça social (Azzam, 2005), que é uma das razões pelas quais, há cinco anos, muitos de nós criamos o Arab Human Rights Fund (Fundo Árabe de Direitos Humanos), a primeira filantropia regional para os direitos humanos, que leva sugestões de financiamento a partir de preocupações da base e também busca sensibilizar doadores internacionais.2 Até o momento, no entanto, ainda estamos longe de alcançar o volume de financiamento concedido por doadores europeus e norte-americanos, uma vez que potenciais doadores nacionais continuam a temer serem associados ao que é percebido como uma questão “política”. Em muitos países de nossa região, uma autorização governamental é necessária até mesmo para levantar fundos localmente, quanto mais recebê-los do exterior. Essas questões, no entanto, são sintomas de problemas sociais e políticos mais amplos, e não das organizações em si.
Os doadores costumam concentrar suas prioridades de financiamento por suas próprias razões, algumas das quais são estratégicas, outras programáticas e algumas até mesmo políticas, e isso de fato afeta quais temas receberão financiamento em determinado ano. Sem dúvida, as ONGs devem pesquisar as prioridades das organizações doadoras antes de apresentar suas propostas, e muitas tomam decisões em conformidade. Infelizmente, nem todas as ONGs são capazes de negociar com seus doadores para obter apoio ao que consideram questões prioritárias, mas afirmar que as prioridades dos doadores corroeram a capacidade das ONGs palestinas de produzir planos baseados em prioridades nacionais (de novo assumindo que temos as mesmas prioridades nacionais) é injusto e ignora o empenho e trabalho árduo das ONGs palestinas. Para dar apenas um exemplo, como uma agenda externa de financiamento estrangeiro ao Palestinian Center for Human Rights, em Gaza, e à Al-Haq, em Ramallah, apresenta casos de crimes de guerra contra as autoridades israelenses na Europa? Devido a esforços criativos e corajosos de ONGs palestinas a esse respeito, e apesar de diplomatas covardes e tribunais da Grã-Bretanha e de outros países alterarem suas leis para evitar casos de crimes de guerra, oficiais israelenses periodicamente cancelam suas viagens por medo de instauração de processo criminal (Pfeffer, 2012).
Na verdade, o poder dos doadores de impor ativamente suas próprias prioridades ou pontos de vista sobre o trabalho das ONGs é mais limitado do que frequentemente é presumido. Para as organizações doadoras, sempre haverá críticas independentemente do que se faça (Wahl, 2014). Se os doadores são indulgentes com a falta de prestação de contas institucional, eles são acusados de apoiar a ineficiência, as estruturas não democráticas e o elitismo. No entanto, se eles se tornam muito insistentes ou “agressivos”, são acusados de interferir no trabalho de ONGs nacionais e impor sua agenda. Nossa atenção deve ser focada na responsabilidade das organizações em prestar contas e funcionar de forma eficaz e eficiente, além de serem claras e insistentes em sua própria agenda.
Não é tão fácil de perceber uma relação de causa e efeito no argumento de que as ONGs se tornaram executoras de agendas estrangeiras e que isso acontece à custa de outras formas mais nativas de formação da sociedade civil; tal argumento exige uma prova muito mais evidente. É verdade que algumas pessoas optam por buscar dinheiro por meio da formação de ONGs, mas isso não significa que todas as ONGs são formadas dessa maneira, nem explica por que milhares de outras não aderiram ou abandonaram os “movimentos de massa”.
Certamente o auxílio do qual a Palestina tornou-se dependente é uma dura realidade e as consequências que isso teve sobre o discurso e a direção do desenvolvimento e da política merecem muita pesquisa baseada em evidências. No entanto, precisamos aprofundar se a despolitização de projetos financiados específicos necessariamente conduz ou não à despolitização das ONGs ou da sociedade palestina como um todo, como tem sido alegado (Dana, 2013), ou se o discurso internacional de desenvolvimento ou a adesão a uma universalidade de parâmetros normativos, como exigido pelos direitos humanos, forçosamente retiram a legitimidade do que devem ser o discurso e as prioridades específicos da Palestina.
As organizações de direitos humanos têm sido alvo de grande parte dessas críticas, mas a evidência mostra o contrário. Isso ocorre precisamente porque seu ponto de partida é a universalidade e as normas internacionais de direitos e o poder moral e jurídico para reclamá-los contra a ocupação israelense, a Autoridade Palestina e o Hamas. As reivindicações das mulheres por igualdade devem ser subordinadas à luta nacional pela libertação (o usual “não agora, temos que lutar contra a ocupação”), ou será que as organizações de direitos das mulheres serão acusadas de “despolitização” se conduzirem um projeto – financiado por um doador internacional – para alinhar as práticas palestinas às normas internacionais de direitos das mulheres?
Mesmo que algumas ONGs de fato se tornem despolitizadas – o que não é ipso facto algo ruim –, isso não significa que toda a sociedade também o será. O trabalho e os sacrifícios do International Solidarity Movement de inspiração palestina, ou as organizações que documentam assentamentos e violações contra moradores ou demolições de casas e os efeitos do Muro do Apartheid, todos financiados por doadores internacionais, atestam o contrário.
Por vezes é afirmado que a produção de conhecimento também se deslocou em direção a uma “domesticação” neoliberal ou neocolonial da sociedade palestina em aceitar o processo de paz, e que precisamos revitalizar a pesquisa “anticolonial” e libertadora. O conhecimento é fundamental, e quanto maior a produção para informar políticas e construir abordagens de libertação e metodologias de resistência, melhor. Porém, temos de ter cuidado com nossos juízos de valor. O conhecimento deve ser fundamentado na verdade e em análise com credibilidade, independentemente se essa análise é baseada em estruturas coloniais, anticoloniais ou neocoloniais. Exigir que a produção de conhecimento e a pesquisa devam ser direcionadas ou seguir determinado modelo ou análise é um grave erro e uma forma de repressão e limitação sobre a livre investigação. O mundo das ideias e do debate exige criatividade que só pode vir da liberdade de investigação científica longe de exigências ideológicas estabelecidas.
As críticas às ONGs são bem intencionadas e muitas delas, bem colocadas. É louvável e certamente tolerável o desejo de perceber as organizações da sociedade civil como centradas nas pessoas, participativas, democráticas e representativas de forma legítima e sustentável. Entretanto, é incorreto e injusto considerar iguais todos os componentes da sociedade civil e repudiar ONGs “profissionais” como meros instrumentos nas mãos de financiadores e executores de uma agenda política pós-Oslo. É gravemente problemática a alternativa de idealizar “movimentos populares”, sem considerar seriamente algumas das questões políticas e organizacionais por eles enfrentadas. Submeter as ONGs a uma abordagem mais histórica e empírica é uma ideia correta e importante (Jad, 2014), mas isso deve ser aplicado também aos movimentos populares. Há muito a se descobrir com a história desses movimentos e da realidade de seu trabalho nos dias atuais, e se pudermos aprender isso, talvez então nós possamos construir movimentos sociais que consigam representar e defender os interesses de suas comunidades, livres da manipulação política com ou sem financiamento.
Organizações da sociedade civil não devem ser submetidas a uma análise binária ou a soluções prescritivas. A luta pela justiça social pode ser reforçada quando os movimentos sociais de base adotarem os direitos humanos como instrumentos de advocacy para justiça social, democratização e uma ordem social mais justa e equilibrada. Na verdade, essa abordagem do movimento social pode existir lado a lado com defensores de direitos mais “profissionalizados” que trabalham em casos concretos de tortura, direito à terra, despejos forçados, violência contra as mulheres ou liberdade de expressão. Eles desempenham papéis diferentes e complementares.
No entanto, esperar que organizações de direitos humanos se tornem movimentos sociais pode ser mais difícil. O que distingue os direitos humanos de outros modos de trabalho e outros sistemas morais, políticos, religiosos ou sociais é que eles são jurídicos. Os direitos humanos exigem um sistema normativo e a defesa jurídica em defesa dos indivíduos e das comunidades. Embora seja certamente importante inculcar valores de direitos humanos em todos os aspectos da vida social e política, o que os tornam direitos é o sistema jurídico e a responsabilidade, não obstante as opiniões políticas pessoais de defensores ou autoridades. Isso requer um conjunto diferente de habilidades, que são igualmente importantes, como as competências de mobilização social. Dizer que um conjunto de habilidades é melhor, mais legítimo ou mais importante que outro seria fundamentalmente errado. Nós escolhemos onde focar de acordo com nossas inclinações e preferências, avaliações pessoais do que é mais eficaz e até mesmo nossas opiniões políticas.
Há espaço – na verdade, uma carência desesperada – para uma variedade de abordagens. Os atores da sociedade civil não precisam ser todos iguais, nem ter os mesmos objetivos, perspectivas políticas ou métodos de trabalho. Em vez disso, ideias e soluções criativas para os atuais problemas políticos, econômicos, jurídicos e sociais extremamente complicados podem vir de diferentes arenas, diversas metodologias e a partir de um debate aberto, especialmente entre pontos de vista conflitantes.
Devemos confiar no poder das ideias e que colocá-las em prática vai revelar o que faz mais sentido ou o que funciona melhor em determinado momento. O sucesso do movimento Boycott, Divestment and Sanctions (BDS) se deve ao fato de que algumas pessoas tiveram uma grande ideia e isso se tornou um movimento global em razão do poder dessa ideia.3 No entanto, não é apenas errado, mas um grave erro afirmar neste momento que esta ou qualquer outra ideia é a única maneira de libertar a Palestina, e que outro trabalho por ONGs “institucionalizadas” em áreas como investigação jurídica, litígio, desenvolvimento ou capacitação é simplesmente o produto de agendas inspiradas por doadores. O mal-estar e fracasso da política nacional palestina e as estratégias de mobilização não devem ser atribuídos a outros; nem aos doadores internacionais que fazem o que fazem, nem às organizações nacionais que podem ser apoiadas por eles.
Atores palestinos de direitos humanos optaram pelo modelo institucional “profissional”, com um conselho de diretores ou administradores de autosseleção, em que eles podem desenvolver seu trabalho livre de interferência política partidária. Apesar de fazerem um trabalho muito bom, os debates continuam sobre suas “falhas” em estabelecer ou motivar movimentos sociais pelos direitos humanos. Ao mesmo tempo, temos visto mais e mais organizações de desenvolvimento no ambito regional, como a ONG árabe Network for Development, adotarem a linguagem de direitos humanos e a abordagem baseada nos direitos.4
As revoltas árabes desde o início de 2011 revigoraram os movimentos sociais e políticos da região, em especial com a participação de jovens e das ferramentas tecnológicas trazidas por eles. No entanto, esses movimentos ainda não conseguiram criar uma alternativa democrática às ditaduras do passado, embora ainda estejam tentando. Pelo contrário, eles têm sido cada vez mais ameaçados e seus líderes estão sendo presos por manifestarem-se e protestarem, especialmente no Egito (Reuters, 2014). Enquanto isso, as organizações “profissionais” de direitos humanos continuam a defendê-los e articular uma visão normativa sobre justiça social, política e jurídica. São “organizações profissionais” e podem não corresponder à capacidade de mobilização dos movimentos sociais; no entanto, elas fornecem análise e apoio jurídicos essenciais a serem adotados pelos movimentos sociais. Em vez de competirem entre si, os movimentos sociais precisam aliar-se a essas organizações “profissionais”; eles precisam uns dos outros.
É necessário um compromisso de autocrítica em relação às questões abordadas, mas me parece que algumas (não todas) críticas são mal dirigidas e, na verdade, contradizem outros valores que devemos considerar preciosos: liberdade de expressar opiniões e funcionar da maneira que considerarmos melhor para servir nossas comunidades, e confiar no poder das ideias para influenciar a mudança e a cultura pública. A legitimidade deve ser adquirida como um resultado inerente daquilo que se faz, e não a partir de alguns critérios impostos ou de um conjunto de noções de representação que ditam uma ou outra forma de como a aceitação deve ser concedida. Não devemos ter que “representar” alguém para ganhar legitimidade ou para trabalhar para o bem público em direitos humanos ou outros campos de atuação.
1. Que eu saiba, ninguém questiona a legitimidade de representação da Human Rights Watch, por exemplo, ou do Artigo 19, ou do Center for Constitutional Rights, exceto, talvez, alguns governos enfurecidos.
2. Ver The Arab Human Rights Fund, disponível em: www.ahrfund.org . Último acesso em: 31 jul. 2014.
3. Ver: Movimento Boycott, Divestment and Sanctions, disponível em: www.bdsmovement.net. Último acesso em: 31 jul. 2014.
4. Ver: ANND, disponível em: www.annd.org. Último acesso em: 20 jul. 2014.
Bibliografia e outras fontes
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