Os direitos humanos não são somente um meio eficaz para produzir mudanças sociais, mas também um indicador da gestão governamental e da governabilidade democrática de um Estado e, por isso, constituem, em si mesmos, um indicador de mudança social. A partir dessa perspectiva, o desafio é conseguir uma mudança social em que o gozo e o exercício dos direitos humanos tenham plena vigência; daí a importância de que a concepção e a aplicação das políticas públicas governamentais resolvam simultaneamente as novas e velhas agendas pendentes na matéria, o que implica o trabalho de diversos atores, entre eles, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
Responder se hoje em dia os direitos humanos ainda são eficazes para causar mudanças sociais não é uma tarefa fácil, pois isso implicaria fazer uma análise mais extensa e integral do papel deles dentro da sociedade. Não obstante, sem cair em uma visão reducionista, podemos afirmar que eles são, em si mesmos, um indicador de mudança social, o que exporemos neste artigo.
Antes de tudo, é importante lembrar que os direitos humanos, além de constituírem uma categoria jurídica, devem ser entendidos como uma construção social que vem se desenvolvendo e se manifestando de muitas formas diferentes através da história humana, embora tenham sido reconhecidos como um paradigma da democracia moderna somente na segunda metade do século passado.1 Isso explica por que, no momento em que os direitos humanos são regulamentados e têm plena vigência em um Estado, é possível falar de uma sociedade democrática. Dessa perspectiva, o grande desafio de nossos dias é como tornar esses direitos uma realidade para todas as pessoas.
Para responder a essa pergunta, é preciso considerar que, a partir de 1993, se fala de uma visão integral dos direitos humanos, com a Declaração e Programa de Ação de Viena, em que se estabelece que são universais, indivisíveis e interdependentes e estão relacionados entre si. Do mesmo modo, definiu-se que a comunidade internacional deve tratá-los globalmente e de maneira justa e equitativa, em pé de igualdade e dando a todos o mesmo peso (UNITED NATIONS, 1993).
Isso significa que a violação de um direito causa impacto nos outros, afetando-os em seu conjunto, o que gera o menosprezo ou restrição à vida ou qualidade de vida das pessoas.
Não obstante, o exercício integral dos direitos humanos depende das necessidades de cada pessoa e de um determinado contexto, pois não são exercidos da mesma forma, nem ao mesmo tempo; ou seja, a igualdade dos direitos humanos radica na dignidade humana, situando-se além do marco normativo.
Por tudo isso, todo Estado deve identificar os déficits que existem em relação ao gozo e exercício dos direitos humanos de cada pessoa, e desenvolver e aplicar políticas públicas diferenciadas, considerando que em uma sociedade existem exigências e problemas específicos.
Desse ponto de vista, os direitos humanos constituem uma exigência ética-política para os governantes, bem como são um indicador fundamental para determinar a gestão governamental e a governabilidade democrática de um Estado.
Atualmente, discute-se a gestão pública em direitos humanos e ela faz parte do debate político, o que há 20 anos atrás era impossível. Essa nova realidade representa um triunfo político e ético, bem como o desafio de superar uma cultura autoritária que ainda não foi erradicada.
A partir dessa visão dos direitos humanos, é possível atender simultaneamente às velhas e novas agendas, bem como às exigências da sociedade. Um exemplo claro disso são respectivamente os direitos das pessoas privadas de liberdade2 e os direitos à vida privada e familiar e a formar uma família – fecundação in vitro (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, Artavia Murillo et al. (“Fertilización in Vitro”) vs. Costa Rica, 2012).
Sem dúvida, a atenção eficaz às agendas dos direitos humanos é parte vital da mudança social na segunda década do século XXI. No entanto, assim como há novas agendas, também existem novos protagonistas e atores, e um deles é o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que atua através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
Nos seus 55 anos de existência, a CIDH tem trabalhado no cumprimento de seu mandato de promover e defender os direitos humanos na região, o que implica uma constante atenção tanto às velhas como às novas agendas, para assegurar a justiça e a responsabilidade dos Estados por violações de direitos humanos.
Para tanto, a Comissão desenvolveu ao longo do tempo mecanismos e procedimentos, bem como políticas e práticas com o objetivo de enfrentar as graves violações de direitos humanos ocorridas nas Américas. Isso se faz mediante o sistema de petições e casos, o monitoramento da situação dos direitos humanos nos Estados Membros e a atenção as linhas temáticas prioritárias através de suas relatorias.
Mediante suas ações, a CIDH tem sido uma protagonista que cobre os déficits no exercício dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e, portanto, podemos afirmar hoje que se trata de um organismo coadjuvante no desenvolvimento e nas transformações sociais nos países da região.
Como exemplo disso, basta lembrar que a CIDH, depois de suas visitas à Argentina, em 1979, e ao Peru em 1998, divulgou informes nos quais determinou que as leis de anistia com respeito às graves violações aos direitos humanos violam o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Desse modo, a Comissão estabeleceu que, mesmo em contextos de transição democrática nas Américas, existe um dever irrenunciável do Estado de investigar essas violações para garantir justiça às vítimas.
É assim que, de maneira subsidiária e complementar, a CIDH contribui para eliminar os espaços de exceção que ainda prevalecem e que impedem que as pessoas exerçam seus direitos tal e como os Estados concordaram soberanamente nos instrumentos regionais de direitos humanos.
Dessa forma, mediante o exercício de seu mandato, a CIDH busca garantir os processos de consolidação democrática no continente americano, em um claro exemplo de que os direitos humanos constituem atualmente um meio eficaz, mas não isento de dificuldades, obstáculos e, inclusive, em alguns casos, de lamentáveis retrocessos, para produzir mudanças sociais.
Apesar dessas dinâmicas complexas, o mais significativo é quando os distintos sujeitos sociais se apropriam dos direitos humanos como ferramenta de mudança social, política e cultural. Vale a pena analisar todos os avanços conseguidos através de diferentes movimentos como demonstração dessas transformações em processo. Entre outros exemplos, cabe ressaltar os movimentos das mulheres; dos povos indígenas; lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais (LGBTI); bem como de crianças e adolescentes. Em todos esses casos, fazem-se progressos no desenho e na execução de políticas públicas com enfoque de direitos humanos.
1. A aprovação e proclamação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, significou um novo paradigma ao possibilitar a geração de uma comunidade mundial para estabelecer um consenso sobre normas de proteção às pessoas, o que também se traduz na base jurídica internacional dos séculos XX e XXI no que se refere aos direitos humanos.
2. As visitas a centros de detenção foram uma constante nas mais de noventas visitas in loco que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos realizou nos últimos quarenta anos. Cf. Relatoría sobre los Derechos de las Personas Privadas de la Libertad. Disponível em: http://www.oas.org/é/cidh/ppl/default.asp.Último acesso em: mar. 2014.
Bibliografia e outras fontes
UNITED NATIONS. 1993. General Assembly. Vienna Declaration and Program of Action, UN Doc. A/CONF.157/23, Jul. 25. Disponível em: http://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/vienna.aspx . Último acesso em: mar. 2014.
Jurisprudência
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2012, Artavia Murillo et al. (“Fertilización in Vitro”) vs. Costa Rica. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_257_esp.pdf . Último acesso em: mar. 2014