Traçando um panorama do papel da sociedade civil organizada no Brasil a partir do fim da ditadura, o texto investiga questões fundamentais no debate sobre problemas sociais, como a ligação entre violência e desigualdade. Ao constatar que, embora o desempenho da economia brasileira tenha sido bem-sucedido nos últimos anos, estamos longe de remover as causas das desigualdades social, racial e de gênero, o artigo expõe as contradições de um país que cresce ao mesmo tempo em que se agravam as violações de direitos. Inclui-se também uma análise do aumento da responsabilidade das organizações de direitos humanos em função da posição que o país assume no cenário internacional e de como o seu fortalecimento e sustentabilidade são fundamentais para a ampliação da democracia.
O ano de 2014 marca a passagem dos 50 anos da instauração da ditadura militar no Brasil, ocorrida em 31 de março de 1964. Pode-se dizer que o marco legal de encerramento deste período deu-se com a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, há pouco mais de 25 anos. Enquanto a ditadura militar se caracterizou pela supressão das chamadas garantias individuais, como a livre manifestação de pensamento, além da brutal repressão a quem se opusesse contra os atos governamentais, a nova Constituição não só reestabeleceu essas franquias democráticas clássicas, como se abriu para abrigar um mundo de novas possibilidades quanto ao reconhecimento de direitos para sujeitos coletivos, como movimentos sociais, povos indígenas e quilombolas.
No entanto, como em muitas democracias emergentes, o término da ditadura não pôs fim às violações dos direitos humanos, que atingem especialmente os setores mais vulneráveis da população. Estes, a rigor, nunca foram vistos e percebidos como detentores de direitos. São invisíveis. E embora o respeito aos direitos fundamentais seja o alicerce da Constituição de 1988, o aparato estatal não tem sido eficaz em impedir a violação dos interesses desses grupos, que sofrem também as consequências da impunidade que continua a fazer parte do cotidiano do país.
Cabe perguntar qual a razão de mantermos tal situação como condição intransitiva dentro do chamado processo de transição para a democracia no Brasil, e que não se altera, apesar dos avanços que obtivemos. A resposta é relativamente simples: a sociedade brasileira não mudou tão rápido quanto a economia do país. O crescimento do Brasil nos últimos anos o colocou entre as dez maiores economias do mundo, fazendo-o assumir, por exemplo, um papel de destaque na área de agricultura, onde já exerce o posto de maior produtor mundial de proteína animal. Em razão da farta disponibilidade de terras agricultáveis e água, o país é considerado o celeiro do mundo.
Por outro lado, a corrupção, a violência e a desigualdade ainda persistem como grandes problemas. Sobretudo não se reconhece que a desigualdade vai além do aspecto meramente econômico e que tem causas estruturais, fundadas em um legado de discriminação social, racial e de gênero.
Amplas políticas sociais de distribuição de renda retiraram milhões de pessoas da pobreza e têm contribuído para a imagem de um país capaz de superar rapidamente a injustiça social por vias democráticas. No entanto, apesar de todos os indicadores positivos, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo, onde a divisão econômica e social encontra respaldo em fatores políticos e culturais. Os 10% mais ricos da população auferem metade da renda total do país, enquanto os 10% mais pobres recebem apenas 1,1% desta renda. Enquanto mais da metade da população do Brasil detém menos de 3% das propriedades rurais, povos indígenas e comunidades tradicionais, quando reivindicam terras para assegurar sua sobrevivência, são muitas vezes vistos como obstáculos ao progresso.
Para Oscar Vilhena Vieira, a fragilidade de nosso Estado de Direito está relacionada com a desigualdade, “que molda nossas identidades e estrutura as relações sociais”, distorcendo “a percepção de que todos somos igualmente sujeitos dos mesmos direitos e obrigações”. Na prática, a percepção é de que alguns são, de fato, mais sujeitos de direitos do que outros. Segundo Vieira, outro aspecto é o institucional e tem a ver com a cultura corporativista e patrimonialista dos “nossos agentes de aplicação da lei, que parecem estar mais preocupados com o avanço de seus interesses e prerrogativas de grupo, do que com a realização da missão das instituições nas quais estão inseridos”
(VIEIRA, 2014).
Assim, a atual situação econômica e social do país agrega novos desafios ao debate sobre os direitos humanos no Brasil. Em primeiro lugar, há uma crescente contestação aos que defendem direitos humanos em razão da escalada da violência urbana no país, justamente quando a economia brasileira não vai mal.
Aliada a uma crise permanente do sistema de segurança pública, a combinação, ainda não devidamente analisada e compreendida, entre aumento da violência e bons indicadores econômicos disparou uma nova espiral de intolerância para com os defensores dos direitos humanos e suas organizações.
Na verdade, há um acirramento de posturas conservadoras, que vão buscar na constatação do baixo desemprego ao lado de altas taxas de criminalidade e em argumentos rasos sobre a solução para o problema da violência justificativas para tentar viabilizar o endurecimento de leis e punições. Infelizmente, esse tipo de visão tem levado alguns a apoiarem a ação de justiceiros, como no episódio ocorrido em 31 de janeiro de 2014, na cidade do Rio de Janeiro, em que um jovem de 15 anos foi amarrado a um poste, não sem antes ter sido severamente espancado. Aliás, a ação serviu de estímulo para que atos semelhantes se alastrassem país afora de forma absurda e preocupante.
É fundamental refletir sobre esse quadro e seus desdobramentos para assegurar a continuidade legitimada do trabalho das organizações de direitos humanos. Esses novos desafios exigem abordagens inovadoras e diferenciadas sobre o problema da violência, que vão além da invocação dos princípios básicos e universais de proteção da pessoa humana. Há que se fazer um esforço maciço para reverter a percepção pública sobre o que são direitos humanos, percepção essa que se distorce ainda mais em tempos de aumento dos índices de violência.
É preciso que se enfrente, por exemplo, a discussão de que, independentemente de quão bem-sucedido for o desempenho da economia brasileira, estamos ainda longe de remover as causas de nossas mazelas sociais, o que inclusive serviu de combustão para o pavio das manifestações de junho de 2013 e que teima em não mais se apagar. Serviços públicos de qualidade nas áreas de saúde, habitação e transportes não podem ser acessados no mercado privado.
Para uma adequada noção do que significa o drama da péssima qualidade dos serviços públicos às populações de baixa renda, e como isso se reflete sobre os mais diferentes aspectos da vida, vale destacar o que dizem Aline Kátia Melo e Bianca Pedrina no artigo intitulado “Os direitos avançam para todas as mulheres? Não”, que retrata a luta na periferia pelo acesso à casa própria:
O direito à moradia adequada é essencial para a efetivação de todos os outros direitos destinados às mulheres. Para aquelas que moram na periferia, a distância faz o transporte virar um sufoco. Andar pela rua sem iluminação transforma o caminho em medo. Não ter a casa no próprio nome é sinônimo de redenção ao marido agressor ou, então, aos altos preços do aluguel.
(MELO; PEDRINA, 2014).
Não há como adiar o debate sobre se é possível resolver o quadro de violência epidêmica sem que sejam eliminadas as raízes da desigualdade social, racial e de gênero existentes no país. E, neste cenário, será necessário afirmar e reafirmar que essa desigualdade é também uma forma de violência tão grave quanto as outras, porque institucionaliza e perpetua as abissais diferenças entre os diferentes segmentos da população.
Até porque é preciso perguntar se queremos diminuir drasticamente a violência para toda a sociedade, ou se apenas falamos de mantê-la afastada dos seus bolsões mais privilegiados. A resposta a ser dada a essa pergunta vai nos dizer o tipo de desenvolvimento que teremos, bem como a qualidade do processo civilizatório que irá guiar os projetos de futuro de nosso país.
Isso passa por lembrar o que se fazia na África do Sul durante o regime do apartheid, que mantinha os bairros ocupados pelos brancos como uma ilha de tranquilidade, enquanto nos chamados bantustões, onde moravam os negros, a vida era um inferno de violência sem fim. Falta perceber que estamos diante de situação similar quando comparamos a atuação da polícia num bairro rico da cidade de São Paulo com o que se passa nas “quebradas” do Jardim Ângela, na distante e pobre zona sul da mesma cidade.
Também é preciso que falemos dos impactos econômicos do morticínio que se abate sobre os jovens negros das periferias das grandes cidades brasileiras, que, para além do sofrimento e da dor de suas famílias, representa a dilapidação de um capital humano indispensável para o futuro do país. O Brasil, a partir de 2020, poderá enfrentar um déficit acentuado nas taxas de reposição de sua população, o que irá produzir problemas como escassez de mão de obra e, possivelmente, a necessidade de resolvê-la restaurando uma política de imigração mais favorável para a atração de estrangeiros.
Pois há que se mostrar que defender direitos humanos é também dar conta de expor a insensatez de um país que não se preocupa com o extermínio de uma parcela de sua juventude, gerando prejuízos econômicos incalculáveis. Além de um país racista, somos ainda economicamente míopes.
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizado em 2013 e intitulado Vidas Perdidas e Racismo no Brasil, analisou em que medida as diferenças nos índices de mortes violentas podem estar relacionadas a disparidades econômicas, demográficas, bem como ao racismo. O estudo afirma que:
considerando apenas o universo dos indivíduos que sofreram morte violenta no país entre 1996 e 2010, verificamos que, para além das características socioeconômicas – como escolaridade, gênero, idade e estado civil –, a cor da pele da vítima, quando preta ou parda, faz aumentar a probabilidade da mesma ter sofrido homicídio em cerca de oito pontos percentuais.
(CERQUEIRA; MOURA, 2013, p. 14).
Considerando apenas o universo dos indivíduos que sofreram morte violenta entre 1996 e 2010, o Ipea constata que, para além das características socioeconômicas – como escolaridade, gênero, idade e estado civil –, a cor da pele da vítima, quando preta ou parda, fez aumentar a probabilidade do mesmo ter sofrido homicídio em cerca de oito pontos percentuais.
Em Alagoas, por exemplo, os homicídios reduziram em quatro anos a expectativa de vida de homens negros. Entre não negros, a perda é de apenas três meses e meio. A taxa de homicídio para população negra atingiu, em 2010, 80 para cada 100 mil indivíduos. Ali morrem assassinados 17,4 negros para cada vítima de outra cor, o que torna Alagoas o estado que apresentou o pior resultado em todo o país.
O que causa impacto ainda maior é quando se lê no estudo do Ipea que a “expectativa de vida ao nascer é um dos principais indicadores associados ao desenvolvimento socioeconômico dos países”. Um país em que nascer negro agrega à vida tantos riscos quanto estar em meio a uma guerra civil no Oriente Médio ainda tem muito chão a caminhar em sua trajetória civilizatória. Neste contexto, o trabalho de organizações de direitos humanos é essencial e precisa ser fortalecido.
É por isso que os protestos de junho de 2013 colocaram na ordem do dia a urgência do atendimento às exigências feitas aos poderes públicos e privados sobre problemas nas mais diferentes áreas. A população que foi às ruas demandava soluções imediatas, o que reflete uma espécie de sintonia com o lendário discurso de Martin Luther King (I Have a Dream), proferido 50 anos atrás, que falava da “urgência ferrenha do agora” para a solução dos problemas raciais nos Estados Unidos, dizendo “que não é hora de se dar ao luxo de esfriar os ânimos ou tomar a droga tranquilizante do gradualismo” (KING, 1963).
Essa parece ser também a percepção de André Singer, quando afirma que:
novos e velhos movimentos sociais, como o Passe Livre, de um lado, e os Sem-Teto, de outro, decidiram que não adianta mais ficar esperando. Perceberam que o governo de centro-esquerda só vai se inclinar mais para o lado dos dominados se houver pressão. Animados pelos resultados de junho, vão pôr o bloco na rua.
(SINGER, 2014).
Se o contexto acima trata das novas dinâmicas de pressão sobre a situação dos direitos humanos em suas representações mais habituais, há que se observar também que a retomada do crescimento da economia desencadeou um novo ciclo de pressões sobre populações tradicionais e o meio ambiente em que vivem. Isso é um reflexo do planejamento de megaprojetos de infraestrutura, em especial estradas, portos e grandes hidrelétricas. Para se ter uma ideia, das 50 maiores obras de infraestrutura projetadas para edificação em todo o mundo, 14 estão localizadas em nosso país.
Dentre elas, destaca-se a construção de grandes hidrelétricas que provocam imensos danos ambientais e sociais. Hoje, em razão da não contabilização dos impactos socioambientais no seu custo de produção, as hidrelétricas são a fonte de energia mais barata do país. Por conta disso, é enorme a pressão de setores industriais para que o governo brasileiro acelere a construção de grandes usinas na Amazônia, ainda mais que no primeiro semestre de 2014 retorna o debate acerca da necessidade de um novo racionamento de energia por conta das fracas chuvas que caíram sobre os reservatórios localizados na região Sudeste.
Como boa parte dessas obras deverá provocar significativos impactos, isso traz para as organizações da sociedade civil a difícil tarefa de identificar, dentre as múltiplas iniciativas planejadas, quais são as que merecerão uma atenção prioritária, visto os limitados recursos, humanos e materiais, com os quais a maioria dessas organizações conta para a sua atuação.
O estabelecimento dessas prioridades exigirá uma complexa leitura das percepções da sociedade brasileira sobre tal necessidade de expansão da infraestrutura que ofereça instrumentos para a definição das estratégias de como abordar o problema. É fundamental fazer o trabalho e ao mesmo tempo reverter a impressão popular de que essas organizações fazem uma oposição desmedida aos esforços para corrigir as várias deficiências do país no setor de infraestrutura.
As organizações que trabalham nesse campo precisam estar preparadas para apresentar críticas consistentes aos projetos elaborados pelos governos e pelas empresas privadas, fundamentadas em estudos que indiquem de modo claro seus efeitos negativos e as alternativas disponíveis para que as necessidades reais da sociedade possam ser atendidas sem prejudicar populações tradicionais e o meio ambiente. Isso funcionará como antídoto poderoso para bloquear a acusação de que as organizações da sociedade civil são contrárias ao progresso do país e inimigas do desenvolvimento.
É a qualidade da crítica a projetos de infraestrutura que violem direitos humanos que legitimará perante a sociedade a atuação das organizações de direitos humanos, visto que é parte do jogo democrático exercer o controle social de iniciativas de governos e de empresas privadas. E é também o que deverá permitir que se conquistem mais adeptos para as causas de direitos humanos. Inclusive porque a noção de progresso como um valor absoluto há muito vem sendo relativizada, justamente em razão da crise ambiental gerada pelo acelerado processo de desenvolvimento experimentado pelo mundo a partir da revolução industrial.
Para Tzvetan Todorov,
o povo, a liberdade, o progresso são elementos constitutivos da democracia (…), mas se um deles se emancipa de suas relações com os outros, escapando assim a qualquer tentativa de limitação e erigindo-se em único e absoluto, eles transformam-se em ameaças: [passando a constituir os verdadeiros] inimigos íntimos da democracia.
(TESTEMUNHAMOS…, 2014).
A expansão da economia brasileira também proporcionou que o país procurasse dinamizar sua presença nos fóruns internacionais. Nos últimos 10 anos, nos governos Lula e Dilma, uma intensa agenda diplomática potencializou a influência do país junto a diferentes blocos de países. Isso levou o Brasil a aumentar exponencialmente sua liderança, exemplificada na eleição do embaixador brasileiro Roberto Azevêdo para a direção da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Ao mesmo tempo em que isso significa que o Brasil é relevante para influir nos debates dos fóruns multilaterais, também significa que o país, paradoxalmente, em razão do aumento de seu status internacional, ficará menos suscetível a cobranças de outros países para mudar eventuais posturas que agridam os direitos humanos.
Portanto, isso exige que as organizações de direitos humanos se fortaleçam internamente para buscarem, dentro do país, paralelamente ao que é feito na seara internacional, as mudanças de posturas que antes podiam ser alavancadas com a manifestação de inquietação de organismos multilaterais, ou países da Europa e os Estados Unidos.
É certo que essa maior autarquização do país também é impulsionada pelo novo padrão das relações comerciais do Brasil, as quais, antes concentradas na Europa e nos Estados Unidos, diversificaram-se, encontrando agora na China um parceiro econômico relevante para as suas exportações, em especial de produtos minerais e agrícolas. A diversificação traz como consequência a relativização do peso que as vendas de produtos agrícolas brasileiros para Europa e Estados Unidos tinham, até então, na balança comercial. Em razão disso, a pressão que organizações europeias e americanas podiam fazer sobre o Brasil para alterar posturas contrárias aos direitos humanos tende a diminuir.
O fato de sermos vistos como o celeiro do mundo, num momento em que os preços dos alimentos sobem e se mantêm em um patamar elevado em razão da crescente demanda por comida, torna o país ainda mais importante e poderoso no complexo jogo das relações comerciais e diplomáticas, visto que ainda pode demorar muito tempo até que as organizações brasileiras possam contar com aliados na China, por exemplo, para denunciar eventuais violações de direitos humanos por parte de empresas que exportam produtos para aquele país.
De outro lado, a maior presença de empresas brasileiras atuando no exterior, em especial na África e na América Latina, já acarretam para o Brasil o ônus de ser considerado como um país que fere direitos humanos para além de suas fronteiras. Isso aumenta ainda mais o peso da responsabilidade das organizações de direitos humanos daqui, porque é preciso fazer agora com os parceiros africanos e latino-americanos aquilo que até então recebíamos de europeus e americanos. Só que as organizações de direitos humanos neste momento encaram enormes desafios de financiamento de trabalho e estão enfraquecidas.
O ano de 2014 será de fundamental importância para a promoção dos direitos humanos no Brasil, justamente em razão do acirramento da tensão que se iniciou com os protestos de junho de 2013. As chamadas “jornadas de junho” mergulharam o país num turbilhão de acontecimentos que fizeram movimentos sociais, políticos, mídia e outros segmentos da sociedade iniciarem um duro e penoso debate ainda longe de provocar consensos que permitam a formulação de uma agenda de soluções.
Pode-se até dizer que o país anda mais nervoso do que o habitual, como se todos os problemas que estavam submersos, aparentemente esquecidos em razão da melhoria da situação econômica, tivessem emergido de uma vez só, desafiando-nos a lidar com todos eles ao mesmo tempo e, tal como no caso do enigma da esfinge, ameaçando devorar aqueles que não os decifrarem.
É nesse cenário de incertezas e de nervos à flor da pele – influenciado pelo quadro da disputa presidencial, onde se renova o apelo a surtos autoritários que fizeram, por exemplo, o Congresso Nacional discutir uma lei de exceção para combater atos terroristas – que é preciso atuar de forma ainda mais intensa para que a sociedade brasileira não aceite que os direitos humanos sejam deixados para trás, como um peso indesejável do qual precisamos nos livrar porque trava o bom desempenho da economia nacional.
É preciso mais do que nunca expor a contradição de que não se pode falar em país rico, desenvolvido, que seja aceito como integrante do primeiro mundo, enquanto contarmos com a macabra estatística de que a cada 90 minutos uma mulher é assassinada, seja em São Paulo ou nas regiões mais remotas do país.
Assim, impõe-se a tarefa de demonstrar que denunciar o racismo que se manifesta pela desigualdade de renda é um eficaz meio de trabalhar pelo desenvolvimento do país em bases justas e sustentáveis. Que utilizar as salvaguardas dos direitos humanos para proteger os que se encontram em conflito com a lei, serve, por exemplo, para vitalizar e oxigenar o funcionamento das instituições estatais que asseguram o bom funcionamento de uma democracia, como é o caso do Poder Judiciário, sem a qual não existe uma nação próspera e forte.
Esse é o trabalho que as organizações de direitos humanos precisam fazer o Brasil conhecer, o que lhes garantirá a legitimação das suas formas de atuação, assegurando, inclusive, que elas contem com o indispensável apoio financeiro da população, o que é vital para o seu funcionamento de forma independente. Há obviamente um longo caminho para a construção de uma cultura de doações que tenha por foco as organizações da sociedade civil. Contudo, já há iniciativas bem-sucedidas nessa linha em todo o país que apontam positivamente para a necessidade de um investimento forte, além de experiências como as dos chamados fundos independentes – o Fundo Brasil de Direitos Humanos é um exemplo disso – dedicados ao fortalecimento das organizações de defesa de direitos capazes de conduzir o processo de transformação que nos levará a um país melhor.
Bibliografia e outras fontes
CERQUEIRA, Daniel R.C.; MOURA, Rodrigo Leandro de. 2013. Vidas Perdidas e Racismo no Brasil. Brasília: Ipea, nov. (Nota Técnica, n. 10). Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/131119_notatecnicadiest10.pdf . Último acesso em: jul. 2014
KING, Martin Luther Jr. 1963. I have a dream. Washington, EUA: Lincoln Memorial. Aug. 28.
MELO, Aline Kátia; PEDRINA, Bianca. 2014. Os direitos avançam para todas as mulheres? Não. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 mar. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/03/1422445-os-direitos-avancam-para-todas-as-mulheres-nao.shtml . Último acesso em: jul. 2014.
SINGER, André. 2014. Fogo cruzado e confuso. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 mar. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/155405-fogo-cruzado-e-confuso.shtml . Último acesso em: jul. 2014.
TESTEMUNHAMOS a corrosão mundial da democracia. 2014. Folha de S.Paulo, São Paulo, 21 fev. Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2014/02/1415796-testemunhamos-a-corrosao-mundial-da-democracia-diz-todorov.shtml. Acesso em: jul. 2014.
VIEIRA, Oscar Vilhena. 2014. Incivilidade. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 fev. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/oscarvilhenavieira/2014/02/1409207-incivilidade.shtml. Último acesso em: jul. 2014.