Ensaios

Um cobertor para defensoras e defensores de direitos humanos

Rosa Borrás

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1.Introdução

Uma cobija é um cobertor e cobijar significa dar abrigo, oferecer refúgio, proteger alguém. É um verbo, uma ação. Essa é a razão pela qual eu gosto de fazer cobertores de restos de tecidos: isso tem um significado muito simbólico para mim. É por isso que eu decidi fazer um como resposta ao Projeto “Navegando Risco, Gerenciando Segurança e Recebendo Apoio” da Universidade de York.11. “The Security and Protection of Human Rights Defenders at Risk,” Homepage, Security of Defenders Project, 2020, acesso em 16 de julho de 2020, https://securityofdefendersproject.org/. Isso também possui um duplo significado: as defensoras e os defensores de direitos humanos nos protegem, mas nós também precisamos proteger essas pessoas, abrigá-las e cuidar delas. Precisamos mostrar o trabalho que fazem, os riscos que enfrentam e a maneira como lidam com eles.

A definição de cobertor, em espanhol, inclui a ideia de conter algo que não está manifesto ou visível para todas as pessoas, algo que está coberto. Esse cobertor [cujas imagens integram a seleção de peças artísticas da Sur 30] contém peças de roupas que pertenciam a defensoras e defensores no México, das cidades de Puebla, Teocelo e Monterrey (localizadas nos estados de Puebla, Veracruz e Nuevo León), e esse é o conteúdo escondido nele.

Quando comecei, eu não sabia exatamente como iria fazer a colcha. Eu sabia que bordaria palavras ou fragmentos de escritos, que usaria materiais reciclados, que teria gênero como tema e que a presença de defensoras e defensores estaria lá por meio de suas roupas.

Com antecedência, Juliana Mensah e Alice Nah22. Ver o texto de Alice M. Nah e Juliana A. Mensah nesta edição da Sur, “Tornando Visível O Invisível: O Destaque das Jornadas Emocionais de Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos Por Meio da Prática Artística”. me enviaram poemas, transcrições de entrevistas e outros materiais de pesquisa. Eu os achei muito emocionantes e comecei a bordar algumas palavras e poemas, escolhendo-os pelo seu poder, sua beleza e sua universalidade. Escolhi tecidos relacionados com as palavras e suas mensagens.

Depois de terminá-los, pensei que a melhor maneira de construir a peça seria fabricar nove módulos quadrados de aproximadamente 60x60cm cada, sobre os quais eu faria boas composições e organizaria os bordados como peças centrais.

Ao mesmo tempo, eu esculpi algumas pequenas estampas de linóleo, como selos, para imprimir em diferentes tecidos visando chegar a uma unidade visual, ritmo e outras referências gráficas e integrar visualmente todos os quadrados.

Quando terminei os arranjos em cada quadrado, comecei a costurar e bordar à mão todas as sobras e pedaços de tecido e os poemas. Uma vez terminados os nove quadrados, uni todos eles com a máquina de costura.

Depois, coloquei o tecido de apoio no chão do meu estúdio, coloquei o enchimento sobre ele e, finalmente, a colcha de retalhos em cima. Alinhavei, fiz uma bainha e costurei tudo junto com minha máquina.

A etapa final e mais importante foi fazer os nós que mantêm as três camadas unidas para evitar que elas se separem ou se movam. Somente neste momento convidei duas amigas (uma delas é defensora e doou duas camisetas), para me ajudar a costurar pequenos quadrados que eu cortei de todas as roupas que as defensoras e os defensores me deram. Nós os firmamos nos tecidos do cobertor com nós fortes e coloridos. Para mim, esse foi um gesto muito simbólico e talvez o mais importante em todo o processo: as defensoras e os defensores dos direitos humanos nos mantêm unidos e apoiam todos nós com seu trabalho e compromisso.

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2.Sobre os ativistas que participaram com suas roupas

O.V. dirige uma ONG em Puebla dedicada às questões de identidade de gênero e direitos LGBTI+, além de defender os direitos de pessoas que vivem com o HIV. O.V. doou uma linda camisa feita especialmente para ele anos atrás. Ele me escreveu sobre ela: “É uma camisa manta que usei durante a marcha ‘A cor da nossa terra’ em 2000 e que terminou no Congresso Legislativo com o discurso da comandanta Esther. Desde então, eu estou envolvido na defesa dos direitos humanos. O EZLN [Exército Zapatista de Libertação Nacional] e o neozapatismo foram, e ainda são, minha inspiração para fazer o trabalho que faço. Esta camisa foi feita por uma mulher (artesana) em Cuetzalan, Puebla. Se você prestar atenção, verá que é muito bem feita. Não devo evitar lhe dizer que eu senti como se abrisse mão de um objeto cheio de significado e lembranças. Mas ele foi embalado e ninguém podia vê-lo ou saber da sua história. Com seu trabalho, ele vai viver novamente”.

N.A. trabalhou com direitos sexuais e reprodutivos e agora dirige uma ONG com muitos projetos, incluindo formação em assuntos de gênero em Puebla. Ela doou uma camiseta desenhada por ela e seus amigos para uma das Marchas das Vadias realizadas naquele local.

M.A. é jornalista e codiretora de uma página independente de notícias, uma das mais críticas e sensíveis de Puebla e do México, e com uma perspectiva de gênero. Ela doou uma blusa branca que usou em seu dia a dia por vários anos. Atualmente o jornalismo é uma das profissões mais perigosas do México.

T.D.F. é jornalista e dedicou seu trabalho à pesquisa e à escrita sobre diversidade sexual e direitos humanos de pessoas LGBTI+ e transexuais. Ele doou uma camiseta que usou para muitas marchas do Orgulho em Puebla. Ele me explicou que roxo é a cor do orgulho gay.

V.R.A. é codiretora de uma ONG que trabalha em prol dos direitos reprodutivos e sexuais e pela saúde da mulher. Essa organização também oferece seminários e oficinas sobre feminismo e gênero, além de prestar assistência jurídica para minorias em risco. Ela doou duas camisetas, uma das quais foi criada para a 1a Marcha das Vadias em Puebla. A outra foi criada para uma demonstração de conscientização sobre a AIDS.

C.F.P. é professora com especialização em educação intercultural e também trabalhou com questões de gênero. Ela doou uma blusa de manta, a primeira que havia bordado quando começou a trabalhar com as mulheres de sua comunidade, Teocelo, em Veracruz, no México. Essas mulheres a ensinaram a bordar.

C.R.R. é professora, escritora e ativista feminista. Ela trabalha tanto de forma independente quanto com instituições governamentais na concepção e execução de políticas de direitos humanos. Ela integra um coletivo formado por famílias de pessoas desaparecidas em Monterrey, Nuevo León. Ela doou uma camiseta que vestiu em diversas marchas nas quais esteve acompanhada por essas famílias.

G.C. é uma atriz lesbofeminista e diretora de uma companhia de teatro independente. Ela produz o Teatro do Oprimido (TO) e o leva para comunidades distantes e pobres do Estado de Puebla. Ela doou uma camiseta criada para a Marcha das Vadias em Puebla.

Em relação aos escritos e às palavras bordados, eles são baseados em alguns dos poemas de Juliana, além de fragmentos de entrevistas e outros materiais de pesquisa. Aqui, seguem alguns versos dos poemas33. Esses poemas de Juliana Mensah são compostos a partir da transcrição de entrevistas com mulheres defensoras dos direitos humanos participantes do projeto de pesquisa “Navegando Risco, Gerenciando Segurança e Recebendo Apoio”, que se concentra nas experiências de defensoras e defensores dos direitos humanos na Colômbia, México, Egito, Quênia e Indonésia. Ver Security of Defenders Project, 2020, https://securityofdefendersproject.org/.:

Poeira sobre papel

[…]

É uma questão de tentar sobreviver.
Cair mil vezes
e levantar.
[…]

Maior do que o amor

Dor
ausência,
maior do que o amor
algumas pessoas não sabem
o que é ver uma cadeira ou uma cama
que nunca será ocupada
por sua filha.
[…]

Instruções de segurança para mulheres defensoras dos direitos humanos

[…]
Vulnerabilidade ao toque
Para fortalecer as pessoas,
e não o contrário.

Rosa Borrás - México

Rosa Borrás é natural da Cidade do México, onde nasceu em 1963. Estudou Design Gráfico na School of Design, Instituto Nacional de Belas Artes, Escuela de Diseño EDINBA (Cidade do México, 1981-86) e Artes Visuais no Massachusetts College of Art (Boston, 1989-94). Possui diploma em Administração Cultural pela Universidad Iberoamericana (Puebla, 2008). É membro do Museu de Mulheres Artistas Mexicanas (Museo de Mujeres Artistas Mexicanas, MUMA, em espanhol). Ela possui 23 exposições individuais e participou de 49 exposições coletivas tanto no México quanto no exterior. É criadora e incentivadora de projetos culturais independentes e autofinanciados como o Puebla-Cholula Open Studios e Bordando Pela Paz Puebla desde 2012.

Recebido em junho de 2020.

Original em inglês.
Traduzido por Pâmela Almeida.