Para o padre Paolo Parise, o cristianismo é muito mais do que uma fé, é uma prática. Desde a infância na pequena vila de Marostica, no nordeste da Itália, onde nasceu, Paolo vai além das missas e vive o catolicismo no dia a dia, em sua forma mais pura: ajudando os outros.
A maneira como leva sua missão religiosa nada mais é do que o desenvolvimento de uma formação orientada a enxergar o outro como um igual. Sua generosidade, atenção e dedicação são consequência direta da maneira como foi criado. Quando criança, com sua mãe, levava acalento a pessoas doentes que viviam sozinhas. Com seu pai, aprendeu a valorizar e a lutar pelo que é justo.
A sensibilidade que desenvolveu a partir destas experiências transparece em sua atuação como líder espiritual. Atuação esta que é extremamente prática e voltada para o social e já lhe rendeu prêmios de direitos humanos.
Dono de uma sensibilidade e uma espiritualidade aguçadas, aliadas a uma intensa formação religiosa, Paolo Parise decidiu ainda muito jovem entrar para o seminário. Além da criação, ele explica que a forma como enxerga sua própria religiosidade o levou, no caminho da fé, a se doar para as causas sociais. Parar de perceber a sua relação com Deus como uma obrigação ou simples tradição e passar a entendê-la como uma relação não linear, cheia de dúvidas e por vezes até conflituosa o fizeram abraçar ainda mais a missão de ajudar o outro.
A Igreja Católica está dividida em congregações e cada uma delas tem o seu carisma, um tema ao qual seus membros se dedicam. Logo no início de sua formação, aos 19 anos, Paolo escolheu começar a trabalhar com migrantes e refugiados na congregação dos scalabrinianos.
Paolo relaciona a escolha às suas experiências de infância: “Eu diria que (a criação que tive) criou uma certa sensibilidade para eu decidir viver a minha vida religiosa dentro de uma congregação que tem como escolha trabalhar com os migrantes”.
Um de seus primeiros contatos com essas comunidades foi com os turcos que viviam na Alemanha e que, em suas palavras, eram “profundamente explorados”. Outra dessas experiências iniciais foi com pessoas que vinham em geral do norte da África para trabalhar em colheitas na Itália, estas também sofrendo com trabalhos análogos à escravidão.
Algum tempo depois de começar a trabalhar com os migrantes em casa, os estudos deram-lhe a oportunidade de se tornar ele mesmo um migrante, com o objetivo de entender um pouco melhor o que é viver como um expatriado. Apesar da proximidade com o tema, a reação imediata de Paolo foi a negação. “Nunca imaginei sair da Itália, estava bem acomodado”, conta. Após algum tempo de reflexões, porém, ele acabou aceitando e veio para o Brasil.
O que antes era impensável se tornou uma realidade duradoura. Exceto por um breve retorno para a terra natal para ordenar-se padre, já se vão quase 23 anos vivendo no Brasil. “Eu penso que se na época tivesse dito ‘não, não quero’ não seria o mesmo Paolo de agora, seria uma pessoa muito mais pobre em nível de experiência e nível de capacidade de lidar com o outro”, diz.
Em São Paulo, ele chegou em 2010 à paróquia Nossa Senhora da Paz, na Baixada do Glicério. O local abriga também a sede da Missão Paz, organização sem fins lucrativos, ligada à Igreja Católica, que atua acolhendo migrantes e refugiados na capital paulista.
Atualmente a história da entidade e a de Paolo se confundem, tamanha a intensidade com que se doa para a causa. A Missão Paz, porém, data de 1930 e tem uma trajetória que, como define o próprio Padre Paolo, baseia-se no constante diálogo com a realidade e seus desafios.
Ao relatar o trabalho da Missão Paz, padre Paolo reforça que acolher um migrante não é algo pontual, e sim um processo duradouro. Também ressalta que não basta oferecer cama e comida; é preciso ajudar a pessoa migrante a verdadeiramente se inserir na sociedade. Com base nisso, hoje em dia a organização recebe migrantes e refugiados das mais diversas partes do mundo, oferecendo-lhes cama, comida, apoio psicológico, aulas de idiomas e ajuda para conseguir um emprego – fase esta que é apontada como a mais difícil.
Além disso, com o passar dos anos, a Missão Paz percebeu que este trabalho humanitário não era mais suficiente, e decidiu se envolver também nos processos de pressão e advocacy para o desenvolvimento de legislações e políticas públicas que buscam o bem-estar dos migrantes no Brasil. A entidade participou, ao lado de outras organizações, da construção e aprovação da Nova Lei de Migração, por exemplo.
“É um lugar onde há um diálogo constante. E onde, apesar de ter uma identidade clara, ou seja, somos cristãos católicos, tem um profundo respeito para com o outro e suas tradições religiosas”, diz o padre, que nega fundamentalismos e prega a união entre as diferentes crenças.
Para ele, é necessário encontrar pontos em comum entre as religiões. “Quando se age em favor da vida, da dignidade do ser humano, acho que existe uma grande convergência no campo ecumênico, inter-religioso”, explica.
Conflitos entre as crenças, porém, colocam-se como empecilhos na defesa dos direitos humanos. Padre Paolo usa sua experiência com os migrantes para exemplificar tais disputas. Para ele, quem se diz seguidor de Jesus Cristo e age de maneira xenófoba, cheia de preconceito, está fazendo “tudo ao contrário do que foi a mensagem de Jesus”.
Nessa realidade, ele extrapola a questão e não personaliza o problema. Para ele, um conjunto de fatores faz com que os migrantes sejam vistos de maneira equivocada e pouco generosa. A politização da migração, com discursos xenofóbicos professados por políticos populistas e a falta de cuidado da mídia ao tratar do assunto são alguns dos fatores que compõem a questão. Outro ponto a ser considerado é o elemento antropológico de lidar com o desconhecido. “O ser humano sempre diante do desconhecido fica com o pé atrás, fica com desconfiança, isso é natural, só que os outros elementos vão alimentar isto em lugar de se tornar um desafio para conhecer, se transforma em preconceito”, resume.
No seu entendimento, esse tipo de disputa e imposição entre as pessoas vai contra os ideais de Jesus Cristo. “Quando se diz que Deus fez o ser humano à sua imagem e semelhança, isso não é só aquele que eu gosto, aquele que pensa da mesma forma, aquele que faz parte do meu grupinho. É todo ser humano.”
Em poucas palavras: “Tudo que tem a ver com direitos humanos me leva também ao sagrado, porque a vida é sagrada”, diz. Padre Paolo, como muitos líderes religiosos de diferentes tradições de fé, acredita que as religiões devem colocar a vida do ser humano em primeiro lugar. “Tudo que está a serviço da vida nos aproxima. Tudo que está a serviço da morte não tem a ver com Deus”, finaliza. E conclama: “Vamos escrever juntos uma página em favor do ser humano”.