A Campanha das Pessoas Pobres
A Campanha das Pessoas Pobres: Uma Chamada Nacional pelo Renascimento Moral (Poor People’s Campaign: A National Call for Moral Revival, na denominação original em inglês) é uma campanha nacional nos Estados Unidos que está presente em mais de 40 estados do país. Assumindo o legado do Rev. Dr. Martin Luther King, a Campanha tem por alvo as injustiças inter-relacionadas do racismo sistêmico, da pobreza, da devastação ecológica e do militarismo, e da narrativa moral distorcida que as perpetua. Ela está redefinindo a moral, a religião e os direitos humanos por meio de seu modelo de organização de fusão e coalizão e do combate à existência de pobreza nos Estados Unidos. Em junho de 2019, a Campanha das Pessoas Pobres lançou um “Orçamento Moral para os Pobres: Todo Mundo Tem o Direito de viver!” (Poor People’s Moral Budget: Everybody Has the Right to Live!, na denominação original em inglês). O Orçamento Moral estabelece que há uma abundância de recursos para atender às necessidades e demandas dos pobres e, na verdade, se o país alocasse seus recursos para atender a essas necessidades, sua economia cresceria e seu tecido social delicado seria renovado.
Em 17 de junho de 2019, nove dos candidatos à eleição presidencial dos Estados Unidos, entre eles, os principais candidatos democratas − a senadora Elizabeth Warren, o senador Bernie Sanders, o vice-presidente Joe Biden e a senadora Kamala Harris − compareceram a um Fórum de Candidatos organizado pela Campanha das Pessoas Pobres: Uma Chamada Nacional pelo Renascimento Moral (Poor People’s Campaign: A National Call for Moral Revival, na denominação original em inglês).11. Poor People’s Campaign: A National Call for Moral Revival, Homepage, 2019, acesso em 15 de agosto de 2019, https://www.poorpeoplescampaign.org/. Foi o maior fórum de candidatos que ocorreu antes do início dos debates oficiais do partido no final daquele mês e foi o único em que os candidatos responderam às perguntas diretamente das pessoas pobres.
Essas perguntas não foram sobre os planos dos candidatos para fazer crescer a economia americana ou deixas para que repetissem seus refrãos de campanha. Em vez disso, os candidatos foram questionados sobre seus planos para garantir salários decentes aos trabalhadores, saúde para todas as pessoas e um planeta habitável para nossas crianças. Eles foram questionados sobre como planejavam acabar com a supressão de eleitores, os ataques a imigrantes, o encarceramento em massa e os gastos militares descontrolados. Esse público queria saber como os candidatos planejavam fazer nossa economia funcionar para todos, especialmente para as 140 milhões de pessoas22. Shailly Gupta Barnes, “Explaining the 140 Million: Breaking Down the Numbers Behind the Moral Budget.” Kairos Center for Religions, Rights, and Social Justice, 17 de junho de 2019, acesso em 15 de agosto de 2019, https://kairoscenter.org/explaining-the-140-million/. − ou 43% da população dos Estados Unidos − que são pobres ou às quais basta uma emergência para ficarem pobres no país mais rico do mundo.
O fórum dos candidatos fazia parte do Congresso de Ação Moral da Campanha das Pessoas Pobres.33. Thomas Kaplan, "2020 Democrats Adress Poverty and Systemic Racism at Presidential Forum.” The New York Times, 17 de junho de 2019, acesso em 15 de agosto de 2019, https://www.nytimes.com/2019/06/17/us/politics/poor-peoples-forum-2020.html. Também como parte do Congresso, a Campanha divulgou um “Orçamento Moral das Pessoas Pobres: Todos Têm o Direito de Viver!” (Poor People’s Moral Budget: Everybody Has the Right to Live!, na denominação original em inglês).44. “Poor People’s Moral Budget,” Poor People’s Campaign, 2019, acesso em 15 de agosto de 2019, https://www.poorpeoplescampaign.org/budget/. Com efeito, para as 140 milhões de pessoas que são pobres e lutam para sobreviver, a Agenda Moral55. “A Moral Agenda Based On Fundamental Rights,” Poor People’s Campaign, 2019, acesso em 15 de agosto de 2019, https://www.poorpeoplescampaign.org/demands/. e a Declaração de Direitos Fundamentais da Campanha representam uma resposta abrangente ao racismo sistêmico, à pobreza, à devastação ecológica, ao militarismo e à economia de guerra que assolam atualmente o país. Essas exigências são necessárias para garantir nossa sobrevivência. O Orçamento Moral pergunta, tendo em vista os recursos do país, se essas demandas também são possíveis. Ele inverte a questão dos custos e levanta a questão dos benefícios da promulgação da Agenda Moral da Campanha das Pessoas Pobres. Já está custando caro para a nossa sociedade suprimir o direito de votar, não fornecer assistência médica e manter os salários baixos. Há um preço para a desigualdade.
O Orçamento Moral, portanto, enfoca quão melhor nossa nação poderia ser se tratássemos da desigualdade.66. Sarah Anderson, “Opinion: A Moral Economy Would Save Taxpayers Billions Every Year.” MarketWatch, 17 de junho de 2019, acesso em 15 de agosto de 2019, https://www.marketwatch.com/story/a-moral-economy-would-save-taxpayers-billions-every-year-2019-06-17. Declara que a coisa moral a fazer é também a coisa economicamente responsável a fazer. Temos investido em matar pessoas; agora devemos investir na vida. Temos investido em racismo sistêmico e supressão de eleitores; devemos agora investir na expansão da democracia. Temos investido em punir os pobres; devemos agora investir no bem-estar de todos. Temos investido nos ricos e nas grandes empresas; devemos agora investir nas pessoas que construíram este país.
A Campanha das Pessoas Pobres: uma Chamada Nacional pelo Renascimento Moral é um reavivamento da Campanha das Pessoas Pobres de 1968, liderada pelo Rev. Dr. Martin Luther King, Jr. e outros líderes religiosos e de base, para focar a atenção da nação no racismo, no militarismo e na pobreza, reunindo milhões de americanos negros, brancos e pardos que vivem na pobreza. A Campanha de 1968 veio em seguida ao Movimento dos Direitos Civis e reconheceu as limitações deste. Como disse o Rev. Dr. King em 1967: “Nós avançamos da era dos direitos civis para a era dos direitos humanos, uma era em que somos chamados a levantar certas questões básicas sobre toda a sociedade… Devemos reconhecer que não podemos resolver nosso problema agora enquanto não houver uma redistribuição radical do poder econômico e político”.77. “Quotes from Rev. Dr. King’s Last Years: ‘A Revolution of Values’ - Report to SCLC Staff (May 1967),” Kairos Center for Religions, Rights, and Social Justice, 2016, acesso em 15 de agosto de 2019, https://kairoscenter.org/quotes-from-rev-dr-kings-last-years/.
Depois que King foi assassinado, em 4 de abril de 1968, a Campanha de 1968 continuou a organizar essa visão. Em maio e junho daquele ano, três mil pessoas chegaram a Washington, D.C. e montaram acampamento no National Mall. Durante seis semanas, elas revelaram as profundas crises de pobreza com que milhões de pessoas se defrontavam no país. Sua “Cidade da Ressurreição” foi desmanchada pela polícia, mas continuou a inspirar gerações de ativistas, organizadores e clérigos que viram o potencial dessa campanha histórica.
Cinquenta anos depois, a atual campanha retomou essas mesmas questões com intensidade renovada. A partir do Dia das Mães, em maio de 2018, até o Solstício de Verão, em junho de 2018 (no Hemisfério Norte), ela organizou uma temporada de ação moral que abrangeu quarenta estados. Por seis semanas consecutivas, milhares de pessoas que eram diretamente afetadas por pobreza, racismo, devastação ecológica e militarismo, junto com líderes e ativistas morais e religiosos, reuniram-se em capitólios estaduais e em Washington, DC para reuniões de massa, ação direta, teach-ins e eventos culturais. Foram mais de duzentas ações ao longo desses quarenta dias, com mais de cinco mil pessoas se apresentando para a desobediência civil não violenta, dezenas de milhares de testemunhas e milhões de pessoas seguindo on-line e através de mídias sociais. Foi a maior e mais expansiva onda de desobediência civil não violenta do século XXI nos Estados Unidos.
Mais do que apenas uma série de ações e manifestações, a Campanha está catalisando um novo modelo de organização. Segundo muitos critérios, as condições de vida se deterioraram88. “The Souls of Poor Folk,” Poor People’s Campaign, abril de 2018, acesso em 15 de agosto de 2019, https://www.poorpeoplescampaign.org/wp-content/uploads/2018/04/PPC-Audit-Full-410835a.pdf. desde a Campanha de 1968. Temos menos direitos de voto, bons empregos e programas governamentais ou apoio à educação, água, saneamento e moradia. Temos mais desigualdade de riqueza, gente sem moradia, prisões e guerra. Um a cada dois dólares federais discricionários vai para as forças militares do país, enquanto apenas 15 centavos vão para os programas de combate à pobreza. O governo atual está interessado em reduzir ainda mais esses programas, ameaçando a vida de milhões de crianças, idosos, pessoas com deficiências e famílias que lutam todos os dias. Isso inclui mais da metade das nossas crianças (38,5 milhões), 42% dos idosos (21 milhões), 59,7% dos negros não hispânicos (23,7 milhões), 64% dos latinos (38 milhões), 40% dos asiáticos (8 milhões), 58,9% dos povos indígenas (2,1 milhões) e um em cada três brancos (66 milhões) nos Estados Unidos.
O Orçamento Moral das Pessoas Pobres é um esforço para priorizar as necessidades e demandas dos pobres, em vez dos interesses dos ricos e poderosos. Ambos os partidos, Republicano e Democrata, aceitaram maneiras de falar sobre a economia que ignoram quase a metade do nosso país. Por muito tempo, fomos levados a acreditar que aqueles que ocupam posições de influência e poder usariam os recursos disponíveis para a melhoria de nossa sociedade. Essa orientação justificou cortes de impostos para os ricos e as grandes empresas e exigências de trabalho para os pobres; assegurou atalhos ambientais para a expansão industrial e militar em todo o mundo; e rendeu muito pouco para os pobres.
Eu simplesmente questiono por que não há acesso aos serviços de saúde para adultos jovens – aliás, para qualquer um – que não resulte em falência, em tornar-se um sem-teto devido a uma visita ao pronto-socorro, a uma simples visita a um clínico geral, ao custo dos remédios… (Mary Ellen Smith, Carolina do Sul)99. Esta citação e as próximas são de pessoas que participaram ou fazem parte da Campanha.
Isto não ocorre porque haja falta de recursos para enfrentar o racismo sistêmico, a pobreza, a devastação ecológica e o militarismo. Nós somos um país rico. O Orçamento Moral mostra que, se priorizarmos as necessidades e demandas dos pobres, criaremos mais empregos, construiremos nossa infraestrutura e produziremos benefícios de curto e longo prazos que farão nossa economia crescer e protegerão nossos recursos para as gerações futuras.
Nas sete seções do Orçamento Moral,1010. Shailly Gupta Barnes, Lindsay Koshgarian and Ashik Siddique, “Poor People’s Moral Budget: Everybody Has The Right To Live.” Institute for Policy Studies, 2019, acesso em 15 de agosto de 2019, https://ips-dc.org/report-moral-budget-2/. analisamos políticas e investimentos para sete áreas críticas da Agenda Moral das Pessoas Pobres: 1) democracia e proteção igual sob a lei; 2) tranquilidade doméstica; 3) paz e defesa comum; 4) vida e saúde; 5) o planeta; 6) o nosso futuro; e 7) uma economia equitativa. Em cada caso, descobrimos que nossa nação tem recursos abundantes para atender às demandas dos pobres e resolver as injustiças generalizadas e sistêmicas que enfrentamos. Em contraste, as realidades atuais de supressão de eleitores, salários baixos e inconsistentes, acesso inseguro a serviços de saúde e outras necessidades básicas, desigualdade de riqueza, guerra e mudanças climáticas estão nos custando muito caro.1111. Relatório completo e sumário executivo disponíveis em: “Poor People’s Moral Budget,” 2019.
Nosso Orçamento Moral mostra que é possível investir nossos recursos da maneira exigida pela Campanha: estabelecer a justiça, a tranquilidade doméstica, a segurança e o bem-estar geral para todos. Também mostra como a injustiça sistêmica é desperdício. A abundância de nossa sociedade crescerá ainda mais quando deixarmos de investir na manutenção da injustiça em benefício de poucos e nos voltarmos para políticas baseadas nas necessidades de muitos.
Não se trata de uma defesa da caridade ou da boa vontade para com os pobres. Trata-se do simples reconhecimento de que os pobres não são apenas vítimas da injustiça, mas agentes de profundas mudanças sociais. Com efeito, se organizarmos nossos recursos em torno das necessidades dos 140 milhões, o Orçamento Moral mostra que fortaleceremos nossa sociedade como um todo.
A Campanha das Pessoas Pobres tem ressaltado que nossas políticas devem começar com as realidades da vida social e essas realidades devem informar a direção e o conteúdo de nossas políticas. É por isso que insistimos em uma medida de pobreza mais ampla1212. Barnes, “Explaining the 140 Million…,” 17 de junho de 2019. do que a que é usada atualmente e por que continuaremos a insistir na reformulação da definição de pobreza para refletir as condições atuais. É por isso que insistimos em olhar para os problemas enfrentados pelos 140 milhões todos juntos, em vez de separadamente. A vida dos pobres não pode ser compartimentada simplesmente em problema de serviços de saúde, de empregos ou de moradia. Nossas políticas e pesquisas devem, portanto, refletir também a complexidade da vida cotidiana dos pobres.
Trata-se de uma aplicação direta dos princípios fundamentais dos direitos humanos: que nossos direitos são uma dotação universal, indivisíveis uns dos outros e que os mais impactados devem ser incluídos de forma significativa quando se trata das limitações, das restrições e da revogação desses direitos. É também um reflexo dos valores básicos de todas as religiões: que a vida é preciosa e devemos alocar nossos recursos sociais para assegurar a criação do reino de Deus aqui na terra como no céu.
Portanto, começamos com as condições concretas, conforme experimentadas pelos pobres e despossuídos, e as percepções dos pobres. Quando a água de uma família é cortada porque não podem mais pagar por ela e seus vizinhos começam a compartilhar encanamentos de água e mangueiras entre suas casas, fica claro que a questão não é a falta de água. Há muita água para todos; o problema é o sistema econômico que insiste em fornecer água − e outras necessidades básicas − apenas para aqueles que podem pagar por ela. Quando os trabalhadores em lojas de fast food precisam vender seu sangue a fim de ter dinheiro suficiente para pagar luz e gás, fica claro que a questão não é a incapacidade deles ou sua falta de vontade de trabalhar. É que o trabalho em si não paga o que eles precisam para viver, especialmente com o enorme aumento dos custos básicos de vida nas últimas décadas.
Eu experimentei coisas como cortes de água, pobreza e viver com medo de ser tirada de meu lar… Não poder tomar banho, escovar os dentes, ou cozinhar, está errado. Ninguém quer viver na pobreza. Poder viver com suas necessidades básicas, inclusive água, é um direito humano. (Kailani Jones, Michigan)
Essas e outras percepções foram coletadas pela Campanha em reuniões de massa, audiências e prefeituras, quando pessoas pobres e impactadas ofereceram testemunhos sobre as condições em que estão vivendo todos os dias. Seus insights, ao lado de centenas de reuniões comunitárias com milhares de pessoas, direcionaram nossas pesquisas e investigações; e encontramos parceiros capazes em institutos de políticas públicas que estavam dispostos a seguir a direção que surgiu dessas observações e experiências. Em vez de definir abstratamente o problema, nossos especialistas em políticas ajudaram a elevar as experiências concretas e individuais das pessoas a tendências que se desenrolavam em amplas seções de nossa sociedade.
Esta orientação para reconhecer a liderança dos pobres − não apenas como vítimas, mas como visionários − é um aspecto fundamental da revolução de valores que precisamos hoje. Caso contrário, continuaremos a culpar os pobres por nossos problemas, a sermos divididos e colocados uns contra os outros e alimentados com a mentira da escassez no meio da abundância.
As pessoas que mantêm este sistema querem pôr a culpa dessa encrenca em nós, como se tivessem sido nossas escolhas individuais que nos meteram nisso. Temos de corrigir isso – temos de lembrar às pessoas que a falta de moradia não é um fracasso moral individual, é um fracasso moral coletivo da sociedade… Nós somos pobres, mas não somos estúpidos. Sabemos que não somos o problema. Nós somos a solução. (Zalonda Woods, Carolina do Norte)
É por isso que a Campanha das Pessoas Pobres continua organizando e edificando poder1313. William J. Barber Ii and Liz Theoharis, “A Campaign for the Heart and Soul of Our Democracy.” The Hill, 16 de junho de 2019, acesso em 15 de agosto de 2019, https://thehill.com/blogs/congress-blog/politics/448785-a-campaign-for-the-heart-and-soul-of-our-democracy. entre os pobres de hoje, a fim de mudar a narrativa sobre pobreza, políticas de impacto e eleições e mostrar que um novo caminho não é apenas necessário, mas possível. Depois de ser lançado no Congresso Moral das Pessoas Pobres, o Orçamento Moral foi apresentado a todos os membros efetivos do Comitê de Orçamento da Câmara, um dos comitês mais poderosos do Congresso estadunidense, durante uma Audiência do Congresso. Seis depoentes da Campanha falaram sobre as condições de vida que estão enfrentando e recorreram aos fatos e argumentos do Orçamento Moral. Nas próximas semanas e meses, a Campanha continuará a usar o Orçamento Moral para aumentar a conscientização, especialmente nos quarenta estados onde está atualmente organizada. Grupos de estudo e círculos de leitura já se formaram em alguns desses estados e há planos para um estudo mais sistemático desse documento e sua implicação principal: não há razão para a existência da pobreza em um tempo de abundância. Isso tem o potencial de se tornar um grito de guerra para uma enorme Marcha e Assembleia sobre Washington, D.C. que a Campanha está planejando para junho de 2020.
Em todas as regiões do país, pessoas pobres e gente de fé e consciência estão se unindo independentemente de raça, religião, idade, geografia, gênero e sexualidade, partido político e outras linhas de divisão. Uma nova e inquietante força está despertando para reavivar o coração da democracia na América, declarando que é hora de “combater a pobreza, não os pobres”.