Dossiê SUR sobre migração e direitos humanos

Uma força a ser reconhecida

Zenén Jaimes Peréz

Como jovens imigrantes impulsionaram a pessoa mais poderosa do mundo a agir, não uma, mas duas vezes

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RESUMO

O movimento de jovens imigrantes nos Estados Unidos da América (EUA) é um exemplo de como uma comunidade subestimada, sub-representada e desvalorizada pode se tornar uma grande força política quando seus membros lutam por uma causa que os une – neste caso, os direitos dos imigrantes irregulares. Zenén Jaimes Peréz descreve a história do movimento de jovens imigrantes nos EUA – composto por 80% de migrantes da América Latina – e como ele conseguiu pressionar o presidente Obama a sancionar duas ações executivas que trouxeram uma trégua nas deportações e permitiram autorizações de trabalho para milhões de indivíduos, especificamente a Ação Diferida11. A ação cria condições temporárias para que os jovens possam impedir deportações e ter a oportunidade de buscar outros caminhos para regularizar sua permanência no país. A lei não regulariza seu status, mas permite que permaneçam nos EUA e isso não seja considerado um crime durante o prazo no qual a Ação Diferida estiver em vigor para esse indivíduo. para Chegadas na Infância (2012), Deferred Action for Childhood Arrivals, na denominação em inglês, e a Ação Diferida para os Pais de Americanos (2014), Deferred Action for Parents of Americans, na denominação em inglês. O autor explica como o movimento recebeu orientação, instruções e apoio de antigos líderes dos movimentos pelos direitos civis e apresenta sete métodos, táticas e práticas utilizadas pelo movimento de jovens imigrantes na consecução destes objetivos. Peréz conclui observando que, embora o movimento tenha tido um sucesso considerável e impulsionado muitos de seus membros a posições de influência, os desafios estão longe de acabar.

Palavras-Chave

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Nos Estados Unidos da América (EUA), mais de onze milhões de pessoas vivem sem um status imigratório legal, mais do que toda a população da Suécia.22. “Unauthorized Immigrant Population Profiles,” Migration Policy Institute, 15 jan. 2015, acesso em 16 mai. 2016, http://www.migrationpolicy.org/programs/us-immigration-policy-program-data-hub/unauthorized-immigrant-population-profiles. Essa comunidade, conhecida como “imigrantes indocumentados”, vive em todas as partes do país e representa mais de cem nacionalidades e línguas. Muitas dessas pessoas entraram nos EUA sem fiscalização por uma fronteira internacional, enquanto outras ficaram além do período de seus vistos e permaneceram no país sem permissão.33. Ibid. No total, os latino-americanos representam quase 80% da comunidade em situação irregular e mais de 50% dos membros desta comunidade têm menos de 34 anos de idade.44. Ibid. Este “problema imigratório” vem afligindo os políticos por mais de trinta anos e tem levado a imigração a se tornar uma questão central de polarização política.55. Edward Alden, “Winning the Next Immigration Battle.” Foreign Affairs, 11 fev. 2013, acesso em 16 mai. 2016, https://www.foreignaffairs.com/articles/united-states/2013-02-11/winning-next-immigration-battle. No entanto, apenas recentemente os imigrantes indocumentados se organizaram e participaram, de maneiras muito bem-sucedidas, das discussões políticas sobre suas vidas.

No final da tarde do dia 20 de novembro de 2014, jovens imigrantes, suas famílias e seus aliados se reuniram ao redor das TVs para ouvir um discurso que o presidente Barack Obama faria sobre a política imigratória nos EUA.66. David Taintor, “President Obama Announces Immigration Action.” MSNBC, 21 nov. 2014, acesso em 1 mai. 2016, http://www.msnbc.com/msnbc/white-house-outlines-immigration-priorities-ahead-obama-speech. Com grande entusiasmo, os jovens imigrantes finalmente receberam a notícia que eles queriam ouvir: o presidente Obama iria emitir ações executivas para dar a milhões de imigrantes indocumentados uma trégua nas deportações e a oportunidade de obter uma autorização de trabalho por meio de um programa agora conhecido como Ação Diferida para os Pais de Americanos (2014), Deferred Action for Parents of Americans (DAPA), na denominação em inglês.77. “It’s Time to Fix Our Broken Immigration System,” The White House, 21 nov. 2014, acesso em 1 mai. 2016, https://www.whitehouse.gov/.../immigration/immigration-action.

Pela segunda ocasião durante o mandato de Obama, os imigrantes em todo o país forçaram o presidente a agir após o fracasso da reforma legislativa imigratória e o aumento acentuado das deportações de imigrantes durante a sua presidência.88. Tim Rogers, “Obama Has Deported More Immigrants Than Any Other President. Now He’s Running Up the Score.” Fusion, 7 jan. 2016, acesso em 1 mai. 2016, http://fusion.net/story/252637/obama-has-deported-more-immigrants-than-any-other-president-now-hes-running-up-the-score/. As ações executivas de 2014, embora ainda estejam envolvidas numa batalha judicial na Suprema Corte dos EUA, refletiram o alívio que os jovens imigrantes receberam do presidente em 2012, quando ações executivas semelhantes proporcionaram a trégua nas deportações e autorizações de trabalho para os jovens imigrantes elegíveis que chegaram aos EUA quando eram crianças em um programa conhecido como Ação Diferida para Chegadas na Infância (2012), Deferred Action for Childhood Arrivals (DACA), na denominação em inglês.99. Tom K. Wong et al., “Undocumented No More - A Nationwide Analysis of Deferred Action for Childhood Arrivals, or DACA.” Center for American Progress, 20 set. 2013, acesso em 1 mai. 2016, https://www.americanprogress.org/issues/immigration/report/2013/09/20/74599/undocumented-no-more/.

Embora o Partido Democrata e a Casa Branca tenham tentado enquadrar essas ações executivas como escolhas do presidente de ser combativo e arrojado diante do obstrucionismo republicano no Congresso, a verdadeira história é diferente: o presidente Obama foi forçado a fazer isso.1010. Jeffrey Toobin, “An Ideological Scramble on Immigration at the Supreme Court.” The New Yorker, 19 jan. 2016, acesso em 1 mai. 2016, http://www.newyorker.com/news/daily-comment/an-ideological-scramble-on-immigration-at-the-supreme-court. Os jovens imigrantes indocumentados impeliram o presidente e o movimento pelos direitos dos imigrantes adiante por meio de uma série de ferramentas emprestadas e adaptadas de lutas passadas e em curso pelos direitos civis.

Este artigo descreve brevemente as origens do movimento dos jovens indocumentados antes de se aprofundar nos sete métodos, táticas e práticas utilizados pelos jovens indocumentados para impulsionar a política imigratória adiante. Este artigo também irá descrever o trabalho em curso de jovens indocumentados para abordar as violações de direitos humanos ainda enfrentadas pelas comunidades imigrantes nos EUA.

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Origens do movimento de jovens indocumentados: 2001-2012

A história do movimento de jovens indocumentados é complexa e ainda está em transformação. Esta seção aborda alguns dos principais eventos que ocorreram de 2001 a junho de 2012, quando o presidente Obama anunciou a DACA, que forneceu uma trégua administrativa à deportação para mais de 700 mil jovens indocumentados.1111. “Number of I-821D, Consideration of Deferred Action for Childhood Arrivals by Fiscal Year,” United States of America, Department of Homeland Security, Citizenship and Immigration Services, 1 abr. 2016, acesso em 26 mai. 2016, https://www.uscis.gov/sites/default/files/USCIS/Resources/Reports%20and%20Studies/Immigration%20Forms%20Data/All%20Form%20Types/DACA/I821_daca_performancedata_fy2015_qtr4.pdf. Estes eventos e momentos centrais oferecem um panorama sobre o estado atual do movimento.

Em agosto de 2001, o Ato de Desenvolvimento, Auxílio e Educação para Menores Estrangeiros, Development, Relief, and Education for Alien Minors (DREAM Act), na denominação em inglês, foi apresentado pela primeira vez no Congresso com o patrocínio bipartidário dos senadores Orrin Hatch, republicano do Estado de Utah, e Richard Durbin, democrata de Illinois.1212. “Development, Relief, and Education for Alien Minors Act or the DREAM Act, S. 1291, 107th Cong. (2001-2002),” Publicação do Congresso dos EUA. Para conquistar mais co-patrocinadores republicanos, organizações de direitos dos imigrantes buscaram um jovem bem-sucedido nos estudos em Utah que estivesse enfrentado obstáculos de acesso ao ensino superior devido ao seu status imigratório. Isso deu início a uma série de histórias de “estudantes elegíveis a cursar cursos superiores” que os defensores de direitos imigratórios apresentaram aos congressistas, com a esperança de resolver seus casos individuais.1313. Jose Antonio Vargas, “My Life as an Undocumented Immigrant.” The New York Times, 25 jun. 2011, acesso em 1 mai. 2016, http://www.nytimes.com/2011/06/26/magazine/my-life-as-an-undocumented-immigrant.html?_r=0.

No início dos anos 2000, os jovens indocumentados tinham começado a se organizar em Estados como Califórnia, Flórida, Nova Iorque, Massachusetts e Texas. Estes jovens solicitavam “igualdade nos custos da educação” e leis estaduais que eliminassem taxas de matrícula mais elevadas para estudantes indocumentados.1414. Zenen Jaimes Pérez, “Removing Barriers to Higher Education for Undocumented Students.” Center for American Progress, 5 dez. 2014, acesso em 26 mai. 2016, https://www.americanprogress.org/issues/immigration/report/2014/12/05/101366/removing-barriers-to-higher-education-for-undocumented-students/. Em Estados como a Califórnia e o Texas, onde os estudantes indocumentados já haviam obtido “igualdade nos custos da educação” e estabelecido presença nos campi universitários, os estudantes indocumentados formaram grupos de estudantes universitários indocumentados para apoiar uns aos outros e defender o DREAM Act. Este trabalho permitiu que os jovens tivessem capacidade para praticar e desenvolver suas habilidades organizacionais.

No entanto, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a imigração e a segurança nacional passaram a ser associadas de modos novos e preocupantes. Em um ambiente nacional mais intolerante, imigrantes indocumentados se viram vítimas de discriminação racial, detenção e deportação. Em especial, o movimento de jovens indocumentados lutou por dois indivíduos, Kamal Essaheb, em Nova Iorque, e Marie Gonzalez, em Missouri, que corriam o risco de serem deportados.1515. Kamal Essaheb, “Kamal Essaheb And His Two Brothers: Immigrant Success Stories Face Pending Deportation.” Immigration Daily, 10 jun. 2005, acesso em 1 mai. 2016, http://www.ilw.com/articles/2005,0613-Essaheb.shtm. O movimento foi capaz de impedir suas deportações e começou a ganhar experiência em promover novas campanhas para destacar a dor e o sofrimento ainda vivenciados pelos imigrantes indocumentados.

Entre 2004-2005, os jovens indocumentados começaram a se reunir em assembleias nacionais para discutir como aprovar o DREAM Act, tendo em mente que, naquele momento, essa seria uma das únicas soluções legislativas possíveis para as famílias em situação irregular. Grupos de organizações lideradas por jovens indocumentados conceberam ações como o “Sonho da Graduação” e trabalharam com organizações políticas mais renomadas na capital federal em Washington para impulsionar a legislação.1616. Maggie Jones, “Coming Out Illegal.” The New York Times, 23 out. 2010, acesso em 1 mai. 2016, http://www.nytimes.com/2010/10/24/magazine/24DreamTeam-t.html.

Após a derrota da abrangente reforma legislativa imigratória em 2007 – da qual o DREAM Act fazia parte – os jovens indocumentados romperam com as organizações mais renomadas em Washington e decidiram promover o DREAM Act como uma medida legislativa independente.1717. Julianne Hing, “How Undocumented Youth Nearly Made Their DREAMs Real in 2010.” Colorlines, 20 dez. 2010, acesso em 1 mai. 2016, http://www.colorlines.com/articles/how-undocumented-youth-nearly-made-their-dreams-real-2010. Isso deu o empurrão inicial para a criação da rede United We Dream em 2008, uma organização abrangente de jovens indocumentados em busca de justiça para si próprios e para suas famílias.1818. “Our History,” United We Dream, (s.d.), acesso em 1 mai. 2016, http://unitedwedream.org/about/history/.

O ano de 2010 se revelou crucial para as organizações emergentes de jovens indocumentados em todo o país. Os eventos “O Caminho dos Sonhos” (Trail of Dreams, na denominação original em inglês), que foi de Miami, Florida, a Washington, e “Saindo das Sombras” (Coming Out of the Shadows, na denominação original em inglês), no qual os jovens imigrantes “se assumiam” indocumentados, ajudaram a dar destaque à dor enfrentada pelos imigrantes indocumentados em escala nacional.1919. David Montgomery, “Trail of Dream Students Walk 1,500 Miles to Bring Immigration Message to Washington.” Washington Post, 1 mai. 2010, acesso em 1 mai. 2016, http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/01/30/AR2010013001384.html. Eles também prepararam o terreno para a promoção nacional do DREAM Act e a pressão sobre o presidente Obama para proteger jovens indocumentados da deportação.2020. Ibid.

Em algumas ocasiões, essas ações ocorreram em contraste direto com a estratégia promovida pelas organizações mais renomadas de defesa dos direitos dos imigrantes. Essas organizações ainda estavam comprometidas com a ideia de que uma reforma imigratória abrangente era a meta pela qual todos no movimento deveriam trabalhar e, frequentemente, repreendiam os jovens indocumentados por “deixarem seus pais para trás” em suas ações por um DREAM Act separado.2121. Roberto G. Gonzales, “Left Out But Not Shut Down: Political Activism and the Undocumented Student Movement,” Journal of Law and Social Policy 3, no. 2 (2008): 219.

Em 2010, o DREAM Act foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas não no Senado por uma diferença de cinco votos.2222. Ibid. Apesar da derrota dolorosa, os jovens indocumentados se reuniram em Memphis, Tennessee, para o Congresso United We Dream com vistas a mudar a estratégia deles em relação ao presidente, que seguia deportando jovens imigrantes.2323. Julia Preston, “Young Immigrants Say It’s Obama’s Time to Act.” The New York Times, 30 nov. 2012, acesso em 1 mai. 2016, http://www.nytimes.com/2012/12/01/us/dream-act-gives-young-immigrants-a-political-voice.html.

Nos dois anos seguintes, jovens imigrantes em todo o país, em conjunto com a United We Dream e outros grupos não filiados à organização, conduziram protestos públicos pacíficos, interrupções de vias públicas, estratégias midiáticas e judiciais para proteger os jovens imigrantes que estavam enfrentando a deportação.2424. Preston, “Young Immigrants”, 30 nov. 2012. Estas atividades atingiram o seu auge em 2012, um ano de reeleição para o presidente Obama, no qual ele enfrentou uma enxurrada de críticas por não conseguir aprovar a reforma imigratória. Em junho, uma onda de ocupações pacíficas ocorreu dentro da sede do diretório da campanha de Obama na Califórnia e nos principais Estados decisivos para a eleição.2525. Ibid.

As ações contra o Partido Democrata também foram acompanhadas de incidência política e mobilização de congressistas republicanos. Jovens indocumentados negociaram com o senador Marco Rubio, um republicano da Flórida, sobre a possibilidade de impulsionar uma versão do DREAM Act liderada pelos republicanos.2626. John D. Skretny and Jane Lilly López, “Obama’s Immigration Reform: The Triumph of Executive Action,” Indiana Journal of Law and Social Equality 2, no. 1 (2013): iii. A possibilidade de que republicanos liderassem qualquer tipo de reforma imigratória, especialmente proposta por um republicano de origem latina com grandes pretensões presidenciais, levou a Casa Branca e os democratas a responderem de modo resoluto às demandas feitas pelos jovens indocumentados.2727. Ibid.

Além disso, a United We Dream e outras organizações de jovens indocumentados estabeleceram sólidas parcerias com as autoridades jurídicas imigratórias. Conjuntamente, essas organizações foram capazes de realizar críticas incisivas aos argumentos iniciais do presidente de que não se encontrava dentro de seu poder executivo promulgar uma ação executiva que proporcionaria uma trégua administrativa aos jovens indocumentados.2828. Michael Kagan, “Binding the Enforcers: The Administrative Law Struggle Behind Pres. Obama’s Immigration Actions,” University of Richmond Law Review 50 (2016): 665. Essas parcerias ajudaram a fortalecer o braço jurídico dos jovens indocumentados.

Por fim, em 15 de junho de 2012, o presidente Obama anunciou a DACA. Após vinte e cinco anos de derrotas, os jovens indocumentados obtiveram uma vitória significativa – eles pressionaram o presidente Obama para concessão do alívio às deportações. Esta vitória deu aos jovens imigrantes a força, o poder e a determinação para continuar a lutar pelas milhões de pessoas ainda em risco de deportação e preparou o terreno para a pressão exercida em 2013 por uma reforma imigratória abrangente e para os esforços subsequentes pela DAPA e pela interrupção das deportações.2929. Adrian Carrasquillo, “How The Immigrant Rights Movement Got Obama To Save Millions From Deportations.” BuzzFeed, 22 nov. 2014, acesso em 1 mai. 2016, https://www.buzzfeed.com/adriancarrasquillo/how-the-immigrant-rights-movement-got-obama-to-save-millions.

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Os sete métodos, táticas e práticas utilizados pelos jovens indocumentados para a promoção da justiça

Até agora, a história do movimento de jovens indocumentados ajuda a desenhar um retrato das atividades desenvolvidas pelos jovens em todo o país para mudar as políticas públicas. Embora os jovens indocumentados tenham tido de “pilotar o avião ao mesmo tempo em que o construíam”, todas essas atividades e ações não eram desenvolvidas de forma aleatória. Durante essa jornada, os jovens indocumentados receberam orientação, instruções e apoio de antigos líderes e defensores dos movimentos pelos direitos civis que construíram grande parte da estrutura para organização dos movimentos em massa nos EUA.

De fato, diversos princípios e táticas organizacionais, como a de “assumir” seus status, foram tomados emprestados do movimento por direitos LGBTQ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros/Transexuais e Queer) e do prestigioso “Comitê Não Violento de Coordenação Estudantil” (Student Non-Violent Coordinating Committee – SNCC, na denominação original em inglês), que impulsionou os direitos civis dos negros nos anos de 1960. Os sete métodos, táticas e práticas a seguir constituem a estrutura de como os jovens indocumentados obtiveram sucesso na luta pela justiça imigratória.

1. Histórias têm poder

Desde o início, o compartilhamento de histórias pessoais provou ser a ferramenta mais importante para os jovens indocumentados. Antes desta prática generalizada, os ativistas a favor da imigração se baseavam em argumentos jurídicos e econômicos complexos para desenvolver seus argumentos. Somente depois que os jovens indocumentados começaram a compartilhar suas histórias se soube que havia um rosto humano por trás de questões políticas. O país não podia mais ignorar esse problema. Embora as histórias iniciais focassem jovens indocumentados “bem-sucedidos” ou “DREAMers”,3030. DREAMers é como são conhecidos os indíviduos que atendem aos requisitos migratórios dispostos da lei conhecida como DREAM Act (Development, Relief, and Education for Alien Minors); o fato da sigla significar também a palavra sonho em inglês foi utilizado pelo movimento. atualmente, o movimento está divulgando as histórias de imigrantes indocumentados que foram vítimas de racismo, discriminação e criminalização.

O compartilhamento de histórias também foi transformador para os jovens indocumentados. Ao compartilhar suas histórias publicamente, eles enfrentaram possíveis detenções e deportações. Até o presente, o evento nacional “Saindo das Sombras” segue dando aos jovens indocumentados espaço para que eles compartilhem suas histórias humanas complexas e em constante transformação.3131. Raquel Reichard, “Why This Undocumented Latina Launched Coming Out of the Shadows Month.” Latina, 07 mar. 2016, acesso em 1 mai. 2016, http://www.latina.com/lifestyle/our-issues/latina-launches-coming-out-shadows-month.

2. As pessoas mais afetadas estão na dianteira

A United We Dream e várias outras organizações de jovens indocumentados foram fundadas com o propósito expresso de garantir que as pessoas mais afetadas pelo sistema imigratório falido dos EUA estejam na dianteira na tomada de decisões. A presença de jovens imigrantes indocumentados em reuniões com outros ativistas a favor da imigração, formuladores de políticas e com o público mudou a própria percepção dessa comunidade – de uma comunidade desesperada e com medo, para uma nova percepção de que ela é agente de suas próprias decisões.

Na United We Dream, o poder nas tomadas de decisão da organização ainda está baseado neste conceito. A maioria dos funcionários da organização são beneficiários da DACA ou são cidadãos estadunidenses filhos de imigrantes indocumentados. Ademais, o Comitê de Liderança Nacional da United We Dream, um órgão eleito formado por indivíduos selecionados por seções e filiais locais de organizações de jovens indocumentados, define o comando, as perspectivas e a estrutura para os funcionários.3232. “Our History,” United We Dream, (s.d.). Essa estrutura garante que as decisões e estratégias de trabalho estejam profundamente enraizadas nas experiências de pessoas que enfrentaram em primeira mão o sistema imigratório falido.

3. Os jovens estão no centro

Antes dos jovens indocumentados “se assumirem” e construírem suas próprias organizações, diversas organizações mais renomadas de defesa dos direitos dos imigrantes não deram espaço para que os jovens crescessem e desenvolvessem suas habilidades. Na verdade, muitas destas organizações eram hostis à ideia de jovens tomarem decisões políticas centrais.3333. Preston, “Young Immigrants”, 30 nov. 2012. A United We Dream e outras organizações de jovens imigrantes indocumentados inverteu essa lógica, garantindo que os jovens estivessem coordenando as principais decisões organizacionais em âmbito local, regional e nacional, e tivessem um espaço substancial no processo de tomada de decisões, ao mesmo tempo em que estivessem trabalhando de modo intergeracional em suas comunidades.

4. O trabalho avança por áreas temáticas

O movimento de jovens indocumentados não existe dentro de seu próprio casulo. O movimento está envelhecendo, bem como vários outros movimentos de jovens, comunidades não brancas, comunidades marginalizadas, que também estão defendendo seus direitos nos EUA.3434. John Eligon, “One Slogan, Many Methods: Black Lives Matter Enters Politics.” The New York Times, 18 nov. 2015, acesso em 1 mai. 2016, http://www.nytimes.com/2015/11/19/us/one-slogan-many-methods-black-lives-matter-enters-politics.html. Os jovens imigrantes indocumentados não somente transformaram a política imigratória; eles também tiveram uma participação fundamental em várias questões que afetavam suas vidas e o país que vão desde a reforma educacional até a reforma no sistema de justiça criminal.

Esta questão está claramente refletida na enorme quantidade de colaboração entre as organizações de jovens imigrantes indocumentados e as organizações de direitos LGBTQ. Em 2012, um grupo de jovens LGBTQ em situação irregular se uniu para fundar o Projeto Queer de Imigrantes Indocumentados (Queer Undocumented Immigrant Project – QUIP,3535. “Queer Undocumented Immigrant Project,” United We Dream, (s.d.), acesso em 1 mai. 2016, http://unitedwedream.org/about/projects/quip/. na denominação original em inglês), um programa da United We Dream cuja missão é reunir imigrantes LGBTQ e aliados da causa para enfrentar as barreiras sociais e sistêmicas que afetam eles próprios e as comunidades LGBTQ e de imigrantes num sentido mais amplo. Este projeto ajudou a transformar os âmbitos de incidência tanto imigratórios quanto LGBTQ, que anteriormente não tinham diálogo ou trabalhavam em conjunto.3636. Ibid.

5. Construindo comunidade e identidade

As organizações de jovens indocumentados não servem somente para realizar mobilizações a favor de mudanças de políticas públicas; elas também são locais para a construção de uma identidade comum e compartilhada. Muitas vezes, os eventos da United We Dream se tornam o lugar onde os jovens indocumentados se encontram e fazem amizades com outros jovens que tiveram experiências similares e compartilham suas indignações contra a falta de justiça.3737. Deepak Bhargava e Rea Carey, “For Love and Country: LGBT Americans and Immigration Rights.” The Huffington Post, 02 fev. 2016, acesso em 1 mai. 2016, http://www.huffingtonpost.com/deepak-bhargava/lgbt-immigration_b_2542034.html. Essa identidade comum, criada tanto de maneira intencional, quanto ad hoc ao longo dos anos, ajuda a criar uma comunidade de líderes que, por fim, levará adiante campanhas, ações e políticas.

6. A mobilização ocorre na base

Embora as organizações e os líderes dos jovens indocumentados tenham ganhado proeminência nacional nos últimos seis anos, a United We Dream e outras organizações ainda têm a missão central de mobilizar as bases. Esta teoria organizacional está baseada em um estilo desenvolvido pela primeira vez por Ella Baker, uma líder do movimento pelos direitos civis dos negros. O modelo de Ella Baker está baseado na ideia de que as comunidades têm as respostas e os recursos de que precisam para criar a mudança que desejam.3838. Charles Payne, “Ella Baker and Models of Social Change,” Journal of Women in Culture and Society 14, no. 4 (1989): 885-898. O papel do mobilizador é empoderar as comunidades de base utilizando ferramentas e recursos para articular e implementar as respostas que elas próprias possuem.

Este modelo foi colocado em prática na luta de dois anos pela DACA. Jovens indocumentados enfrentaram detenção e deportação, apesar das alegações do presidente Obama de que os jovens não estavam sendo deportados. Estes jovens sabiam do que eles precisavam: o alívio nas deportações e a possibilidade de trabalhar livremente. O papel mobilizador da United We Dream era de ajudar os jovens indocumentados a articular esta solução com uma ação direcionada e pacífica.

7. Tem que haver lugar na mesa de tomada de decisões políticas

Nos estágios iniciais do movimento dos jovens indocumentados, os mobilizadores e líderes trabalharam completamente de “fora”. Os jovens indocumentados coordenaram ações, comícios e eventos para que os jovens se assumissem, enquanto defensores e advogados do Partido Democrata e outras organizações renomadas se reuniram com representantes eleitos e outros formuladores de políticas públicas. Os jovens indocumentados perceberam de imediato que isso não era adequado. Uma mudança deliberada ocorreu em seguida e as organizações de jovens indocumentados aprenderam como pressionar “de fora”, bem como “de dentro”. Pela primeira vez na história, imigrantes indocumentados se reuniram com senadores, representantes e, até mesmo, com o presidente para expor suas reivindicações e impulsionar suas próprias políticas.

04

O que ainda deve ser feito

Apesar de ter conquistado o alívio das deportações para milhões de imigrantes indocumentados, os jovens indocumentados ainda estão trabalhando para promover os direitos humanos das comunidades de imigrantes. O mandato do presidente Obama tem sido marcado por uma associação intrínseca entre a imigração e o sistema de justiça criminal. O governo Obama encaminhou a deportação de quase três milhões de imigrantes fazendo uso do mantra “Famílias, não criminosos”.3939. Christie Thompson, “Deporting ‘Felons, Not Families’ Obama’s Immigration Plan Has No Room for Criminals. But What’s a Criminal?” The Marshall Project, 21 nov. 2014, acesso em 1 mai. 2016, https://www.themarshallproject.org/2014/11/21/deporting-felons-not-families#.TW9Xb26Eg. Essa associação ocorreu durante uma intensa discussão de âmbito nacional sobre os efeitos do encarceramento em massa das comunidades não caucasianas.4040. Thompson, “Deporting ‘Felons, Not Families’ Obama’s Immigration Plan,” 21 nov. 2014. Atualmente, os jovens indocumentados estão enfocando como solucionar essa incongruência flagrante compartilhando as histórias dos “DREAMers”, pais e comunidades que enfrentam detenção e deportação – muitas vezes, simplesmente devido a uma condenação tão irrelevante quanto a posse de maconha – e a enorme quantidade de dinheiro gasto com a detenção de imigrantes, incluindo de mulheres e crianças.4141. Ibid.

Além disso, a luta pelos direitos dos jovens indocumentados não terminou com a DACA e a DAPA. A vitória de 2014 da DAPA não se concretizou devido a uma ação legal movida pelo Procurador Geral do Texas e outros vinte e seis Estados.4242. Linda Greenhouse, “When Smart Supreme Court Justices Play Dumb.” The New York Times, 27 abr. 2016, acesso em 1 mai. 2016, http://www.nytimes.com/2016/01/28/opinion/when-smart-supreme-court-justices-play-dumb.html. Os oposicionistas republicanos afirmam que o presidente ultrapassou seu poder executivo ao criar essa política.4343. Ibid. Atualmente, a vitória está sendo considerada pelo Supremo Tribunal dos EUA, onde oito juízes devem decidir se cinco milhões de imigrantes indocumentados podem se inscrever para o alívio à deportação e a autorização para trabalhar.

Atualmente, diversos ativistas mais antigos da United We Dream e também de outras organizações de jovens indocumentados estão em posições de influência e liderança dentro do Partido Democrata e das campanhas presidenciais de Hillary Clinton e Bernie Sanders.4444. Luisa Laura Heredia, “More Than DREAMs: How DREAMer Activism Is Breaking Down The Walls That Divide The Undocumented Community,” NACLA Report on the Americas 48, no. 1 (2016): 59-67. As vidas e carreiras desses ativistas foram transformadas por suas participações no próprio movimento, as quais lhes tornaram agentes poderosos de mudança no momento presente. No entanto, a tensão da manutenção entre uma identidade política externa e a participação dentro da própria estrutura partidária continua a causar muita discussão e debate entre os grupos de jovens indocumentados em todo o país.

Apesar destes desafios, os jovens indocumentados têm impulsionado avanços na política imigratória, ao mesmo tempo em que constroem uma nova plataforma para que os jovens não caucasianos se envolvam na política. Os métodos, as táticas e as práticas descritas anteriormente têm sido fundamentais para levar o movimento de jovens indocumentados ao lugar que ele ocupa hoje. O uso destas ferramentas logrou duas vezes a medida administrativa por parte do presidente dos EUA e levou uma abrangente reforma legislativa imigratória para sua posição mais avançada em vinte e cinco anos. Essas ferramentas vão se adaptar, evoluir e se expandir à medida que o movimento de jovens indocumentados continue amadurecendo.

Zenén Jaimes Peréz - México / EUA

Atualmente, Zenén Jaimes Peréz é analista político e de advocacy da United We Dream, a maior rede de jovens imigrantes dos Estados Unidos da América (EUA). Zenén vem compartilhando suas pesquisas e investigações por meio de várias publicações, ferramentas on-line, conferências, apresentações e reuniões com formuladores de políticas públicas nacionais, estaduais e locais. Anteriormente, ele trabalhou como analista político sênior na Generation Progress, a seção de engajamento com a juventude do Center for American Progress, em Washington, nos EUA. Zenén também trabalhou nas organizações Advocates for Youth e Gay & Lesbian Victory Fund.‬‬‬‬
Sendo o primeiro membro de sua família a frequentar uma universidade, Zenén se formou na Universidade de Georgetown em 2013 e tem passado grande parte de seu tempo lutando pela igualdade educacional para os alunos imigrantes. Sua família é de uma pequena cidade no México chamada Palmar Chico, Estado de México.‬

Recebido em maio de 2016

Original em inglês. Traduzido por Fernando Sciré.