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Refletir para avançar

Laura Dupuy Lasserre

Dez anos do Conselho de Direitos Humanos da ONU

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RESUMO

Em comemoração ao décimo aniversário do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), Laura Dupuy Lasserre reflete sobre suas conquistas e como o conselho pode melhorar nos próximos anos. Dupuy Lasserre examina em especial o processo de Revisão Periódica Universal (RPU) e sua importância enquanto mecanismo de luta por efetivação de direitos humanos. Ela aponta que a maior coordenação entre os mecanismos regionais de proteção de direitos humanos na África, Europa, Américas e o CDH da ONU pode fortalecer debates internacionais. Em seu texto, lembra que os países do Sul Global tiveram um papel positivo no Conselho, levantando temas que mostram a interdependência entre direitos econômicos, sociais e culturais e direitos civis e políticos. Ela conclui afirmando que o CDH garantiu a existência de um fórum que ao mesmo tempo oferece um papel a cada país que participa e um espaço de trabalho conjunto a fim de construir um mundo mais justo baseado nos princípios da ONU.

Palavras-Chave

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Dez anos após a criação do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, vale refletir sobre as realizações nessa área e sobre as possíveis melhorias para enfrentar os desafios do pleno exercício de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais por todas as pessoas.

Sem dúvida, a Revisão Periódica Universal (RPU) da situação dos direitos humanos de todos os Estados membros da ONU tem sido um mecanismo inovador, de avaliação por pares, que envolve uma representação de alto nível no momento da apresentação do país. Isso, aliado à participação, de uma forma ou de outra, nas diversas fases do processo, de agentes da sociedade civil, como organizações não-governamentais (ONGs) ou instituições nacionais de direitos humanos (INDH), resulta em maior impacto no campo, na hora de monitorar as recomendações formuladas.

O processo da RPU tende a refletir as formas de convivência social e participação política de cada país e, por sua vez, quando adotado de boa-fé, tem o potencial de influir no aprofundamento de uma sociedade democrática, constituindo uma oportunidade de diálogo e participação social. O risco é que seja adotado de modo superficial como uma formalidade a mais para dar respostas por vezes vazias de conteúdo ou insinceras ao Conselho, sem as etapas nacionais anteriores e posteriores de intercâmbio interinstitucional de ideias, com todos os poderes do Estado e com representantes da sociedade civil. Nesse sentido, o monitoramento de todas as recomendações torna-se muito relevante e podem contribuir para ele do lado de fora – entre outros – os órgãos dos tratados, os procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos, os sistemas regionais de direitos humanos, além do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (EACNUDH), das Nações Unidas e das ONGs.

Em relação ao próprio fórum internacional, ele proporciona a oportunidade de que os Estados se comprometam publicamente uma vez mais em relação a valores, possam mostrar os esforços empreendidos – de acordo com os recursos disponíveis –, além de identificar falências que justificam novos esforços – e, eventualmente, apoio da comunidade internacional – e possibilitar o compartilhamento de melhores práticas.

Se uma coisa ficou clara é que cada país – independentemente de seu nível de desenvolvimento – pode sentir-se orgulhoso por alguma realização e mostrá-la, o que, por sua vez, torna-se algo inspirador para outros países.

Os Estados que participam do diálogo o fazem com críticas construtivas, procurando superar seus pares, o que em si é uma mudança de tom e de espírito, passando de uma crítica isolada por tema ou por país para uma lógica de estímulo à melhoria integral de um país, que possibilita a identificação de áreas a priorizar ou onde cooperar, sempre de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos.

Para além da RPU, vale destacar a evolução positiva – salvo exceções que entendemos que possam ser transitórias – no sentido de um compromisso com a democracia por parte dos países, constituindo uma sociedade democrática na qual impere o Estado de Direito, a garantia para que haja o gozo dos direitos humanos.

Apesar dessa ligação entre democracia, Estado de Direito e direitos humanos e liberdades fundamentais ser bem conhecida, ela nem sempre foi valorizada e vocalizada por líderes políticos. É, sem dúvida, igualmente essencial para que uma sociedade seja estável e pacífica e, portanto, para evitar conflitos internos e externos. Por isso, a agenda de direitos humanos para o futuro deve aprofundar-se nessa perspectiva, na qual constitui um investimento, não uma despesa, e tem um alto impacto ou um potencial preventivo.

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Essa ênfase na democracia – entendida não apenas como eleições regulares –, no Estado de Direito e nos direitos humanos e nas liberdades fundamentais é reforçada por diversos compromissos regionais ou sub-regionais. Eis a importância dos sistemas de direitos humanos, como o europeu, o interamericano ou o africano – que tem sido reforçada tanto pelos relatórios do país como pelas análises temáticas sobre questões sensíveis em várias sociedades – e outros sistemas mais recentes, praticamente em construção, porque geram sinergias com o sistema universal da ONU. A coordenação entre esses mecanismos deve aumentar.

Esses sistemas, além de proporcionar um monitoramento mais próximo das realidades dos países da região ou sub-região, podem levar a consensos acerca dos temas, que então podem ser levados à arena internacional como uma valiosa contribuição.

Poderia ser o caso de o sistema interamericano trabalhar no combate às diferentes formas de discriminação, seja por meio de um instrumento jurídico, seja pela via de um compromisso entre as autoridades setoriais, como as da saúde, por exemplo, abordando a inclusão de membros da comunidade LGBTI. Esse foi o caso da decisão tomada pela Organização Pan-Americana da Saúde, que inclui os países do Caribe, levada em seguida à Organização Mundial da Saúde pelo GRUA,11. Grupo Regional das Nações Unidas, nesse caso, o GRULAC. como exemplo da necessária superação de práticas, políticas ou normas nacionais de longa data que precisam ser revisadas para versar de modo abrangente e adequado – de acordo com os direitos – sobre uma problemática de saúde. No âmbito do Conselho de Direitos Humanos, em 2014 alguns países latino-americanos tomaram a iniciativa de voltar a abordar a temática da orientação sexual e da identidade de gênero para ajudar a combater a violência e a discriminação por tais motivos e promover, por sua vez, a inclusão social e o respeito aos direitos inerentes a todas as pessoas.

Da mesma forma, em termos intergovernamentais, países de determinada região, após trocas de experiências valiosas, podem alcançar compromissos políticos para o avanço de normas, políticas públicas ou práticas que têm provado sua eficácia e eficiência. Entre eles podem ser citados o monitoramento na América Latina e no Caribe, com o apoio da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), da Declaração do Cairo de 1994 sobre População e Desenvolvimento das Nações Unidas, que foi sucedida pelo Consenso de Montevidéu de 2013 e, agora, por um manual operacional que engloba inúmeros temas, muitos deles bastante sensíveis, como a saúde sexual e reprodutiva, questão crucial para as mulheres, principalmente para prevenir a gravidez entre as adolescentes e as mortes maternas por causas evitáveis.

Em última análise, os países em desenvolvimento não têm evitado os debates acerca de temas sensíveis no Conselho de Direitos Humanos, embora seja verdade que tendem a se polarizar sem necessidade, uma vez que muitas delegações refletem as normas do país ou o posicionamento de certos líderes políticos. As questões sensíveis exigem mudanças culturais e isso dificilmente ocorre da noite para o dia por meio de um único debate público, que, justamente por ser público, endurece ainda mais as posições.

O envolvimento de outros países do Sul pode contribuir para uma evolução das posições nacionais, em especial quando se constata que não se trata de impor formas de pensamento único ou de condicionar toda a cooperação a um tema de interesse do doador e, inversamente, mostra-se uma experiência bem-sucedida sob o ponto de vista social, que respeita os direitos humanos de todas as pessoas.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável poderiam ser o marco para o progresso nesse sentido, pois os direitos humanos permeiam a agenda de todas as metas.

Os países em desenvolvimento têm trazido ao Conselho de Direitos Humanos com maior força as questões que tornam o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais interdependentes dos direitos civis e políticos e das liberdades fundamentais. Esses países têm sido pioneiros em diversos temas, como o direito à água potável e ao saneamento, os direitos humanos e as mudanças climáticas, o direito à moradia adequada, exemplos de estratégias das políticas sociais para o combate à pobreza extrema e a superação da pobreza e de relevância nas situações de crise, etc.

Da mesma forma, com base em suas experiências históricas, os países em desenvolvimento têm trabalhado duro em relação ao direito à verdade, à negociação de uma Convenção contra os desaparecimentos forçados, entre outros.

Embora a diversidade seja grande no mundo, o caminho a não seguir é o do relativismo cultural no que diz respeito aos valores que são comuns à Humanidade e aqueles que constituem a dignidade da pessoa.

O Conselho tem permitido mostrar o papel desempenhado por cada um dos países da comunidade internacional, que trabalham com o mesmo objetivo, tendo por base os princípios e propósitos das Nações Unidas, considerando que os pilares dos direitos humanos, da paz e segurança e do desenvolvimento encontram-se interligados.

Laura Dupuy Lasserre - Uruguai

V. Exa. Embaixadora Laura Dupuy Lasserre foi Presidente do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (de junho de 2011 a dezembro de 2012, 6º ciclo, nomeada pelo GRULAC) e foi Representante Permanente do Uruguai junto ao Escritório das Nações Unidas e outras Organizações Especializadas em Genebra (de outubro de 2009 a outubro de 2014). Ela também foi Presidente-Relatora do Fórum Social 2010 do Conselho de Direitos Humanos: “Mudança Climática e Direitos Humanos” (4 a 6 de outubro de 2010). Atualmente, ela é Diretora-Geral de Assuntos Técnicos Administrativos do Ministério das Relações Exteriores do Uruguai.

Recebido em maio de 2016

Original em espanhol