Como o caso VEJA versus AMSA na África do Sul foi uma vitória para os ativistas e quais lições ele oferece para futuras batalhas pela liberdade de informação
Uma recente decisão da Suprema Corte de Justiça da África do Sul (Company Secretary of Arcelormittal South Africa and Another versus Vaal Environmental Justice Alliance) representa uma importante vitória do direito das comunidades ao acesso à informação controlada pelo setor privado. O acesso à informação é, frequentemente, uma condição necessária à efetivação de outros direitos, neste caso, do direito ambiental. As comunidades e organizações da sociedade civil precisam ser devidamente informadas a fim de apurar o caráter do dano ambiental e como responsabilizar os responsáveis por causá-lo. Neste estudo de caso, Lisa Chamberlain reflete sobre a decisão da Suprema Corte da África do Sul e tira lições importantes para as comunidades e os advogados de direitos humanos que lhes prestam auxílio.
Considere o seguinte exemplo: um empreendimento industrial de grande escala é desenvolvido em uma comunidade agrícola periurbana próspera. Com o passar do tempo, o gado que pertence aos membros desta comunidade começa a ficar doente e morrer. Os membros da comunidade notam uma névoa cinzenta constante sobre suas casas, lojas e fazendas e começam a sofrer diversas doenças respiratórias. Torna-se cada vez mais difícil o cultivo, e a água sai das torneiras esbranquiçada e com sabor amargo. As pessoas começam a se afastar da zona outrora próspera. Aqueles que ficam suspeitam que seus problemas são resultado da poluição causada pelas fábricas nas imediações. Caso eles estejam certos, as empresas que detêm e dirigem estas fábricas violaram os seus direitos a um ambiente que não seja prejudicial à saúde e ao bem-estar consagrado no artigo 24 da Constituição da África do Sul.11. A Seção 24 da Constituição da República da África do Sul, de 1996, estabelece que: “Toda pessoa tem o direito (1) a um meio ambiente que não seja prejudicial a sua saúde ou bem-estar; e (2) a ter o meio ambiente protegido, para o benefício das gerações presentes e futuras, por meio de medidas legislativas e outras iniciativas que (a) previnam a poluição e degradação ecológica; (b) promovam a conservação; e (c) garantam um desenvolvimento ecologicamente sustentável e a utilização de recursos naturais, promovendo um desenvolvimento econômico e social adequado”. No entanto, aqueles que permanecem também sabem que apenas suspeitas não são suficientes para provar uma violação de direitos. Eles precisam de informações para poder demonstrar isso.
Essa história não é apenas um exemplo hipotético. Ela é a história dos esforços empreendidos pela Vaal Environmental Justice Alliance (Aliança Vaal para Justiça Ambiental ou VEJA na sua sigla em inglês), na denominação original em inglês – uma aliança de organizações de base comunitária, comunidades afetadas e ativistas ambientais22. Para mais informações, ver: Vaal Environmental Justice Alliance (VEJA), acesso em 7 set. 2015, https://www.facebook.com/pages/Vaal-Environmental-Justice-Alliance-VEJA/322703054542182. –, para obter os documentos necessários em seus esforços empreendidos para responsabilizar a subsidiária sul-africana da empresa ArcelorMittal (AMSA), pela contaminação em grande escala de uma área conhecida como Vanderbijlpark, na África do Sul.33. A ArcelorMittal é a maior produtora de aço do mundo. Ela também é uma história e uma batalha que resultou em um dos julgamentos mais significativos para o acesso à informação na África do Sul nas últimas duas décadas. Este estudo de caso visa discutir o julgamento e oferecer algumas reflexões sobre as lições que podem ser aprendidas a partir dele.
Uma das características interessantes da Constituição da África do Sul é que ela contém o direito de acesso à informação, não somente às informações do Estado, mas também às informações do setor privado. A seção 32 (1) estabelece que:
Toda a pessoa tem direito de acesso à
(a) qualquer informação em posse do Estado; e
(b) qualquer informação em posse de outra pessoa e que seja necessária para o exercício ou proteção de qualquer direito.
Claramente, há uma diferença entre o direito aplicável contra um organismo público e aquele que as comunidades podem exercer contra o setor privado. Caso a informação que você busca esteja nas mãos de entes privados, então é necessário estabelecer qual direito (com exceção do direito de acesso à informação) você pretende exercer ou proteger.44. Ver: Jonathan Klaaren e Glenn Penfold, “Access to Information,” in Constitutional Law of South Africa, ed. Stuart Woolman and Michael Bishop, 2 ed. (Claremont: Juta & Co., 2003): chapter 62.7. No exemplo anterior, a comunidade precisaria demonstrar que a informação que ela busca é necessária à efetivação do direito ambiental enunciado na seção 24 da Constituição. Dessa forma, o direito à informação é um direito “autorizador” no sentido de que permite a efetivação de outros direitos previstos na Constituição. A efetivação do direito à informação pode, portanto, ser entendida como uma condição necessária para que outros direitos possam se tornar uma realidade palpável.55. É importante notar que há outros direitos que também podem ser entendidos como direitos “autorizadores”, tais como o direito de protestar e o direito de participar das tomadas de decisões. Da mesma maneira, os direitos que o acesso à informação “autoriza” vão muito além somente do direito ambiental. No entanto, este estudo de caso foca o modo como o direito de acesso à informação pode facilitar o exercício do direito ambiental. Nesse sentido, o acesso à informação também é um pré-requisito à democracia, ao debate aberto e à prestação de contas.66. Jo-Marie Burt e Casey Cagley, “Access to Information, Access to Justice: The Challenges to Accountability in Peru,” SUR 10 (2013): página 75.
Na África do Sul, o direito ao acesso à informação é enunciado na Lei 2 de Promoção do Acesso à Informação de 2000 (Promotion of Access to Information Act, PAIA, na sigla original em inglês). A PAIA é o resultado de uma diretriz na seção 32 (2) da Constituição que estabelece que a legislação nacional seja sancionada para tornar válido o direito de acesso à informação. A PAIA não substitui o direito constitucional, no entanto, como ela visa “tornar válido” este direito, as partes devem agora defender o direito de acesso à informação por meio da PAIA.77. Cora Hoexter, The New Constitutional & Administrative Law, vol. II (Johannesburg: Juta, 2001), 57. A PAIA estabelece os elementos básicos do sistema ao determinar a nomeação de autoridades de informação para processar os pedidos,88. South Africa, Promotion of Access to Information Act 2 of 2000 (PAIA), February 2000, sec. 17. o processo de como submeter um pedido99. South Africa, PAIA, secs. 11, 18, 50-53. e quais bases legítimas para a recusa de pedidos podem existir.1010. Ibid., secs. 33-46, 62-70.
A VEJA passou mais de uma década tentando ter acesso aos resultados de um estudo de impacto ambiental comissionado pela Iscor (antecessora da AMSA) em 1999. Os resultados deste estudo foram redigidos em um documento conhecido como Plano Diretor Ambiental, que mapeou os níveis de poluição causados pelas atividades da AMSA, bem como o plano da companhia para remediar este dano ao longo de um período de vinte anos. A VEJA buscou ter acesso ao Plano Diretor, a fim de estabelecer a dimensão na qual os problemas de saúde e as ameaças à subsistência estavam sendo causados pela AMSA, e para auxiliar a comunidade no sentido de garantir que a AMSA cumprisse as medidas de remediação da poluição que a própria empresa havia estabelecido.
Em 2011, quando outros canais se mostraram ineficazes, a VEJA, por fim, recorreu à submissão de um pedido de acesso ao Plano Diretor baseado na PAIA. O pedido inicial por meio da PAIA foi recusado pela AMSA com base na argumentação de que a VEJA não tinha indicado qual direito seria exercido por meio do acesso ao Plano Diretor. A AMSA também alegou que o Plano Diretor era tecnicamente impreciso, desatualizado e irrelevante.1111. Este caso é o tema de um documentário produzido pelas organizações Centre for Applied Legal Studies, South African Human Rights Commission e pela produtora One Way Up Productions, disponível em: Universidade de Witwatersrand, acesso em 14 abr. 2016, https://www.wits.ac.za/cals/about-us/law-and-film/. Além deste caso ser sobre como ter acesso ao Plano Diretor, no final das contas, ele também se tornou sobre se a sociedade civil tem um papel a desempenhar no auxílio ao governo na monitoria do dano ambiental causado pelo setor privado e no monitoramento do cumprimento das obrigações em lidar com tais danos. Isso ocorreu porque, depois que seus outros argumentos fracassaram, a AMSA também adotou a posição de que a VEJA não tinha direito de acesso ao Plano Diretor, pois ela buscava de alguma forma usurpar indevidamente o papel de monitoramento do cumprimento e de aplicação outorgado ao governo.
Em setembro de 2013, a Suprema Corte de South Gauteng determinou que a AMSA disponibilizasse as informações solicitadas.1212. Alto Tribunal de South Gauteng, Vaal Environmental Justice Alliance v Company Secretary of Arcelormittal South Africa Ltd and Another, Case n. 39646/12. A AMSA recorreu desta decisão na Suprema Corte de Justiça da África do Sul (SCA, na sua sigla em inglês). Em novembro de 2014, a SCA proferiu um dos julgamentos de acesso à informação mais significativos do período democrático na África do Sul.1313. Suprema Corte de Justiça, Company Secretary of Arcelormittal South Africa and Another versus Vaal Environmental Justice Alliance, 2015 (1) SA 515 (SCA). A Suprema Corte fez uma série de observações críticas em relação à falta de boa-fé da AMSA no seu envolvimento com a VEJA e as discrepâncias entre suas comunicações com seus acionistas e sua conduta real.1414. Para mais informações e discussões sobre este caso, ver: Centre for Environmental Rights, acesso em 11 set. 2015, http://cer.org.za. Quanto ao papel da sociedade civil, a Corte confirmou que o arcabouço regulamentador aplicável ao setor ambiental prevê uma forma de governança corporativa colaborativa em relação ao meio ambiente, baseada na noção de que a degradação ambiental afeta a todos nós.1515. SCA, AMSA versus VEJA (n. 13 acima), pará. 71.
O Tribunal também enfatizou a importância da transparência corporativa em relação às questões ambientais, afirmando que “as corporações operando dentro de nossas fronteiras, sejam estas nacionais ou internacionais, não devem ter nenhuma dúvida de que, em relação ao meio ambiente […], não há espaço para sigilo e que os valores constitucionais serão aplicados”.1616. Ibid., pará. 82. Dessa forma, o julgamento envia uma mensagem clara ao setor privado, inclusive às corporações multinacionais que operam na África do Sul: conforme enunciado na Constituição da África do Sul, a transparência é a regra.
Então, quais são as lições que podemos aprender a partir de um caso como este, especialmente, considerando-se que ele ocorreu em uma jurisdição que é uma das poucas no mundo a possuir o direito de acesso às informações detidas pelo setor privado?1717. As outras jurisdições nas quais isto ocorre incluem Antígua e Barbuda, Angola, Armênia, Colômbia, República Checa, República Dominicana, Estônia, Finlândia, França, Islândia, Liechtenstein, Panamá, Polônia, Peru, África do Sul, Turquia, Trinidad e Tobago, Eslováquia e Reino Unido. Ver: Mazhar Siraj, “Exclusion of Private Sector from Freedom of Information Laws: Implications from a Human Rights Perspective,” Journal of Alternative Perspectives in the Social Sciences 2, no. 1 (2010): 211. Eu gostaria de sugerir que há pelo menos seis (mas provavelmente mais) lições que podemos aprender com a experiência da VEJA.1818. A VEJA é representada por uma organização da sociedade civil que atua no setor da justiça ambiental a fim de fornecer auxílio legal e correlato às Organizações da Sociedade Civil (OSCs) ambientais e comunidades, chamada Centre for Environmental Rights (CER), na denominação original em inglês. Para mais informações, ver: Centre for Environmental Rights, acesso em 18 mai. 2016, http://cer.org.za/. Como o processo jurídico ocorreu em Joanesburgo, e o CER está radicada em Cape Town, o CER recebeu apoio da organização Centre for Applied Legal Studies (CALS), que atuou como advogado correspondente neste caso. O CALS é uma organização de direitos humanos sediada na Faculdade de Direito da Universidade de Wits que se dedica a pesquisa, advocacy e litígio de impacto em seus cinco programas, especificamente: Serviços Básicos, Empresas e Direitos Humanos, Justiça Ambiental, Gênero e Estado de Direito. Mais informações sobre o CALS podem ser encontradas em: Universidade de Witwatersrand, acesso em 18 mai. 2016, http://www.wits.ac.za/law/cals/16858/home.html.
Em primeiro lugar, este caso claramente confirma a natureza “autorizadora” do direito de acesso à informação. Sem ter acesso ao Plano Diretor, era impossível que a VEJA soubesse a extensão da poluição que tinha sido causada, quais atividades a AMSA tinha se comprometido a realizar para mitigar os efeitos desta poluição e, portanto, como responsabilizá-la. Dessa forma, o caso demonstra como é fundamental para as comunidades e organizações da sociedade civil ter a capacidade de obrigar as empresas a fornecer a documentação necessária para assegurar que outros direitos contidos em uma Constituição (neste caso, o direito ambiental) sejam promovidos e protegidos.
Ademais, como a VEJA, as comunidades mais afetadas pela poluição e outras formas de degradação ambiental frequentemente não dispõem dos recursos financeiros necessários para dar orientações às suas próprias tropas de cientistas para conduzir estudos de avaliação de impacto. Portanto, caso tais estudos já tenham sido realizados por especialistas contratados ou por outro Estado ou pela corporação envolvida, então o sistema de acesso à informação é um meio importante para o acesso ao conhecimento já existente.1919. É claro que o problema da independência dos peritos contratados por uma corporação persiste, mas esta é uma discussão para outra oportunidade.
Em segundo lugar, um dos componentes interessantes do caso que não tem recebido muita atenção é o fato de que as licenças foram concedidas à AMSA por peritos do governo com base no que acabou por se tratar, de acordo com a própria versão da AMSA, de uma análise científica imprecisa.2020. Ver a admissão da AMSA no parágrafo 32.4.1 de sua declaração de resposta no caso da Suprema Corte mencionado em SCA, AMSA versus VEJA (nota número 12 acima), no parágrafo 21, e a referência à licença de uso de água, que foi concedida com base no Plano Diretor na declaração de resposta da VEJA no parágrafo 37. Isto, sem dúvida, deve colocar em questão a credibilidade dessas licenças. Infelizmente, nenhum dos departamentos governamentais envolvidos parece ter levado em conta essa questão desde o julgamento. No entanto, a lição neste caso é que o processo pelo acesso à informação pode excluir outras questões importantes que precisam ser levadas em consideração, como uma espécie de consequência secundária.
Em terceiro lugar, de forma não tão positiva, o caso ilustra quanto tempo pode demorar para se ter acesso ao tipo de informação necessária para exercer os direitos ambientais (e outros direitos). A VEJA levou aproximadamente quinze anos para finalmente ter acesso ao Plano Diretor – e isso ocorreu em um sistema legal que possui o direito de acesso à informação constitucionalmente consagrado e aplicável ao setor privado e amparado por legislação específica. Portanto, um sistema regulatório favorável não é o suficiente. A experiência da VEJA demonstra em alto e bom som que a existência de um direito de acesso à informação por si só não muda o comportamento das empresas. Muito mais é necessário para gerar uma mudança de um padrão de sigilo para um padrão de transparência.
A questão do tempo de espera e da demora também tem implicações particulares no contexto ambiental. No caso em questão, a AMSA tentou empregar uma série de argumentos para frustrar o processo.2121. Estes incluíam que o CER não foi devidamente autorizada a representar a VEJA, que o Plano Diretor era impreciso e desatualizado e, portanto, irrelevante, e que a VEJA não tinha direito a ter acesso ao Plano Diretor, porque ao buscar acesso ao plano, a VEJA estaria tentando usurpar uma função do governo. No entanto, caso os pedidos de acesso à informação demorem muito, o dano pode ocorrer antes que o processo seja concluído. Na esfera ambiental, frequentemente, há um período de tempo no qual os danos ao meio ambiente (e, assim, à saúde e aos meios de subsistência das pessoas) podem ser prevenidos. Depois que este período é ultrapassado, mitigar a extensão do dano é o melhor que pode ser feito. Portanto, o tempo é crucial. Esta não é apenas uma questão técnica do processo judicial.
Quiçá, outra lição relacionada ao tempo de espera é a de apresentar pedidos formais de acesso à informação o mais rápido possível (caso haja um sistema legal que permita isto). A VEJA tentou acessar o Plano Diretor por cerca de dez anos antes de submeter um pedido por meio da PAIA. Isto está relacionado à quarta lição que pode ser tirada deste caso. Até mesmo em sistemas jurídicos progressistas com proteções constitucionais avançadas continua a ser extremamente difícil para as comunidades exercerem seus direitos sem acesso ao auxílio de advogados. De acordo com a experiência do Centro de Estudos Jurídicos Aplicados (Centre for Applied Legal Studies, CALS na sua sigla em inglês), o seguimento de um advogado a um pedido de acesso à informação aumenta significativamente as chances de que o pedido seja levado a sério.
Infelizmente, a necessidade de assistência jurídica não ocorre apenas na submissão do pedido por meio da PAIA, mas também caso seja necessário contestar uma decisão. Embora a PAIA preveja um recurso interno contra uma recusa para conceder acesso à informação por parte de um ente público, não há nenhum mecanismo de recurso interno equivalente, caso o pedido seja recusado por um ente privado. Neste caso, o único recurso é recorrer aos tribunais, como a VEJA fez. Embora, na teoria, devesse ser possível fazer o recurso sem a assistência de um advogado, na prática, os tribunais e processos legais permanecem inacessíveis e intimidantes na África do Sul. Em um país que tem se comprometido com o acesso à justiça há vinte e um anos, este é um fato inquietante que está lentamente sufocando o exercício de direitos.
De modo positivo, este problema pode ser mitigado de alguma forma em breve. Durante muitos anos, ativistas da sociedade civil na África do Sul têm solicitado algum tipo de ombudsman de informações para tornar o acesso a informações um processo mais rápido, mais barato e mais acessível em geral. A Lei 4 de Proteção de Dados Pessoais de 2013 introduziu recentemente um Regulador de Informações que terá a competência de receber recursos dos pedidos feitos por meio da PAIA e que não foram aceitos.2222. Ver: South Africa, Protection of Personal Information Act 4 of 2013 (Popi), November 2013, chapter 5. Atualmente, o cargo de Regulador está em vias de ser estabelecido, sendo que um chamamento público à apresentação de candidaturas foi encerrado em agosto de 2015. Espera-se que o Regulador de Informação opere de tal maneira que as comunidades sejam capazes de desafiar as tentativas tanto do governo, quanto do setor privado de bloquear o acesso à informação, sem a necessidade de assistência de um advogado.
A quinta lição que eu gostaria de destacar também é sobre advogados – mas dessa vez sobre as formas de colaboração que são possíveis entre os advogados de direitos humanos. A VEJA é representada por uma organização sem fins lucrativos chamada Centro por Direitos Ambientais (Centre for Environmental Rights, CER na sua sigla em inglês), na denominação original em inglês.2323. O CER é uma organização da sociedade civil que trabalha no setor da justiça ambiental visando fornecer apoio jurídico e relacionado para as OSCs ambientais e comunidades. Para mais informações, ver: Centre for Environmental Rights, acesso em 18 mai. 2016, http://cer.org.za/. No entanto, o CER está radicado em Cape Town, e o processo ocorreu em Joanesburgo. Dessa forma, a VEJA precisava de assistência local, pois na África do Sul, os litigantes são obrigados a indicar um endereço a poucos quilômetros do tribunal em que eles vão receber as tramitações judiciais. Isto se denomina atuar como um “advogado correspondente”. Neste caso, o CALS atuou como advogado correspondente para a VEJA e CER.2424. O CALS é uma organização de direitos humanos sediada na Faculdade de Direito da Universidade de Wits, que se dedica a pesquisa, advocacy e litígio de impacto em seus cinco programas, especificamente: Serviços Básicos, Empresas e Direitos Humanos, Justiça Ambiental, Gênero e Estado de Direito. Mais informações sobre o CALS podem ser encontradas em: Universidade de Witwatersrand, acesso em 18 mai. 2016, https://www.wits.ac.za/cals/. Muitas vezes, lutar contra o setor privado pode gerar a sensação de uma batalha de Davi contra Golias com o poder enviesado em favor das corporações multinacionais. Segundo a experiência do CALS, uma das maneiras de lidar com isso é se aliar a outras organizações que trabalham a favor da justiça social. É importante salientar que, no trabalho pela justiça social, são diversas as formas possíveis de tal colaboração, e os advogados de direitos humanos e ativistas devem pensar de forma criativa sobre possibilidades.2525. Para ter acesso a outro modelo inovador feito de modo pioneiro pelo CALS e CER, ver: “The Mapungubwe story: A campaign for change,” Universidade de Witwatersrand, acesso em 14 abr. 2016, https://www.wits.ac.za/cals/our-programmes/environmental-justice/mapungubwe-watch/.
Por último, é importante se manter consciente do fato de que ter acesso à informação desejada é o início, e não o fim do processo. Após o julgamento, a VEJA recebeu e analisou o Plano Diretor. O Plano é um documento volumoso que consiste de extenso material técnico-científico. Ademais, o Plano foi entregue pela AMSA em um formato tão desorganizado que várias semanas foram necessárias apenas para organizá-lo e indexá-lo. No momento da redação deste artigo, a VEJA tinha enviado volumosas seções do Plano Diretor para uma equipe de especialistas para que eles ajudassem a organização e seus advogados a compreenderem o material. Somente, então, eles serão capazes de definir o próximo passo mais estratégico. A VEJA teve a sorte de ser auxiliada por uma diversa gama de especialistas (técnicos e legais). Nem todas as comunidades que sofrem com os efeitos da poluição causada por grandes corporações estão nesta posição.
Casos como este trazem esperança renovada para comunidades e advogados de direitos humanos que lhes prestam apoio. Vitórias legais categóricas como esta são raras e intermitentes e, normalmente, levam anos para ocorrer. Então, quando elas ocorrem, devem ser comemoradas. Mas, além de comemorar, é importante que nós reflitamos sobre as estratégias e os processos envolvidos, a fim de tirar lições para a próxima disputa e compartilhar essas reflexões com parceiros e colegas envolvidos em lutas semelhantes em outras partes do mundo. Este caso tem muitas lições a oferecer sobre os limites dos sistemas legais progressistas, tempos de tramitação envolvidos, colaboração, acesso à justiça e manutenção do foco nos objetivos finais. Essencialmente, embora a jornada para a obtenção de informações possa ser árdua, o direito de acesso à informação, em particular, aquele aplicável contra o setor privado, tem o potencial de desempenhar um papel poderoso na busca pela efetivação dos direitos ambientais.