Embora reconheça que, em geral, as mídias sociais podem ter um efeito positivo sobre a democracia, o autor também examina o outro lado do argumento, especificamente os perigos da polarização. Ao fazê-lo, ele oferece uma visão crítica de certos aspectos das políticas das empresas de mídia social que buscam oferecer uma “experiência personalizada”, o que ele argumenta que apresenta o risco de manter os usuários em uma “bolha de informações”. No entanto, o autor observa que existem outras políticas que contrariam essa tendência e procuram manter os usuários informados e que devem ser buscadas para garantir que as mídias sociais sejam uma ferramenta que possa fazer com que a democracia funcione melhor.
Em última análise, a questão acerca das plataformas de mídia social serem boas ou ruins para a democracia é fácil de ser resolvida. Em última análise, elas não são simplesmente boas; elas são ótimas. Para as pessoas governarem suas vidas, elas precisam ter acesso a informações. Elas também precisam ser capazes de transmiti-las aos outros. As plataformas de mídia social fazem com que isso tudo se torne muito mais fácil.
Existe também uma questão mais sutil a esse respeito. Quando as democracias funcionam adequadamente, os sofrimentos e desafios das pessoas não são assuntos inteiramente privados. As plataformas de mídia social nos ajudam a alertar uns aos outros sobre uma infinidade de problemas diferentes. No processo, a existência de mídias sociais pode levar os cidadãos a buscar soluções.
Considere a notável descoberta, pelo economista Amartya Sen,22. Amartya K. Sen, Development as Freedom (London: Oxford University Press, 2001). de que na história do mundo nunca houve fome em um sistema com imprensa democrática e eleições livres. Uma das razões centrais para tanto é que a fome é o produto não apenas da escassez de alimentos, mas também de uma falha da nação em fornecer soluções. Quando a imprensa é livre e quando os governantes são eleitos, eles têm uma forte motivação para ajudar.
Doenças mentais, dores crônicas, desemprego, vulnerabilidade ao crime, problemas com drogas nas famílias – informações sobre todas essas questões se espalham via mídias sociais e podem ser reduzidas através de políticas adequadas. Quando as pessoas podem falar umas com as outras e divulgar o que sabem às autoridades, o mundo inteiro pode mudar rapidamente.
Mas as celebrações podem ser um tanto quanto enfadonhas, por isso seguremos os aplausos. Os automóveis são bons para o transporte? Com certeza, mas apenas nos Estados Unidos, mais de 35.000 pessoas morreram em acidentes em 2016.
As plataformas de mídia social são ótimas para a democracia de muitas maneiras, e muito ruins em outras. E elas ainda são uma obra em curso, não apenas por causa dos mais novos participantes, mas também porque aqueles que já não são tão novos assim (incluindo o Facebook) continuam a evoluir. O que John Dewey disse sobre o meu amado país também é válido para as mídias sociais: “Os Estados Unidos ainda não estão concluídos; eles não são uma obra acabada, a ser avaliada categoricamente”.
Para as mídias sociais e a democracia, um problema tão grave quanto os acidentes de carro inclui os relatos falsos (fake news ou notícias falsas) e a proliferação de bolhas de informação – e, como resultado, um aumento na fragmentação, polarização e no extremismo. Se você vive em uma bolha de informações, você acreditará em muitas coisas que não são verdadeiras e não será capaz de se informar sobre outras inúmeras coisas que o são. Isso é terrível para a democracia. E, como vimos, aqueles com interesses específicos – incluindo políticos e nações, como a Rússia, a fim de interromper processos democráticos – podem usar as mídias sociais para promover esses interesses.
Esse problema está ligado ao fenômeno da polarização33. Cass R. Sunstein, “The Law of Group Polarization,” University of Chicago Law School, John M. Olin Law & Economics Working Paper no. 91 (dezembro de 1999). de grupos – que ocorre quando pessoas com uma mesma opinião acabam concebendo uma versão ainda mais extrema do que a que tinham antes de começarem a conversar. Na verdade, esse é um resultado comum. Na melhor das hipóteses é um problema. Na pior das hipóteses, perigoso.
Há pouco mais de um ano, um importante post no Facebook declarou: “O objetivo do News Feed é mostrar às pessoas as histórias que são mais relevantes para elas”.44. Adam Mosseri, “Building a Better News Feed for You.” Facebook Newsroom, 29 de junho de 2016, acesso em 6 de junho de 2018, https://newsroom.fb.com/news/2016/06/building-a-better-news-feed-for-you/. Ele chamou atenção para os “valores centrais” do Facebook, que exigem ênfase no “conteúdo que é mais importante para você”.55. “News Feed Values,” Facebook News Feed, 2018, acesso em 6 de junho de 2018, https://newsfeed.fb.com/values/.
O post enfatizou: “Algo que uma pessoa considera informativo ou interessante pode ser diferente do que outra pessoa acha informativo ou interessante”. Isso é verdade. A postagem adicionou, “à medida que o Feed de notícias evolui, continuaremos desenvolvendo ferramentas poderosas e fáceis de usar para proporcionar a você a experiência mais personalizada possível”.
Sério? Espero que não. Do ponto de vista da democracia, isso é um pesadelo.
Em vez de criar “a experiência mais personalizada”, considere três princípios para o ambiente de comunicações em um sistema que aspira ao autogoverno democrático.
Primeiramente, os cidadãos deveriam ser expostos a materiais que não tenham escolhido antecipadamente. O acaso é algo bom. Encontros não planejados e imprevistos são centrais para a própria democracia. Tais encontros freqüentemente envolvem tópicos e pontos de vista que as pessoas não buscaram e talvez achem bastante irritantes – mas que podem mudar suas vidas de maneiras fundamentais. Eles são importantes, em parte, para garantir que não haja fragmentação, polarização e extremismo, que são resultados previsíveis de qualquer situação em que pessoas que pensam da mesma maneira só conversam entre si.
Em segundo lugar, muitos cidadãos ou a maior parte deles deve ter acesso a uma ampla gama de experiências compartilhadas. Sem experiências compartilhadas, uma sociedade heterogênea terá muito mais dificuldade em abordar problemas sociais. As pessoas podem acabar se percebendo como estranhas, estrangeiras e até mesmo inimigas. Experiências compartilhadas, incluindo enfaticamente as experiências deste tipo viabilizadas pelas mídias sociais, fornecem uma forma de cola social. As sociedades precisam de tais coisas.
Em terceiro lugar, os cidadãos devem estar em posição de distinguir entre o que é verdadeiro e o que é falso – e saber quando os processos democráticos estão sendo manipulados. Nas democracias, é claro, é justo que as pessoas discordem sobre o que é verdade. Mas se as pessoas estão conscientemente espalhando mentiras, e se nações estão tentando atrapalhar outras nações, algum processo precisa ser instalado para permitir que os cidadãos tenham acesso à verdade.
Para explorar a questão da polarização, apelo à paciência dos colegas e peço que examinem um pequeno experimento na área da democracia que conduzi com alguns colegas há mais de uma década.66. David Schkade, Cass R. Sunstein e Reid Hastie, “What Happened on Deliberation Day,” California Law Review 95, no. 3 (2007): 915-940. Reunimos cerca de sessenta cidadãos americanos e os dividimos em grupos, geralmente compostos por seis pessoas.
Não tínhamos como saber isso na época, mas, de certa forma, estávamos testando o mesmo efeito que as mídias sociais têm sobre o processo político. Os membros de cada grupo foram convidados a deliberar sobre três das questões mais controversas do dia: deveriam os Estados permitir uniões civis entre casais do mesmo sexo? Deveriam os empregadores se engajar em ações afirmativas dando preferência aos membros de grupos tradicionalmente desfavorecidos? Os Estados Unidos deveriam assinar um tratado internacional para combater o aquecimento global?
Como o experimento foi planejado, alguns grupos eram “liberais” e outros eram “conservadores” – selecionados entre os moradores de Boulder e Colorado Springs. (Não houve mistura). É de amplo conhecimento o fato de que a cidade de Boulder tende a ser de centro-esquerda enquanto Colorado Springs tende a ser de centro-direita. Os grupos foram selecionados para garantir que seus membros conformassem-se a esses estereótipos. Solicitaram às pessoas que declarassem suas opiniões individual e anonimamente (escrevendo-as em particular) antes e depois de quinze minutos de discussão em grupo, bem como para que chegassem a um veredito público antes de fazer suas declarações anônimas finais como indivíduos.
Os resultados foram simples e perturbadores. Em quase todos os grupos, os membros acabaram adotando posições mais radicais depois de falarem uns com os outros. Trata-se da polarização de grupo em ação.
Para oferecer um pouco mais de detalhes: a discussão tornou as uniões do mesmo sexo mais populares entre os liberais; a discussão tornou esses sindicatos menos populares entre os conservadores. Os liberais apoiaram um tratado internacional para controlar a mudança climática antes da discussão; eles o apoiaram mais fortemente após a discussão. Os conservadores eram neutros sobre esse tratado antes da discussão; eles acabaram por se opor fortemente depois da discussão.
Moderadamente favoráveis à ação afirmativa antes da discussão, os liberais tornaram-se fortemente favoráveis à ação afirmativa após a discussão. Com firme opinião negativa sobre ações afirmativas antes da discussão, os conservadores tornaram-se ainda mais negativos sobre ações afirmativas após a discussão.
O experimento também fez com que os grupos liberal e conservador se tornassem mais ideologicamente homogêneos – e, portanto, reprimiu a diversidade interna. Mesmo em suas declarações anônimas, os membros do grupo mostraram muito mais consenso após a discussão do que antes. O que ocorreu na sequência é que a discussão ajudou a ampliar a divisão entre liberais e conservadores em todas as três questões. Antes da discussão, alguns grupos liberais eram, em algumas questões, bastante próximos de alguns grupos conservadores. O resultado da discussão foi que os grupos se dividiram de maneira ainda mais aguda.
Meu argumento é que, todos os dias, a cada minuto, o experimento do Colorado está sendo reproduzido nas mídias sociais e em inúmeras nações. Seus amigos do Facebook podem ser muito parecidos com um dos grupos do Colorado (apenas muito maiores). No seu feed do Twitter, você pode seguir pessoas que pensam como você. Ao ler o que elas têm a dizer, você acabará mais inflexível em sua posição. Para muitos usuários, as plataformas de mídia social estão criando o equivalente ao experimento do Colorado, trazendo resultados prejudiciais à democracia.
Claro que isso não está acontecendo em todos os casos. Muitos feeds de mídia social apresentam diversidade de visões; muitas pessoas não usam as mídias sociais para se envolver com a política. Mas se o que aconteceu no experimento do Colorado está acontecendo com outras centenas de milhões de pessoas, é possível que não estejamos nos entendendo – e o projeto de autogoverno, que é sempre algo difícil, será muito mais. Em muitas nações, isso está acontecendo hoje e acontecerá também no futuro. E embora as plataformas de mídia social dificilmente sejam responsáveis pelo problema, elas não estão fazendo o suficiente para ajudar nessa questão. Além do mais, o problema se agrava quando pessoas, empresas e nações, movidas por seus próprios interesses, conscientemente espalham mentiras para pessoas que – segundo sua avaliação – são especialmente propensas a acreditar no que elas estão dizendo.
Essas afirmações não devem ser mal interpretadas. Ao enfatizar os problemas colocados pelo conhecimento de falsidades, polarização e bolhas de informação, não pretendo sugerir que as coisas estejam piores hoje do que eram em 1960, 1860, 1560, 1260 ou no ano anterior ou posterior ao nascimento de Jesus Cristo. As bolhas de informação são tão antigas quanto a história da humanidade. O que me preocupa não é a possibilidade das coisas estarem piorando, e sim o fato de que o aumento da capacidade tecnológica de auto-ordenação e personalização vem criando sérios problemas. O que as plataformas de mídia social fazem é tornar certos tipos de segmentação e certos tipos de autotriagem, e especialmente a autotriagem entre centenas, milhares ou milhões de estranhos, muito mais fácil – mais fácil do que nunca antes. Já tivemos muitas câmaras de segmentação e eco no passado, mas direcionar pessoas que são especialmente propensas a acreditar em falsidades específicas e câmaras de eco que funcionam através de um clique é algo novo.
Não pretendo sugerir que, no que diz respeito à polarização, as mídias sociais sejam piores do que os jornais, canais de televisão, clubes, equipes esportivas ou bairros. O trabalho empírico continua tentando comparar várias fontes de polarização e seria imprudente sugerir que as mídias sociais causam um maior dano. Inúmeras pessoas tentam encontrar tópicos diversos e pontos de vista variados e usam suas páginas no Facebook e Twitter exatamente com esse propósito. Mas ainda assim, outras tantas pessoas não procedem da mesma maneira.
A boa notícia é que as plataformas de mídia social estão longe de ser um fato concluído a ser categoricamente avaliado. Elas são uma obra em andamento.
Os usos do Facebook, Twitter, Instagram e outros dependem de uma variedade de fatores, incluindo escolhas individuais, algoritmos relevantes, normas sociais e julgamentos arquitetônicos dos próprios projetistas da plataforma. Um feed de notícias, ou algo parecido, pode promover bolhas de informação ou desencorajá-las. Plataformas podem oferecer salvaguardas no caso de processos democráticos serem intencionalmente interrompidos ou mentiras prejudiciais estarem se espalhando; elas podem ajudar as pessoas a descobrirem a verdade. (Ultimamente, o Facebook vem fazendo exatamente isso.)
Elas poderiam fazer muito mais. Poderiam continuar a se concentrar na redução da personalização e focarem mais a produção de informação para as pessoas, expandindo seus horizontes e potencialmente neutralizando a polarização.
Poderiam encontrar maneiras de trabalhar com questões de civilidade. Poderiam promover o foco no conteúdo, em vez de focarem quem está em qual time ou qual time é o melhor. Poderiam mudar seu feed de notícias de maneira a ajudar a combater, em vez de promover a fragmentação. Trabalhos recentes como os “Artigos Relacionados” apontam exatamente para a direção certa, com as seguintes palavras inspiradoras e até definidoras: “Um dos nossos principais objetivos é apoiar uma comunidade informada no Facebook”.77. Sara Su, “New Test With Related Articles.” Facebook Newsroom, 25 de abril de 2017, acesso em 6 de junho de 2018, https://newsroom.fb.com/news/2017/04/news-feed-fyi-new-test-with-related-articles/. Há muito mais a considerar, mas o trabalho produzido recentemente é um imponente começo.
Muito mais está sendo feito nesse sentido. Para dar apenas um exemplo, o Read Across the Aisle (em tradução livre, algo como “Leia sobre Coisas das Quais Discorda”),88. Read Across The Aisle, Homepage, 2018, acesso em 6 de junho de 2018, http://www.readacrosstheaisle.com/. um aplicativo, oferece diversas fontes de notícias. Enquanto você lê, ele informa se você está “azul” ou “vermelho” – e o controle deslizante se move mais para a esquerda ou para a direita, se você estiver vivendo em uma câmara de eco. O objetivo é ajudar as pessoas a viver fora dela e a escapar de qualquer tipo de bolha.
Nos próximos anos, inevitavelmente veremos muitos experimentos destinados a ajudar as mídias sociais a contra-atacar as ameaças recentes e a fazer com que a democracia funcione melhor. Ninguém pode prever o que está no horizonte. Isso é uma excelente notícia – e tem a vantagem de ser a verdade.
Assim como no caso dos automóveis, o mesmo acontece com as mídias sociais: estamos muito melhor com elas do que sem elas. Entretanto, julgamentos consolidados são um obstáculo para o desenvolvimento. Assim, John Dewey dá a última palavra: “Eu não minimizaria o avanço conquistado substituindo os métodos de discussão e conferência pelo método do poder arbitrário. Mas o bom é muitas vezes inimigo do ótimo”.