Panorama Institucional

Cinco razões para temer a inovação

Lucia Nader e José Guilherme F. de Campos

…e tantas outras para ousar inovar para se adaptar ao mundo atual

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RESUMO

Nos últimos anos, inovação se transformou em uma palavra da moda. O conceito tem cada vez mais sido enfatizado por financiadores, e, consequentemente, organizações não governamentais (ONGs) estão começando a prestar atenção a ele, mas, geralmente, com certa relutância e cinismo.

Com a intenção de melhor entender as origens da inovação e por que ONGs de direitos humanos tendem instintivamente a resistir a ela, Lucia Nader e José Guilherme F. de Campos entrevistaram mais de uma centena de ativistas e defensores de direitos humanos.

Neste artigo, eles apresentam os resultados da pesquisa e discutem as cinco maiores preocupações com inovação que foram identificadas nas entrevistas, notadamente que (1) é simplesmente uma palavra em voga no setor privado do Norte Global; (2) não existe uma necessidade real de inovar quando se está lutando pelos direitos humanos uma vez que os princípios fundamentais do movimento não mudam; (3) é injusto testar conceitos inovadores naqueles que os movimentos de direitos humanos procuram proteger; (4) inovação gera mais violações de direitos; (5) inovação gera incertezas, o que os financiadores geralmente não gostam.

Ao analisar cada uma dessas preocupações e apresentar contra-argumentos, os autores concluem o artigo sugerindo cinco perguntas que as organizações devem se fazer antes de embarcar no processo de inovação.

Palavras-Chave

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“A idade da pedra não acabou por falta de pedras”, mas porque a humanidade decidiu caminhar rumo a outros hábitos e costumes. Esta é a máxima de muitos daqueles que acreditam na inovação: conceito controverso e recorrente em nossa pesquisa sobre “Organizações Sólidas em um Mundo Líquido” (OSML).11. Para mais informações sobre o projeto de pesquisa, consultar Organizações Sólidas – Mundo Líquido, (s.d.), acesso em 19 jun. 2016, http://www.liquidworld.info. A pesquisa tem como objetivo explorar como organizações da sociedade civil (OSCs) e financiadores estão reagindo e se adaptando a tendências do mundo contemporâneo, incluindo o empoderamento de indivíduos como atores políticos, a multiplicidade de informação e agendas e a crise do Estado, características da “modernidade líquida”.22. Para uma explicação detalhada sobre a “modernidade líquida”, consultar Zygmunt Bauman, Liquid Modernity (Cambridge: Polity Press, 2012).

Na pesquisa, entrevistamos 102 ativistas e defensores de direitos humanos da Europa, dos Estados Unidos (EUA) e da América Latina entre 2015 e 2016. Um considerável número destes entrevistados mostrou alguma resistência tanto ao conceito de inovação de forma geral ou à necessidade das ONGs de direitos humanos e dos doadores de inovar constantemente. Muitos deles resistiram à ideia de inovação, levantando uma série de preocupações, as quais elencamos aqui como “Cinco razões para temer a inovação”.

Como bem lembrou recentemente Emily Martinez, da Open Society Foundations (EUA), em uma conferência, “quem sabe essa resistência acontece por que parece contraditório falar de inovação em um campo onde a persistência e resiliência são fatores fundamentais e consomem grande parte de nossa energia? Como inovar na entrada semanal em presídios para identificar abusos e tortura, por exemplo? Ou será por que imediatamente relacionamos inovação com tecnologia e há desconfiança e cada vez mais clareza dos limites de tudo ser tecnológico e moderno?”.

Mas é indiscutível que estamos vivendo transformações profundas em nossas sociedades. Algumas dessas mudanças são visíveis em protestos recentes e no surgimento de “novos movimentos” em todo o mundo. Entre essas mudanças, podemos citar a velocidade de informação e novas formas de mobilização, a multiplicidade de pautas, a exacerbação da ação individual em detrimento da canalização de demandas via organizações já estabelecidas, o esforço por fazer as instituições do Estado verdadeiramente representativas e, em casos extremos, o questionamento do valor da democracia e dos direitos.

Durante a pesquisa, Alexandre Ciconello, da Anistia Internacional (Brasil), alertou que “estamos em um novo ciclo de rediscussão sobre a identidade e as formas de atuação das ONGs. Não podemos nos fechar às mudanças que estão acontecendo em nossas sociedades, temos que ter espaço e condições para inovar se necessário”. Akwasi Aidoo, do Trust Africa (Gana), complementou, ao afirmar que “vemos uma crescente alienação de grupos de direitos humanos: em alguns contextos, a confiança das pessoas nas organizações está diminuindo drasticamente – e elas continuam a depender de doadores para sustentar suas estruturas e operações”. Pablo Collada, do Ciudadano Inteligente (Chile), foi além: “Muitas vezes nos preocupamos mais com nossa perpetuação do que com nossa pertinência e deixamos de perceber as mudanças no mundo lá fora”. Vários entrevistados também ressaltaram que estamos vivendo um momento de “exaustão” dentro das organizações, as quais sentem que desafios e violações históricas de direitos persistem e novas surgem a cada instante.

Não são apenas fatores internos (organizacionais) que influenciam a capacidade e o sucesso de uma inovação. Fatores externos são de fundamental importância – como as dinâmicas dos diversos atores da sociedade relacionados a um determinado problema e o contexto político, econômico e cultural.33. As dinâmicas entre fatores internos e externos, bem como as características que impedem ou possibilitam a inovação, são exploradas detalhadamente no relatório da Fundação Rockefeller: Christian Seelos e Johanna Mair, “What Determines the Capacity for Continuous Innovation in Social Sector Organizations?,” Rockefeller Foundation Report, 31 jan. 2012, acesso em 15 mar. 2016, http://www.christianseelos.com/capacity-for-continuous-innovation_PACS_31Jan2012_Final.pdf. E precisamos lembrar que nunca controlaremos plenamente todos esses fatores, especialmente em um mundo em constante e rápida transformação.

É, então, imprescindível avançarmos em uma conversa franca e construtiva sobre o que é inovação para as ONGs e os financiadores de direitos humanos e quais os desafios e oportunidades que temos pela frente. Essa é a nossa intenção nas próximas páginas, sabendo que é apenas um primeiro passo.

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Temendo a inovação

Resumimos e reunimos cinco preocupações que ouvimos de mais de 100 ativistas e financiadores na área de direitos humanos quando abordamos o tema da inovação. A partir da identificação dessas preocupações recorrentes, nós apresentamos nossa análise sobre por que, apesar dessas preocupações serem legítimas, a inovação pode ser implementada. Todas elas são pertinentes e trazem elementos importantes para qualificarmos o debate.

1. Inovação não é só mais uma palavra da moda do Norte Global usada no setor privado e entre os financiadores que foi transferida para o setor social?

De fato. É inegável que a inovação tenha se tornado uma moda e há uma pressão externa, incluindo de financiadores, para que busquemos “o novo”. É inegável, também, que muito do que há de escrito sobre isso venha do Norte Global e do setor privado. Inovação é a primeira palavra do glossário do Vale do Silício, nos EUA, acompanhada de outras expressões como disruption, human-centered approach e tantas outras em inglês que são difíceis de traduzir de forma que façam sentido a outros contextos e línguas.

Segundo o Manual de Oslo – Guidelines for Collecting and Interpreting Innovation Data, uma das principais referências teóricas no assunto, “uma inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas”.44. Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), Oslo Manual: Guidelines for Collecting and Interpreting Innovation Data (Paris: OECD, 2005): 46. Essa definição, por si só, gera indagações daqueles que trabalham para a mudança social, já que é inicialmente voltada ao setor privado.

O gráfico a seguir mostra a evolução do uso do termo inovação entre 1948 e 2008, em livros disponíveis na internet (uma ferramenta inovadora do Google, disponibilizada gratuitamente):

Evolução do uso do termo “inovação” nos livros publicados digitalmente

grafico1Fonte: Google Ngram Viewer

Alertando que há poucos estudos sobre inovação no mundo das ONGs, Johanna Mair e Christian Seelos, pesquisadores da Universidade de Stanford, definem inovação em organizações não governamentais como “o processo pelo qual uma ideia que é nova para uma organização gera um novo conjunto de atividades, como novas tecnologias, novos processos gerenciais, novos produtos ou novos serviços”.55. Seelos e Mair, “What determines,” 7. Os pesquisadores destacam três dimensões que afetam a inovação: (i) fatores individuais – como personalidade, motivação e habilidade cognitiva; (ii) fatores de grupo – estrutura da equipe, clima organizacional, processos internos e estilo de liderança; e (iii) fatores organizacionais – como tamanho, recursos disponíveis e cultura de uma organização. Concluem ao dizer que inovação é algo complexo e depende também de fatores externos à organização e que pode gerar menor ou maior ruptura ou descontinuidade com o status quo, dependendo deste conjunto de fatores.

Mair, que é também editora da Stanford Social Innovation Review, acredita que a ideia de inovação tem sido usada de maneira exagerada pelas ONGs como “salvação para todos os males”. Isso estaria relacionado a: (i) percepção de que estaríamos vivendo uma crise no setor social, com décadas de trabalho árduo sem ter certeza dos resultados alcançados; (ii) sensação generalizada de “urgência” – ampliada pela velocidade da informação – que reforça a necessidade de “fazermos algo diferente”; e (iii) recursos financeiros disponíveis para inovação, atrelados ao setor privado, que fizeram com que adotássemos uma lógica de inovação vinda do mercado, como social venture, hybrid models e impact investing.66. Christian Seelos e Johanna Mair, “Innovation Is Not the Holy Grail,” Stanford Social Innovation Review (2012): 44-49, acesso em 28 mar. 2016, http://ssir.org/articles/entry/innovation_is_not_the_holy_grail. Nem por isso Mair acredita que não devamos inovar. De acordo com ela, a forma como consumimos e processamos informação hoje, nosso attention spam, mudou drasticamente. As organizações correm o risco de ter suas credibilidade e visibilidade fragilizadas se não inovarem na forma de se comunicar, para citar apenas um exemplo.

Sem nos atermos a modismos passageiros, devemos definir melhor o que é inovação para o setor social. Dedicamo-nos neste artigo a pensar as especificidades da inovação nesse contexto. Mais ainda, é necessário que cada organização adapte a definição de forma a torná-la útil à sua missão. Inovar deve servir ao propósito e estar sintonizado com o modus operandi, os valores, a estrutura e o histórico de cada organização.

Cabe a cada organização adaptar a definição de inovação às suas especificidades, formato e momento institucional. O que para algumas organizações é uma inovação, para outras pode ter o nome de ousadia, abertura ao risco ou adaptação ao mundo atual. Onde e como inovar também deve ser uma escolha e adaptado a cada instituição. Por exemplo, algumas inovam em processos, outras em estratégias ou atividades, outras em sua estrutura, em seu “produto final” ou na relação com seus beneficiários. “As ONGs e os financiadores precisam ser mais flexíveis e inovar, mas dentro de um escopo estratégico daquilo que a organização quer, do que ela é e do que busca atingir”, disse Hal Harvey, um dos criadores do conceito de Filantropia Estratégica77. O conceito de “Filantropia Estratégica” foi cunhado por Hal Harvey e Paul Brest no livro Money Well Spent (Paul Brest e Hal Harvey, Money Well Spent: A Strategic Plan for Smart Philanthropy (New York: Bloomberg Press, 2010)). Adotar a Filantropia Estratégica inclui desenvolver uma estratégia realista baseada em evidências concretas sobre a realidade, adotar metas claras e indicadores de sucesso previamente definidos para avaliar o progresso e compará-lo em relação à estratégia e a marcos importantes. e que hoje está revendo alguns de seus pressupostos.

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2. A essência, os valores e princípios dos direitos humanos não mudaram (e nunca mudarão) – por que então precisamos inovar?

A construção do arcabouço jurídico contemporâneo dos direitos humanos data de meados do século XX, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e diversos tratados e convenções que a seguiram (e continuam a ser criados). Valores e princípios são inegociáveis na luta pelos direitos humanos. Os valores e princípios que estão contidos nesses documentos são inegociáveis. A luta por direitos humanos depende da efetividade e da força desses direitos.

Pode, então, haver certo incômodo com relação a inovar, se estamos falando de valores e direitos tão arraigados e historicamente construídos. Sem dúvida, manter-se firme a princípios e ser persistente é louvável. No entanto, inovar não implica automaticamente jogar fora tudo aquilo que a organização construiu, desprezar seu histórico, nem diminuir a importância de valores, princípios, persistência e expertise. Essas são qualidades das quais muitas das organizações se orgulham, com razão.

Entretanto, infelizmente, inúmeros problemas contra os quais lutamos também persistem e resistem. Ser ousado e arriscar em novas estratégias, processos ou atividades pode ser bem-vindo para enfrentar um determinado desafio ou buscar um resultado que a organização quer alcançar. Isso não faz com que a tensão intrínseca entre, de um lado, profundidade, que envolve tempo necessário para gerar conhecimento e aprendizado, e de outro, inovação, desapareça. Ela existe e não é de hoje.88. Ver James G. March, “Exploration and Exploitation in Organizational Learning,” Organization Science 2, no. 1 (1991): 71-87.

Por fim, vale mencionar que um dos nossos entrevistados nos disse que “uma organização precisa ser suficientemente sólida para poder ser líquida, se reinventar”, alertando para a importância de se buscar um equilíbrio entre os dois aspectos.

3. As ONGs lidam com pessoas reais, vítimas de violações de direitos humanos, não cobaias ou produtos para testarmos novas estratégias, não acha?

Sim, pessoas não são produtos, e vítimas de violações de direitos humanos não podem, nunca, servir de cobaias. Já estão vulneráveis demais para que sejam alvo de experimentos, de tentativa e erro. Mas a inovação pode justamente surgir de necessidade ou demanda das vítimas ou beneficiários e deve sempre ser pensada para impactá-los de maneira positiva. Isso é possível e saudável, se tomamos os devidos cuidados.

A entrevista com Susi Bascon, da Peace Brigades International (Reino Unido), ilustra essa preocupação: “Para mim, a necessidade ou não de inovarmos e como faremos isso parte de ouvir os defensores de direitos humanos e as vítimas de uma forma aprofundada – e não de outros indicadores. Se não, como saberemos? […] Se perdermos o contato com as pessoas de fora da organização, como saberemos quando e onde inovar?”.

O foco no impacto, em teorias de mudança e em processos mais eficientes deve sempre trazer consigo a pergunta: onde estão as pessoas, os beneficiários da organização? Sem isso, a própria raison d’être do movimento de direitos humanos e seus valores – como empoderamento, participação, transparência e humanismo – é colocada em risco. Esse fenômeno é chamado de “desumanização”, um fantasma que pode acompanhar a profissionalização das ONGs. Pode também afetar os relacionamentos e a capacidade das pessoas de se comunicarem e compartilhar ideias, criar e ter acesso a conceitos externos e até mesmo perder a motivação e o comprometimento com a missão da organização. Tudo isso somado pode afetar a capacidade da organização de continuamente inovar.99. Seelos e Mair, “What determines,” 19.

Algumas novas tendências em planejamento, como Design Thinking, Agile, Lean Thinking Agile – mais uma vez com nomes em inglês – apontam alguns caminhos para alterar o foco da estrutura, ferramentas e pessoas, para as pessoas. São metodologias que se baseiam no conceito de human-centered approach (ou human-centered design, HCD)1010. Mais informações no Manual publicado pela IDEO – consultoria norte-americana conhecida por ser uma das precursoras e maiores contribuidoras à popularização e ao desenvolvimento dos conceitos de Design Thinking e Human-centered Approach (“Design Kit: The Field Guide to Human-Centered Design,” IDEO, (s.d.), acesso em 19 jun. 2016, https://www.ideo.com/work/human-centered-design-toolkit). – ou seja, (re)colocar o indivíduo no centro. Para o setor social, trata-se dos beneficiários e as diversas pessoas envolvidas em determinada ação de uma organização. Usam um viés pragmático, incentivando a inovação pela cultura de melhoria contínua e flexibilidade. A característica comum a todas essas metodologias é o contato próximo e contínuo com o público beneficiário para que a organização vá se adaptando conforme os resultados atingidos e os feedbacks recebidos. Mais uma vez, é preciso ter clareza que a visão e missão continuam sendo elementos fundamentais, e que não há metodologia mágica ou que não requeira adaptação a cada organização.

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4. Estamos nos referindo apenas a novas formas de tecnologia quando falamos em inovação? Como evitar que a tecnologia crie novas violações de direitos em vez de ajudar a resolver problemas existentes?

Outro argumento comum é aquele que define inovação como sinônimo de adaptação a novas tecnologias. Inovar seria então “apenas” se adaptar a novas tecnologias e formas de comunicação, usar ferramentas de ação on-line e integrar a “cultura tech” ao dia a dia da organização.

Mas todos sabemos que a tecnologia não é a solução para tudo e que, inclusive, ela pode trazer efeitos indesejáveis. Por exemplo, o avanço tecnológico pode gerar novas violações de direitos. Darius Cuplinskas, da Open Society Foundations (Reino Unido), lembra que “a ampliação da vigilância do Estado atual é sem precedência e, ao contrário da violência física, tende a ser altamente invisível”. Sabemos também que as mesmas novas mídias que facilitam a mobilização podem também gerar novos problemas para a organização política. Miguel Lago, das Nossas Cidades, apontou para as ambiguidades da aparente dicotomia entre on-line e off-line: “O primeiro tende a gerar envolvimento e laços relacionais superficiais, porém, ampliar o espectro de participação; ao passo que o segundo tende a gerar laços relacionais mais profundos sem ter, porém, o mesmo poder de mobilização”. Há ainda o argumento levantado frequentemente de que devemos resistir à inovação tecnológica, pois ela pode aprofundar a desigualdade.1111. Em um artigo publicado em janeiro de 2016, Ricardo Abramovay discute os efeitos negativos que a inovação tecnológica pode trazer, como o aumento do desemprego e a concentração de riqueza e poder. (Ricardo Abramovay, “Robôs, Personagens do Capítulo Inicial de Uma Era de Transformação,” Valor Econômico, 12 jan. 2016, acesso em 15 mar. 2016, http://ricardoabramovay.com/robos-personagens-do-capitulo-inicial-de-uma-era-de-transformacao/).

Mesmo com tantos “poréns”, a tecnologia e a conectividade são um fato e podem trazer benefícios, quando usadas tanto contra antigas violações de direitos, quanto para combater novas que dela derivam.

Diversas organizações estão hoje explorando novas formas de coletar evidências de violações e processar informação, por exemplo, por meio de aplicativos de celular, vídeos e outras ferramentas. “A tecnologia pode ajudar a acelerar o processo de verificação de provas e melhorar a qualidade e o tempo de elaboração de relatórios sobre violações. Além disso, pode ampliar e diversificar as vozes das pessoas que reportam abusos”, disse um dos representantes do The Whistle1212. Para mais informações, consultar The Whistle, (s.d.), acesso em 19 jun. 2016, http://www.thewhistle.org/. durante a RightsCon20161313. Para mais informações, consultar RightsCon, (s.d.), acesso em 19 jun. 2016, https://www.rightscon.org/. – conferência anual sobre direitos e tecnologia que reuniu 800 pessoas em São Francisco (EUA). No mesmo painel, a representante da Physicians for Human Rights1414. Para mais informações, consultar Physicians for Human Rights, (s.d.), acesso em 19 jun. 2016, http://physiciansforhumanrights.org/. (EUA) alertou que as organizações resistem a se adaptar ao mundo virtual: “Muitos acham que usar a tecnologia é transferir o que temos em papel para on-line. Não é. É toda uma nova linguagem. Mas então vamos substituir advogados por jovens que sabem usar a tecnologia para documentar violações? Não necessariamente – penso nos médicos que usam nossos aplicativos para documentar violações e precisam continuar sabendo examinar seus pacientes, mantendo-se atualizados sobre a medicina, além de saber como usar tecnologia. Tudo depende de que tipo de organização e de qual tecnologia estamos falando”.

O uso de vídeos pelas organizações também vem crescendo. “Em 2015, pela primeira vez, o número de vídeos que fizemos denunciando violações superou o número de relatórios impressos. Hoje um pesquisador vai para uma missão acompanhado de uma câmera, ‘tuíta’ durante a investigação, etc. Há poucos anos, isso não acontecia. Temos que nos adaptar”, disse Carroll Bogert, da Human Rights Watch (EUA). Por fim, vale dizer que, mesmo para as organizações que têm a tecnologia em seu DNA, a necessidade de inovação é uma constante: “Como trabalhamos com vídeos para documentar violações, temos que ficar constantemente por dentro dos avanços tecnológicos, adaptar algumas de nossas estratégias, inovar”, lembrou Tanya Karanasios, da Witness (EUA).

5. E quem garante que teremos mais impacto se inovarmos – e quais financiadores aceitariam mais flexibilidade, ousadia e risco?

Não há mesmo como garantir. Assumir riscos e aprender com erros são condições fundamentais para quem se dispõe a inovar. Além disso, temos um desafio inicial que é a dificuldade de medirmos impacto, inovando ou não. E esse desafio não é novo – e nem por isso deixamos de agir, cotidianamente, com maior ou menor resultado.

Ainda, segundo Johanna Mair, “o erro central é medir o sucesso de uma inovação apenas pelo impacto. Inovar, se bem feito, também gera melhorias de processos internos, clima organizacional, motivação e avanço cognitivo”.

O modelo de financiamento de uma organização influencia – e muito – sua capacidade e disposição em inovar. “Não temos dinheiro para errar. O modelo atual de financiamento da maioria das organizações não nos permite inovar, ousar”, ilustrou Ana Valéria Araújo, do Fundo Brasil de Direitos Humanos (Brasil).

Com base nas entrevistas, não há dúvida de que financiamentos previsíveis, de longo prazo e de apoio institucional – em vez de apoio a projetos isolados – geram maior incentivo à ousadia e à tomada de risco. Esse tipo de financiamento também facilita um diálogo mais fluído e honesto entre financiador e financiado, em que os dois lados saem ganhando.

“Nós tínhamos suficiente apoio institucional e, por isso, pudemos nos adaptar e ousar quando os protestos, inesperados, aconteceram no Brasil em junho de 2013”, disse Tanya Karanasios, da Witness (EUA). Mauricio Albarracín, da Colômbia Diversa (Colômbia), completou: “As organizações têm que buscar as agências de cooperação internacional, seduzi-las, enquanto deveria ser ao contrário. As organizações deveriam ser procuradas, pois são elas que têm novas ideias, que fazem o trabalho, como ideas hunters”.

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Então, habemus inovação?

Há motivos de sobra para termos cautela com relação à “inovação pela inovação”, como descrito em cada uma das “razões para temer a inovação” anteriores. Mas há também um amplo espectro de motivos a serem explorados e nuances que podem facilitar o entendimento e a decisão de uma organização em colocar uma nova ideia em prática.

Para que isso aconteça, as seguintes perguntas podem ser feitas por organizações e ativistas que estão pensando em inovar:1515. Consultar em Seelos e Mair, “What determines,” 31-32, uma listagem de aspectos (chamados “patologias”) que podem influenciar positiva ou negativamente a capacidade de inovação de uma organização.

(i) O que é inovação para a minha organização? Sem desmerecer os teóricos da área, nenhuma definição de inovação será 100% adequada a toda e qualquer organização. Cabe a nós pensarmos no que ela significa para a missão da organização, para a equipe que a compõe e para aqueles para os quais existimos e áreas nas quais queremos ter impacto. Em muitos casos, ao utilizarem o termo inovação, as pessoas estão falando em adaptação, espaço para criatividade, mudanças e abertura ao risco.

(ii) Para que e por que quero inovar? A resposta mais evidente é que queremos inovar para caminharmos melhor rumo ao objetivo central, à missão da organização. Mas, ao deter-se sobre a pergunta, podemos chegar a respostas mais detalhadas: queremos atingir melhores resultados; queremos (re)colocar o ser humano, o beneficiário, no centro de nossa ação; queremos motivar a equipe; queremos engajar a opinião pública; e assim, por diante.

(iii) Onde quero inovar? Uma inovação pode ocorrer no nível programático de uma organização, nas suas estratégias, atividades, estrutura, fluxos e/ou processos internos. Dependendo de sua magnitude, pode ser vista como rompimento com uma antiga forma de fazer, criação de algo totalmente novo ou adaptação a uma nova realidade. Dependendo da forma como é implementada e acolhida, pode ser considerada uma experimentação: gradualmente, imaginando se há maneiras melhores de executar atividades, estratégias, etc. Para fazer isso, organizações podem implementar gradualmente pequenas mudanças e fazer uso constante de feedback e avaliações para ratificá-las ou não sem ter que assumir os riscos inevitáveis envolvidos em mudanças mais radicais.

(iv) Como irei inovar e o que preciso para isso? Isso dependerá das respostas a todas as perguntas anteriores. Dependerá, ainda, de superar desafios relacionados ao financiamento e de uma análise de fatores externos e do contexto no qual a organização opera em determinado momento, país, etc.

(v) Quem irá inovar? Importante lembrar que a liderança e a gestão de pessoas de uma organização são outros fatores fundamentais de inovação. “Uma organização possui maior capacidade de inovação quando é formada por uma equipe multidisciplinar e suas funções estão bem definidas entre gestores, especialistas e estrategistas. É fundamental que toda a equipe seja orientada pelo propósito da organização e que a cultura organizacional reforce a criatividade, o colaborativismo e a tomada de riscos conscientes”, ressalta Lucas Malaspina, da Escola de Ativismo (Brasil).

Conclusão

Por fim, a premissa de que inovação é sempre bom – ou boa por si só, é um equívoco. Porém, resistir a inovar por medo de assumir risco ou por excesso de cautela também pode ser um equívoco. Os desafios são muitos. Inovação é uma escolha e pode ser um processo complexo que envolve ao mesmo tempo humildade e ambição. Para estimular a reflexão, compartilhar experiências entre ONGs e entre financiadores é essencial – não somente para ter novas ideias, mas também para testá-las e compartilhar as lições aprendidas. Como alguns dizem, “emprestar é a nova inovação”.1616. Em um artigo, Gahrmann afirma que a ideia de “pegar emprestado, copiar ou roubar boas ideias” foi amplamente defendida em um seminário promovido pelo European Foundation Centre (Christian Gahrmann, “Borrowing is the New Innovation,” Blog Grantcraft Service of Foundation Center, 28 mai. 2015, acesso em 29 mar. 2016, http://www.grantcraft.org/blog/borrowing-is-the-new-innovation).

Lucia Nader - Brasil

Lucia Nader foi Diretora-Executiva da Conectas Direitos Humanos e é fellow da Open Society Foundations (OSF). Possui graduação em Relações Internacionais (PUC-SP) e pós-graduação em Desenvolvimento e Organizações Internacionais (Paris Science-Po). Atualmente é membro do conselho de várias organizações, incluindo o International Service for Human Rights e o Fundo Global para Direitos Humanos.

Recebido em maio de 2016

Original em inglês e português.

José Guilherme F. de Campos - Brasil

José Guilherme F. de Campos tem experiência profissional em ONGs, empresas e no setor público. Possui graduação em Administração (FEA-USP), mestrado em Administração (FEA-USP) e é doutorando em Administração (FEA-USP). É atualmente assistente de pesquisa no projeto “Organizações Sólidas em um Mundo Líquido”.

Recebido em maio de 2016

Original em inglês e português.