Aliança Pacífico Task Force e o enfoque diferencial como estratégia de resposta à pandemia
Entrevista com Lizeth Sinisterra Ossa
Por Maryuri Mora Grisales
A população afrodescendente do Pacífico colombiano é uma das mais vulneráveis do país. A pandemia de Covid-19 não só aumentou a desigualdade da região como evidenciou o racismo estrutural e a negligência estatal em garantir os direitos dessa população. A carência de pessoal médico e sanitário somada à ausência de infraestrutura em termos de capacidade de resposta em saúde aumentaram os riscos e desenlaces negativos como resultado da pandemia.
Em entrevista para a Conectas Direitos Humanos, Lizeth Sinisterra Ossa, pesquisadora do Centro de Estudos Afrodiaspóricos (CEAF) da Universidade Icesi de Cali e diretora da Pacífico Task Force,11. Para mais detalhes sobre este projeto, ver a página: Pacífico Task Force, Homepage, 2021, acesso em 16 de dezembro de 2021, https://pacificotaskforce.com/. aborda o surgimento da Aliança e de todo o trabalho de articulação comunitária realizado durante o último ano na costa do Pacífico. Desde a concepção inicial do projeto, baseada numa análise crítica da situação da região e partindo de uma compreensão diferenciada dos impactos da crise provocada pela pandemia de Covid-19 sobre a população afrodescendente, Ossa descreve os desafios do trabalho no território, a preocupação por manter o diálogo comunitário e a busca por uma incidência em longo prazo.
Na entrevista são descritos os pormenores das linhas estratégicas que orientaram a intervenção e que permitiram fortalecer as capacidades da comunidade, bem como os impactos de um trabalho coletivo e muito bem articulado com diferentes atores em nível local e nacional para obter uma resposta à pandemia da região e para a região.
Revista Sur • O que é e como surgiu a Aliança Pacífico Task Force?
Lizeth Sinisterra Ossa • Trata-se de uma aliança que surgiu em 2020 graças a uma preocupação latente de organizações e movimentos afrodescendentes em pensar quais seriam os impactos negativos que uma pandemia traria para a região.
Nosso país enfrenta um padrão histórico de racismo estrutural que permite continuar afirmando que algumas vidas importam e outras não. A pandemia chega e expõe a fragilidade e a falta de competência do sistema socioeconômico e político colombiano para garantir a vida das comunidades afrodescendentes. São comunidades com vulnerabilidades preexistentes, e o que a pandemia faz é recrudescer essas injustiças. Por exemplo, os indicadores de empobrecimento dessa população apresentam sempre um índice maior em relação ao resto do país: a pobreza multidimensional das diversas comunidades afrocolombianas [NARP, na sigla em espanhol para negra, afrocolombiana, palenquera e raizal] se situou em 30,6%, 11 pontos percentuais acima da pobreza nacional, que foi de 19,6%, de acordo com dados de 2018 do Departamento Administrativo Nacional de Estatísticas (DANE).
Se observarmos os indicadores da população afrodescendente na Colômbia em comparação com aquela que não pertence a um grupo étnico, encontramos que 81% estão no trabalho informal. Há, inclusive, uma taxa alta em termos de barreiras de acesso à saúde, a serviços de esgoto e aquedutos, o que significa não ter acesso à água como direito fundamental, mas também para enfrentar a pandemia. Como lavar constantemente as mãos para prevenir o contágio em lugares onde não há água?
No âmbito de nossa análise através do Sistema de Inteligência Epidemiológica encontramos alguns dados importantes: as pessoas afrodescendentes têm uma probabilidade 21% maior de serem hospitalizadas, 88% maior de terminarem em unidades de terapia intensiva e um risco 24% maior de morrerem, em comparação com a população que não pertence a um grupo étnico em nosso país. Então, é necessário entender o impacto da pandemia sobre esses corpos e, sobretudo, gerar políticas que garantam a vida, políticas para o cuidado e o autocuidado na comunidade.
A partir dessa preocupação inicial, pensou-se numa estratégia que pudesse responder de maneira urgente aos impactos que estavam sendo identificados e que iriam aumentar. Assim nasce essa aliança, como um exercício de conversações, de reflexões, de análise rigorosa e crítica da região [o Pacífico], para gerar, a partir disso, uma agenda de trabalho coletiva. O que fazemos é articular múltiplos esforços − acadêmicos, investigativos, comunitários e territoriais, inclusive institucionais − para enfrentar a pandemia a partir de um enfoque diferencial.
Desse modo, articularam-se importantes organizações dentro do movimento afrodescendente da Colômbia, como o Centro de Estudos Afrodiaspóricos (CEAF) da Universidade Icesi, o Conselho Nacional de Paz Afrocolombiano (CONPA), o Processo de Comunidades Negras (PCN) e o Comitê da Greve Cívica de Buenaventura, que tiveram uma incidência não apenas territorial, mas também política neste país. Juntar todas essas forças nos permitiu continuar respondendo diante da conjuntura causada pela pandemia.
Sur • O que vem a ser o enfoque diferencial?
LSO • O enfoque diferencial é um eixo articulador e transversal de todo o nosso processo, mas trata-se, sobretudo, do princípio da filosofia africana Ubuntu; Pacífico Task Force é “sou porque somos”. Precisamente por ser um trabalho colaborativo, coletivo e participativo, cujo objetivo principal é amenizar os impactos que estavam ocorrendo sobre corpos, vidas e territórios racializados e empobrecidos, situados principalmente na região do Pacífico colombiano.
O enfoque diferencial orientou nossos processos para acompanhar as comunidades que priorizamos. Geramos metodologias e rotas de ação que levam em conta as particularidades dos territórios e seus habitantes. Isso nos permite ter uma visão mais contextualizada e situada, para gerar um acompanhamento mais pertinente e de acordo com a realidade. A partir disso, reivindicamos e reconhecemos os saberes e as ancestralidades de nossos povos.
Não é segredo que quando respondem a esse tipo de situações emergenciais, os Estados partem de políticas e lineamentos homogêneos que não levam em conta as particularidades dos territórios, e essa é precisamente a nossa preocupação.
Por exemplo: quando chega a pandemia, a orientação do Ministério de Educação Nacional é: “Meninos e meninas vão para suas casas e vamos todos trabalhar virtualmente”. Em Timbiquí, um município da costa pacífica caucana, somente 0,9 % da população conta com acesso à internet. Não somente a população de estudantes carece de conectividade e recursos tecnológicos, como seus próprios professores e professoras não contam com computadores, nem com a possibilidade de conexão. Nesses territórios é preciso comprar pins [internet portátil], porém, ou você se conecta ou compra arroz. Um pin pode custar dois mil pesos e dura no máximo meia hora.
Nesse caso, o enfoque diferencial e a perspectiva interseccional consistem em situar o contexto e responder de acordo, não a partir de fora, mas de dentro. Essa é sua importância.
Sur • A Aliança trabalha com cinco linhas estratégicas. Gostaríamos que nos falasse sobre essas linhas e em qual delas tiveram mais sucesso ou mais desafios.
LSO • Cada uma das linhas tinha propósitos e objetivos que dialogavam entre si. Qual é a primeira coisa que aumenta numa pandemia? A fome. Trata-se de uma população que trabalha na rua, então era preciso cuidar primeiro da segurança alimentar. Com esta linha queríamos acompanhar as famílias que não tinham recursos para garantir sua alimentação diária. O DANE mostrou como aumentou a insegurança alimentar. Famílias que antes comiam duas vezes por dia não estavam comendo nada ou somente uma vez por dia durante a pandemia. Isso é algo impactante e consequência desse cenário. Essa linha foi exitosa, mas também tivemos de enfrentar desafios e vicissitudes.
Sabíamos que tínhamos de apoiar as comunidades oferecendo um mínimo de garantia alimentar, mas ao mesmo tempo identificamos que a economia local estava sendo afetada. Sobretudo as mulheres afrodescendentes das praças de mercado que tinham constantemente de jogar fora seus produtos, ou dá-los de presente. Elas relatavam que saíam muito cedo na madrugada e chegavam em casa tarde da noite com apenas dez mil ou vinte mil pesos [de três a seis dólares], depois de uma jornada extensa e complexa, para sustentar não só seus filhos e filhas, mas também netos e netas.
Começamos a identificar isso porque nos aproximamos das pessoas dos territórios. Percebemos que muitas das mercadorias que estavam chegando a essas zonas eram compradas fora, de grandes cadeias de supermercados. Diante disso, fizemos um chamado para fortalecer a ideia de que não é necessário fazer isso quando a população local tem produtos e produz coisas. Decidimos também elaborar minutas nutricionais de acordo com o que as pessoas comem em seus territórios. Por exemplo, não levamos feijão a Tumaco, porque não é sua base alimentar principal.
O que fizemos com as lideranças sociais foi projetar essas minutas nutricionais de acordo com os territórios e seus hábitos alimentares. Desse modo, geramos um processo de caracterização das famílias que deveríamos priorizar. Desenvolvemos um exercício colaborativo com as pessoas para possibilitar que essa estratégia tivesse uma incidência maior. Ao mesmo tempo em que dávamos alimentos, oferecíamos uma segurança econômica às mulheres das praças de mercado, cujas idades oscilavam entre 30 e 60 ou 70 anos, aproximadamente. Assim possibilitamos a existência de mercados com enfoques étnicos territoriais.
Em segundo lugar, conseguimos gerar outro processo em saúde e higiene. Esse tema foi muito problemático porque grande parte da institucionalidade e de outros setores tinha uma visão muito ocidental da pandemia, com linguagem técnica e uso de uma informação que não era compreensível para os territórios. Havia uma luta para promover a medicina ocidental sem reconhecer a medicina ancestral. Mas se perguntarmos às pessoas do Pacífico como sustentaram a vida nesse contexto, elas vão responder, sem dúvida alguma, que a medicina ancestral as manteve vivas. A medicina ancestral cumpriu um papel fundamental para que essas pessoas continuassem preservando sua existência, muito mais ainda no contexto da pandemia. Para as comunidades do Pacífico, se o vírus ataca a parte respiratória, usam gengibre, a Mata ratón,22. Seu nome científico é Gliricidia sepium e é uma espécie de múltiplos usos na América Central e na América do Sul. Conhecida popularmente como mata ratón, é uma árvore que produz uma folha muito usada no Pacífico colombiano. Medicinalmente é muito versátil e se usa para o tratamento de afecções da pele, para baixar a febre, aliviar dores de cabeça e garganta e refrescar o corpo. como uma maneira de fortalecer o sistema imune. E alguns produtos realmente tiveram impacto e de maneira gradual possibilitaram o cuidado.
Nessa linha de saúde e higiene decidimos não fazer uma separação entre Ocidente, de um lado, e a ancestralidade, do outro; ao contrário, pensamos em maneiras de fortalecer os agentes comunitários de saúde para enfrentar a Covid-19 a partir de um enfoque diferencial. Desse modo, geramos processos de interlocução entre autoridades sanitárias e autoridades étnico-territoriais e organizativas, sobretudo aquelas que estão nos conselhos comunitários, para influir a partir de um processo dialógico.
Criamos protocolos de atenção e de prevenção da Covid-19 com enfoque diferencial nos quais a medicina ancestral e a sabedoria das comunidades fossem levadas em conta. Geramos campanhas informativas e pedagógicas para promover o autocuidado, incluindo kits de higiene, mas não somente com máscaras, álcool e sabão. As pessoas perguntavam: “E as ervinhas ancestrais, onde estão?”. Então criamos kits que incluíam a medicina ancestral, colocamos suas ervinhas, sua mata ratón, seu gengibre e outras coisas, buscando fortalecer esse diálogo.
Nessa linha, nos demos conta da importância de conectar os territórios. Em geral, eles estão desconectados porque carecem de recursos tecnológicos ou canais de comunicação que lhes permitam saber o que está acontecendo com a pandemia. O acesso à informação neste país também é um privilégio. Instalamos algo que denominamos de sistema de difusão sonora (uma antena com sinal) para conectar os territórios em Timbiquí. Essa experiência-piloto permitiu que essa comunidade tivesse acesso permanente ao que estava acontecendo sobre a pandemia. Isso também foi um sucesso.
Por outro lado, também nos preocupava a maneira como o Estado produzia a informação sobre a pandemia. Identificamos que a categoria étnico-racial e territorial não estava sendo central para entender os impactos de maneira diferencial nos territórios. A partir desse vazio identificado, projetamos um sistema de inteligência epidemiológica, a terceira linha, pensada para melhorar as capacidades de resposta das instituições e das organizações através de informação útil, ágil, precisa, contextual, real e pertinente que permitisse tomar decisões ajustadas à realidade.
Trata-se de uma linha muito interessante porque nela se articularam as secretarias de saúde, junto com o professor Yoseth Ariza-Araujo, médico epidemiologista e professor do Departamento de Saúde Pública e Medicina Comunitária da Universidad Icesi, que liderou a estratégia. Foram realizados encontros para produzir conhecimento com essa variável étnico-racial para os territórios e geramos um quadro de controle para acompanhar os impactos da Covid-19 nesses locais.
Criamos espaços para fortalecer o diálogo dos saberes, propiciando encontros com especialistas nesse campo. Elaboramos mapas de georreferenciação com as secretarias de saúde e contratamos uma equipe para respaldar e acompanhar o levantamento da informação. A pandemia é, de alguma maneira, setorial e focalizada. Em Quibdó, por exemplo, há pontos de contágio ou mesmo de morte mais alarmantes do que em outros setores. Isso é importante para responder de modo mais efetivo.
Dentro dessa linha também projetamos uma escola formadora para barqueiros, para guardas de trânsito, para transporte fluvial, terrestre e marítimo. Geramos ciclos de capacitação em que nos articulamos com as secretarias de trânsito e turismo para que os barqueiros e as barqueiras e demais pessoal da mobilidade contasse com todas as bases para continuar contribuindo para a economia local, mas levando em conta o cuidado e o autocuidado.
Por fim, temos a linha da educação. Nela, partimos de um diálogo inicial com as secretarias de educação e organizações de base para compreender como projetar uma estratégia educativa em que a virtualidade não fosse uma opção. Projetamos dois processos, um denominado “Tecendo Aprendizagens” para o qual contamos com o apoio de voluntários e voluntárias de diferentes partes da Colômbia e de outros países da América Latina. Nesse processo, geramos uma formação remota através de chamadas de voz, em que uma pessoa voluntária se comunicava com uma criança, adolescente ou jovem para fortalecer sua aprendizagem. Fizemos acompanhamento em matemática, ciências sociais, linguagem, e também oferecemos uma atenção psicossocial porque estavam aumentando os casos de suicídio e de violência, e consideramos que o aspecto psicossocial era também um eixo transversal do processo. Criamos toda uma estratégia com protocolos que nos permitiu chegar a 130 crianças, adolescentes e jovens de sete territórios do Pacífico.
Elaboramos um programa de graduação denominado “Projeto de experiências de aprendizagem para a educação não presencial” com o Centro Eduteka da Universidade Icesi, a fim de fortalecer capacidades e competências no corpo docente para que transitassem e contassem com ferramentas significativas para acompanhar estudantes de maneira remota. Numa primeira fase, o corpo docente revisou os processos atuais de ensino, aprendeu como planejar as atividades formadoras para que fossem efetivas na não presencialidade, considerando como orientar a interação com suas turmas e através de quais canais. Para a segunda fase, iniciaram sua etapa de multiplicação e transferência de conhecimentos para seus colegas, a fim de que também pudessem continuar a partir da não presencialidade acompanhando o processo formativo do corpo discente. Em outras palavras, eles foram formados para converter o saber numa rede de conhecimento que possa chegar a muitos lugares do Pacífico colombiano. Com o programa de graduação formaram-se 91 docentes de sete territórios do Pacífico. Daqui saíram casos exitosos.33. A imprensa nacional repercutiu a história do professor Jenner Ruíz de Timbiquí. Esse professor criou classes através de podcasts, colocou um alto-falante na parte de trás de uma moto e fez circular os podcasts para que a informação chegasse não só a suas turmas de estudantes que estão na parte urbana, mas também a quem estava na zona rural: "Jenner Ruiz, historia de vida", vídeo do YouTube, 11:31, publicado por Redes Pacífico Task Force, 26 de dezembro de 2020, acesso em 16 de dezembro de 2021, https://www.youtube.com/watch?v=X2WWJsdKJgo&t=3s.
Além da educação, pensamos na importância das lideranças sociais, que no fim das contas são as que sustentam a vida em meio à morte. Nesse contexto tão devastador e desesperador, era necessário fortalecer as lideranças sociais, líderes de ambos os sexos, autoridades étnico-territoriais para adaptar-se e acompanhar o resto das comunidades. Adaptabilidade comunitária foi o caminho. Dentro dessa linha, reconhecemos que a Covid-19 não iria embora, precisávamos nos adaptar e deixar capacidade instalada no território, empoderar as comunidades para que elas mesmas continuassem seu processo e seguissem se fortalecendo. Desse modo, a linha orientou-se para criar uma estratégia formadora e de fortalecimento de capacidades em líderes de ambos os sexos e autoridades étnico-territoriais para adaptar suas habilidades organizativas em resposta às circunstâncias que provocam emergências como a da pandemia. O exercício de adaptabilidade orientou-se para que líderes de ambos os sexos tivessem a capacidade de propor e desenvolver estratégias de liderança com respostas assertivas e oportunas a situações de emergência e crise que se apresentam na região. Portanto, realizou-se o curso de graduação em “Inovação para a Solução de Problemas” no qual se formaram 36 lideranças de quatro territórios da região do Pacífico.
De modo geral, podemos dizer que tudo o que se fez foi um sucesso, foi uma reação em cadeia, uma linha complementava a outra. A respeito dos desafios, houve muitos, principalmente em termos de intervir num contexto novo. Para a intervenção era necessário interagir, mover-se, aproximar-se. Mas num contexto de pandemia, nossa saída e nosso encontro poderiam representar a própria morte. Foi preciso criar uma metodologia que nos permitisse enfrentar esses desafios. O que fizemos foi gerar articulações com lideranças sociais e comunitárias dos territórios que nos acompanharam desde o planejamento até a execução do processo.
Sur • O que determinou a capacidade de resposta que a Aliança teve frente à pandemia de Covid-19 no Pacífico colombiano, e qual foi o impacto desse trabalho nos territórios?
LSO • O que determinou nossa capacidade de resposta foi analisar a região e falar com diferentes instâncias. Tivemos encontros com as prefeituras, com lideranças sociais e tivemos também encontros com outros setores que nos permitiram fazer uma análise profunda e a partir daí gerar essa proposta que estou descrevendo.
Conseguimos fazer tudo isso em um ano. Iniciamos em maio de 2020 e encerramos a primeira fase em maio de 2021. Sobre o impacto, eu resumiria assim: a Pacífico Task Force gerou e consolidou um trabalho articulado, colaborativo e participativo entre governo local, lideranças sociais, autoridades étnico-territoriais e outras partes interessadas fundamentais. Geramos um ecossistema regional de trabalho, da região e para a região:
Sur • Depois de todo o trabalho realizado, em sua opinião qual deveria ser o foco de atenção para o fortalecimento das comunidades mais vulneráveis do Pacífico colombiano? E quais são os desafios futuros?
LSO • Tudo é transversal. Então, o foco da atenção tem de ser integral, atravessar todos os direitos fundamentais de que deve gozar qualquer ser humano para preservar sua existência. Se fizermos uma análise da região, e pensando em termos de direitos, pergunto-me a quais direitos têm acesso as comunidades afrodescendentes na Colômbia quando precisam lutar até pelo direito de viver.88. Informe recente do Banco Mundial afirma que a Colômbia é o segundo país mais desigual da América Latina, e que a população negra continuará sendo afetada. Ver: "Colombia, el segundo país más desigual en América Latina", Portafolio, 27 de outubro de 2021, acesso em 16 de dezembro de 2021, https://www.portafolio.co/economia/gobierno/colombia-é-o-segundo-pais-mais-desigual-de-america-latina-segun-o-banco-mundial-557830.
A pergunta deveria ser como fortalecer as comunidades não somente na infraestrutura, mas também na capacidade de enfrentar as emergências que venham a se apresentar. É necessário pensar num fortalecimento material, mas também num fortalecimento da capacidade instalada nas comunidades, deixar processos que lhes permitam adaptar-se e responder a esse contexto.
Como fortalecemos as autonomias? Como fortalecemos a soberania territorial e alimentar? Como continuar fortalecendo a análise territorial, a produção de dados e a informação que nos permitam compreender como estão as comunidades? Como gerar processos de gestão de recursos naturais, de gestão própria? Como podemos sair desse modelo depredador e desenvolvimentista?
A Covid-19 está evidenciando que o mundo precisa se transformar, sobretudo para quem vive há mais de quinhentos anos sem acesso a um mundo justo e equitativo. Se a Colômbia não encontrar, de alguma maneira, vias para resolver essa situação, não sei, em alguns anos, onde vai terminar a população afrodescendente deste país, para ser muito honesta.
Sobre o futuro e os desafios, estamos num processo de pensar numa segunda fase da Pacífico Task Force, pensando em possibilitar uma continuidade. Um dos desafios que estamos encontrando, e que às vezes é invisibilizado, é a mudança climática. Parece-nos importante que essa mudança esteja articulada à justiça racial, as duas precisam estar conectadas. Estamos pensando em dois processos para a próxima fase do projeto: recuperação da Covid-19, proteção de recursos naturais e mitigação da mudança climática.
O impacto que está deixando a mudança climática, por exemplo, no Haiti ou em San Andrés não é de graça, e o que se está gestando historicamente no Pacífico terá consequências. Então, as comunidades também precisam adaptar-se a partir disso. É importante afirmar que a luta pela mudança climática também é diferencial, os impactos climáticos são diferenciais. Trata-se de um processo de acompanhamento e de gestar a transformação. A mudança é algo gradual, e será necessário pensar em como iniciar a segunda fase a partir das lições aprendidas para seguir caminhando juntes.
***
Entrevista conduzida por Maryuri Mora Grisales em novembro de 2021.
Original em espanhol. Traduzido por Pedro Maia Soares.