Retomando o Espaço Civil

Egito: espaços sob ataque

Sara Alsherif

Aumento da violência no Egito requer mudanças táticas como resposta

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RESUMO

A sociedade civil egípcia está sob crescente ataque por parte do Estado. A ativista Sara Alsherif analisa as atividades realizadas pela organização informal No Military Trials for Civilians e seus parceiros contra a repressão no Egito. Sara examina como essas estratégias foram adaptadas ao longo dos últimos sete anos para responder à realidade política em constante mudança de duas eleições parlamentares, duas eleições presidenciais, um massacre e um golpe militar. Conforme a violência policial e vigilância estatal aumentam, Sara analisa como a flexibilidade e criatividade, tanto on-line como off-line, são fundamentais para estar um passo à frente das autoridades.

Palavras-Chave

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1. O cerco

Apesar das esperanças de uma distensão após a Revolução Egípcia em 2011, a repressão à sociedade civil egípcia vem sendo implacável. No final de 2011, as autoridades egípcias invadiram dezessete organizações não governamentais (ONGs) que trabalhavam em questões relacionadas à democracia e direitos humanos. Posteriormente, em junho de 2013, quarenta e três funcionários estrangeiros e egípcios de ONGs foram condenados a sentenças de prisão de um a cinco anos.11. “Egypt Must Overturn Jail Sentence for NGO Workers,” Amnesty International, 5 de junho de 2013, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.amnesty.org/en/latest/news/2013/06/egypt-must-overturn-jail-sentence-for-ngo-workers/. Em 2014, o Ministério de Solidariedade Social deu um prazo para que todas organizações da sociedade civil se registrassem junto ao governo ou enfrentariam ações jurídicas.22. “From Bad to Worse: Looming Deadline Compounds Egyptian NGOs’ Woes,” Amnesty International, 31 de agosto de 2014, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.amnesty.org/en/latest/news/2014/08/bad-worse-looming-deadline-compounds-egyptian-ngos-woes/. E, em 2015, os juízes de instrução aumentaram a pressão sobre as organizações egípcias de direitos humanos, fazendo uso de proibições arbitrárias de viagens e prisões.33. “Background on Case No. 173 - The “Foreign Funding Case” Imminent Risk of Prosecution and Closure,” Egyptian Initiative for Personal Rights, 21 de março de 2016, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://eipr.org/en/press/2016/03/background-case-no-173-%E2%80%9Cforeign-funding-case%E2%80%9D.

Mais recentemente, em 2017, o presidente Abdel Fatteh el-Sisi aprovou a Lei 70 de 2017 para regulamentar o trabalho das associações e outras instituições que trabalham no campo das atividades sociais (a lei das ONGs). Esta lei proíbe que as ONGs realizem atividades que “prejudiquem a segurança nacional, ordem pública, moral pública ou saúde pública”. 44. “Lei de associações e outras instituições que trabalham no campo das atividades sociais”, Artigos 13 e 62 (2017). Ela cria uma Autoridade Nacional para Regulamentar as Organizações Não-Governamentais Internacionais,55. Ibid, Capítulo 6. que é composta por representantes dos principais órgãos de segurança nacional do Egito, a Direção Geral de Inteligência, Ministérios da Defesa e Interior, bem como representantes do Ministério de Relações Exteriores e Banco Central do Egito. Este órgão supervisionará o trabalho das ONGs, incluindo qualquer financiamento ou cooperação entre organizações egípcias e qualquer entidade estrangeira.66. Ibid, Artigo 71. Ademais, a lei proíbe qualquer órgão do governo egípcio de estabelecer acordos com ONGs sem a aprovação da Autoridade Nacional, controlando assim o financiamento das ONGs. A lei também confere ao governo a autoridade para monitorar as atividades diárias das ONGs, desde a escolha de suas lideranças, até o agendamento de reuniões internas. A mudança de sede de uma ONG para outro endereço sem informar as autoridades é passível de punição de acordo com a lei.77. A lei pune uma série de violações com sentenças de um a cinco anos de prisão e uma multa de 50.000 a 1.000.000 libras egípcias (de 2.760 a 55.349 dólares).

Enquanto redijo este artigo, estou tentando encontrar a lei das ONGs on-line.88. “Egypt’s President Ratifies New NGO Law,” Ahram, 29 de maio de 2017, acesso em 5 de dezembro de 2017, http://english.ahram.org.eg/NewsContent/1/64/269799/Egypt/Politics-/Egypts-president-ratifies-new-NGO-law-.aspx; “Unofficial Translation for Law No (70) of 2017 of The Law of Associations And Other Foundations Working in the Field of Civil Work,” ICNL, 2017, acesso em 5 de dezembro de 2017, http://www.icnl.org/research/library/files/Egypt/law70english.pdf; “Egypt: New Law Will Crush Civil Society,” Human Rights Watch, 2 de junho de 2017, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.hrw.org/news/2017/06/02/egypt-new-law-will-crush-civil-society. Muitos resultados aparecem no mecanismo de busca em sites de notícias e de ONGs, mas quando tento acessar os links, eles não abrem. Apesar das restrições legais descritas acima, a esfera on-line sempre foi um campo no qual celebramos vitórias, onde zombávamos e nos opúnhamos aos políticos. Além disso, em 2010-2011, o mundo digital ajudou a impulsionar eventos no mundo real. A história de Khaled Saeid e a campanha on-line que ocorreu em seguida ajudaram a instigar a revolução egípcia.99. Para mais informações sobre a morte de Khaled Saeid e sobre revolução egípcia, veja: “The Price of Hope: Human Rights Abuses During the Egyptian Revolution,” International Federation for Human Rights, May 2011, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.fidh.org/IMG/pdf/Egypte562a2011-1.pdf.

No entanto, em meados de maio de 2017, o governo bloqueou o acesso a pelo menos vinte e um websites de notícias porque eles estavam “disseminando mentiras” e “apoiando o terrorismo”. 1010. Ruth Michaelson, “Egypt Blocks Access to News Websites Including Al-Jazeera and Mada Masr.” The Guardian, 25 de maio de 2017, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.theguardian.com/world/2017/may/25/egypt-blocks-access-news-websites-al-jazeera-mada-masr-press-freedom. Imediatamente em seguida, ocorreu o bloqueio de diversos sites da Rede Privada Virtual e de alguns blogs da plataforma de publicação on-line “Sand”. De acordo com um relatório da AFTE 1111. “Decision From an Unknown Body: On Blocking Websites in Egypt,” AFTE, 4 de junho de 2017, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://afteegypt.org/right_to_know-2/publicationsright_to_know-right_to_know-2/2017/06/04/13069-afteegypt.html?lang=en. o número de sites bloqueados aumentou para pelo menos quatrocentos e trinta e quatro. Sendo assim, nós ativistas estamos sendo impedidos de operar tanto on-line quanto off-line.

Mas nos recusamos a ser bloqueados.

A história desta repressão é a nossa história e por meio de vários métodos nós resistimos, adaptando-nos e adaptando nossas táticas para garantir que estejamos um passo à frente das autoridades. Este artigo examinará como fizemos isso, na esperança de que outras pessoas possam aprender com nossos métodos, pois, apesar das condições adversas, sempre há espaço para reagir.

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2. Respostas

Estrutura organizacional

Durante a Revolução de 25 de janeiro de 2011, as forças do exército começaram a ser destacadas por todo país. Entre janeiro e agosto de 2011, o número de civis que enfrentaram tribunais militares chegou a doze mil.1212. “The Cairo Institute for Human Rights Studies and the No Military Trials for Civilians Group Joint Written Intervention to the 20th session of the UN Human Rights Council Item 3 - Interactive Dialogue with the Special Rapporteur on the Independence of Judges and Lawyers,” Cairo Institute for Human Rights Studies, 2012, acesso em 5 de dezembro de 2017, http://www.cihrs.org/wp-content/uploads/2012/06/Military-Trials-of-Civilians-in-Egypt-since-the-January-25-Revolu. Veja mais sobre julgamentos militares para civis: TahrirDiaries, “٣ أعوام .. ٣ أنظمة .. المحاكمات العسكرية مستمرة "English".” Youtube video, 4:28. Postado em 12 de março de 2014, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.youtube.com/watch?v=gvbVStRfxJk&t=4s. Desde então, a jurisdição dos militares se expandiu, principalmente sob o pretexto da retórica antiterrorista. Em 2014, o atual presidente el-Sisi aprovou a lei 136/2014, que permite o julgamento militar de crimes cometidos em locais públicos, incluindo estradas e universidades.1313. “15 Independent Rights Groups Condemn the Expansion in the Jurisdiction of Military Courts,” EIPR, 30 de outubro de 2014, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://eipr.org/en/press/2014/10/15-independent-rights-groups-condemn-expansion-jurisdiction-military-courts.

No Military Trials for Civilians – NMTC (Não aos Julgamentos Militares para Civis)1414. “Death Sentence by Military Court. Irreversible Injustice,” No to Military Trials for Civilians, 2016, acesso em 5 de dezembro de 2017, http://www.nomiltrials.org. é uma organização informal, composta por voluntários, que foi fundada no Egito em abril de 2011 para combater esse método de silenciamento da sociedade civil egípcia. A organização funciona como uma plataforma por meio da qual as famílias de civis que são levados a tribunais militares possam obter assistência jurídica de advogados de direitos humanos, planejar e executar uma campanha a favor de seus casos e receber ajuda para comprar suprimentos para seus entes queridos que estão detidos. Também fazemos incidência por alterações legais e constitucionais visando proteger civis de julgamentos injustos e a favor de novos julgamentos para aqueles que já foram sentenciados em tribunais militares, além de solicitar reparações para eles.

O fato de nossa organização ser informal é, por si só, uma estratégia que contribuiu para nosso êxito, embora essa não tenha sido uma estratégia consciente quando fundamos a organização em 2011. Naquela época, não vimos a necessidade de registrar a organização. Nós dependemos de ativistas e advogados voluntários. Para não sermos estigmatizados, decidimos não usar financiamento estrangeiro. Em vez disso, as ONGs parceiras apoiam os custos jurídicos da defesa das vítimas e contamos com assistência em espécie para ajudar as famílias das vítimas. Desta forma, permanecemos sem registo e não temos sede ou escritórios fixos. Somos capazes de operar fora do radar das autoridades que provavelmente gostariam de ver nossa organização com as atividades encerradas. Trabalhamos nas casas de uns e de outros, em restaurantes e cafés. Antes da repressão às ONGs, nos reuníamos nos escritórios de ONGs que faziam parte da nossa organização. Qualquer pessoa que tenha o mesmo objetivo de acabar com os julgamentos militares para civis pode se juntar a nós e, nesse sentido, somos bastante abertos. Muitas de nossas discussões ocorrem on-line, permitindo que todos na organização participem, embora, no final, um conselho tome as decisões. Apesar de esta informalidade trazer muitos benefícios, também precisamos lidar com os desafios que ela implica, como o inevitável impacto na estabilidade da organização e na eficácia do trabalho que fazemos.

Protestos

Em 2011, contávamos com certa liberdade, porque a revolução tinha acabado de acontecer. Usamos as ruas e repartições governamentais como lugares para protestar e expressar nossos pontos de vista. Protestar tem sido uma ferramenta fundamental para a organização, inclusive na Praça Tahrir e em frente ao tribunal militar no Cairo. Lançamos os “sábados injustos” 1515. Um grupo de mães de civis detidos que foram encaminhados para tribunais militares, se reuniam todos sábados em frente ao Ministério da Defesa para exigir a libertação de seus parentes. Elas chamavam esse dia da semana de “sábados injustos”. para as mães de civis encaminhados a tribunais militares. E este grupo de pessoas protestava semanalmente em frente à sede do Ministério da Defesa. Diversos ativistas foram liberados após seu encaminhamento aos tribunais militares, como resultado do uso de protestos como ferramenta de pressão, incluindo, por exemplo, Amr El Behairy. 1616. Zeinab El Gundy, “Amr El-Behairy Finally Wins Retrial in Egypt Military Court.” Ahram, 10 janeiro de 2012, acesso em 5 de dezembro de 2017, http://english.ahram.org.eg/NewsContent/1/64/31402/Egypt/Politics-/Amr-ElBehairy-finally-wins-retrial-in-Egypt-milita.aspx.

O protesto como método de resistência não foi muito afetado pelo regime de Mohamed Morsi. A NMTC pôde dar destaque, com considerável sucesso, à situação dos civis que enfrentavam julgamento militar. O evento mais significativo para nós durante o regime de Morsi foi em novembro de 2012, quando forças militares desembarcaram em uma das ilhas habitadas no meio do Nilo (Al Qursaya) para ocupá-la. Quando as pessoas que viviam na ilha tentaram resistir, uma foi assassinada e vinte e duas foram enviadas para julgamentos militares.1717. “Egypt Island Residents Forcibly Evicted,” Al Jazeera, 20 janeiro de 2013, acesso em 5 de dezembro de 2017, http://www.aljazeera.com/video/middleeast/2013/01/201312053748872344.html.

Não houve cobertura de mídia sobre o caso até que a NMTC começou a trabalhar nele indo para a ilha e organizando protestos com as famílias dos detidos diante da Suprema Corte. Também organizamos um evento onde passamos um dia inteiro com as famílias e filhos dos detidos em suas casas, enquanto as forças armadas estavam do lado oposto em uma das regiões capturadas.

A pressão que criamos contribuiu para a decisão do tribunal administrativo a favor do direito do povo à sua terra e lar, e pela libertação dos vinte e dois detidos. Eles foram exonerados de quaisquer acusações ou condenados a uma pena de prisão de seis meses, que era o período de tempo que já haviam ficado detidos desde a sua prisão inicial.

Mudanças táticas

O massacre de Rabaa em agosto de 2013,1818. More details about Rab’a Massacre from Human Rights Watch report: “All According to Plan: The Rab’a Massacre and Mass Killings of Protesters in Egypt”, Human Rights Watch, 12 de agosto de 2014, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.hrw.org/report/2014/08/12/all-according-plan/raba-massacre-and-mass-killings-protesters-egypt; “Egypt: Establish International Inquiry Into Rab’a Massacre,” Human Rights Watch, 14 de agosto de 2015, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.hrw.org/news/2015/08/14/egypt-establish-international-inquiry-raba-massacre. no qual os militares mataram mais de mil pessoas que se opunham à remoção de Morsi por um golpe militar em julho de 2013, foi um ponto de inflexão na maneira como o governo egípcio passou a lidar com os protestos públicos. A lei sobre protestos,1919. Amr Hamzawy, “Egypt’s Anti Protest Law: Legalising Authoritarianism.” Carnegie Endowment for International Peace, 24 de novembro de 2016, acesso em 5 de dezembro de 2017, http://carnegieendowment.org/2016/11/24/egypt-s-anti-protest-law-legalising-authoritarianism-pub-66274. aprovada em novembro de 2013, é um reflexo dessa atitude cada vez mais intolerante. Essencialmente, a lei permite que o governo cancele ou adie protestos, uma das maiores ameaças à vitória da Revolução de 25 de janeiro. Consequentemente, fomos forçados a alterar nossa estratégia tradicional de protestar por receio de incorrer em perda de vidas ou causar ferimentos a nossos apoiadores. Nós decidimos que era seguro convocar protestos pequenos e discretos com uma duração definida e que não tinham a intenção de enfrentar as autoridades.

Em 2013, o Comitê dos Cinquenta (nome que se refere ao número de membros do Comitê) foi criado para elaborar uma nova constituição. Vimos isso como uma oportunidade de pressionar o Comitê a adotar um artigo na nova constituição que proíbe encaminhar civis aos tribunais militares.

Juntamente com outras organizações e partidos revolucionários, a NMTC fez ações de incidência junto ao Comitê dos Cinquenta usando as mídias sociais para criar uma enxurrada no Twitter para pressionar o Comitê a realizar uma audiência com a NMTC. Trabalhamos em diversas frentes. A primeira delas era pressionar os membros do Comitê individualmente e por meio de seus círculos sociais, bem como por meio de grupos profissionais aos quais eles pertencem, como organizações de classe ou sindicatos de jornalistas, artistas, engenheiros, representantes de pessoas com necessidades especiais, trabalhadores etc. Também realizamos reuniões individuais com alguns membros do Comitê, que vimos que tinham opiniões moderadas sobre o assunto. Além disso, colaboramos de modo próximo com advogados e ativistas de direitos humanos para elaborar artigos sobre o julgamentos militares que seriam adicionados à Constituição, que foram enviados aos membros do Comitê por meio de correspondências registradas.

A pressão da campanha conseguiu obter uma audiência com o Comitê. Três membros da NMTC participaram da audiência juntamente com um dos familiares de uma vítima. Durante a audiência, a questão dos julgamentos militares foi discutida de modo abrangente e apresentamos os projetos de artigos constitucionais. Infelizmente, o representante das Forças Armadas do Comitê dos Cinquenta se recusou a participar da audiência apenas dois dias antes da data agendada.

Além do diálogo direto com o Comitê dos Cinquenta, em 26 de novembro de 2013, no dia em que o Comitê votou o artigo sobre julgamentos militares para civis, decidimos fazer ainda mais pressão protestando em frente ao parlamento. Coincidentemente, este também foi o primeiro dia em que a lei de protesto foi aplicada. As autoridades reagiram brutalmente, protestamos por menos de vinte minutos, depois disso a maioria de nós foi espancada, assediada e presa pela polícia.

A violência policial e a intensa cobertura na mídia tradicional e redes sociais, resultaram em pressão significativa a favor de nossa liberdade. Esta pressão foi exacerbada devido à participação de membros da NMTC, que eram majoritariamente ativistas mulheres de renome e que tinham se encontrado com a maioria dos membros do Comitê dos Cinquenta anteriormente. Devido à pressão, a polícia soltou os membros da NMTC no dia seguinte, no meio do deserto. Os advogados e repórteres, e alguns dos outros manifestantes, foram soltos alguns dias depois. Outros não tiveram tanta sorte. O ativista Alaa Abdel Fattah foi preso e acusado de organizar o protesto e atacar policiais, o que não é verdade. Alaa foi condenado a cinco anos de prisão. Desde a sua prisão, fizemos uma campanha on-line por sua libertação, usando o hashtag #freealaa, e protestamos em frente ao Palácio Presidencial após a posse de el-Sisi.

Apesar de já termos adaptado a forma como usamos os protestos, dando ênfase a protestos pequenos e inesperados, a violência policial durante esse protesto de novembro de 2013 forçou a NMTC a deixar de usar os protestos como estratégia. Os custos estavam ficando mais altos. A agressão por parte das autoridades contra qualquer indício de protesto, mesmo que pequeno e com impacto reduzido, significava que não havia garantias de que assumiríamos os riscos sozinhos e que ninguém mais pagaria por isso.

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Uma exceção

No entanto, após uma reação policial particularmente violenta, que resultou na morte de Shaimaa Al-Sabbagh, era impossível não reagir. Shaimaa era uma das principais integrantes do Partido da Aliança Popular Socialista. Ela foi baleada e morta pela polícia, em plena luz do dia, um sábado, durante uma manifestação socialista perto da Praça Tahrir. Shaimaa estava participando de um protesto simbólico com seus correligionários no qual todos seguravam flores.2020. “Egypt: Video Shows Police Shot Shaimaa al-Sabbagh,” Human Rights Watch, 1 de fevereiro de 2015, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.hrw.org/video-photos/video/2015/02/01/egypt-video-shows-police-shot-shaimaa-al-sabbagh; see also Human Rights Watch, “Video Shows Police Shot Shaimaa al-Sabbagh.” Youtube video, 2:44. postado em 31 de janeiro de 2015, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.youtube.com/watch?v=uMBvbIojtWU; and “Final Moments of Activist Shot in Cairo,” The New York Times, 3 de fevereiro de 2015, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.nytimes.com/video/world/middleeast/100000003486953/final-moments-of-activist-shot-in-cairo.html?action=click&gtype=vhs&version=vhs-heading&module=vhs&region=title-area; “Egyptian Activist Shot and Killed During Peaceful Protest in Cairo,” Time, 24 de janeiro de 2015 acesso em 5 de dezembro de 2017, http://time.com/3681599/egypt-activist-shaimaa-al-sabbagh-tahrir-square-shot-killed/.

Este ato de violência por parte da polícia motivou muitas pessoas revoltadas a voltar às ruas alguns dias depois, no mesmo local onde Shaimaa tinha sido assassinada. Apesar das ameaças das forças de segurança e enorme presença policial, um grande número de pessoas atendeu ao convite para o protesto.

A técnica usada para convocar o protesto pode ter sido o motivo. O convite era apenas para mulheres que naquela ocasião colocariam flores onde Shaimaa Al-Sabbagh havia sido assassinada. Apesar da grande presença policial, os policiais não atacaram as mulheres, embora tenham instruído alguns civis a entrar em confronto com as manifestantes.2121. Maggie Fick e Michael Georgy, “Women Hold Rally in Cairo to Demand Investigation Into Protestor Deaths.” Reuters, 29 de janeiro de 2015, acesso em 5 de dezembro de 2017, http://www.reuters.com/article/us-egypt-protests-women/women-hold-rally-in-cairo-to-demand-investigation-into-protestor-deaths-idUSKBN0L21FN20150129.

Outras ferramentas

Apesar dessa repressão aos protestos, por meio do pensamento criativo, os grupos de ativistas ainda conseguem aproveitar alguns locais públicos. Em 2014, por exemplo, depois de uma onda de prisões de vários ativistas durante manifestações sob a lei de protesto, os egípcios acordaram no primeiro dia de Eid al-Fitr (um dos feriados religiosos muçulmanos celebrado festivamente) e se depararam vários outdoors que tinham sido substituídos por fotos de homens e mulheres jovens sorrindo e abaixo de cada uma delas as palavras “O Eid [celebração] deles dentro da prisão”. Apesar do clima de apoio às autoridades naquele momento no Egito, essas fotos despertaram grande compaixão por esses jovens na prisão.2222. Zeinobia, “Their Eid Inside Jail.” Egyptian Chronicles blog, 18 janeiro de 2015, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://egyptianchronicles.blogspot.com.eg/2015/07/their-eid-inside-jail.html.

Outdoors com fotos dos prisioneiros com as palavras “O Eid (celebração) deles dentro da prisão”

A NMTC e seus parceiros também têm um olhar internacional para ajudar a expandir a solidariedade por sua causa.

Ainda somos capazes de fazer barulho que pode chamar atenção para os casos de direitos humanos e alcançar a cobertura de notícias internacionais. Como resultado da campanha após a morte de Shaimaa El-Sabbagh, a polícia egípcia foi forçada a abrir uma investigação sobre sua morte. E, apesar das tentativas de responsabilizar outras pessoas, o policial responsável pela morte de Shaimaa foi, por fim, condenado a dez anos de prisão.2323. “Egyptian Police Officer Jailed for 15 years Over Death of Protester,” The Guardian, 11 de junho de 2015, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.theguardian.com/world/2015/jun/11/egypt-police-officer-jailed-15-years-death-protester-shaimaa-el-sabbagh-cairo; “Police Officer Sentenced to 10 years for Killing Activist Shaimaa El-Sabbagh,” Ahram, 19 junho de 2015, acesso em 5 de dezembro de 2017, http://english.ahram.org.eg/NewsContent/1/64/271210/Egypt/Politics-/Police-officer-sentenced-to--years-for-killing-act.aspx. Outros casos não são tão bem sucedidos. Por exemplo, o de Mohammad Shawkan, um fotojornalista que estava cobrindo o massacre de Rabia quando foi preso. Shawkan não foi liberado apesar de toda pressão internacional e de claramente se tratar de um caso de inocência. Da mesma forma, Alaa Abdel Fattah, que esteve preso nos mandatos de todos presidentes e que está hoje injustamente na prisão, enquanto novos processos estão sendo apresentados contra ele, apesar da pressão internacional pela sua liberdade.

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3. Onde estamos agora?

Ao contrário dos primeiros anos da revolução, nós ativistas não podemos ser encontrados na televisão, em entrevistas, nos corredores do Conselho do Povo ou protestando na frente dele. E ainda que, por acaso, a mídia oficial fale sobre nós, será em ocasiões nas quais fala a respeito de decisões judiciais contra nós. Fomos ocultados pelas instituições oficiais do Estado! Mas ainda não desaparecemos.

Juntos, trabalhamos na criação de novas ferramentas para superar a diminuição de espaços reais e virtuais. Nos espaços reais, isso envolve a adaptação de nossos métodos, mudando a natureza dos protestos e nos tornando mais inteligentes. On-line, temos de estar um passo à frente. Recentemente, o governo bloqueou o sinal de um aplicativo de mensagens criptografadas.2424. Farid Y. Farid, “No Signal: Egypt Blocks the Encrypted Messaging App as it Continues its Cyber Crackdown.” Tech Crunch, 26 de dezembro de 2016, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://techcrunch.com/2016/12/26/1431709/; Mariella Moon, “Egypt Has Blocked Encrypted Messaging App Signal.” Engadget, 20 de dezembro de 2016, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.engadget.com/2016/12/20/egypt-blocks-signal/. O aplicativo é uma ferramenta importante para nós que garante comunicações seguras sem que terceiros possam interferir. Aprofundamos nossa relação com a empresa que criou este aplicativo, a Open Whisper Systems, e em pouco tempo, ele estava on-line e em funcionamento novamente.2525. “Signal Bypasses Egyptian Authorities’ Interference with Update to Application,” Mada Masr, 22 de dezembro de 2016, acesso em 5 de dezembro de 2017, https://www.madamasr.com/en/2016/12/22/news/u/signal-bypasses-egyptian-authorities-interference-with-update-to-application/. Para escrever este artigo, estou com dois navegadores diferentes abertos, um deles para navegação normal e outro para acessar sites bloqueados.

Este pensamento criativo e a adaptabilidade que devemos praticar on-line são reflexo da minha realidade off-line. Não seremos bloqueados on-line. E não seremos bloqueado off-line. Há sempre uma maneira e devemos estar um passo à frente.

Sara Alsherif - Egito

Sara Alsherif é defensora de direitos humanos e membro do grupo No Military Trials for Civilians (Não aos Julgamentos Militares para Civis, em português). Ela é jornalista independente e também trabalha como pesquisadora em direito à informação, direitos digitais e segurança digital. Ela trabalha há 8 anos usando tecnologia para capacitar diferentes grupos em toda a sociedade civil.

Recebido em setembro de 2017.

Original em inglês. Traduzido por Fernando Sciré.