Retomando o Espaço Civil

Duterte e a saída dos doadores

Jonas Bagas

Políticos populistas e cortes de fundos no Sudeste Asiático requerem ação imediata

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RESUMO

A guerra de Duterte contra as drogas ilustra a repressão de modo mais amplo à sociedade civil, especialmente contra comunidades marginalizadas e a oposição política na Indonésia, nas Filipinas e na Tailândia. Ela aponta para a fragilidade dos espaços democráticos na região, que correm o risco de serem ainda mais enfraquecidos pela transferência e saída dos doadores internacionais. Este artigo explora as razões por trás dessas saídas antes de abordar como a sociedade civil e os doadores devem responder para ajudar a construir grupos comunitários resilientes e reagir contra o declínio nos espaços democráticos.

Palavras-Chave

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O presidente filipino Rodrigo Duterte ganhou as eleições presidenciais em 2016 por meio de uma plataforma de medo e violência. Como candidato presidencial, ignorou os dados oficiais do governo sobre o uso de drogas e, para seu proveito, inflacionou o número de dependentes de drogas a um número fictício de três a quatro milhões de pessoas.11. Este número não condiz com os dados governamentais existentes, que fixam o número de pessoas que experimentaram drogas uma vez em sua vida em 1,2 milhões, e não de dependentes. Para mais informações veja: “PCIJ Findings: What’s Flawed, Fuzzy With Drug War Numbers?,” Philippine Center for Investigative Journalism, 8 de junho de 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://pcij.org/stories/pcij-findings-whats-flawed-fuzzy-with-drug-war-numbers/. Duterte afirmou reiteradamente que os usuários de drogas têm mentes corrompidas e estupram bebês e prometeu publicamente que, quando se tornasse presidente, mataria milhares de pessoas que cometeram crimes relacionados às drogas.22. Veja: Marlon Ramos, “Junkies Are Not Humans.” Inquirer, August 28, 2016, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://newsinfo.inquirer.net/810395/junkies-are-not-humans. Uma promessa que seu governo está cumprindo: em um ano de governo, milhares de pessoas foram mortas extrajudicialmente, seja em operações policiais contra as drogas ou por assassinatos cometidos por milícias, com estimativas variando de sete a treze mil pessoas.33. Não há estimativas finais sobre o número total de pessoas mortas durante a guerra contra as drogas e a polícia proibiu recentemente que a mídia tenha acesso aos boletins policiais sobre homicídios relacionados a drogas. A guerra de Duterte contra as drogas está mergulhando as Filipinas em uma crise de direitos humanos sem precedentes, cujo impacto vai além do problema das drogas. A sua presidência pode ser vista como parte de uma repressão mais ampla contra a sociedade civil.

Os assassinatos documentados no governo de Duterte estão ocorrendo principalmente em comunidades urbanas pobres e já superam o número de mortos extrajudiciais durante a violenta ditadura de Ferdinando Marcos.44. Veja: “Philippines: Duterte’s Bloody and Lawless Year in Power,” Amnesty International, 29 de junho de 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, https://www.amnesty.org/en/latest/news/2017/06/philippines-dutertes-bloody-and-lawless-year-in-power/. Além disso, a impunidade policial é crescente, conforme pode ser notado nos homicídios relacionados às drogas, incluindo aqueles que envolvem crianças e menores de idade. O governo de Duterte também visou abertamente às instituições políticas com vistas a debilitar os mecanismos constitucionais de freios e contrapesos. Em um ano, sua maioria qualificada no Congresso impediu investigações legislativas sobre a guerra contra as drogas, engavetou um pedido de impeachment e colocou um vocal senador de oposição na prisão com acusações falsas relacionadas a drogas. Duterte descartou a importância do devido processo legal e dos direitos humanos, dos organismos das Nações Unidas (ONU) e da comunidade internacional, e seus aliados tentaram acabar com os recursos da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CHR, pela sigla em inglês).55. Os aliados de Duterte na Câmara dos Deputados votaram esmagadoramente para reduzir o orçamento de 2018 da CHR para vinte dólares, mas posteriormente voltaram ao orçamento originalmente proposto depois que a proposta de redução provocou um repúdio generalizado. Maila Ager, “CHR Budget Restored: ‘People Power in Age of Social Media’.” Inquirer, 21 de setembro de 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://newsinfo.inquirer.net/932255/news-liberal-party-chr-people-power-social-media-house-of-representatives-chito-gascon-budget. Os funcionários do governo de Duterte e seus aliados políticos trabalham em estreita colaboração com os agressivos e ferrenhos apoiadores on-line de Duterte ou DDS (pela sigla em inglês), um trocadilho com as iniciais em inglês de seu Esquadrão de Morte em Davao, “Davao Death Squad”, que atua na cidade de Davao, onde Duterte foi prefeito.66. Veja, por exemplo: Diehard Duterte Supporters, YouTube channel, (s.d.), https://www.youtube.com/channel/UCjuCIbuwmMbvH8e8U04hT8g. Philip Alston, ex-Relator Especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, abordou o esquadrão da morte de Davao de Duterte em seu relatório ao Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a missão de 2008. “Report of the Special Rapporteur on Extrajudicial, Summary or Arbitrary Executions, Philip Alston,” OHCHR, 2014, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://www.hr-dp.org/files/2014/06/27/Mission_to_Philippines_2008.pdf. Eles espalham notícias falsas contra a oposição e a mídia independente, apontando jornalistas e líderes políticos que criticam a guerra às drogas como suspeitos de cometer crimes relacionados às drogas ou defensores de traficantes, criando um efeito de dissuasão naqueles que levantam preocupações legítimas sobre as violações governamentais.77. A senadora da oposição, Risa Hontiveros, foi repetidamente sujeita a essas histórias falsas, e em uma delas, foi falsamente retratada apoiando os direitos do Maute Group, um grupo terrorista no Sul das Filipinas “Hontiveros on Fake News of Her Backing Maute Group: Nothing is Farther from Truth,” GMA News, 8 de junho de 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://www.gmanetwork.com/news/news/nation/613694/hontiveros-on-fake-news-of-her-supporting-maute-group-nothing-is-farther-from-truth/story/. Uma das personalidades pró-Duterte que rotineiramente promove histórias falsas é Mocha Uson, ex-cantora e guru sexual que fez campanha a favor de Duterte e recentemente foi nomeada pelo governo como parte da equipe de comunicação presidencial; Kate Lamble e Megha Mohan, “Trolls and Triumph: A Digital Battle in the Philippines.” BBC, 7 de dezembro de 2016, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://www.bbc.com/news/blogs-trending-38173842.

As violações cometidas pelo Estado não são novas para os filipinos, um país que sofreu com um governo autoritário sob a ditadura de Marcos. No entanto, embora as violações de direitos humanos tenham persistido inclusive nos regimes seguintes, as normas políticas de democratização, transparência e manutenção de uma sociedade civil vibrante na era pós-Marcos dificultaram constantemente a ocorrência de violações em grande escala.

Mas a guerra de Duterte contra as drogas pode facilmente reverter ganhos de décadas de esforços de movimentos sociais na construção de instituições públicas que são democráticas e prestam contas de acordo com os padrões de direitos humanos. Como defensor dos direitos LGBT e de pessoas HIV positiva, testemunhei a impunidade policial na forma de ataques policiais em estabelecimentos gays que resultam em abuso físico, extorsão e estigmatização. Ao documentar esses casos e tentar prover assistência jurídica aos presos, era normal encontrar a polícia restringindo o acesso a eles por meio da coleta de dados dos defensores de direitos humanos para fins de vigilância ou por cometer de forma consciente detenções ilegais. O uso desenfreado e ilegítimo do poder, mesmo quando exercido em pequena escala, já pode demonstrar seus efeitos em algumas camadas, mas de forma inequívoca demonstra como o menosprezo público leva à desumanização e como o uso do medo e a ameaça de violência possibilitam outras violações.

As Filipinas, anteriormente conhecidas como um bastião dos direitos humanos e da democracia no Sudeste Asiático, devido à sua pacífica “Revolução do poder popular de 1986” e extensiva incorporação dos direitos humanos em sua Constituição,88. Para um relato da Revolução do poder popular de 1986 que derrubou a ditadura de Marcos veja: “EDSA People Power Revolution,” Philippine History, 30 de julho de 2009, acesso em 11 de dezembro de 2017 http://www.philippine-history.org/edsa-people-power-revolution.htm. As características da constituição pós-Marcos estão disponíveis em: “Constitutional History of the Philippines,” ConstitutionNet, 11 de fevereiro de 2012, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://www.constitutionnet.org/country/constitutional-history-philippines. está atualmente em uma corrida pela última colocação com seus vizinhos no tocante às violações de direitos humanos. Dessa forma, é fundamental examinar as implicações mais amplas dos ataques encabeçados pelo Estado das Filipinas na sociedade civil, incluindo a “guerra contra as drogas” de Duterte, seus efeitos imediatos nas frágeis democracias do Sudeste Asiático e como a sociedade civil pode sobreviver neste contexto em deterioração.

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Tendência regional

A violenta guerra de Duterte contra as drogas ganhou força entre os líderes políticos da região. O Camboja iniciou sua campanha antidrogas no início de 2017,99. David Hutt, “In Duterte’s Footsteps, Hun Sen Launches a Drug War.” Asia Times, 9 de fevereiro de 2009, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://www.atimes.com/article/dutertes-footsteps-hun-sen-launches-drug-war/. o que causa temores de que ela também conduza a violações de direitos humanos. No Vietnã, onde as intervenções com bases comunitárias sobre o uso de drogas foram estabelecidas por organizações da sociedade civil, os defensores notaram um aumento na prisão e detenção dos usuários de drogas. O mais preocupante de todos os casos é a nova posição do presidente indonésio, Joko “Jokowi’ Widodo, sobre as drogas, que imita a retórica violenta de Duterte. “Matem eles, não tenham piedade”, Jokowi teria ordenado aos responsáveis ​​pela aplicação da lei.1010. “Joko Widodo: Police Should Shoot Suspected Drug Dealers,” Al Jazeera, 22 de julho de 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://www.aljazeera.com/news/2017/07/joko-widodo-police-shoot-suspected-drug-dealers-170722104559016.html.

As minorias sexuais e de gênero também enfrentaram novas ameaças das autoridades indonésias e de grupos conservadores. Um aumento dos pronunciamentos contra os direitos LGBT de políticos alinhados com grupos islâmicos conservadores em 2016 foi seguido de ataques contra homens gays em 2017. Entre eles, um caso de açoitamento envolvendo dois homens em Aceh, o único local na Indonésia que possui uma política contra homossexuais, e uma batida policial altamente sensacionalista em uma sauna gay em Jacarta.1111. Ben Westcott, “‘Never Seen Anything Like This’: Inside Indonesia’s LGBT Crackdown.” CNN, 1 de junho de 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://edition.cnn.com/2017/05/31/asia/indonesia-lgbt-rights/index.html. A batida policial resultou na detenção de dezenas de homens, a maioria dos quais acabou por fim sendo solta precisamente devido à ausência de qualquer lei que proíba o ato sexual homossexual; os poucos que permaneceram detidos foram acusados ​​de crimes relacionados às drogas. A situação na Indonésia ainda está se desenrolando, com grupos conservadores solicitando que o Tribunal Constitucional criminalize o ato sexual homossexual, entre outros atos sexuais chamados de não islâmicos.1212. Ibid.

Igualmente preocupante é que os governos da região estejam escolhendo a dedo questões de direitos humanos que não contrariem sua base de poder e as promovam para melhorar suas credenciais de direitos humanos. A Tailândia, por exemplo, está promovendo uma abordagem de redução de danos às drogas, até mesmo descriminalização. Essa reforma das políticas de drogas, embora bem-vinda, também deve ser entendida no contexto da guerra na Tailândia de curta duração, mas sangrenta, contra as drogas em 2003, que levou a “cerca de dois mil e oitocentos assassinatos extrajudiciais”.1313. Para mais informações veja o relatório conjunto sobre a guerra da Tailândia contra as drogas da International Harm Reduction Association e Human Rights Watch: “Thailand’s ‘War on Drugs’,” Human Rights Watch, 12 de março de 2008, acesso em 11 de dezembro de 2017, https://www.hrw.org/news/2008/03/12/thailands-war-drugs. O órgão legislativo designado pelos militares também aprovou uma lei de igualdade de gênero que, de acordo com o governo, protege os transgêneros contra a discriminação. Também existe uma proposta pendente do Ministério da Justiça que visa conceder união estável para pessoas LGBT.1414. “Being LGBT in Asia: Thailand Country Report,” UNDP, USAID, 2014, acesso em 11 de dezembro de 2017, https://www.usaid.gov/sites/default/files/documents/1861/Being_LGBT_in_Asia_Thailand_Country_Report.pdf. No entanto, essas reformas estão acontecendo sem um amplo envolvimento com a comunidade LGBT tailandesa e a sociedade civil de um modo mais amplo, alimentando as questões de que o governo militar está “pintando de progressista e favorável ao movimento LGBT” seu grave histórico de direitos humanos. Conforme um ativista aponta, a supressão da democracia pela junta militar é uma “mancha” na bandeira arco-íris da Tailândia. 1515. Paisarn Likhitpreechakul, “IDAHOT or IDA-not? A Blatant Stain on the Rainbow Flag.” Prachatai, 17 de maio de 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, https://prachatai.com/english/node/7146.

O governo Duterte não age diferente. Ele conseguiu construir uma reputação de ser a favor das mulheres e dos LGBTs após defender leis locais em sua cidade que protegem os direitos desses grupos.1616. Artigo escrito por um partidário de Duterte que explica seu histórico sobre direitos das mulheres e questões LGBTs: Jan Albert Suing, “Why I Am Voting for Rodrigo Duterte.” Huffington Post, 12 de abril de 2016, acesso em 11 de dezembro de 2017, https://www.huffingtonpost.com/jan-albert-suing/why-i-am-voting-for-rodri_b_9684538.html. Seus aliados no Congresso também apresentaram recentemente um projeto de lei para propor uniões civis inclusiva a Orientação Sexual, Identidade e Expressão de Gênero. No entanto, essa agenda está avançando sem qualquer consulta com a sociedade civil.

Esses acontecimentos mostram a volatilidade da situação de direitos humanos no Sudeste Asiático. Os políticos populistas estão usando o medo das drogas, questões sexuais ou ambas, para reforçar o apoio a regimes antidemocráticos, levando à redução dos direitos civis e ao encolhimento do espaço civil. Eles também estão empregando uma estratégia na qual promovem direitos de comunidades específicas para encobrir suas graves violações de direitos humanos.

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Financiamento dos doadores: fundamental, mas sob ameaça

Ameaças contra comunidades vulneráveis, incluindo pessoas LGBT e usuários de drogas, seja em conjunto com a diminuição dos espaços democráticos ou não, não é uma novidade. No entanto, em países como a Indonésia, Filipinas e Tailândia, essas comunidades já conseguiram se organizar e responder a essas ameaças com a ajuda da assistência ao desenvolvimento, em especial dos subsídios internacionais em saúde, AIDS e direitos reprodutivos.

Doadores, parceiros ao desenvolvimento e instituições financeiras internacionais, como agências das Nações Unidas1717. Várias agências das Nações Unidas fornecem assistência na forma de suporte técnico em diferentes países do Sudeste Asiático. Vale a pena destacar aqui o UNAIDS, que apoia a mobilização da comunidade na resposta à AIDS; o PNUD, implementando atualmente o programa ‘Ser LGBT na Ásia’; e o UNICEF, que implementa programas sobre jovens e AIDS, orientação sexual e identidade de gênero. e o Fundo Global de Combate à AIDS, Tuberculose e Malária (Fundo Global)1818. “Breaking the Chains of AIDS,” The Global Fund, 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, https://www.theglobalfund.org/en/. reestruturaram as normas sobre como os países que recebem assistência ao desenvolvimento devem implementar programas que visam alcançar comunidades vulneráveis.1919. No contexto da AIDS, por exemplo, as agências das Nações Unidas, como UNAIDS e o PNUD, desenvolveram orientação técnica para os países em termos de operacionalização dos direitos humanos em programas de AIDS (exemplos estão disponíveis em: “UNDP’s Work on Human Rights, Key Populations and Gender,” UNDP, (n.d.), acesso em 11 de dezembro de 2017, http://undphealthimplementation.org/functional-areas/human-rights-key-populations-and-gender/undp-s-work-on-human-rights-key-populations-and-gender/; e “Human Rights and the Law,” UNAIDS, 2014, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/2014unaidsguidancenote_humanrightsandthelaw_en.pdf). O Fundo Global, entretanto, incorporou a “comunidade, direitos e gênero” (“community, rights, and gender” ou CRG, pela sigla em inglês) na sua estratégia e operacionalizou isso em seu trabalho. O relatório CRG do Fundo Global está disponível em: “Community, Rights and Gender Report 2016,” The Global Fund, 2016, acesso em 11 de dezembro de 2017, https://www.theglobalfund.org/media/4239/bm35_15-communityrightsgender_report_en.pdf. As condições vinculadas às doações, frequentemente, requerem a implementação de ambientes seguros para comunidades criminalizadas2020. O Fundo Global, por exemplo, exige a condução de diálogos nacionais com vários atores, que incluem representantes de comunidades e populações afetadas de forma desproporcional pela AIDS, tuberculose e malária, inclusive aqueles que são criminalizados. Uma explicação do processo de financiamento do Fundo Global, incluindo os espaços seguros onde as comunidades podem participar, está disponível em: “Funding Process,” APCASO, (s.d), acesso em 11 de dezembro de 2017, http://apcaso.org/apcrg/funding-process/. e espaço para compromissos comunitários, como governança e papéis de supervisão ou o financiamento direto de grupos comunitários como implementadores de programas.

O Fundo Global, por exemplo, tem uma das abordagens mais precisas sobre como as comunidades e populações afetadas desproporcionalmente pelas epidemias de AIDS, tuberculose e malária devem ser incluídas em suas iniciativas em cada país. O Fundo exige a participação da sociedade civil e das comunidades afetadas pelas doenças nos mecanismos de coordenação dos países (as principais plataformas de governança e supervisão dos países elegíveis para o Fundo Global) para determinar os programas de doenças prioritárias. Ele também possui suas próprias políticas de direitos humanos e gênero para garantir que os programas por país e multinacionais que estão sendo financiados sejam baseados em direitos humanos e inclusão de gênero.2121. “HIV, Human Rights and Gender Equality,” The Global Fund, abril de 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, https://www.theglobalfund.org/media/6348/core_hivhumanrightsgenderequality_technicalbrief_en.pdf.

Essa abordagem da assistência ao desenvolvimento é, muitas vezes, criticada por ser imperialista e por atar a disponibilidade de dinheiro da assistência à questão dos direitos humanos.2222. Conor Foley, “Beware Human Rights Imperialism.” The Guardian, 23 de junho de 2009, acesso em 11 de dezembro de 2017, https://www.theguardian.com/commentisfree/2009/jun/23/human-rights-imperialism-western-values. No entanto, essas condições estabeleceram padrões de participação e engajamento para a sociedade civil que de outra forma seria excluída do espaço civil e processos de tomada de decisão. Onde os espaços da sociedade civil são reprimidos ou onde certas comunidades são criminalizadas, essas condições proporcionaram às comunidades um local de ação para organizar e defender reformas, ou para ter acesso ao apoio financeiro para implementar seus próprios programas. Por exemplo, na Tailândia, após a guerra de Thaksin contra as drogas que matou milhares de suspeitos de cometer crimes relacionados a isso, a assistência internacional foi fundamental no estabelecimento de serviços de redução de danos conduzidos pela comunidade. Isso contribuiu para a organização comunitária dos usuários de drogas e também serviu de alavanca para apoiar a incidência política para mudar a abordagem sobre drogas da Tailândia. 2323. Sutthida Malikaew, “Harm Reduction: A Lifeline for Drug Users We Cannot Afford to Lose.” The Nation, 27 de junho de 2014, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://www.nationmultimedia.com/opinion/Harm-Reduction-A-lifeline-for-drug-users-we-cannot-30237160.html.

Mas o cenário político e econômico que determina a forma da assistência ao desenvolvimento está mudando. À medida que os espaços democráticos são restringidos em países como Filipinas, Indonésia e Tailândia, o papel da assistência ao desenvolvimento no fornecimento de proteção às comunidades vulneráveis ​​também está sendo prejudicado. Existem vários fatores que estão afetando essas mudanças.

Primeiro, as prioridades de desenvolvimento dos países doadores estão mudando. Os múltiplos objetivos e objetivos derivados dos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estão fornecendo aos países mais pretextos para priorizar alguns e ignorar outros imperativos de desenvolvimento. No Norte Global, podemos notar um foco em questões mais próximas das prioridades dos eleitores destes países, como a mudança climática e crise dos refugiados.2424. Por exemplo, os compromissos de financiamento dos EUA para o Fundo Global, que representam a sobrevivência financeira para muitas ONGs que trabalham para populações criminalizadas, vêm diminuindo. “With Global Fund Replenishment Falling Short, Will Secretary Clinton Lead Us To An Aids-Free Generation?,” Heath Gap, 16 de setembro de 2016, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://www.healthgap.org/globalfundreplenishment.

Em segundo lugar, a eleição de governos populistas de direita em países doadores lançou incertezas sobre o compromisso do Norte Global em financiar a assistência internacional ao desenvolvimento, seja por meio de acordos bilaterais ou plataformas multilaterais.2525. Robbie Gramer, “Proposed U.S. Cuts to AIDS Funding Could Cause Millions of Deaths: Report.” Foreign Policy, 1 de dezembro de 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://foreignpolicy.com/2017/12/01/proposed-u-s-cuts-to-aids-funding-could-cause-millions-of-deaths-report-world-aids-day-hiv-global-health-pepfar-state-department-trump-one-campaign/; Nick Duffy, “UK Government Defends 22% Cut to Global HIV Prevention Funds.” Pink News, 6 de dezembro de 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://www.pinknews.co.uk/2017/12/06/uk-government-defends-22-cut-to-global-hiv-prevention-funds/. Além disso, à medida que países doadores, como os Estados Unidos e Reino Unido, tornam-se mais afastados, também são menos propensos a defender os direitos humanos como pré-requisito para a assistência ou comércio internacional.

Por fim, à medida que os níveis de renda aumentam em países como a Indonésia, Filipinas e Tailândia, as saídas ou transferência dos doadores para fora dos países em desenvolvimento se tornam inevitáveis. A expectativa é que os países, à medida que se tornam mais ricos, possam financiar programas de desenvolvimento que previamente eram financiados por doadores externos. Também se espera que os países irão adotar abordagens baseadas nos princípios dos doadores orientados pelas comunidades, como os processos consultivos e inclusivos do Fundo Global, no desenvolvimento e supervisão de programas de saúde e integrá-los a seus próprios sistemas. Isto é um desafio enorme em contextos onde barreiras estruturais para os direitos humanos e democracia persistem.

A saída e transferência dos doadores, quando implementadas ao acaso, podem exacerbar os efeitos das repressões em curso contra a sociedade civil, na qual as comunidades vulneráveis ​​estão particularmente em risco. Além de possíveis cortes de financiamento para programas inclusivos de saúde e desenvolvimento necessários para essas comunidades, a saída de doadores também pode levar à dissolução de mecanismos que obrigaram os atores governamentais a se envolverem com a sociedade civil. Além disso, esse processo pode enfraquecer as intervenções iniciadas pela comunidade que foram criadas em resposta às lacunas de desenvolvimento que os governos se recusam a abordar. A saída e transferência dos doadores são inevitáveis, mas esse acontecimento não deve ser moldado apenas pela classificação de renda e por indicadores epidemiológicos ou biomédicos. Em meio às crescentes ameaças à democracia e aos direitos humanos, deve ser dada igual consideração à própria sobrevivência da sociedade civil após a transferência dos financiadores.

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Como a sociedade civil e os financiadores respondem?

Em primeiro lugar, a sociedade civil deve olhar para as brechas dentro dos espaços domésticos que podem ser exploradas para o financiamento. Por exemplo, a divisão administrativa e descentralização na Indonésia, nas Filipinas e na Tailândia tornaram mais fácil, em alguns casos, receber financiamento de governos locais para programas de base. Os governos locais geralmente têm suas próprias fontes de receita e seus próprios mecanismos para financiar grupos não governamentais que estão prestando serviços para o governo. Em ambientes descentralizados, os compromissos de governança local podem ser maçantes, pois muitas vezes envolvem lidar com “múltiplos condados” no país, mas fornecem espaços que devem ser explorados. Este autor está ciente de que nas Filipinas, enquanto o governo nacional leva a cabo a guerra contra as drogas, alguns governos locais estão trabalhando com organizações da sociedade civil para implementar uma abordagem alternativa para combater os assassinatos, além de programas de redução de danos gerados que possuem uma base comunitária. Da mesma forma, na Indonésia, à medida que os ataques sectários contra as pessoas LGBTs aumentam, alguns governos distritais abriram portas para apoiar programas relacionados à AIDS e saúde para homens gays e pessoas trans.

Os “Estados frágeis” 2626. Em seu livro, Migdal se refere aos “Estados frágeis” que são caracterizados pela “fragmentação social” devido à incapacidade do Estado de conduzir a sociedade. Geralmente, tais Estados produzem homens fortes que utilizam abordagens opressivas para garantir o controle social. Joel Migdal, Strong Societies and Weak States: State-Society Relations and State Capabilities in the Third World (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1988). da região também apresentam outras oportunidades de engajamento.A desorganizada natureza da política nessa região implica que os governos nacionais não devem ser vistos como instituições monolíticas. As organizações da sociedade civil devem examinar o campo político nacional periodicamente buscando potenciais apoiadores ou aliados dentro do governo. Isso pode resultar em novos espaços de engajamento dentro das estruturas nacionais. Nas Filipinas, por exemplo, o governo Duterte alocou uma grande quantidade de financiamento para programas de reabilitação de drogas em agências governamentais nacionais.2727. Bea Cupin, “PNP Asks P900M Budget for Drug War Ops for 2018.” Rappler, 7 de setembro de 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, https://www.rappler.com/nation/181451-dilg-pnp-budget-war-on-drugs-brosas. No entanto, elas não possuem ideias claras sobre as intervenções que devem promover. Algumas agências decidiram organizar sessões de zumba, corridas recreativas ou estudos bíblicos para os suspeitos de crimes de drogas.2828. “Philippine Government Prescribes Zumba Classes for Drug Addicts,” The San Diego Union-Tribune, 16 de julho de 2016, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://www.sandiegouniontribune.com/hoy-san-diego/sdhoy-philippine-government-prescribes-zumba-classes-2016jul16-story.html. Isso apresenta oportunidades para parcerias com melhores abordagens para a questão das drogas.

A sociedade civil deve desafiar os doadores para melhorar suas políticas de transferência e olhar além dos parâmetros econômicos e focados em doenças que desencadeiam as transferências e saídas dos doadores. Primeiro, a disponibilidade de espaços democráticos que possam sustentar a participação de comunidades estigmatizadas deve fazer parte da avaliação de preparação para a transferência, pois são fundamentais para ajudar as comunidades estigmatizadas a se envolverem em processos nacionais, garantir o financiamento doméstico e, em última instância, criar respostas comunitárias a problemas estruturais que levam à sua exclusão. Responder aos desafios colocados pelo encolhimento do espaço civil deve ser parte do plano de saída de um país.

Os doadores devem acompanhar de perto os processos de saída para garantir a inclusão das comunidades e da sociedade civil. Algumas comunidades são profundamente estigmatizadas e criminalizadas, ainda mais no contexto do encolhimento do espaço cívico. Os doadores precisam estabelecer normas para garantir a inclusão desses grupos marginalizados nos processos de saída e fornecer espaços seguros para sua participação. Isso também deve incluir garantias de que os países não tenham políticas restritivas que bloqueiem o financiamento para a sociedade civil.

As saídas não devem ser feitas ao acaso e resultar em danos adicionais para as comunidades que já são estigmatizadas e criminalizadas, a maioria das quais depende fortemente dos doadores para manter suas organizações e perspectivas comunitárias sobre saúde e direitos humanos. Dessa forma, mesmo após um país ser considerado inelegível para receber apoio dos doadores, estes ainda devem ter mecanismos para financiar grupos comunitários no terreno que possam ser prejudicados pela transferência dos doadores, em termos de cortes de financiamento debilitantes ou situações hostis repentinas nos países.

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Para além do financiamento: resiliência e construção do movimento

À medida que as ameaças aos espaços democráticos continuam crescendo no Sudeste Asiático, e com a mudança do cenário do financiamento de assistência ao desenvolvimento, as estratégias de resiliência, solidariedade e construção de movimentos também precisam ser repensadas para garantir a sobrevivência da sociedade civil.

Os ataques contra comunidades específicas estão intrinsecamente ​​ligados a um déficit democrático comum em muitos países do Sudeste Asiático. Existe uma ausência de instituições públicas resilientes, representativas e com prestação de contas que possam defender e promover os direitos humanos e o espaço civil, perante a pressão de tendências populistas, autoritárias ou sectárias. As chamadas “democracias representativas” na região continuam a operar segundo a exclusão de grupos vulneráveis, com políticos com facilidade para subjugar os mecanismos de proteção constitucional existentes para consolidar seu poder, provocando medo e histeria, perseguindo minorias ou seus inimigos políticos e restringindo o espaço civil.

Para enfrentar esse déficit democrático, a sociedade civil deve desenvolver coalizões que respondam às emergências enfrentadas pelas comunidades diretamente atacadas, mas que também possuam objetivos de democratização a médio e longo prazos. Os objetivos isolados são inadequados e insustentáveis ​​perante as complexas causas das atuais crises de direitos humanos nesses países. Para as organizações comunitárias que dependeram do apoio dos doadores, como os usuários de drogas ou a comunidade LGBT, isso significa sair dos abrigos criados pela assistência internacional ao desenvolvimento. Elas devem colaborar com outros movimentos e comunidades “excluídas” para impulsionar reformas democráticas mais amplas. Isso significa enquadrar suas lutas a partir de uma perspectiva política.

As colaborações entre os movimentos serão benéficas para diferentes atores que são diretamente e indiretamente afetados pelas crises de direitos humanos na região. Nas Filipinas, onde a guerra contra as drogas continua popular,2929. Embora a maioria dos filipinos se oponha ao assassinato de suspeitos de crimes relacionados às drogas, apoia a abordagem global do governo contra as drogas. Como pode ser visto em: Nestor Corrales, “88% of Pinoys Support War on Drugs; 73% Say EJKs Happen - Survey.” Inquirer, 16 de outubro de 2017, acesso em 11 de dezembro de 2017, http://newsinfo.inquirer.net/938201/breaking-news-pulse-asia-ejks-extrajudicial-killings-war-on-drugs-drugs-survey. essas colaborações permitirão a criação de uma frente mais ampla que possa enfrentar diferentes problemas ligados à guerra contra as drogas, desde dar destaque a disseminação de informações falsas, até prestar apoio contra violações policiais. Os defensores que lutam contra AIDS e para redução de danos, que têm experiência para desenvolver uma alternativa baseada na saúde e nos direitos humanos ante a guerra contra as drogas, podem trabalhar com comunidades pobres urbanas que atualmente estão apavoradas com os homicídios extrajudiciais, mas que também possuem eleitorado que podem ser mobilizados para solicitar mudanças. Essas comunidades também podem facilitar a organização dos usuários de drogas, o que é necessário para realizar iniciativas de redução de danos, reparação legal e litígio estratégico no tocante às violações policiais e reformas de políticas de longo prazo.

Os laços entre movimentos pró-democratização e comunidades estigmatizadas, como pessoas LGBTs e usuários de drogas, também precisam ser fortalecidos. Coalizões amplas podem proporcionar refúgio político para organizações comunitárias perseguidas e dar espaço para que elas se organizem e contra-ataquem quando as forças do Estado as usarem para justificar ações repressivas. Da mesma forma, os compromissos políticos podem proporcionar às comunidades estigmatizadas legitimidade política, uma ferramenta importante para garantir reformas que perdurem ante as mudanças de regime.

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Conclusão

A guerra contra as drogas nas Filipinas ilustra uma amostra da fragilidade dos espaços democráticos em diversos países do Sudeste Asiático. Os ataques dirigidos pelo Estado contra populações específicas, de usuários de drogas e membros da comunidade LGBT, até a oposição política, refletem a tendência mais ampla de enfraquecer as instituições políticas democráticas e o encolhimento do espaço cívico na região.

Essa situação é agravada pela eventual retirada de fundos internacionais. Todas as organizações comunitárias dependem de doadores internacionais como forma de sobrevivência financeira. Este apoio de doadores tem, até certo ponto, dado às comunidades estigmatizadas ou criminalizadas uma plataforma para se organizar, resistir e ter acesso aos atores governamentais devido às várias condições ligadas à assistência. No entanto, essa plataforma está desaparecendo lentamente.

Consequentemente, as organizações comunitárias dependentes de doadores devem desenvolver novas estratégias para lidar com essa realidade. Para abordar as ameaças imediatas e a sobrevivência em longo prazo de comunidades estigmatizadas e criminalizadas (como pessoas LGBT e pessoas que usam drogas), as organizações comunitárias devem evitar planejar suas lutas de uma única maneira e estabelecer coalizões mais amplas que possam proporcionar o espaço para uma organização robusta e legitimidade política necessária para manter reformas democráticas mais profundas. As organizações comunitárias também precisam ser inteligentes em seus compromissos com o governo para encontrar oportunidades de financiamento nos âmbitos nacionais e locais.

Enquanto isso, os doadores devem reexaminar seu planejamento de transferência e saída para garantir que este processo não cause danos adicionais às comunidades já marginalizadas. A transferência deve gerar comunidades sustentáveis que contribuam para a sociedade civil. Os doadores devem, portanto, expandir suas ferramentas para determinar os motivadores e o ritmo da saída dos doadores para incluir ameaças aos espaços democráticos. Eles também devem desenvolver mecanismos para continuar a apoiar as comunidades estigmatizadas e criminalizadas, mesmo depois de um país não ser mais elegível para o apoio dos doadores devido a barreiras estruturais existentes para inclusão dentro dos processos existentes no país.

A combinação de políticos populistas como Duterte e o desafio da saída de doadores de países de renda média onde estão ocorrendo graves violações de direitos humanos apresentam um conjunto complexo de desafios para a sociedade civil, especialmente às organizações comunitárias marginalizadas. Mas também apresenta oportunidades para garantir a resiliência das comunidades que estão sendo atacadas e para remediar os déficits nas democracias do Sudeste Asiático.

Jonas Bagas - Filipinas

Jonas Bagas é um ativista filipino de direitos LGBT e de pessoas HIV positiva que por anos trabalhou pela inclusão de LGBTs filipinos em ambientes políticos e de saúde. Jonas também é ativista político a favor da governança participativa e prestação de contas.

Recebido em setembro de 2017.

Original em inglês. Traduzido por Fernando Sciré.