Retomando o Espaço Civil

Resiliência em tempos de repressão

Carlos Patiño Pereda

“O motivo da resistência é a indignação.” - Stéphane Hessel

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RESUMO

Durante os meses de abril e julho de 2017, a Venezuela foi cenário de contínuas manifestações de rua, em decorrência de um movimento de resistência conhecido como a primeira rebelião popular venezuelana do século XXI. Esse movimento de protesto pacífico foi derrotado com medidas repressivas e a imposição de uma Assembleia Nacional Constituinte fraudulenta. Nesse contexto adverso, as organizações da sociedade civil enfrentaram e vêm enfrentando o desafio de superar seu trabalho de promoção e defesa dos direitos humanos e de não sucumbir ao desespero individual e coletivo. Para tanto, o conceito de resiliência e sua aplicação prática têm sido peças-chave.

Palavras-Chave

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01

Situação dos direitos humanos e suas organizações na Venezuela

Atualmente, o movimento venezuelano de direitos humanos enfrenta enormes desafios, em uma espécie de anomia social na qual persistem a repressão e severas restrições àqueles que dissidam ou exerçam qualquer crítica ao governo. O governo de Nicolás Maduro, abalado por uma crise econômica e social sem precedentes em decorrência de suas próprias políticas públicas, optou em 2016 por passar de uma democracia com liberdades restritas para uma ditadura moderna,11. Para a Provea, “como resultado da suspensão ilegal do processo de realização do Referendo Revogatório, ratificando a ausência de independência dos poderes no país, o governo de Nicolás Maduro deve ser classificado como uma ditadura” em: “A Partir del 20-O Gobierno de Nicolás Maduro Debe Calificarse Como una Dictadura,” Provea, 23 de outubro de 2016, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.derechos.org.ve/actualidad/a-partir-del-20-0-gobierno-de-nicolas-maduro-debe-calificarse-como-una-dictadura. semelhante ao modelo de Alberto Fujimori no Peru nos anos de 1990.

Em março de 2017, a Procuradora-Geral da República, Luisa Ortega Díaz, posicionou-se contra “as violações da ordem constitucional e a desconsideração do modelo de Estado consagrado em nossa Constituição da República Bolivariana da Venezuela, o que constitui uma ruptura da ordem constitucional”.22. Maira Ferreira, “Fiscal Denunció Ruptura del Orden Constitucional Tras Sentencias del TSJ.” El universal, 31 de março de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, http://www.eluniversal.com/noticias/politica/fiscal-denuncio-ruptura-del-orden-constitucional-tras-sentencias-del-tsj_646250. Isso deu origem a uma agenda de manifestações de rua de mais de 100 dias, classificada pela Provea como a primeira rebelião popular venezuelana do século XXI;33. “Somos Protagonistas de la Primera Rebelión Popular del Siglo XXI,” Provea, 11 de maio de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.derechos.org.ve/actualidad/somos-protagonistas-de-la-primera-rebelion-popular-venezolana-del-siglo-xxi. o movimento de protesto pacífico mais importante da América Latina nos últimos anos.

No entanto, apesar do agravamento da crise e da escalada do conflito, a resposta do governo foi a criminalização do protesto, o uso generalizado e sistemático da força nas manifestações e a aplicação da jurisdição militar aos civis. O balanço dos fatos ocorridos entre 1º de abril e 30 de julho de 2017 registrou um total de 6.729 protestos, uma média de 56 por dia,44. “Venezuela: 6.729 Protestas y 163 Fallecidos Desde el 1 de Abril de 2017,” OVCS, 2 de agosto de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.observatoriodeconflictos.org.ve/tendencias-de-la-conflictividad/venezuela-6-729-protestas-y-157-fallecidos-desde-el-1-de-abril-de-2017. de acordo com o Observatorio Venezolano de Conflictividad Social. Da mesma forma, de acordo com os dados do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos,55. “Venezuela: Las Violaciones de Derechos Humanos Apuntan a una ‘Política de Represión’ - Informe de la ONU,” OHCHR, 30 de agosto de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, http://www.ohchr.org/SP/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=22007&LangID=S. 124 pessoas foram assassinadas no contexto dos protestos e 1.958 ficaram feridas; ocorreram 5.000 detenções arbitrárias, dentre as quais pelo menos 609 pessoas tiveram de comparecer perante tribunais militares, dados somados às denúncias de casas atacadas com bombas de gás lacrimogêneo, entrada forçada sem mandado, roubos cometidos por policiais e oficiais militares, assédio moral no trabalho e demissões por razões políticas, bem como ataques por parte de civis armados atuando em conjunto com as forças de segurança (grupos paramilitares).

A rebelião popular terminou com a imposição de uma Assembleia Nacional Constituinte fraudulenta66. “Especial | Preguntas Frecuentes sobre la Constituyente de Maduro,” Provea, 6 de maio de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.derechos.org.ve/actualidad/preguntas-frecuentes-sobre-la-constituyente-de-maduro. para abolir a Constituição aprovada por Hugo Chávez em 1999, impondo-se ao resto dos poderes públicos e criminalizando a dissidência por meio de instrumentos como a Lei contra o Ódio77. “La ‘Ley contra el Odio’ es Ilegítima por su Forma, Fondo y Origen,” Espacio Público, 10 de novembro de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, http://espaciopublico.ong/la-ley-odio-ilegitima-forma-fondo-origen/. e a Comissão da Verdade, Justiça, Paz e Tranquilidade Pública.88. “La ANC Tiene su Propio Tribunal: la Comisión de la Verdad,” Acceso a la Justicia, 20 de setembro de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, http://www.accesoalajusticia.org/wp/infojusticia/noticias/la-anc-tiene-su-propio-tribunal-la-comision-de-la-verdad-2/. As causas que geraram as mobilizações não se resolveram, pelo contrário, agravaram-se.

O Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas, datado de 30 de agosto de 2017, concluiu que na Venezuela há violações sérias e sistemáticas dos direitos humanos e uma “política destinada a reprimir a dissidência política e a inculcar medo na população”.99. “Venezuela, Las Violaciones de Derechos Humanos Apuntan a Una Política de Represión – Informe de la ONU,” OHCHR, 30 de agosto de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, http://www.ohchr.org/SP/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=22007&LangID=S. A mudança do contexto para uma ditadura moderna implica uma reorientação da abordagem de algumas organizações não governamentais (ONG) que incorporaram progressivamente suas ações na defesa das liberdades democráticas afetadas por decisões autoritárias. Isso resultou em ameaças e criminalização das ONGs1010. “Foro por la Vida | Rechazamos Criminalización de Provea por Promover la Defensa de los Derechos Constitucionales,” Provea, 20 de julho de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.derechos.org.ve/actualidad/foro-por-la-vida-rechaza-criminalizacion-de-provea-por-promover-la-defensa-de-los-derechos-constitucionales. pelos altos funcionários da ditadura, suas instituições e a rede pública de mídia.

02

Advogados diante da adversidade: Resiliência e direitos humanos

O trabalho de um procurador implica enfrentar situações adversas, tanto as suas como as das vítimas de violações dos direitos humanos que defendem e, por sua vez, resolvê-las da maneira mais favorável. Isso está diretamente relacionado ao conceito de resiliência, isto é, a superação de uma situação traumática ou desventurada de modo positivo.

Depois da derrota da rebelião popular, surgiu um sentimento generalizado de frustração e desânimo na luta pelo resgate da democracia e a justiciabilidade dos direitos na Venezuela. Diante disso, organizações como a Civilis Derechos Humanos1111. Civilis Derechos Humanos, Homepage, 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, http://www.civilisac.org/. têm destacado a importância da resiliência como ferramenta para superar as adversidades e seus traumas, por meio do fortalecimento das capacidades defensivas.

Para Jo D’Elia, diretor-executivo da Civilis,1212. Como parte da investigação para este texto, entrevistamos o defensor dos direitos humanos e diretor-executivo da Civilis, Jo D’Elia.

A reflexão e a tomada de decisões sobre o desenvolvimento de capacidades para enfrentar e superar os padrões de ameaça de alto potencial negativo permitem que as organizações continuem cumprindo sua missão e garantam a integridade de cada um dos membros e destinatários.

A natureza pública desses estados de ameaça aumenta o potencial dos danos. Completa D’Elia que:

Os contextos de opressão política criam esse tipo de adversidade. Os padrões de intimidação, violência, crueldade, censura, privação social e econômica e fechamento do espaço civil, entre outros, devido às suas próprias características intencionais e planejadas, geram uma imagem complexa de ameaças que colocam as pessoas em constante perigo de violações dos direitos humanos, com alta probabilidade de generalização em decorrência da lógica dos sistemas não democráticos para permanecer no poder, superando as capacidades das sociedades para se proteger, na ausência do Estado de Direito, de instituições judiciais independentes e de outros fatores atenuantes do contexto.

Outro defensor dos direitos humanos, Marino Alvarado, ex-coordenador geral da Provea,1313. Defensor dos direitos humanos e ex-coordenador geral da Provea, Marino Alvarado, também foi entrevistado para a elaboração deste texto. acredita que o trabalho de defesa dos direitos humanos sempre corre riscos e é prejudicado por adversidades: “É uma luta permanente contra as arbitrariedades do poder e uma luta para fazer justiça em países que apostam na impunidade”, diz ele.

Embora seja comum que as organizações e os ativistas subestimem seus triunfos e incidentes, a resiliência implica ter uma maior compreensão dos impactos positivos que são alcançados na ação individual e coletiva. De acordo com Alvarado, “o dia a dia com intensa frequência e onde o império é imposto sobre o que é importante rouba os espaços para a reflexão deliberada de sucessos e erros, de triunfos e fracassos, de análise das oportunidades em meio às dificuldades”. É por isso que a resiliência nos obriga a refletir com um espírito aberto e tolerante para ver a estrada na qual viajamos e planejar a rota a seguir.

De acordo com as pesquisas realizadas pela Civilis, diante de contextos opressivos, os esforços de proteção internacional seriam insuficientes se, ao mesmo tempo, não houvesse uma população em luta por sua libertação e proteção, bem como pronta para resistir a todas as possibilidades de fracasso diante de forças opostas que superam as suas. No entanto, depois da derrota da rebelião popular de quatro meses na rua, a população venezuelana se desmobilizou e está em aparente estado de passividade em face do avanço das arbitrariedades do governo e da falta de estratégias coerentes por parte de uma oposição dividida e enfraquecida.

Por isso, mostra-se necessário desenvolver capacidades de resiliência na população. Uma sociedade civil resiliente, com compromisso ativo e solidário para a defesa dos direitos humanos, da democracia, do Estado de Direito e da Justiça,1414. “Sin Democracia no Hay Derechos Humanos,” Civilis Derechos Humanos, 27 de abril de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, http://www.civilisac.org/en-accion/sin-democracia-no-derechos-humanos. que parta de suas próprias convicções e vocações até recuperar condições favoráveis e seguras para a realização de sociedades livres e democráticas. Assim, na abordagem da adversidade, a resiliência é uma forma de proteção que consiste em se preparar para superar ameaças e seus traumas.

Consequentemente, a partir da Civilis são propostas as seguintes estratégias de resiliência:

a) A proteção física das pessoas;
b) Ação rápida contra as arbitrariedades;
c) A proteção das pessoas entre si;
d) Restauração da memória social;
e) A justiça combinada, alternando várias estratégias dentro e fora dos tribunais.

E, como complemento, as seguintes táticas:

f) Desarticular a intimidação;
g) Eliminar ou evitar oportunidades de abuso e violência;
h) Desbloquear o acesso à ajuda;
i) Desmascarar a mentira e a censura;
j) Ganhar aliados;
k) Empregar ações inéditas e inovadoras.

Organizações como a Provea, por exemplo, implementaram entre suas estratégias de resiliência medidas de autocuidado para seus defensores, que incluem, entre outras coisas, dias de lazer fora da cidade,1515. Rafael Uzcátegui. “Al fondo Caracas, con el equipo de @proveaong.” Instagram, 18 de outubro de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.instagram.com/p/BaZXFboBMut/?taken-by=fanzinero. almoços coletivos e para grupos de trabalho, lanches periódicos no escritório, celebração dos objetivos alcançados pela organização, oficinas de autoajuda, terapias em grupo e individuais com acompanhamento profissional, dias de avaliação e planejamento semestral em ambientes externos ao local de trabalho, bem como o desenvolvimento e a discussão de planos de segurança com a presença de toda a equipe, para a qual foram utilizados como guia os manuais práticos para procuradores em risco desenvolvidos pela organização Front Line Defenders.1616. “Manual sobre Seguridad: Pasos Prácticos para Defensores/as de Derechos Humanos en Riesgo,” Front Line Defenders, 23 de junho de 2016, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.frontlinedefenders.org/es/resource-publication/workbook-security-practical-steps-human-rights-defenders-risk.

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Sociedade civil em rede

Dada essa conjuntura, as organizações da sociedade civil venezuelanas adotaram medidas resilientes que incluem, entre outras coisas, articulação, ação e catarse coletiva. Os exemplos vão desde ações conjuntas de documentação, denúncia às organizações de proteção internacional, como as Audiências da CIDH,1717. “CIDH Realiza Audiencia sobre Institucionalidad Democrática en Venezuela,” El Nacional, 24 de outubro de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, http://www.el-nacional.com/noticias/mundo/cidh-realiza-audiencia-sobre-institucionalidad-democratica-venezuela_209112. Relatório EPU da ONU,1818. “Feliciano Reyna,” Examen ONU Venezuela, 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, http://www.examenonuvenezuela.com/tag/feliciano-reyna. Relatórios para diferentes Comissões e Relatorias, até os pronunciamentos públicos que condenam as violações dos direitos humanos e que são elaborados, assinados e divulgados por dezenas de organizações.1919. “Un Centenar de ONG Piden a la ONU Priorizar Crisis Venezolana en Consejo de DD HH,” Venezuela Awareness, 10 de setembro de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.venezuelaawareness.com/2017/09/un-centenar-de-ong-piden-a-la-onu-priorizar-crisis-venezolana-en-consejo-de-dd-hh/. Da mesma forma, destacam-se eventos como o III Encontro de Defensores dos Direitos Humanos,2020. “III Encuentro de Defensores y Defensoras de DDHH,” Provea, 6 de novembro de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.derechos.org.ve/actualidad/iii-encuentro-de-defensores-y-defensoras-de-ddhh. celebrado em novembro de 2017, no qual mais de 160 ativistas de todo o país se encontraram em Caracas para proporcionar visibilidade ao trabalho das organizações de direitos humanos em meio à conjuntura atual, bem como discutir os diversos desafios que ajudarão a enfrentar no futuro. Esse trabalho em rede minimiza as vulnerabilidades individuais, permite que as emoções sejam canalizadas coletivamente e fortalece o movimento dos direitos humanos como um todo.

Outro exemplo concreto são as redes de ajuda criadas, inclusive as redes sociais de diferentes ONGs, para a busca, a troca ou a doação de medicamentos e suprimentos médicos diante da crise humanitária que a Venezuela tem enfrentado.2121. “Crisis Humanitaria en Venezuela,” Human Rights Watch, 2016, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.hrw.org/es/world-report/2017/country-chapters/298985. É isso que vem coordenando, por exemplo, a organização Acción Solidaria.2222. Acción Solidaria, Homepage, 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, http://www.accionsolidaria.info/website/.

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O direito à esperança

Nesse contexto, a resiliência pode ser considerada um mecanismo para combater o desespero e superar a adversidade. A partir da filosofia, Laín Entraldo2323. Antonio Piñas Mesa, “La Antropología de la Esperanza de Pedro Laín Entralgo,” Facies Domini 5 (2013): 217-234, acesso em 7 de dezembro de 2017, http://dspace.ceu.es/bitstream/10637/7591/1/Antropolog%C3%ADa_AntonioPi%C3%B1as_FaciesDomini_2013.pdf. define a esperança como a expectativa do futuro de acordo com certas circunstâncias; expectativa esta que se soma à crença ou à confiança de que haverá uma resposta a essa expectativa individual ou coletiva, seja ou não satisfatória. Não encontrar essa resposta pode bloquear tal expectativa e convertê-la em desespero.

Marino Alvarado argumenta e insiste que depois da derrota da Rebelião Popular em abril-julho de 2017, a resiliência na Venezuela passa por analisar as causas da derrota, extrair seus ensinamentos e destacar o que foi conquistado − mesmo que os quatro objetivos estabelecidos pela rebelião não tenham sido alcançados, isto é: 1) canal humanitário, 2) liberdade dos prisioneiros políticos, 3) eleições em condições apropriadas e 4) reconhecimento e respeito pelo trabalho da Assembleia Nacional e seus deputados eleitos; de fato, outros objetivos importantes que terão um impacto positivo nos próximos anos foram alcançados. Um exemplo é o aumento da pressão internacional por parte de órgãos como a Organização dos Estados Americanos e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos contra a ditadura de Nicolás Maduro e os funcionários de seu alto escalão. Assim, para Marino Alvarado, a mensagem resiliente deve ser honesta, mas esperançosa: “É uma rebelião popular derrotada, mas que poderia acionar o Tribunal Penal Internacional contra os violadores dos direitos humanos”.

Uma linguagem esperançosa contraria o desânimo da população em geral e dos defensores e das vítimas em particular. Vale reforçar a capacidade de luta demonstrada durante os quatro meses de rebelião popular e destacar o aprendizado para as futuras lutas. Reconhecer que o governo, apesar de sua fraqueza, alcançou certo nível de estabilidade política, embora atualmente esteja na ofensiva, o que implica a possibilidade de maiores adversidades para os ativistas e as organizações. Essa situação obriga a tomada de medidas sérias e oportunas, mas sem deixar de reconhecer as conquistas obtidas.

Para D’Elia, a abordagem de proteção baseada em adversidades oferece outros modos de lidar com situações de ameaça quando elas não dependem da vulnerabilidade e superam as capacidades de proteção. Em contextos particularmente adversos – afirma ele –, é necessário tanto uma comunidade internacional ativa em sua responsabilidade de proteção, como uma população e uma sociedade civil resilientes, capazes de desafiar os padrões de ameaça, por meio da defesa dos direitos humanos, da democracia, do Estado de Direito e da justiça.

Na Civilis se considera um fator-chave e esperançoso o fortalecimento do movimento de direitos humanos, incorporando mais pessoas, grupos, organizações, comunidades e redes de voluntários nas atividades de defesa e promoção,2424. “Encuentro de Defensores Y Defensoras de Derechos Humanos - Cuaderno de Trabajo,” Civilis Derechos Humanos, setembro de 2016, acesso em 7 de dezembro de 2017, http://www.civilisac.org/civilis/wp-content/uploads/CuadernoTrabajo2EncuentroDefensores.pdf. a fim de reafirmar e apoiar neles os esforços legítimos para acabar com os abusos, buscar a justiça e restaurar toda a força do Estado de Direito e da democracia.

Stéphane Hessel, corredator da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em sua obra ¡Indignaos!, 2525. Stéphane Hessel, ¡Indignaos! (Barcelona: Ediciones Destino, 2011). afirmava que da indignação nasce a insurreição pacífica e a vontade de comprometer-se com a história, “o fermento que faz a massa crescer”. Se nos resignarmos diante da violação dos direitos, seremos dominados pela indiferença ou, o que dá na mesma, pela incapacidade de indignação e de compromisso que dela decorrem. Nem a exasperação se mostra uma boa conselheira, porque muitas vezes leva à violência e a violência nem sempre é eficaz. A violência tende a ser menos esperançosa e agregadora do que um protesto pacífico.

Em contextos de opressão, como no caso da Venezuela, onde os regimes antidemocráticos promovem o desespero como mecanismo de dominação, onde a mensagem recorrente do governo é: “a revolução veio para ficar”,2626. TeleSUR tv, “La Revolución llegó para Quedarse: Nicolás Maduro.” Vídeo no Youtube, 2:01. Postado em 19 de novembro de 2014, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.youtube.com/watch?v=I_Ow1NLJFBw. os fatores de oposição “não retornarão” e o que não pode ser feito por meio dos votos “será alcançado por meio das armas”,2727. Entorno58 ODH, “Pdte. Maduro: ¡Lo Que No Se Pudo con los Votos, lo Haríamos con Las Armas!.” Vídeo no Youtube, 1:16. Postado em 27 de junho de 2017, acesso em 7 de dezembro de 2017, https://www.youtube.com/watch?v=ZO8TR7pTrRQ. urge canalizar a indignação pública em uma fonte de esperança e mudança.

05

Conclusões

A excessiva repressão na Venezuela durante o primeiro semestre de 2017, como resposta do governo de Nicolás Maduro ao movimento de resistência popular, deixou sequelas importantes na sociedade venezuelana, uma vez que o ciclo de protestos foi derrotado com base em flagrantes e sistemáticas violações dos direitos humanos e a imposição de uma Assembleia Nacional Constituinte fraudulenta.

Os objetivos que a resistência propôs não foram alcançados. No entanto, um processo de mobilização não deve ser avaliado somente pela concretização de seus objetivos, mas também pelo equilíbrio organizacional que gera e pelas consequências positivas imprevistas. Nesse contexto adverso, as organizações da sociedade civil tiveram de lidar com seu trabalho de promoção e defesa dos direitos humanos, resgate dos saldos positivos e não sucumbir ao desespero individual e coletivo.

Diante da tendência de resignação da sociedade venezuelana em geral, e para evitar desvios na sociedade civil em particular, a articulação e o trabalho em rede do movimento dos direitos humanos têm sido fortalecidos; assumindo as derrotas, mas destacando as vitórias, apoiando-se mutuamente ao explorar estratégias conjuntas e prestando atenção, em especial, ao autocuidado dos defensores dos direitos humanos.

A força da sociedade civil consiste em sua energia coletiva, que, por sua vez, afeta a resiliência social como mecanismo de superação das adversidades e exigibilidade dos direitos para pôr fim aos abusos de poder. Em contextos de opressão, como o da Venezuela, a resiliência é aprendida e deve ser ativamente assumida, a fim de auxiliar na reinstitucionalização do país e no estabelecimento da justiça e de uma vida digna. Trata-se de um grande desafio, que exige uma unidade de ação e o esforço dos venezuelanos comprometidos com a democracia.

Carlos Patiño Pereda - Venezuela

Carlos Patiño é advogado especialista em direito do trabalho. Escritor de ficção. Coordenador de Exigibilidade da Provea.

Recebido em setembro de 2017.

Original em espanhol. Traduzido por Evandro Lisboa.