Acesso à Justiça e o Papel de Defensores e Promotores Públicos no Litígio Sobre Direito à Saúde na Cidade de São Paulo
No Brasil, litígio sobre direito à saúde suscita um debate sobre os efeitos distributivos deste litígio em um contexto de escassez de recursos. Vários estudos indicam que uma parcela significativa deste litígio inclui litigantes individuais que vivem nos estados, cidades e bairros mais ricos do Brasil e, em geral, são representados por advogados particulares, cujos honorários muito excedem o que a maioria da população pobre poderia custear. Para alguns, isto sugere que os efeitos distributivos de litígio são, muito provavelmente, negativos, porque litígio tende a beneficiar um grupo socioeconômico privilegiado, e compele autoridades da área de saúde a desviar para este grupo recursos de programas de saúde abrangentes que atendem a maioria da população. Outros, no entanto, sustentam que o sistema judiciário pode, mesmo assim, servir como um mecanismo institucional importante onde pobres podem expressar suas demandas, e desta forma tornar o sistema de saúde mais equânime caso esta parcela da população consiga ter acesso ao sistema judiciário. Portanto, o principal problema a ser enfrentado por este “campo pró-litígio” é aprimorar o acesso à Justiça. Nosso objetivo é analisar ações judiciais em que litigantes são representados por advogados públicos, no litígio relativo ao direito à saúde na cidade de São Paulo, com o intuito de verificar se ao menos este tipo de litígio tem beneficiado os cidadãos mais necessitados. Este estudo considera três indicadores: a renda dos litigantes, o Índice de Desenvolvimento Humano e o Índice de Necessidade em Saúde das áreas onde estes litigantes residem. Nossa conclusão é que, embora advogados públicos pareçam de fato representar principalmente pessoas de baixa renda, outros indicadores sugerem que há ainda obstáculos consideráveis para que advogados públicos consigam atender os mais necessitados.
Desde o reconhecimento do direito à saúde na Constituição Brasileira de 1988, e com mais intensidade a partir dos anos 2000, centenas de milhares de ações judiciais foram apresentadas ao sistema judiciário brasileiro, nas quais se requer que juízes obriguem o governo a efetivar o direito à saúde.1 No meio acadêmico, há um interesse cada vez maior em estudar as particularidades desse fenômeno, bem como seu impacto no gozo efetivo do direito à saúde pela população brasileira.
Até o momento, o quadro geral no Brasil (FERRAZ, 2011a, 2011b) indica que o litígio concentra-se amplamente em estados, municípios e bairros com indicadores socioeconômicos e, consequentemente, condições de saúde relativamente melhores. Alguns estudos mostram que grande parcela dos gastos do governo com litígio diz respeito a tratamentos individuais, em geral medicamentos importados e, em sua maioria, caros, para tratar condições que, argumenta-se, não são prioritárias para a maioria da população atendida pelo sistema público de saúde (VIEIRA e ZUCCHI, 2007; CHIEFFI e BARATA, 2009; MAESTADT, RAKNER, FERRAZ, 2011; NORHEIM e GLOPPEN, 2011). Ademais, há uma forte evidência empírica indicando que, na maioria dessas localidades, litigantes que reivindicam judicialmente tratamentos de saúde tendem a vir de origens privilegiadas (VIEIRA e ZUCCHI, 2007; SILVA e TERRAZAS, 2011; CHIEFFI e BARATA, 2009; MACHADO et al., 2010; MACEDO, LOPES, BARBERATO-FILHO, 2011; PEREIRA et al, 2010; SANTOS, 2006).
De acordo com esses estudos, portanto, a judicialização do direito à saúde no Brasil tende a beneficiar uma minoria socioeconomicamente privilegiada, com maior acesso à informação, à assistência jurídica e ao sistema judiciário. Isso tende a obrigar autoridades de saúde a desviar escassos recursos de programas abrangentes e racionalmente planejados, que atendem a maioria da população, para serviços (muitas vezes, aquisição de medicamentos novos e caros), que não são nem economicamente eficientes nem prioritários em um sistema público de saúdeque busca atender, com recursos limitados, uma grande população necessitada (VIEIRA e ZUCCHI, 2007; CHIEFFI e BARATA, 2009; FERRAZ, 2009, 2011a, 2011b; MAESTADT, RAKNER, FERRAZ, 2011; NORHEIM e GLOPPEN, 2011).
Esse “modelo brasileiro” de litígio na área de saúde (FERRAZ, 2009, 2011a) tem dividido estudiosos em dois campos opostos. De um lado, consolida-se o campo pró-litígio, segundo o qual o litígio desempenha um papel legítimo e positivo, compelindo um Poder Executivo relutante a efetivar o direito à saúde consagrado na Constituição de 1988. Outros, no entanto, sustentam que o tipo de litígio predominante no Brasil (o “modelo brasileiro”), ao invés de efetivar o direito à saúde, pode de fato dificultar sua aplicação.2
Neste artigo, queremos analisar a fundo um dos argumentos apresentados pelo aqui chamado “campo pró-litígio”, o qual nos parece, em princípio, plausível. No entanto, antes disso, devemos primeiro diferenciar duas grandes vertentes pertencentes ao campo pró-litígio, significativamente distintas (uma vez que nosso artigo dialoga com apenas uma dessas vertentes).
Uma posição (defendida, principalmente, por advogados, juízes e alguns ativistas do direito à saúde), simplesmente negligencia ou ignora a relevância do panorama decorrente das pesquisas empíricas citadas acima. Para eles, o “modelo brasileiro” de litígio não é nem um pouco problemático, mesmo se beneficia principalmente uma minoria socioeconomicamente privilegiada, pois ainda serve como forma de implementar o direito à saúde, reconhecido pela Constituição como um direito universal, sem distinção entre pobres ou ricos.
Consideramos essa posição indefensável, por motivos que podemos apenas indicar brevemente aqui. Dado que recursos de saúde são necessariamente escassos (ou seja, recursos disponíveis no sistema público de saúde no Brasil são insuficientes para atender todas as necessidades em saúde de toda a população), o direito à saúde reconhecido na Constituição brasileira não pode ser interpretado de maneira convincente como um direito irrestrito de satisfação integral das necessidades de saúde de toda a população brasileira (FERRAZ; VIEIRA, 2009). Além disso, em países altamente desiguais como o Brasil, onde há imensas desigualdades históricas em relação à saúde e a todos os outros bens sociais, desigualdades essas que a Constituição se propõe a reduzir (artigo. 3o), o direito à saúde não pode ser interpretado de forma neutra diante das necessidades dos mais pobres. Tal intepretação “neutra” pode perpetuar essas imensas desigualdades ou, pior ainda, agravá-las, como provavelmente vem fazendo o modelo brasileiro de litígio, embora talvez não em grande escala, ao menos até o momento (FERRAZ, 2009).
A outra posição vinculada ao campo pró-litígio é muito mais plausível. Essa vertente aceita todos os pressupostos do campo “antilitígio”, ou seja, que os recursos são escassos, que devem ser distribuídos de maneira não neutra com o objetivo de melhorar as condições de saúde dos mais necessitados e, por fim, que o modelo brasileiro de litígio não é ideal. No entanto, essa vertente acredita que o modelo brasileiro não é inteiramente negativo e adota uma visão otimista sobre a possibilidade de aprimorá-lo.
Um dos argumentos apresentados por essa vertente sugere que tribunais podem (ao menos, potencialmente) propiciar um mecanismo institucional importante para que os mais carentes expressem suas reinvindicações, desde que os menos favorecidos tenham acesso a esses mecanismos. Desta forma, a solução não deveria cessar o litígio, como alguns críticos da judicialização da saúde parecem sugerir, mas sim estendê-lo àqueles que dele mais precisam. Em outras palavras, o problema não é o modelo brasileiro de litígio, mas sim o acesso à Justiça. Portanto, se houver uma melhoria significativa no acesso à Justiça, o litígio poderia, em princípio, gerar um impacto positivo.
Essa é a hipótese que testamos neste artigo. De fato, o acesso à Justiça tem em certa medida melhorado no Brasil, desde a Constituição de 1988. No que diz respeito ao litígio sobre o direito à saúde, há dois estados onde o número de litigantes representados por defensores e promotores públicos excede aqueles defendidos por advogados particulares: Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (PEPE et al., 2010; SANT’ANNA, 2009; MESSEDER OSORIO-DE-CASTRO, LUIZA, 2005; BIEHL et al., 2012).3 No caso da cidade de São Paulo, entre 25-30% dos requerentes (SILVA; TERRAZAS, 2011; CHIEFFI e BARATA, 2009) foram representados por defensores e promotores públicos vinculados à Defensoria Pública (daqui em diante DP) e ao Ministério Público do Estado de São Paulo (daqui em diante MP), cuja competência é exclusiva (no caso da DP) ou parcial (no caso do MP) para representar os mais desfavorecidos.
Utilizamos dados empíricos, coletados em 2009 na DP e no MP na cidade de São Paulo, sobre o perfil socioeconômico de litigantes e os tipos de benefícios de saúde requeridos por meio de litígio. Nosso objetivo é determinar se esses defensores e promotores públicos são capazes de gerar as mudanças que a posição mais plausível dentro do campo pró-litígio sustenta ser possível. Se há algum agente capaz de fazer uso de estratégias de litígio para melhorar políticas de saúde destinadas às pessoas mais necessitadas, provavelmente seriam esses defensores e promotores públicos.4 Supondo correta nossa interpretação não neutra do direito à saúde, as questões que buscamos aqui responder são: i. defensores e promotores públicos têm representado, até o momento, os mais necessitados? ii. Eles têm concentrado seus esforços nas prioridades em saúde dos setores mais pobres da população?
A cidade de São Paulo foi escolhida como estudo de caso por vários motivos. Em primeiro lugar, em razão da disponibilidade de dados e do acesso a eles. Em segundo lugar, porque São Paulo é uma das cidades onde o litígio referente à saúde é mais generalizado, em parte por ser esta a maior cidade do Brasil em população e riqueza, e também por contar com um sistema público de saúde bem desenvolvido. Por último, a maior parte da pesquisa empírica, que demonstra uma forte correlação entre condição socioeconômica e grau de litigio, foi conduzida em São Paulo. Por essas razões, é possível utilizar o caso de São Paulo para comparar o litigio na área de saúde promovido por advogados particulares em nome de indivíduos relativamente favorecidos com o litígio patrocinado por defensores e promotores públicos, com o objetivo de verificar se os argumentos apresentados pelo campo pró-litígio resistem a tal análise.
A DP é a instituição responsável por fornecer assistência jurídica gratuita para cidadãos de baixa renda que não possuem recursos econômicos para arcar com advogados particulares. Especificamente, no estado de São Paulo, essa instituição foi estabelecida somente em 20065, e oferece assistência jurídica a cidadãos cuja renda familiar mensal não ultrapassa três vezes o salário mínimo nacional.
Quando a coleta de dados foi concluída, em fevereiro de 2009, o salário mínimo nacional era de R$ 465,00, portanto o limite de renda para receber os serviços de assistência jurídica gratuita prestados pela DP era R$1.395,00, o equivalente, na época, a US$ 580. No entanto, esse limite é flexível, e aqueles com renda acima desse patamar ainda podem se qualificar para receber assistência jurídica, dependendo da condição familiar (bens e número de membros na família), do valor econômico envolvido na ação judicial e do tipo de litígio em questão. Especificamente, nos casos envolvendo medicamentos, o limite pode ser (e, muitas vezes, é) desconsiderado quando o preço do medicamento pleiteado é alto.
A DP conta com muitas unidades distribuídas na cidade de São Paulo, mas os casos referentes ao direito à saúde estão centralizados em uma única unidade (Unidade Fazenda Pública) localizada no cento da cidade. Nessa unidade, em 2009, havia cinco defensores públicos , e a distribuição de casos entre eles era aleatória, o que significa que cada um desses defensores era responsável por, aproximadamente, o mesmo número de casos. Considerando essa forma de distribuição, a análise dos casos distribuídos a cada um dos defensores públicos proporciona uma amostra aleatória de 20% dos casos referentes ao direito à saúde litigados pela DP.
Selecionamos casos de 2006, ano em que a Defensoria Pública foi estabelecida em São Paulo, até fevereiro de 2009, quando a pesquisa foi concluída. Ao todo, 340 casos relativos ao direito à saúde foram analisados.
O MP é uma instituição responsável por, entre outras funções, assegurar que as autoridades públicas respeitem os direitos assegurados na Constituição e por resguardar e representar interesses coletivos e difusos.6 Embora DP e MP possuam legitimidade ativa para ingressar com ações judiciais individuais e coletivas, um acordo informal entre essas duas organizações determinou que, em São Paulo, a DP seria a principal responsável por ações individuais, ao passo que o MP seria encarregado principalmente por ações civis públicas.7
No MP do Estado de São Paulo, na época, havia um departamento especialmente dedicado a casos referentes ao direito à saúde: o Grupo de Ação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor (Gaesp).
O Gaesp foi criado em 1999 e, até a data em que a pesquisa foi concluída, fevereiro de 2009, esse grupo havia ingressado com 62 ações civis públicas. Dentre essas ações, escolhemos apenas aquelas apresentadas contra autoridades públicas e nas quais se requer algum tipo de tratamento de saúde ou outras medidas de saúde por parte do poder público ( 32 casos se enquadram nessa descrição e foram, portanto, analisados).
Dos casos apresentados pela Defensoria Pública, a maioria (47%) traz um pedido de medicamentos para os seguintes problemas de saúde: diabetes (25,24%), paralisia cerebral (6,65%), hipertensão arterial (5,48%), glaucoma (3,32%), acidentes vasculares cerebrais (3,33%), doenças do coração (3,33%) e câncer (2,35%). Além disso, contatou-se um número significativo de casos onde os litigantes requerem produtos de saúde para medição e controle de diabetes e fraldas para pessoas que sofreram acidentes vasculares cerebrais e paralisia cerebral.
Na maioria dos casos, a DP teve êxito. Dos 293 casos em que esta informação estava disponível, em 84,64% deles o defensor público obteve uma decisão liminar favorável ao autor. Em 78% dos casos a decisão de mérito foi a favor do autor. Além disso, os dados coletados revelam que o governo do Estado de São Paulo interpôs 187 recursos ao Tribunal de Justiça contra sentenças finais desfavoráveis. O resultado dos recursos está disponível em 63 desses casos, sendo esses recursos improcedentes (ou seja, contra o Estado) em 76% dos casos. De acordo com os registros da DP, em apenas 27 dos casos a decisão de primeira instância foi desfavorável ao autor, embora, nesses casos, após os recursos apresentados, o resultado foi revertido a favor do autor em 21 deles, ou seja, em cerca de 80%. Portanto, de acordo com os dados disponíveis, a taxa geral de êxito perante o Tribunal de Justiça foi de aproximadamente 78%.
O Gaesp ingressa exclusivamente com ações civis públicas. Entre os 32 casos analisados, 22 (69%) referem-se a denúncias de condições precárias de hospitais do sistema público de saúde, unidades de atendimento básico e clínicas. Falta de materiais, instrumentos, medicamentos,8 ambulâncias, equipamentos, profissionais (médicos e enfermeiros) e problemas de higiene, segurança e manutenção dos prédios figuram entre os motivos que deram ensejo a litígio.
Em nove dos casos (28%), o Ministério Público requereu o fornecimento de medicamentos e prestação de tratamentos de saúde específicos para as seguintes doenças: hepatite C (duas ações judiciais), hipertermia maligna, insuficiência renal crônica, epilepsia, doença pulmonar obstrutiva crônica, autismo e adrenoleucodistrofia. Em um caso, o MP demandou que fosse garantido, para mulheres grávidas de baixa renda, transporte público gratuito para unidades de saúde.
Embora não estivesse disponível para todo o conjunto de dados, foi possível verificar a informação sobre a taxa de êxito em 66% das decisões liminares da primeira instância, 76% das sentenças finais e 63% dos recursos. O resultado foi que, de acordo com os dados disponíveis, 64% das decisões liminares foram favoráveis ao autor e 36% contrárias. No que diz respeito a sentenças finais, 80% foram decididas a favor do autor e 20% contra. Finalmente, em sede recursal, a taxa de êxito dos litigantes caiu para 52%.
Portanto, a comparação entre as taxas de êxito revela que o MP obteve um número significativamente menor de decisões favoráveis do que a DP, tanto em relação a decisões liminares nas primeiras instâncias, quanto no caso de recursos ao Tribunal de Justiça, embora o MP tenha tido um pouco mais de sucesso em sentenças finais de primeira instância (Ver Gráfico 1).
No caso do MP, o maior número de sentenças revertidas em sede recursal e o menor sucesso em decisões liminares podem ser explicados pelo fato de que esses são casos coletivos, e, portanto, são mais estruturais do que aqueles apresentados pela DP. ão estruturais no sentido de que têm o objetivo de promover mudanças significativas em políticas de saúde pública que afetam um número maior de pessoas e geram um impacto econômico e orçamentário expressivo, ao passo que os casos da DP em nossa amostra são todos casos individuais.
De maneira geral, é possível afirmar que quanto maior o impacto político e econômico mais cauteloso será o Poder Judiciário (em especial, tribunais superiores) ao rever decisões administrativas e políticas (ver TAYLOR, 2006, p. 275). Isso pode ser explicado pelo fato de que, nesses casos estruturais, o Poder Judiciário possui menos clareza acerca das eventuais consequências de sua decisão ou que o ativismo judicial nesses casos pode colocá -lo em grave conflito com os poderes políticos. Talvez seja essa a razão pela qual as causas de pequeno porte – por exemplo, ações individuais apresentadas pela DP – possuem maior chance de sucesso do que os casos estruturais, regra que também se aplica a casos individuais apresentados por advogados particulares. Claro que casos individuais, quando considerados em conjunto, também podem gerar um impacto significativo em políticas e orçamentos públicos, especialmente quando há milhares deles, muito embora esse potencial efeito indireto de casos individuais não pareça preocupar os juízes.
O Supremo Tribunal Federal (STF, a mais alta corte do Poder Judiciário brasileiro) parece confirmar essa tendência, ao menos no que diz respeito ao litígio sobre o direito à saúde. Em duas decisões recentes – Suspensão de Tutela Antecipada (STA) 424 e Suspensão de Liminar (SL) 256 – o Supremo rejeitou demandas coletivas sob o argumento de que esses casos poderiam impactar o orçamento público, e que poderiam “obstaculizar ou dificultar o adequado exercício dos serviços pela Administração Pública” (BRASIL, 2010a e 2010b). O STF também confirmou que um pedido de tratamento de saúde somente deve ser concedido quando sua necessidade for comprovada individualmente. Mesmo considerando que a intepretação do Supremo não vincula tribunais inferiores (salvo poucas exceções), essas decisões ilustram certo comportamento no Poder Judiciário capaz de explicar por que ações judiciais apresentadas pelo MP são, em geral, menos bem sucedidas do que aquelas iniciadas pela DP.
A pobreza não é um fenômeno fácil de mensurar. Interpretações díspares da realidade levam a formas diferentes de medir pobreza. Portanto, perguntar se certo grupo é pobre ou avaliar seu nível de pobreza remete a uma série de outras questões, as quais, por sua vez, dependem do que se entende por pobreza e como a “esfera relevante” é mensurada (LADERCHI; SAITH; STEWART, 2003, p. 244). Os dados disponíveis nos arquivos da Defensoria Pública nos fornecem dois indicadores que podem ser utilizados para avaliar o status socioeconômico das pessoas que ela representa: a renda familiar e o bairro onde os litigantes residem.
Dado que os serviços da DP são, em princípio, restritos a pessoas com renda familiar abaixo de certo parâmetro, todos os cidadãos que desejam receber assistência jurídica gratuita da DP devem declarar e, ao menos via de regra, comprovar sua renda familiar (e não a renda individual ou per capita).9
Uma vez que o número de membros das famílias não é uma informação amplamente disponível, decidimos utilizar a média obtida para a região metropolitana de São Paulo – 3,2 pessoas por família (DIEESE, 2009) – como o melhor substitutivo (embora imperfeito) para definir a renda familiar per capita em nossa amostra. Esse dado é importante porque renda per capita é um dos indicadores mais amplamente utilizados para mensurar pobreza, o que nos permite comparar ostatus socioeconômico de nossa amostra com o da população em geral.
Embora a abordagem monetária seja a mais utilizada, sabemos que ela apresenta limitações consideráveis. Há outros fatores de privação humana que não dependem exclusivamente da quantidade de dinheiro que uma pessoa possui (SEN, 1992). Por exemplo: cidadãos de baixa renda podem apresentar melhores indicadores de saúde se tiverem acesso a serviços públicos de saúde com boa qualidade, pelos quais os cidadãos de maior renda precisariam pagar ou buscar a grandes distâncias.
Por esse motivo, também utilizaremos o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Necessidade em Saúde (INS)10 dos bairros onde residem os litigantes da nossa amostra, com o objetivo de esclarecer aspectos que uma análise focada estritamente na renda não pode revelar.11
Neste artigo, utilizamos os patamares de pobreza e indigência elaborados por Rocha (2009) para a região metropolitana de São Paulo. A autora define linha de indigência (pobreza extrema) como o valor mínimo necessário para adquirir uma quantidade mínima de alimentos. A linha de pobreza, por sua vez, inclui o valor necessário para satisfazer necessidades básicas individuais, como alimentação, transporte, lazer, saúde, educação e higiene.
Os valores em reais para a cidade de São Paulo são apresentados na tabela 1.
O Gráfico 2 mostra o status socioeconômico dos litigantes de acordo com o ano da ação judicial. Conforme explicado acima, a renda individual foi calculada dividindo-se a renda familiar declarada pela média de pessoas por família na região metropolitana de São Paulo, que é 3,2:
Esse gráfico revela que a maioria das pessoas representadas pela DP está abaixo da linha de pobreza, supondo-se que a renda autodeclarada corresponda à realidade (ver, no entanto, o comentário abaixo). Levando-se em consideração a proporção de pessoas abaixo da linha de pobreza (incluídos indigentes e pobres) em toda a população da região metropolitana de São Paulo – 2006 (22%); 2007 (20%); 2008 (19%) (ROCHA, 2009) –, pode-se afirmar que os serviços da DP atendem significativamente o quintil de renda mais baixo da região. Cerca de 80% das pessoas beneficiadas pela DP pertencem ao grupo dos 20% mais pobres da região metropolitana de São Paulo.
No entanto, nota-se que apenas um número pequeno de casos envolve indivíduos em condição de indigência, embora na população em geral a proporção de indivíduos nessa condição também seja menor – 2006 (3%); 2007 (3%) e 2008 (2,9%) (ROCHA, 2009).
Não obstante, conforme mencionado acima, a renda, considerada isoladamente, não constitui um indicador preciso das condições de privação. Ademais, embora os candidatos à assistência jurídica gratuita devam em princípio apresentar documentos que comprovem que sua renda ébaixa (ou seja, contrato de trabalho ou recibos de benefícios da previdência social), os dados sobre renda, disponíveis nas ações judiciais consultadas, baseiam-se principalmente na autodeclaração das pessoas atendidas pela DP e, como veremos, talvez não revelem seu verdadeiro rendimento. A seguir, utilizamos dois outros indicadores para testar os resultados obtidos por meio de uma análise exclusiva da renda.12
O índice de desenvolvimento humano busca medir a qualidade de vida de uma população de maneira abrangente, incluindo Produto Interno Bruto per capita, expectativa de vida e escolaridade.
Na cidade de São Paulo, 4% da população vive em bairros com IDH elevado (superior a 0,8), 42% em bairros com IDH médio (entre 0,5 e 0,8) e 54% em bairros com IDH baixo (inferior a 0,5). Entre os litigantes representados pela DP, aqueles que vivem em áreas com IDH baixo encontram-se levemente sub-representados, enquanto aqueles que vivem em bairros de IDH médio são representados em proporção consideravelmente maior (ver Gráfico 3).
O Índice de Necessidade em Saúde (INS) foi formulado com o intuito de identificar quais áreas da cidade de São Paulo deveriam ser consideradas prioritárias no que diz respeito à distribuição de serviços de saúde. Esse índice é calculado com base em dados demográficos, epidemiológicos e condições sociais de cada bairro. Os bairros foram distribuídos de acordo com suas necessidades de saúde. Quanto mais elevado o INS, mais urgentes são as necessidades de saúde da população (SÃO PAULO, 2008).
Em nossa amostra, apenas 42% dos litigantes representados pela DP vivem em áreas onde as necessidades de saúde são elevadas, e, portanto, onde se supõe que a implementação do direito à saúde seja mais precária (Gráfico 4). A maioria dos casos (58%) inclui litigantes que vivem em áreas com INS médio ou baixo.
Os dados apresentados acima revelam aspectos interessantes e, em alguns pontos, contraditórios do litígio sobre direito à saúde patrocinado pela DP. Se levarmos em consideração a renda autodeclarada dos litigantes, esse dado parece indicar que a vasta maioria das ações judiciais interposta pela DP (mais de 80%) inclui indivíduos que estão abaixo da linha de pobreza na região metropolitana de São Paulo e que pertencem ao quintil de mais baixa renda na região. No entanto, quando incluímos na análise o local de residência combinado com um indicador mais amplo de privação (IDH) e um indicador específico de privação em saúde (INS), o quadro muda significativamente e a tendência de atender os mais pobres desaparece. A porcentagem de indivíduos representada pela DP vivendo nos bairros com menor IDH e nos bairros com INS mais elevado, ou seja, onde se supõe que as necessidades na área de saúde sejam as mais gritantes, cai para 49% e 42% respectivamente.
Diferentemente dos casos representados pela DP, as ações civis públicas interpostas pelo MP são o que chamamos de casos estruturais, no sentido de que buscam promover mudanças significativas em políticas públicas de saúde que podem afetar um grande número de pessoas (melhorias em unidades públicas de saúde e inclusão de medicamentos ou tratamentos no sistema público), ao invés de buscar um benefício para um indivíduo específico.
Entre os casos descritos na Seção 3.2, aquele em que se demandou transporte público gratuito para mulheres grávidas de baixa renda foi o único em que uma ação civil pública promovida pelo MP foi claramente voltada para beneficiar os pobres. Isso faz com que a questão que buscamos responder aqui seja muito mais complexa do que nos casos da DP. De fato, responder se pobres ou indigentes são beneficiados pelo litígio sobre o direito à saúde promovido pelo MP é muito mais difícil nesses casos estruturais, em que está em jogo uma política pública de grande escala capaz de beneficiar um grande número de indivíduos. Outras pesquisas mais detalhadas seriam necessárias para avaliar quais classes sociais são mais afetadas por essas políticas, bem como quem são as pessoas que verdadeiramente se beneficiam delas. Isso é fundamental, uma vez que não podemos pressupor que essas políticas sejam executadas com eficiência, tampouco que, mesmo quando o forem, alcancem todos os que poderiam se beneficiar delas. Essas políticas podem muito bem ser apenas “nominalmente universais” (GAURI; BRINKS, 2008).
Um bom exemplo desse tipo é a ação civil pública apresentada pelo MP para obrigar o estado de São Paulo a fornecer a todos os indivíduos autistas tratamento de saúde e educação especiais. Apesar de vencer no Poder Judiciário, a sentença está longe de ser plenamente cumprida, anos após ter sido proferida. Os desafios, pouco surpreendentes, são: insuficiência de recursos, necessidade de contratar novos profissionais e de construir novas unidades de saúde, o que pode levar tempo, e ainda deve-se contar com certo grau de ineficiência e com a falta de vontade política. Consequentemente, das centenas de milhares de potenciais beneficiários dessa sentença, apenas alguns deles estão de fato se beneficiando . Vale notar que algumas centenas de pessoas, com a ajuda de advogados particulares, têm feito uso dessa decisão sobre a ação civil pública apresentada pelo MP para argumentar, quase sempre com êxito, que o estado deve prover a seus clientes individuais uma vaga em uma instituição privada até que a decisão seja integralmente cumprida.13
Com os dados coletados não podemos, portanto, responder essas questões importantes em relação a todas as ações civis públicas patrocinadas pelo MP; por isso decidimos concentrar nossa análise em 22 casos nos quais o MP buscou obrigar o governo a melhorar o funcionamento de unidades públicas de saúde (hospitais, unidades básicas de saúde e clínicas). Em tais casos, com base na localização dessas unidades de saúde, podemos realizar uma análise semelhante à que foi feita em relação às ações judiciais apresentadas pela DP, por meio do IDH e do INS.
Nota-se, em primeiro lugar, que, ao se preocupar com a melhoria de unidades de saúde (hospitais, clínicas etc.), o MP tende a apresentar mais casos que dizem respeito a bairros com IDH elevado. Muito embora apenas 4% da população da cidade de São Paulo viva em bairros com IDH alto, 23% dos casos apresentados pelo MP incluem bairros pertencentes a essa categoria (ver Gráfico 8).
No entanto, bairros com IDH reduzido, embora incluam 54% da população, figuram em 45% das ações judiciais apresentadas pelo MP. Bairros com IDH médio, nos quais vive 42% da população, são representados em um número relativamente menor de ações judiciais sobre direito à saúde (32%) (ver Gráfico 5).
A primeira hipótese capaz de explicar essa diferença é que as ações civis públicas são mais difíceis de serem interpostas. No caso dessas ações, não basta comprovar que as necessidadesde saúde de um indivíduo não foram supridas pelo Estado. Essas ações demandam um trabalho mais intenso, por exigir maior produção de provas e conhecimento técnico. Portanto, unidades de saúde em áreas sob o foco da mídia e da opinião pública e onde usuários tendem a ter maior grau de escolaridade podem estar à frente de outras na competição por esses recursos.
Quando consideramos o Índice de Necessidade em Saúde, fica claro que bairros com altos índices são os menos atendidos pelo Ministério Público (ver Gráfico 6). Essas áreas são aquelas em que se pode dizer que o direito à saúde deve ser prioritariamente protegido. No entanto, a maioria das ações judiciais apresentada pelo MP diz respeito a áreas onde as necessidades em saúde são relativamente menores. Muito embora 44% da população da cidade de São Paulo resida em áreas com Índice de Necessidade em Saúde elevado, esses bairros figuram em apenas 27% das ações judiciais referentes ao direito à saúde propostas pelo MP (ver Gráfico 6).
Pode-se concluir, novamente, que isso se deve à desigualdade no acesso à Justiça ou, mais especificamente, à desigualdade no acesso à atenção e representação do Ministério Público, conforme explicado no item anterior.
Porém, é possível ponderar se isso, na verdade, não é consequência da desigualdade na distribuição geográfica de serviços de saúde na cidade de São Paulo, já que a maioria das unidades de saúde concentra-se nas áreas relativamente mais ricas.
Para testar essa hipótese, e com base no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), classificamos as 1.109 unidades de saúde da cidade14 de acordo com o IDH e o INS dos bairros onde elas estão localizadas. Constatamos que, apesar de algumas disparidades, a distribuição de unidades de saúde de acordo com o IDH e o INS é, em grande medida, bem equilibrada entre os bairros (Ver Gráfico 7 e 8).
Portanto, unidades de saúde em bairros com baixo desenvolvimento humano e elevadas necessidades em saúde estão sub-representadas no litígio patrocinado pelo MP. Isso não significa que esses bairros não tenham unidades de saúde ou que elas sejam em número insuficiente, mas sim que elas atraem, por algum motivo, pouca atenção do MP.
Vale a pena ressaltar que dentre as 22 unidades de saúde, cujas condições precárias foram denunciadas em ações judiciais apresentadas pelo MP, apenas 3 são unidades básicas, enquanto 9 são hospitais. Dado que 55% das unidades de saúde em São Paulo pertencem ao sistema básico de saúde e apenas 9% são hospitais, podemos afirmar que ações judiciais apresentadas pelo MP concentram-se principalmente em tratamentos de saúde de complexidade média ou alta, ao invés de concentrar-se no sistema básico de saúde e nos tratamentos preventivos.
Os dados apresentados até aqui revelam padrões interessantes acerca do litígio sobre o direito à saúde patrocinado por defensores e promotores públicos na cidade de São Paulo. Para que o litígio seja considerado uma ferramenta positiva na implementação do direito à saúde, de acordo com a interpretação não neutra, que tende a favorecer os mais pobres, devem ser revertidas ao menos duas das principais características atualmente predominantes no chamado modelo brasileiro de litígio sobre o direito à saúde: (a) esse litígio deve ser estendido significativamente para além do grupo restrito de membros da classe média ou classe média alta, representados por advogados particulares, que atualmente domina esse tipo de litígio em São Paulo, para incluir os mais socialmente desfavorecidos no que diz respeito às necessidades em saúde (isso pode ser feito por meio de melhoria no acesso à Justiça); e (b) o foco desse litígio deve se deslocar de tratamentos novos e caros para ações e serviços de saúde considerados prioritários para grupos menos favorecidos, principalmente unidades e tratamentos do sistema básico de saúde.
Neste artigo, analisamos o histórico de litígio de duas instituições no Brasil que poderiam fazer justamente isso – o Ministério Público (MP) e a Defensoria Pública (DP) –, uma vez que o mandato dessas instituições é exatamente proteger o interesse público e os interesses de grupos menos favorecidos.
No que tange à primeira condição (expansão do acesso à Justiça aos mais necessitados), utilizamos, quando disponíveis, três indicadores diferentes de desvantagem em matéria de saúde: renda, desenvolvimento humano e necessidade em saúde. O primeiro deles (renda) é coletado por meio de autodeclaração e parece indicar que a DP (não há dados disponíveis para o caso do MP) de fato representa majoritariamente indivíduos pobres ou indigentes do ponto de vista puramente financeiro (variando entre 80% e 88%, dependendo de cada ano). No entanto, quando o IDH e o INS foram incluídos na análise, o quadro parece mudar. No que diz respeito à DP, apenas 49% de indivíduos representados residem em bairros com baixo desenvolvimento humano, e apenas 42% residem em bairros com necessidades em saúde elevadas. Em outras palavras, o litígio promovido pela DP ocorre em bairros onde há índice de desenvolvimento médio e alto (51%) e onde as necessidades de saúde são baixas e médias (58%).
Podem ser apresentadas duas hipóteses principais para interpretar esses dados, aparentemente contraditórios, sobre o perfil dos litigantes representados pela DP. A primeira hipótese é de que a renda familiar é um indicador que deveria ser levado em consideração com cautela, uma vez que esse dado é coletado por meio de autodeclaração. Cidadãos podem ter subestimado sua renda familiar e declarado uma renda inferior à linha de pobreza estabelecida pela DP para receber assistência jurídica gratuita. Ademais, pesquisas sobre a confiabilidade de dados autodeclarados sobre renda familiar indicam que essa informação tende a ser sistematicamente inferior à renda de fato (COLLINS; WHITE, 1996; MICKLEWRIGHT e SCHNEPF, 2010). É possível que as pessoas tenham informações equivocadas sobre a renda dos demais membros da família, tendendo a desconsiderar recursos provenientes de outras fontes, como ganhos resultantes de trabalhos de meio-período e de benefícios sociais.
A segunda hipótese é de que a DP é mais acessível aos indivíduos que, embora sejam economicamente pobres, vivem em áreas melhores. O fato de essas pessoas viverem em regiões mais ricas parece indicar que elas possuem melhor acesso à informação sobre seus direitos e sobre as instituições que fornecem assistência jurídica gratuita. Ademais, essas pessoas possuem mais acesso aos serviços púbicos e às unidades de saúde, o que aumenta as chances de que suas necessidades de saúde, quando insatisfeitas, deem ensejo a uma ação judicial. Exemplos dessas vantagens são o acesso a um hospital onde possam obter prescrição médica e a disponibilidade de transporte público para chegar a unidades da Defensoria.
Nossos dados não nos permitem testar essas hipóteses (talvez a resposta fosse uma combinação das duas hipóteses), mas ambas parecem indicar que a DP enfrenta obstáculos para alcançar as regiões mais pobres da cidade.
Além disso, o acesso a litígio na área da saúde não implica necessariamente promoção da equidade em matéria de saúde. O objeto de litígio (a segunda característica a ser alterada no modelo brasileiro de litígio) também deveria possuir uma natureza transformadora, isto é, deveria se concentrar em ações e serviços de saúde dos quais os mais desfavorecidos urgentemente necessitam. Este artigo não pode (por falta de espaço e de dados) discorrer mais detalhadamente sobre esse aspecto, embora dados recentes sugiram que essa condição também está longe de ser cumprida. A maioria dos casos representados pela DP trata de ações individuais, requerendo itens como fraldas e medicamentos para diabetes. Muito embora tais itens possam ser importantes para aqueles que eventualmente receberão tratamento de saúde como resultado do litígio, casos individuais raramente promoverão mudanças estruturais em políticas públicas de saúde que podem beneficiar uma parcela mais ampla da população pobre.
Portanto, era de se esperar que os casos que demandam mudanças estruturais – como ações civis públicas promovidas pelo MP – pudessem melhorar os serviços de saúde para os mais pobres. No entanto, nossa pesquisa sugere que as ações do MP dão atenção desproporcional àquelas regiões onde o direito à saúde encontra-se relativamente mais bem atendido, e não focam suficientemente o tratamento básico e primário de saúde, cuja melhoria é essencial para um sistema de saúde equânime (MEDICI, 2011). Apenas 27% das ações judiciais interpostas pelo MP foram apresentadas em bairros com necessidades de saúde elevadas e somente 43% em bairros com desenvolvimento humano baixo.
Repetindo, o leque de ações judiciais concentra-se em bairros com necessidades de saúde baixas e médias e com desenvolvimento humano médio e elevado, e em tratamentos de complexidade média e alta, ao invés de concentrar-se no tratamento básico e preventivo de saúde. Ademais, a taxa de êxito das ações civis públicas patrocinadas pelo MP em tribunais superiores é menor do que em casos individuais, o que indica que os tribunais estão mais propensos a lidar com a resolução desses casos do que com problemas estruturais.
A análise empírica do perfil socioeconômico de litigantes representados por defensores e promotores públicos, os tipos de demandas de saúde apresentadas e a menor taxa de êxito de causas coletivas envolvendo mudanças estruturais indicam que mesmo o litígio promovido por defensores e promotores públicos enfrenta desafios consideráveis para atender os mais necessitados.
Prover representação jurídica gratuita não garante por si só que os mais pobres poderão levar suas reivindicações ao Poder Judiciário. Como Felstiner, Abel e Sarat (1980) de maneira persuasiva argumentaram, há um longo caminho entre uma situação de sofrimento ou injustiça individual, que em tese poderia ser remediada por via judicial, e o início de uma batalha jurídica. Primeiro, a pessoa deve perceber uma determinada experiência como sendo danosa. Segundo, a parte lesada deve se sentir injustiçada e acreditar que algo pode ser feito em resposta a esse dano. Terceiro, a pessoa deve transformar sua queixa em uma reivindicação contra a pessoa ou entidade que ela acredita ser responsável e requerer que a situação seja remediada. Por fim, se tal reinvindicação for rejeitada, a pessoa deve ter conhecimento e recursos para recorrer ao próximo passo: litígio. Há um caminho longo e complexo a ser percorrido, portanto, entre sofrer um dano e recorrer ao litígio, caminho esse inacessível para uma grande parcela da população.
Esta análise traz certas respostas para alguns dos desafios que parecem dificultar o uso do litígio no Brasil para beneficiar os mais necessitados. Considerando que um dos principais problemas no sistema brasileiro de saúde é a desigualdade no acesso à saúde básica e preventiva (MEDICI, 2011), e que educação e informação são fatores importantes que possibilitam o acesso a tratamento de saúde (SANCHEZ; CICONNELI, 2012), muitas pessoas pobres não possuem sequer consciência de seus problemas de saúde – em especial no que diz respeito a doenças crônicas –, ou talvez tomem conhecimento apenas quando é muito tarde. Entre aqueles que têm conhecimento de que possuem um problema de saúde, apenas os mais escolarizados e informados saberão que receber tratamento do serviço público de saúde configura um direito constitucional. Ademais, nem todos eles saberão que, se lhes for recusado tratamento, poderão pleiteá-lo perante o governo. Por fim, apenas um número pequeno de pessoas saberá que há instituições públicas que fornecem assistência jurídica gratuita, tais como a DP e o MP.
Não é de surpreender, portanto, que o modelo brasileiro de litígio, no qual casos são apresentados por indivíduos que vivem em condições relativamente melhores e representados por advogados particulares, predomina na maioria das cidades no Brasil, e que mesmo o litígio promovido por defensores e promotores públicos enfrenta desafios consideráveis para se afastar significativamente desse modelo.
1. Não há ainda pesquisa abrangente que revele o volume preciso de litígios existentes no Brasil. Em uma estimativa conservadora, decorrente de diferentes estudos, Octavio Ferraz calculou 40.000 casos por ano (FERRAZ, 2011a).
2. Para um claro exemplo de polarização, ver o debate entre advogados pró-litigio Andrea Lazzarini Salazar e Karina Bozola Grou (“As Verdadeiras Causas e Consequências”, Folha de S. Paulo, 9 maio 2009. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0905200908.htm. Último acesso em: Maio 2013) e o especialista em saúde pública, “anti-litígio”, Marcos Bosi Ferraz. (“O STF e os Dilemas da Saúde”, Folha S. Paulo, 9 maio 2009. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0905200909.htm. Último acesso em: maio de 2013). Um exemplo de uma defesa acadêmica do litígio pode ser encontrado em PIOVESAN, 2008.
3. Uma das hipóteses que pode explicar o alto índice de litigantes representados por advogados públicos no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul é que, naquele estado, o limite de renda para recebimento de assistência jurídica por parte da Defensoria Púbica é maior do que em outros estados (PEPE et al., 2010) e, neste estado, não há um limite de renda determinado e a necessidade é avaliada caso a caso com base em um questionário, apresentação de documentos e autodeclaração (ver página oficial da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, disponível em: http://www.dpe.rs.gov.br/site/faq.php. Último acesso em: maio de 2013).
4. Há ainda a possibilidade de que organizações não-governamentais (ONGs), em particular associações de pacientes, apresentem causas coletivas em nome de grupos de pacientes necessitados e/ou financiem litígio de casos individuais, o que pode promover acesso à Justiça para grupos desfavorecidos. Não analisamos esse tipo de litígio em nosso estudo. No entanto, estamos confiantes de que o possível impacto transformador de tal litígio não é tão grande quanto aquele promovido por advogados públicos. Há pesquisas que revelam que algumas ONGs de fato patrocinaram ações judiciais apresentadas por pacientes, mas na forma de casos individuais, e em geral para uma doença específica e focada principalmente em alguns medicamentos caros (SILVA; TERRAZAS, 2011). Há também estudos que sugerem a existência de elos entre associações de pacientes e a indústria farmacêutica. (CHIEFFI; BARATA, 2010).
5. SÃO PAULO (Estado), 2006.
6. BRASIL, 1988, Artigo 129, II e III.
7. No entanto, esta não é uma regra fixa, sendo possível encontrar tanto ações coletivas interpostas pela DP, quanto casos individuais apresentados pelo MP (entrevista com os defensores públicos Rafael Vernaschi, Vania Casal e Sabrina Carvalho em 29 de julho de 2009).
8. Nesses casos, houve apenas denúncias genéricas sobre a falta de medicamentos, não especificando quais medicamentos estavam faltando.
9. Essa é a razão pela qual em muitos casos não há qualquer informação sobre o número de membros existentes em cada família. No entanto, alguns casos trazem essa informação com o intuito de explicar que alguém, cuja renda familiar excede o limite, poderia receber assistência jurídica da DP devido ao grande tamanho de sua família.
10. Os dados sobre IDH e INS na cidade de São Paulo foram calculados com base em pesquisas publicadas pela Secretaria de Saúde de São Paulo (SÃO PAULO, 2008) e pela Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade de São Paulo (SÃO PAULO, 2002), respectivamente.
11. Também estamos cientes de que se deve ter cuidado ao utilizar dados desagregados por bairro como referência para características individuais, uma vez que bairros podem incluir disparidades internas (algumas áreas em um mesmo bairro podem ser melhores do que outras), e pessoas de diferentes origens socioeconômicas podem viver muito próximas umas das outras. No entanto, consideramos que, apesar dessas limitações, o bairro é um bom referencial (embora imperfeito) para medir a condição socioeconômica. O IDH e o INS são em parte influenciados por razões que são determinadas geograficamente, como o acesso à educação, ao saneamento básico, às unidades de saúde e a outros serviços públicos. O acesso a esses serviços, que são distribuídos geograficamente, pode afetar o grau de privação sofrido por um indivíduo.
12. Vale ressaltar que a proporção de pobres e indigentes em nossa análise possivelmente está subestimada. Sabe-se que famílias pobres em geral possuem mais membros do que a média (3,2 pessoas por família). No entanto, porque não temos acesso a números mais precisos, devemos utilizar a média.
13. Entrevista com o Ministério Público (2011).
14. A Pesquisa Nacional de Unidades de Saúde está disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/ses/perfil/cidadao/homepage/destaques/unidades-de-saude. Último acesso em: Maio 2013.
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