Diálogos

“Continuaremos tendo avanços no fortalecimento da Comissão e na nossa missão de observância e proteção dos direitos humanos na região”

Tania Reneaum

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Entrevista com Tania Reneaum Panszi
Secretária Executiva da CIDH

Por Revista Sur

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), como órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), com mandato decorrente da Carta da OEA e da Convenção Americana de Direitos Humanos, para promover a observância dos direitos humanos na região, tem um papel preponderante na promoção da democracia no continente.

Para a CIDH, porém, cumprir seu mandato tem sido uma jornada desafiadora, especialmente nos últimos anos, pois teve que monitorar a ação estatal em relação às violações dos direitos humanos, em contextos de agitação social, instabilidade política e, de modo geral, de uma evidente fragilidade democrática na região.

Em entrevista à Revista Sur, Tania Reneaum Panszi, que assumiu a Secretaria Executiva da Comissão em 1 de junho de 2021 (por um período de 4 anos), fala sobre os desafios que a CIDH e seu mandato enfrentam em um contexto que inclui, os efeitos sanitários e econômicos da pandemia, os impactos da desinformação nas populações historicamente discriminadas e, em geral, uma crise política global que acaba atingindo a região.

A Secretária Executiva destaca, entre suas agendas, o fortalecimento da autonomia institucional da CIDH, a implementação de planos estratégicos para o avanço em matéria de direitos humanos e o trabalho em prol da celeridade processual; por outro lado, ela reafirma a responsabilidade dos Estados de se basearem em normas internacionais de direitos humanos, bem como a necessidade de uma interpretação evolutiva dos mesmos.

Tania Reneaum Panszi é mexicana, doutora em Direito pela Universidade Pompeu Fabra em Barcelona, Espanha; possui um Mestrado Internacional em Direito Penal e Problemas Sociais Comparativos da Universidade de Barcelona e um segundo Mestrado em Ciências Jurídicas da Universidade Pompeu Fabra. Segundo comunicado de imprensa da OEA, por ocasião de sua eleição, “Tania é a segunda mulher a ser eleita Secretária Executiva nos 62 anos de história da CIDH”.11. “Tania Reneaum Panszi assume como Secretaria Executiva da CIDH”, Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 3 de junho de 2021, acesso em 24 de janeiro de 2023, https://www.oas.org/pt/cidh/jsForm/?File=/pt/cidh/prensa/notas/2021/142.asp

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Revista Sur • A senhora ocupa o cargo de secretária executiva da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) desde junho de 2021. Poderia nos contar um pouco sobre suas agendas prioritárias e suas expectativas para o exercício desse mandato?

Tania Reneaum Panszi • Desde que assumi o cargo de Secretária Executiva, tenho trabalhado nas tarefas prioritárias para finalizar a implementação do Plano Estratégico 2017-202122. “Plan Estratégico 2017-2021,” Comissão Interamericana de Direitos Humanos, março 2017, acesso em 24 de janeiro de 2023, https://www.oas.org/es/cidh/mandato/PlanEstrategico2017/docs/PlanEstrategico-2017-2021.pdf. e continuar esse roteiro com o novo Plano Estratégico 2023-2027,33. “Plan Estratégico 2023-2027,” Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 2022, acesso em 24 de janeiro de 2023, https://www.oas.org/es/CIDH/jsForm/?File=/es/cidh/mandato/planestrategico/2023/default.asp. para dar respostas aos desafios que a região segue enfrentando em matéria de direitos humanos.

Até agora, entre os eixos prioritários que marcaram o exercício de minhas funções, destacam-se o fortalecimento da autonomia da CIDH e o trabalho de proteção e defesa dos direitos humanos. Por meio da elaboração do Plano Estratégico 2023-2027, elaboramos um diagnóstico e realizamos um processo amplamente participativo, aberto e transparente para atender às novas realidades regionais causadas pela pandemia de Covid-19 sob a perspectiva do caráter evolutivo dos direitos humanos. Em relação ao fortalecimento institucional, desde minha chegada, temos trabalhado na construção de uma cultura organizacional e de gestão baseada em metas, que permita fortalecer o desempenho das equipes técnicas que compõem a Secretaria Executiva da Comissão Interamericana.

Da mesma forma, os temas prioritários que temos abordado em cumprimento ao Plano Estratégico 2017-2021 são a institucionalidade democrática; independência judicial e do Ministério Público, e acesso à justiça; institucionalidade em direitos humanos; segurança e violência; desenvolvimento e direitos humanos; e igualdade de gênero e diversidade. Nesse sentido, vale a pena destacar que, entre as conquistas do Plano Estratégico anterior, destaca-se a superação do atraso processual na fase inicial de análise do sistema de petições e casos. Pela primeira vez em décadas, a Comissão conseguiu que todas as petições fossem analisadas após seu recebimento.

Estou convencida de que, nos próximos anos, continuaremos tendo grandes avanços no que diz respeito ao fortalecimento da Comissão e em nossa missão de observância e proteção dos direitos humanos na região.

Sur • Quais são os principais desafios que a CIDH enfrenta em uma realidade “pós-pandêmica”?

T.R.P. • Eu gostaria de pensar que estamos em uma realidade pós-pandemia, mas é comum ouvirmos falar de novas variantes do vírus e de suas consequências. Ainda assim, a CIDH segue firme em seu mandato de defesa e proteção dos direitos humanos em um contexto regional onde se agravaram as situações de pobreza, desigualdade e exclusão social; e em um contexto mundial de grave recessão econômica, guerra e falta de recursos, no qual persiste a discriminação que afeta milhões de pessoas. A violência, a crise migratória, as mudanças climáticas, o tráfico de armas, a militarização, são realmente várias questões que o mundo e a região enfrentam, e fica perceptível que segue sendo urgente que a centralidade da ação estatal retome como eixo fundamental às pessoas e seus direitos humanos.

O novo Plano Estratégico 2023-2027 da CIDH incorpora os efeitos da pandemia do Covid-19 tanto em seu diagnóstico do contexto regional quanto em sua linha de ação para os próximos cinco anos, buscando contribuir para que cada pessoa da região tenha melhores condições de vida. Isso considerando que o horizonte que guia a CIDH sempre são as pessoas.

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Sur • Um dos objetivos da edição 32 da Revista Sur é compreender o atual cenário geopolítico e seus impactos na promoção e defesa dos direitos humanos. Nesse sentido: como a senhora acha que as novas dinâmicas de poder global afetam o continente americano na matéria de direitos humanos?

T.R.P. • Durante 2021 e até o momento presente, a CIDH vem observando com preocupação certas tendências relacionadas ao enfraquecimento da institucionalidade democrática em âmbito regional. Conforme foi documentado no Relatório Anual 2021,44. “Informe anual 2021,” Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 26 de maio de 2022, acesso em 31 de dezembro de 2022, https://www.oas.org/es/cidh/docs/anual/2021/capitulos/IA2021-Intro-es.pdf. vivemos um enfraquecimento das instituições nacionais de direitos humanos no hemisfério, assim como o fechamento de espaços democráticos e casos de violência contra defensores e jornalistas, incluindo assassinatos, assédio, intimidação e criminalização.

Somam-se a isso os impactos da economia pós-pandemia, a inflação, o aumento do desemprego, uma guerra que, embora pareça distante, tem impacto nos países da nossa região. Esse contexto afeta necessariamente o acesso a direitos de milhões de pessoas, por esta razão, respostas urgentes em termos de políticas e medidas públicas não podem ser negligenciadas.

Além do mais, a violência de gênero contra as mulheres segue sendo alarmante. Segundo dados disponíveis até 2021, na América Latina e no Caribe se encontram 14 dos 25 países com as maiores taxas de feminicídios/femicídios do mundo. Da mesma forma, 34% das mulheres entre 15 e 19 anos sofreram violência física ou sexual em algum momento de suas vidas. No mundo, 31% das mulheres foram vítimas de violência, sendo que essa violência não decorre de eventos isolados, mas de condições estruturais, normas sociais e padrões culturais que a legitimam e a reproduzem.

Sur • Como a CIDH tem respondido a alguns movimentos e articulações que utilizam a gramática dos direitos humanos para violar direitos, principalmente de grupos minoritários na região?

T.R.P. • Os Estados têm um papel fundamental na garantia dos direitos humanos e no cumprimento das obrigações internacionais que adotaram. Essas obrigações incluem não reproduzir a discriminação e os estereótipos que tendem à exclusão. Em suma, os Estados devem fazer uma interpretação evolutiva dos direitos humanos e fortalecer seu caráter interdependente.

As medidas, leis e políticas públicas dos Estados devem ser baseadas em padrões internacionais de direitos humanos. É aqui que a CIDH tem desempenhado um papel importante em seus mandatos de promoção e defesa dos direitos humanos através de seus diferentes mecanismos, tais como os relatórios temáticos ou os casos enviados à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que abordam temas relacionados a direitos que poderiam estar em risco devido a uma narrativa de alguns grupos que podem permear a ação estatal, principalmente, a partir da discriminação, dos discursos de ódio, da desinformação e dos preconceitos. Desses mecanismos que menciono derivam recomendações da CIDH e sentenças da Corte Interamericana para que os Estados tenham a oportunidade de adotar medidas que transformem os cenários de violação de direitos em ações concretas de reparação, nos casos que for necessário, e de respeito e proteção para todas as pessoas sem nenhum tipo de discriminação e/ou violência.

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Sur • Como a CIDH tem tratado o tema da desinformação e seus impactos negativos sobre os direitos humanos?

T.R.P. • A desinformação tem impacto direto no exercício da liberdade de expressão no campo do direito à informação e também tem um impacto em outros direitos, como vimos recentemente durante a pandemia no que tange ao acesso à saúde e às vacinas. A desinformação impede a decisão livre e informada das pessoas, ainda mais nesta era digital onde sua reprodução ocorre em velocidade e abrangência ilimitadas.

Ademais, a desinformação baseada em preconceitos contribui para sustentar discriminações históricas e fomenta o discurso de ódio contra, por exemplo, mulheres, pessoas LGBTI+, povos indígenas, afrodescendentes ou migrantes, entre outros.

Na CIDH, temos abordado o tema de forma sistemática e abrangente em comunicados à imprensa, em guias de boas práticas, nas audiências públicas durante os períodos de sessões e em relatórios com recomendações concretas. Nesse sentido, no guia prático55. “Guía Práctica 03: ¿Cómo promover el acceso universal a internet durante la pandemia de COVID-19?,” Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 2021, acesso em 24 de janeiro de 2023, https://www.oas.org/es/cidh/sacroi_covid19/documentos/03_guias_practicas_internet_esp.pdf. de acesso universal à internet se estabelecem algumas pautas a serem seguidas, como a necessidade de que os Estados combatam a desinformação com informações verdadeiras, com base científica e que garantam o acesso à educação digital de qualidade, que permita o desenvolvimento de habilidades digitais e a compreensão do que circula nesse âmbito.

Sobre esse tema é importante lembrar uma das normas sobre o direito de acesso à informação, incluída no relatório sobre a internet: os Estados são obrigados a garantir que todas as pessoas possam buscar, receber e divulgar opiniões e informações em igualdade de condições.

Sur • De que forma a CIDH e especificamente a Secretaria Executiva estão comprometidas com a diversidade de vozes e com a promoção de uma maior participação da sociedade civil no Sistema Interamericano de Direitos Humanos?

T.R.P. • A Secretaria Executiva da CIDH está comprometida com a pluralidade de vozes e com a promoção de uma maior participação da sociedade civil no Sistema Interamericano por meio do diálogo e intercâmbio constantes com a sociedade civil das Américas e do Caribe. A Comissão conseguiu realizar reuniões periódicas com representantes da sociedade civil durante as sessões ao longo do ano, nas quais recebemos informações importantes sobre a situação regional dos direitos humanos. As audiências públicas das sessões são também espaços fundamentais para a participação da sociedade civil, onde temos trabalhado uma diversidade temática e uma ampla divulgação que contribua para aumentar a participação.

As recentes experiências da CIDH quando foi a campo em situações de crise são um exemplo muito concreto de nossa relação com a sociedade civil. Quando viajamos para a Colômbia em junho de 2021 em meio aos protestos sociais,66. “CIDH culmina visita de trabajo a Colombia y presenta sus observaciones y recomendaciones,” Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 7 de julho de 2021, acesso em 31 de dezembro de 2022, https://www.oas.org/es/CIDH/jsForm/?File=/es/cidh/prensa/comunicados/2021/167.asp#:~:text=Washington%2C%20D.C.%20%2D%20La%20Comisión%20Interamericana,para%20la%20superación%20de%20la. conversamos com a sociedade civil. Agora que o Peru enfrenta uma crise de conflito social, viajamos às regiões afetadas para poder ouvir as vítimas e defensores de direitos humanos.77. “La CIDH condena el incremento de violencia en el Perú y programa visitas técnicas y de trabajo,” Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 16 de dezembro de 2022, acesso em 31 de dezembro de 2022, https://www.oas.org/pt/CIDH/jsForm/?File=/es/cidh/prensa/comunicados/2022/280.asp. Suas vozes e sua experiência na linha de frente são indispensáveis para que a equipe técnica da Secretaria Executiva e as pessoas que compõem a equipe da CIDH possam compreender realidades complexas.

Recentemente, o Plano Estratégico 2023-2027 resultou de um processo consultivo transparente que consistiu em uma consulta online aberta, dez fóruns com Estados e a sociedade civil, 12 consultas sobre temas e populações prioritárias, cinco workshops internos com a equipa técnica da CIDH e uma consulta com os órgãos da OEA. Participaram 2.663 pessoas, 40 Estados e 585 organizações da sociedade civil. O compromisso da CIDH e de sua Secretaria Executiva com a diversidade de vozes e uma maior participação ganha vida com nossa prática de escuta e diálogo.

Tania Reneaum Panszi