Reflexão sobre o que motivou a campanha "Por trás das marcas" e por que ela foi tão bem sucedida
A campanha “Por trás das marcas” (Behind the Brands, na denominação original em inglês) da Oxfam foi lançada em 2013 e buscou influenciar as políticas de abastecimento das dez maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo. Ao longo dos três anos de “Por trás das marcas”, a campanha alcançou uma série de conquistas significativas, particularmente em relação ao direito à terra, empoderamento das mulheres e mudanças climáticas, tanto na mobilização de um número significativo de apoiadores quanto na consecução de uma série de importantes ganhos políticos. Este artigo destaca alguns dos princípios e ferramentas que a campanha usou para obter essas conquistas políticas.
A campanha “Por trás das marcas” (Behind the Brands, na denominação original em inglês) da Oxfam foi lançada em 2013 e buscou influenciar as políticas de abastecimento das dez maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo, as chamadas Big 10 (10 Grandes).11. As dez empresas são Associated British Foods (ABF), The Coca-Cola Company, Danone, General Mills, Kellogg, Mars, Mondelez, Nestle, PepsiCo, e Unilever. Os alvos da campanha eram empresas de alimentos e bebidas com marcas globais altamente reconhecidas, mas seus alvos indiretos eram comerciantes de produtos alimentares. Em 2012, a Oxfam publicou o estudo Segredos dos Cerais (Cereal Secrets, na denominação original em inglês), que analisava os quatro maiores comerciantes de commodities da época, Archer Daniel Midland, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus (conhecidos como ABCD, por suas iniciais) e seu domínio de certas commodities, juntamente com seu impacto sobre questões agrícolas globais, incluindo a vida dos pequenos agricultores. Uma parte desse relatório focava em quão invisíveis os comerciantes são nos debates políticos, na falta de transparência das empresas e na ausência de qualquer marca que lhes ofereça um perfil público. Por outro lado, as empresas de alimentos e bebidas – cujo sucesso das marcas é impulsionado pela sua conexão emocional com o público – devem prestar contas diretamente perante os consumidores preocupados com os impactos sociais e ambientais da agricultura.
Para aproveitar a conexão com a marca sentida pelos consumidores, a Oxfam lançou a campanha “Por trás das marcas” com o duplo objetivo de construir um movimento de apoiadores globais e alcançar melhorias específicas nas políticas de sustentabilidade das Big 10. A campanha adotou uma teoria de mudança que considerou que os atores menos visíveis da cadeia de abastecimento, como os comerciantes de commodities, poderiam ser pressionados pelas grandes marcas de consumidores vulneráveis à pressão pública.
Ao solicitar que essas grandes marcas adotassem políticas progressistas e as implementassem na origem de suas cadeias de abastecimento, a Oxfam assumiu que mudanças sistêmicas poderiam ocorrer nas cadeias de abastecimento. A abordagem da campanha reuniu vários componentes para gerar pressão nas empresas para que elas assumissem compromissos:
Enquanto a Oxfam analisou sete temas no cartão de pontos relacionados à procedência agrícola, a campanha pública destacou três questões ao longo dos três anos: mulheres, terra e mudanças climáticas. Em primeiro lugar, destacou a questão das mulheres nas cadeias produtivas de cacau das grandes empresas de chocolate. As mulheres produtoras de cacau são fundamentais para a sustentabilidade da cadeia de produção de cacau e comunidades de cultivo de cacau. O trabalho feminino, muitas vezes não reconhecido e subestimado, contribui significativamente para a quantidade de cacau produzida, que está sob crescente demanda. Empoderar as mulheres produtoras de cacau não tem somente um impacto positivo na vida de mulheres, homens e comunidades, mas também uma vantagem comercial: quando as mulheres têm controle sobre sua própria renda ou sobre a renda familiar, elas reinvestem em suas famílias, filhos e comunidades, aumentando o bem-estar e a sustentabilidade das comunidades que cultivam cacau.33. “Mars, Mondelez and Nestle and the Fight for Women’s Rights,” Oxfam Media Briefing, 26 de fevereiro de 2013, acesso em 7 jun. 2017, https://www.oxfam.ca/sites/default/files/imce/btb-gender-media-briefing.pdf.
Em relação à terra, a Oxfam destacou os riscos e impactos nas comunidades relacionados aos direitos à terra nas cadeias de produção de açúcar de algumas das empresas de alimentos e bebidas. A campanha apresentou três casos em que as comunidades que viviam da terra tinham sido violadas em seus direitos à terra a favor de usinas de açúcar que também eram fornecedores de algumas das Big 10. A governança da terra é fraca em muitos países e, muitas vezes, favorece os interesses corporativos perante os direitos dos agricultores e comunidades locais. Os governos têm um papel fundamental a desempenhar na proteção de direitos por meio da legislação e cumprimento das leis, mas a campanha buscou mostrar às empresas que compram commodities que elas também podiam garantir que os direitos à terra fossem respeitados por seus fornecedores.44. “Sugar Rush: Land Rights and the Supply Chains of the Biggest Food and Beverage Companies,” Oxfam, 2 de outubro de 2013, acesso em 7 jun. 2017, https://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/file_attachments/bn-sugar-rush-land-supply-chains-food-beverage-companies-021013-es_1_0.pdf.
Por último, a Oxfam produziu dados que mostraram que as emissões agrícolas das Big 10 eram equivalentes às emissões do 25º país mais poluidor. Ao destacar esses novos dados e associá-los às histórias de homens e mulheres agricultores que já lidam com as mudanças climáticas, desafiou-se as empresas a assumirem a responsabilidade pelas emissões agrícolas dentro de suas cadeias de produção e a serem defensoras de políticas progressistas em relação à mudança climática.55. “Standing on the Sidelines: Why Food and Beverage Companies Must Do More to Tackle Climate Change,” Oxfam, 19 de maio de 2014, acesso em 7 jun. 2017, https://www.oxfamamerica.org/explore/research-publications/standing-on-the-sidelines/.
Ao longo dos três anos66. Ver “The Journey to Sustainable Food; A Three-Year Update on the Behind the Brands Campaign,” Oxfam, 19 de abril de 2016, acesso em 7 jun. 2017, https://www.oxfam.org/en/research/journey-sustainable-food-three-year-update-behind-brands-campaign. de “Por trás das marcas”, a campanha alcançou uma série de conquistas significativas, em particular em relação aos direitos à terra, empoderamento das mulheres e mudanças climáticas, tanto na mobilização de um número significativo de apoiadores quanto na consecução de uma série de importantes vitórias políticas:77. “Celebrating three years of Behind the Brands,” vídeo do Youtube, 1:36, publicado pela oxfaminternational, 19 de abril de 2016, https://www.youtube.com/watch?v=Z1P2oGG569A.
A campanha usou uma combinação de táticas e abordagens para conquistar compromissos corporativos. Ela procurou trilhar uma linha moderada: contundente o suficiente para transmitir a urgência, de modo que os apoiadores terão que tomar ações, ao mesmo tempo não tão agressiva no que diz respeito a criar relações tensas com empresas que não poderiam ser remodeladas. A fórmula da Oxfam para a campanha foi multifacetada.
A Oxfam combinou um trabalho de advocacy baseado em evidências usando o engajamento profundo das empresas com mobilização digital, utilização da mídia, ações off-line e on-line, publicidade, ativismo de investidores e acionistas, estudos de caso e colaboração com aliados e pessoas influentes. O trabalho de advocacy da campanha baseado em evidências sempre incluiu uma justificativa de por que empresas específicas foram o objeto da campanha, juntamente com um exemplo de negócios que dava destaque às melhores práticas.
Além disso, a Oxfam adotou uma abordagem de “amigo crítico” em “Por trás das marcas”. Muitas campanhas corporativas personalizam uma empresa no diretor-executivo ou outro tomador de decisões. Elas podem solicitar boicotes ou descrever geralmente a empresa como intrinsecamente má. A Oxfam, por outro lado, não solicitou boicotes porque o impacto é normalmente sentido pelas comunidades que ela mesma estava defendendo (por exemplo, agricultores e trabalhadores). Em vez disso, a campanha adotou a abordagem de que o setor privado pode ser um ator positivo para o desenvolvimento. Ao alcançar vários compromissos assumidos com a campanha, a Oxfam também levou em consideração o fato de que trabalharia com as empresas na implementação desses compromissos não só como um supervisor para garantir que eles fossem implementados, mas como um conselheiro sobre a melhor maneira de implementá-los. As campanhas agressivas podem levar a uma ressaca real após a consecução de uma conquista. Afinal, depois de tudo, as relações entre a Oxfam e a empresa se dão entre indivíduos e quando há dificuldades entre esses indivíduos, torna-se desafiador trabalhar em conjunto, mesmo com resultados e interesses compartilhados.
Então, qual é o código para campanhas corporativas de “Por trás das marcas”?
Claro que também há desafios com essa abordagem de influência do setor privado:
“Por trás das marcas” gerou conquistas relativamente rápidas à Oxfam em relação a seus objetivos, construiu um movimento com várias centenas de milhares de adeptos e forneceu uma base para a construção de trabalhos programáticos que acompanharão a implementação dos compromissos assumidos pelas empresas durante a campanha. Ao mesmo tempo, a abordagem da Oxfam em “Por trás das marcas” foi tal que requisitou uma enorme quantidade de recursos, particularmente tempo da equipe de trabalho. Isso também significou modos complexos de trabalho, pois as equipes eram de natureza global e coordenavam o engajamento das companhias em múltiplos mercados que precisavam ser bem coordenados. No entanto, a abordagem utilizada poderia ser modificada para campanhas muito menores, podendo inclusive focar em menos empresas e mercados.