Dossiê SUR sobre drogas e direitos humanos

África Ocidental: uma nova fronteira para a política de drogas?

Adeolu Ogunrombi

O crescimento da África Ocidental como centro de tráfico, produção e consumo de drogas proporciona aos governos a oportunidade de fornecer respostas políticas mais fundamentadas.

Photo by Carlos Reis / CC BY-NC-SA 2.0

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RESUMO

A África Ocidental é reconhecida como uma região de tráfico no comércio global de drogas. No entanto, cada vez mais vem se tornando também uma região de consumo e produção. Aqui, o autor discute como os governos da região vêm regularmente empregando políticas repressivas em resposta à essa realidade, apesar das evidências mostrarem cada vez mais que essas políticas além de inúteis, também resultam em graves violações de direitos humanos.

Palavras-Chave

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Este artigo explora as razões pelas quais a África Ocidental tem sido tradicionalmente utilizada como rota de tráfico de drogas e como ela vem se tornando cada vez mais uma região de consumo e produção, mesmo com o uso constante das políticas repressivas adotadas pelos governos do Oeste Africano perpetuadas por meio do conceito de “guerra às drogas”. O artigo tenta explicar o recurso contínuo a essas políticas, examinando tanto o contexto internacional quanto o local. Finalmente, destaca-se o impacto desastroso que essas políticas têm sobre os direitos humanos na região, focando a situação na Nigéria e em Gana.

O volume do tráfico de drogas ilícitas que perpassa a África Ocidental tem continuado a crescer nas últimas décadas, principalmente proveniente dos países latino-americanos em direção aos prósperos mercados europeus e norte-americanos.11. United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), “Drug consumption and trafficking in West Africa: Local impact and international implications,” March 21, 2014, último acesso em jul. 2015, http://www.unodc.org/unodc/en/frontpage/2014/March/drug-consumption-and-trafficking-in-west-africa-local-impact-international-implications.html?ref=fs2. Esse mercado em crescimento é estimado em bilhões de dólares anualmente22. United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), Transnational Organized Crime in West Africa: A Threat Assessment (Vienna: UNODC, 2013), último acesso em jul. 2015, http://www.unodc.org/toc/en/reports/TOCTAWestAfrica.html. e não parece haver sinal algum de redução.

A escolha da África Ocidental por traficantes tem sido atribuída a uma série de fatores, tais como sua vulnerabilidade geográfica em termos de acesso facilitado e seus fracos sistemas de vigilância inter e intra-estaduais.33. Kwesi Aning and John Pokoo, “Drug Trafficking and Threats to National and Regional Security in West Africa,” West Africa Commission on Drugs (WACD) Background paper 2013, último acesso em jul. 2015, http://www.wacommissionondrugs.org/wp-content/uploads/2013/05/Drug-Trafficking-and-Threats-to-National-and-Regional-Security-in-West-Africa-2013-04-03.pdf. Outros fatores incluem as medidas internacionais de combate ao narcotráfico, que afastam os traficantes de suas rotas habituais saindo da América Latina em direção aos países europeus44. Mikael Wiggel and Mauricio Romereo, “Transatlantic Drug Trade, Europe, Latin America and the Need to Strenghten Anti-Narcotics Cooperation,” Finnish Institute of International Affairs (FIIA) Breifing Paper, June 2013. para rotas que ofereçam menos resistência por meio da África Ocidental55. Liana S. Wyler and Nicolas Cook, “Illegal Drug Trade in Africa: Trends and US Policy”, Congressional Research Services, 2009, último acesso em jul. 2015, https://www.fas.org/sgp/crs/row/R40838.pdf., aliadas à disponibilidade e disposição de colaboradores locais. Esse desafio crescente também gera a enorme responsabilidade de identificar meios para se resolver o problema. Muitos dos governos da região têm adotado a ideologia populista de “guerra às drogas”.

“A União Europeia e os EUA também desempenharam um papel importante ao influenciarem a direção das políticas de drogas na região”

A facilidade com que essa política é adotada pode ser explicada por vários fatores. Em primeiro lugar, há uma percepção prevalente na sociedade de que a droga é um mal social e os governos precisam fazer todo o possível para erradicá-la. Isso se reflete na declaração de missão de alguns dos órgãos de controle de drogas na região. Um exemplo típico é o da Agência de Aplicação das Leis de Drogas da Nigéria (NDLEA, sigla em inglês) em cuja missão consta a promessa de “empregar todos os recursos à disposição para a total erradicação do tráfico ilícito de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas; supressão da demanda de drogas ilícitas e outras substâncias abusivas…”66. “Mission Statement,” National Drug Law Enforcement Agency (NDLEA), último acesso em jul. 2015, http://www.ndlea.gov.ng/v1/?q=content/vision-mission. Durante um cerimonial de queima pública de aproximadamente 86 toneladas de cannabis apreendidas em 2014, o presidente da NDLEA fez a seguinte afirmação: “alegra o meu coração estarmos reunidos aqui hoje para destruir o que destrói vidas e destinos.”77. Emeka Ibereme, “NDLEA destroys N619M Illicit drug in AKure,” Newswatch Times, April 30, 2014, último acesso em jul. 2015, http://www.mydailynewswatchng.com/ndlea-destroys-n619m-illicit-drug-akure/?wpmp_tp=0&wpmp_switcher=desktop.

Além disso, a União Europeia (UE) e os EUA também desempenharam um papel importante ao influenciarem a direção das políticas de drogas na região com grande ênfase na interdição, prisão e no sistema de justiça criminal. Essa influência pode ser percebida por meio da análise do foco temático da ajuda financeira dada a muitos países africanos para as medidas contra narcóticos. Axel Klein (2014) em seu artigo intitulado “Quando as Agendas Colidem: A luta contra as Drogas e o Crime Organizado na África Ocidental” (título original: “When Agendas Collide: Combating Drugs and Organised Crimes in West Africa”) menciona explicitamente, por exemplo, que grande parte da colaboração entre a UE e a África Ocidental na luta contra o tráfico de cocaína é financiada como cooperação para o desenvolvimento, mas dirigida ao enfrentamento do crime organizado transnacional que opera na África Ocidental e que essa abordagem igualmente reflete a política de segurança externa da UE.88. Axel Klein, “When agendas collide: Combating drugs and organized crime in West Africa,” Global Drug Policy Observatory, Policy brief 4, June 2014, último acesso em jul. 2015, http://www.swansea.ac.uk/media/GDPO%20Agendas%20Collide%20FINAL.pdf. Depois de muitos anos implementando tal política, é evidente que a mesma não obteve os resultados desejados. Em vez disso, os danos colaterais dessa política, caracterizados por graves violações de direitos humanos, tais como o encarceramento em massa e a tortura de usuários de drogas que acontecem sem registro ou controle algum, são foco de grande preocupação. Portanto, não seria exagero afirmar que essas políticas de drogas com motivações externas possibilitaram as tendências mais corruptas e desumanas das autoridades policiais da região. Neil Carrier e Gernot Klantshnig (2012) em seu livro “A África e a Guerra às Drogas” (título original: “Africa and The War on Drugs”) afirmam sucintamente que a guerra contra as drogas na África tem sido contraproducente, tal como o é também em muitas outras regiões porque “marginaliza as discussões sobre direitos humanos na política de drogas, o fornecimento de unidades para tratamento de drogas e o foco em questões de drogas que sejam mais prementes para os africanos.”99. Neil Carrier and Gernot Klantshnig, Africa and the war on drugs (London: Zed, 2012). A América Latina compartilha importantes atributos econômicos e de desenvolvimento com a África Ocidental1010. Adres Solimano, “The Challenge of African Development: A view from Latin America,” Africa in The World Economy - The National, Regional and International Challenges, ed. Jan Joost Teunissen and Age Akkerman (The Netherlands: Fondad, the Hague, 2005), 46–50, último acesso em jul. 2015, e sofreu consequências devastadoras da guerra contra as drogas, como por exemplo os altos níveis de violência e o uso de herbicidas tóxicos para os seres humanos.1111. Helen Redmond, “Drug War Devastation in Latin America,” SocialistWorker.org, International Socialist Organisation, May 31, 2012, último acesso em jul. 2015, http://socialistworker.org/2012/05/31/drug-war-devastation. Este constitui um bom exemplo para a África Ocidental de como não abordar o desafio das drogas1212. David Bewley-Taylor, “Why is West Africa Repeating the Failures of the Latin American Drug War?” Open Society Foundation, Voices, January 28, 2014. último acesso em jul. 2015, http://www.opensocietyfoundations.org/voices/why-west-africa-repeating-failures-latin-american-drug-war.. A África Ocidental não pode se dar ao luxo de ser a “nova linha de frente da guerra fracassada contra as drogas.”1313. “Declaration of the West Africa Commission on Drugs,” The Kofi Annan Foundation, June 2014, último acesso em jul. 2015, http://www.kofiannanfoundation.org/newsletter-issue/launch-final-report-west-africa-commission-drugs.

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Confrontando as realidades: do trânsito ao consumo

Com as crescentes ameaças relacionadas ao tráfico e ao consumo de drogas na África Ocidental, Kofi Annan, Presidente da Fundação Kofi Annan, e ex-secretário-geral das Nações Unidas, reuniu a Comissão sobre Drogas na África Ocidental em janeiro de 2013. A comissão é presidida pelo ex-presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo e é composta por outros africanos ocidentais oriundos da sociedade civil, do judiciário, dos setores de saúde e segurança e da política. Os principais objetivos da Comissão são “mobilizar a consciência pública e o compromisso político em torno dos desafios colocados pelo tráfico de drogas; desenvolver recomendações de políticas baseadas em evidências; e promover capacitação e apropriação local e regional para lidar com esses desafios.”1414. West Africa Commission on Drugs (WACD), webpage: http://www.wacommissionondrugs.org/objectives/. Em junho de 2014, a Comissão lançou o seu relatório inaugural “Não apenas em trânsito: As Drogas, o Estado e a Sociedade na África Ocidental” (título original: “Not Just in Transit: Drugs, the State and Society in West Africa”), que expôs alguns fatos pertinentes ao comércio ilícito de drogas que muitas vezes não estão presentes nas narrativas habituais sobre o narcotráfico na região. O relatório destacou que a região não é mais apenas uma rota de trânsito, como comumente referida, mas também uma região de consumo.1515. West Africa Commission on Drugs (WACD), Not Just in Transit: Drugs, The State and Society in West Africa (WACD, June, 2014), último acesso em jul. 2015, http://www.wacommissionondrugs.org/report/. Também é cada vez mais claro que, além do cultivo de cannabis na região, drogas sintéticas como a metanfetamina estão sendo produzidas e não apenas para o tráfico, mas também para o consumo local. Isto torna-se evidente, por exemplo, com a descoberta de cerca de seis laboratórios clandestinos de metanfetamina na Nigéria em um espaço de dois anos, entre 2011 e 2013.1616. Isidore S. Obot, “Prevalence and pattern of Drug Use in Nigeria” (presentation made at the UNODC/LEA/CSO sensitization workshop, November 12–13, 2014). Em termos de consumo, o Relatório Mundial sobre Drogas (RMD) de 2012 publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime estima que exista cerca de 1,6 milhão de usuários de cocaína na África Ocidental e Central.1717. Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), World Drug Report 2012 (New York: United Nations, June 2012). O relatório de 2013 destacou que a estimativa de consumidores de opiáceos equipara-se à estimativa global e é maior do que a da Europa Ocidental e Oriental.1818. Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), World Drug Report 2013 (New York: United Nations, May 2013). No mesmo sentido, o RMD 2015 mostrou que o número de usuários de cannabis na África Ocidental e Central é três vezes maior que a da estimativa global.1919. Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), World Drug Report 2015 (New York: United Nations, May 2015).

Essas realidades, em vez de fornecer uma justificativa convincente para uma política de drogas centrada na saúde pública e nos direitos humanos, tornaram-se um grito de guerra para os formuladores de políticas, tanto na região como fora dela, defendendo um maior uso de policiamento e militarização como resposta para a guerra às drogas.2020. Joanne Csete and Constanza Sanchez, “Telling the Story of Drugs in West Africa: The newest frontline in a losing war,” Global Drug Policy Observatory, Policy brief 1, November 2013, último acesso em jul. 2015, http://www.swansea.ac.uk/media/GDPO%20West%20Africa%20digital.pdf%20FINAL.pdf Com um número crescente de consumidores de opiáceos, apenas um país (Senegal) entre dezesseis no Oeste Africano fez referência explícita quanto às estratégias de redução de danos em um documento de política nacional.2121. Katie Stone, ed. The Global State of Harm Reduction 2014 (London: Harm Reduction International, 2014), último acesso em jul. 2015, http://www.ihra.net/files/2015/02/16/GSHR2014.pdf. Consequentemente, usuários de drogas injetáveis são empurrados para clandestinidade onde correm o risco de transmissão do HIV e outras doenças de transmissão sanguínea que podem ser transmitidas por meio do compartilhamento de agulhas e seringas. Além disso, os dependentes de opiáceos, a quem deveriam ser oferecidas terapias capazes de salvar vidas, tais como o tratamento com metadona, tem seu acesso negado a esse serviço. Essa privação por si só constitui uma violação do direito fundamental à saúde que a maioria das constituições dos países da África Ocidental afirma respeitar. O alastramento dessa situação e o mal causado aos usuários de drogas são bem retratados nas palavras de um usuário de heroína de 55 anos em Lagos, Nigéria:

Eu sou viciado em heroína há muitos anos e na minha luta para ser livre eu estive em muitos centros de reabilitação cujo trabalho não funcionou para mim. Por conta disso, perdi minha família, não conseguia manter um emprego estável. Como eu gostaria que tratamentos como a metadona estivessem disponíveis. Sei que estaria dando um depoimento diferente hoje.2222. West Africa Commission on Drugs (WACD), Nigeria country visit report, 2014.

Foto por Carlos Reis / CC BY-NC-SA 2.0

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Violações não documentadas e políticas de drogas cada vez mais repressivas

Globalmente, há cada vez mais evidências que demonstram o fracasso da guerra contra as drogas e sua incapacidade de proteger os direitos humanos.2323. The War on Drugs: Undermining Human Rights,” Count the Cost, 50 years of the War on Drugs, 2013. Em vez disso, ela tem promovido violência e abusos de direitos humanos. As principais vítimas dessa abordagem fracassada são os usuários de drogas. Eles são presos de maneira indiscriminada, torturados, privados do acesso à justiça, à saúde e aos serviços sociais, dentre tantos outros problemas. Na África, há escassas evidências documentadas de violações de direitos humanos relacionadas às drogas que tenham sido causadas por políticas motivadas pela guerra contra as drogas. Na verdade, podemos constatar esse fato por meio dos relatórios disponíveis que demonstraram que muitas violações de direitos humanos na África não são notificadas e raramente são documentadas.2424. ““3 Recent Human Rights Issues in Africa,” Amnesty International, St. Louis Blog, March 13, 2013, último acesso em jul. 2015, https://amnestystlouis.wordpress.com/2013/03/. No entanto, essa lacuna em termos de evidências documentadas não indica de forma alguma que haja poucas violações de direitos humanos contra usuários de drogas na região.

É importante notar que o conceito de direitos humanos na África Ocidental e na África como um todo ainda precisa ser desenvolvido plenamente em termos de consciência social e sistemas disponíveis para aplicação de direitos. Os direitos humanos são muitas vezes considerados uma ideologia ocidental, especialmente quando são aplicados a questões que, considera-se, divergem de certas normas e valores culturais. Assim, a prática e implementação de direitos humanos no contexto africano são largamente influenciadas por valores humanos africanos que segundo Rukooko são considerados “incompatíveis com a concepção ocidental de direitos humanos por conta da base individualista ocidental”.2525. A.B. Rukooko, “Human Values as the Unifying Reference for Human Rights and The African Perspective,” in Ethics, Human Rights and Development In Africa, ed. A.T. Dalfovo et al. (Washington: The Council for Research in Values and Philosophy, 2002), Chapter VII, último acesso em jul. 2015, http://www.crvp.org/book/series02/ii-8/chapter_vii.htm. Ou seja, os direitos humanos são vistos a partir de uma perspectiva comunitária e não como algo que um indivíduo deva reivindicar. Consequentemente, é a comunidade quem molda o que é aceitável e o que não é. Para uma questão como o uso de drogas que ainda está dentro do “debate moral”2626. Maria McFarland Sánchez-Moreno, “Dispatches: Is Legalizing Drugs 'Immoral'? (And Should that Matter?),” Human Rights Watch, January 3, 2014 último acesso em jul. 2015, http://www.hrw.org/news/2014/01/03/dispatches-legalizing-drugs-immoral-and-should-matter., a promoção dos direitos humanos dos usuários de drogas na África é de fato uma enorme tarefa. Isso explica por que a ideologia da guerra contra as drogas é considerada aceitável e facilmente implementável em muitas partes da região. Por exemplo, o projeto de lei da Comissão de Controle de Narcóticos de Gana (2014) está atualmente sendo revisto pelo parlamento. A seção 26 (2) do projeto de lei estipula que uma pessoa que, sem razão legal, compra um entorpecente para uso pessoal comete um crime e é passível de condenação sumária a uma pena de prisão não inferior a cinco anos e não superior a dez anos.2727. Ghana, Narcotics Control Commission Bill, 2014, 21–22, último acesso em jul. 2015, https://www.dropbox.com/s/udvrwpdbmxomofw/NCC%20BILL%202014%20(1).PDF?dl=0. A lei existente prevê pena de prisão não inferior a cinco anos.2828. Ghana, Narcotic Drugs (Control, Enforcement and Sanctions) Law - 1990 (PNDCL 236), último acesso em jul. 2015, http://laws.ghanalegal.com/acts/id/538/section/5/Use_Of_Narcotic_Drugs_Prohibited. É decepcionante que uma abordagem tão radical seja tomada apesar das crescentes evidências do fracasso das políticas de drogas punitivas. Outro exemplo é a Gâmbia, onde o mínimo inicial de 10 anos de pena de prisão por tráfico de drogas foi alterado em 2010 para pena de morte para qualquer pessoa encontrada na posse de mais de 250 gramas de cocaína ou heroína no país, ainda que essa pena tenha sido posteriormente alterada para prisão perpétua em 2011.2929. “Gambia,” Death Penalty World Wide, Cornell University Law School, September 10, 2012. último acesso em jul. 2015, http://www.deathpenaltyworldwide.org/country-search-post.cfm?country=Gambia#f43-3. Essa realidade confirma a maneira pela qual muitos governos africanos seguem enfrentando seus problemas com as drogas.

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Lições da Nigéria e Gana: uma série de violações em matéria de política de drogas

Esta seção apresentará exemplos de violação dos direitos humanos de usuários de drogas, com foco em dois importantes países da região, Nigéria e Gana. A escolha destes dois países deu-se porque ambos, especialmente a Nigéria, exercem considerável influência hegemônica na direção política na região.3030. Victor Adetula, “Nigeria’s Rebased Economy and its role in regional and Global Politics,” E-International Relations, October 13, 2014, último acesso em jul. 2015, http://www.e-ir.info/2014/10/13/nigerias-rebased-economy-and-its-role-in-regional-and-global-politics/.

Em primeiro lugar, o uso de força excessiva e de armas pela polícia e forças militares para prender usuários de drogas é endêmica. Essa ação é muitas vezes tomada com a finalidade de garantir uma sociedade livre de drogas. Por exemplo, em 17 de outubro de 2013, The Modern Gana – uma publicação de mídia online – relatou como um policial matou a tiros um jovem que foi acusado de fumar maconha com seu amigo em seu bairro.3131. Daily Guide, “Cop Kills Bike Repairer,” Modern Ghana, 17 October, 2013, último acesso em jul. 2015, http://www.modernghana.com/news/497103/1/cop-kills-bike-repairer.html. Mais cedo no mesmo ano, em maio de 2013, um outro jornal de grande circulação em Gana relatou como três policiais mataram outro rapaz em uma tentativa de prendê-lo por fumar maconha.3232. Adeolu Ogunrombi, “A community Visit by the West African Commission on Drugs,” Kofi Annan Foundation, May 2013, último acesso em jul. 2015, http://kofiannanfoundation.org/newsroom/news/2013/05/community-visit-west-african-commission-drugs. Situações como estas não são peculiares a Gana. Em 13 de outubro de 2014, os militares invadiram uma comunidade conhecida como Dagba em Abuja, Nigéria, em uma operação destinada a expulsar traficantes de drogas da comunidade. Isto levou à morte de duas pessoas e feriu muitas outras.3333. Chidinma Eze, “Soldiers raid criminal joint in Abuja, two killed and many injured,” Daily Post, October 13, 2014 último acesso em jul. 2015, http://dailypost.ng/2014/10/13/soldiers-raid-criminal-joint-abuja-two-killed-many-injured/. Mais amplamente, o relatório YouthRISE Nigéria de 2015 “Somos pessoas: As consequências não intencionais da Política de Drogas da Nigéria sobre os Direitos Humanos dos Jovens que usam drogas” (título original: “We Are People: The Unintended Consequences of the Nigeria Drug Policy on the Human Rights of Young People Who Use Drugs”)3434. Ver: http://www.youthrise.org/library/we-are-people. narra as experiências de jovens que usam drogas e por isso entram em contato com os agentes de aplicação da lei de drogas.

“Usuários de drogas são vistos como não sendo merecedores de qualquer empatia, compaixão, apoio ou dignidade”

Em segundo lugar, os agentes policiais e de repressão às drogas costumam usar a força da lei contra as drogas para intimidar pessoas. O relatório de direitos humanos de Gana em 2010 feito pelo Departamento de Estado dos EUA relatou o caso de dois policiais e três soldados que foram presos por extorquir dinheiro de dois homens que eles falsamente acusaram de terem cometido crimes relacionados às drogas.3535. US Department of States, Bureau of Democracy, Human Rights and Labour, “2010 Human Rights Report: Ghana,” April 8, 2011, último acesso em jul. 2015, http://www.state.gov/j/drl/rls/hrrpt/2010/af/154349.htm. Na Nigéria, há relatos que sugerem que policiais muitas vezes saem para prender usuários de drogas do sexo feminino, a fim de terem relações sexuais com elas ou obrigá-las a realizar favores sexuais para negociar sua libertação. Em um caso registrado, uma jovem mulher relatou como um policial continuamente a molestava sexualmente e também a algumas de suas amigas após terem sido pegas usando narcóticos. Em sua narrativa, o policial muitas vezes ameaçou prendê-la caso ela se recusasse a satisfazer seus desejos sexuais:

O homem [policial] muitas vezes vem atrás de mim e de minhas amigas. Ele sabe onde moro e onde costumamos nos reunir. Ele me ameaça de prisão, recolhe dinheiro de mim e ainda dorme comigo …3636. Adeolu Ogunrombi, preliminary report of in-depth interview with female drug users in Nigeria, 2014 (on file with the author). 

Em terceiro lugar, outros casos de abuso de direitos humanos incluem as condições desumanas as quais os usuários de drogas são submetidos nos centros de tratamento e reabilitação. Alguns centros de reabilitação na região operam com base na premissa de que quanto mais grave for a punição, mais rápido a pessoa se recuperará.3737. We Are People: The Unintended Consequences of the Nigeria Drug Law and Policy on the Health and Human Rights of Young People Who Use Drugs (London: Youth RISE, CISHRWIN, OSIWA, January 2015), 20–22, último acesso em jul. 2015, http://www.youthrise.org/library/we-are-people. Eles são, portanto, equivalentes a “casas de torturas” e raramente são monitorados quanto a violações de direitos humanos. Atualmente, existem relatos esparsos sobre a experiência de usuários de drogas dentro de instalações fechadas na região, mas os poucos relatos disponíveis sugerem a necessidade de uma investigação mais profunda em relação às experiências dos usuários de drogas em tratamento e as instalações de reabilitação e custódia policial e detenção. Abusos de direitos humanos contra os usuários de drogas têm sido, de certa forma, normalizados na sociedade e usuários de drogas são vistos como não sendo merecedores de qualquer empatia, compaixão, apoio ou dignidade.3838. Karyn Kaplan, Human Rights Documentation and Advocacy: A guide for Organizations of People Who Use Drugs (New York: Open Society Institute, 2009), último acesso em jul. 2015, http://www.opensocietyfoundations.org/sites/default/files/hrdoc_20090218.pdf. Para evitar o estigma e a discriminação, as pessoas cujos direitos são violados raramente fazem qualquer tentativa de informar ou procurar a justiça. Em muitos casos, os próprios usuários de drogas ignoram seus direitos como indivíduos.

Os desafios apresentados acima não são consequência da falta de instrumentos de direitos humanos seja em nível nacional ou regional. A Nigéria, por exemplo, tem uma constituição que inclui disposições específicas que protegem os direitos humanos e as liberdades fundamentais.3939. Nigeria, Constitution of the Federal Republic of Nigeria, 1999, Section 33-44. Em particular, a Carta de Direitos contida no Capítulo IV da Constituição (artigos 33-46) prevê o direito à vida; a proibição da tortura e de outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes; e, o direito a um recurso efetivo e à reparação nos casos em que esses direitos forem violados. O país também é signatário de vários instrumentos de direitos humanos, que incluem a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.4040. Henrietta Jumai Danuk, Desk Review on Legislations on Human Rights Provision in Nigeria, 2014. Em 1995, a Nigéria criou a Comissão Nacional de Direitos Humanos para a promoção e proteção dos Direitos Humanos.4141. National Human Rights Commission, site: http://www.nigeriarights.gov.ng/. Instituição similar, a Comissão de Direitos Humanos e Justiça Administrativa, também existe em Gana e foi criada em 1993.4242. Commission on Human Rights and Administrative Justice, Ghana, site: http://www.chrajghana.com/?page_id=23. Essas instituições fornecem uma plataforma para promover o envolvimento com o governo para tornar possível a execução de ações holísticas e inclusivas que promovam e protejam os direitos humanos dos usuários de drogas.

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Conclusão

A guerra às drogas na África Ocidental e na África como um todo tem inquestionavelmente enfraquecido os direitos humanos com um alto número de violações não registradas e investigadas. Este é um desafio de grandes proporções, mas que pode ser superado. A África no século 21 deve promover o conceito de direitos humanos e considerá-lo central no desenvolvimento de respostas políticas adequadas ao desafio de drogas que a região enfrenta. Dentre as medidas essenciais a serem tomadas nesse sentido estão o esclarecimento do público em geral e a educação à respeito do que são os direitos humanos e por que precisam ser protegidos, independentemente de quem esteja envolvido. Em especial, os usuários de drogas precisam estar bem informados sobre seus direitos e sobre como protegê-los. Contudo, será necessário também que os países da região estabeleçam e fortaleçam instituições de direitos humanos independentes e que sejam capacitadas para exercerem suas funções. A ideologia que move a guerra às drogas tem sido contraproducente e a África Ocidental tem muito a aprender com países latino-americanos, como o México, sobre como as políticas repressivas não apenas foram incapazes de reduzir a escala do mercado de drogas, mas também trouxeram insegurança para as comunidades e provocaram uma crise de saúde pública. A África Ocidental precisa seguir em outra direção.

Adeolu Ogunrombi - Nigéria

Adeolu Ogunrombi é membro da Comissão sobre Drogas na África Ocidental (West Africa Commission on Drugs – WACD, em inglês). Ele também é coordenador de projetos da YouthRISE da Nigéria e países da África Ocidental, uma iniciativa focada na defesa, capacitação e pesquisa sobre a reforma da política de drogas com especial foco nos jovens.

Recebido em junho de 2015.

Original em inglês. Traduzido por Adriana Gomes Guimarães.