O caso Ayotzinapa e a experiência do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI) no México
O desaparecimento de 43 estudantes em Aytnozinapa em 2014 se tornou um caso paradigmático de violação de direitos humanos. A indiferença do Estado mexicano diante da situação levou as famílias dos desaparecidos a exigir assistência técnica internacional, junto a organizações de defesa dos direitos humanos no país. O texto mostra o surgimento do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI), suas estratégias, obstáculos, bem como os resultados de seu trabalho investigativo. Além de evidenciar a omissão do Estado no esclarecimento dos fatos, o GIEI mostrou o conluio entre atores estatais e não estatais em esquemas de criminalidade organizada relacionados com o caso. Por fim, essa experiência de supervisão internacional é considerada nova e relevante para outros esforços contra a impunidade no México e na América Latina, entre outras coisas, pela atenção que foi dada às vítimas e suas famílias.
Na noite de 26 de setembro de 2014, em Iguala, Guerrero, aconteceu um dos mais emblemáticos episódios de violação dos direitos humanos da história recente do México. As graves violações ocorreram quando um grupo de estudantes da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos de Ayotzinapa,11. As escolas normais rurais foram criadas imediatamente depois da Revolução Mexicana para formar professores e professoras que levariam as primeiras letras às comunidades camponesas e indígenas mais excluídas. de entre 17 e 25 anos, chegou à cidade de Iguala, Guerrero,22. O estado de Guerrero localiza-se no sul do México e a cidade de Iguala no norte deste estado. Durante a última década, Guerrero ocupou os últimos lugares nacionais nos índices de desenvolvimento humano e os primeiros no que se refere à violência e criminalidade. Seu histórico em direitos humanos é o pior do país. com a finalidade de “tomar” alguns ônibus para participar da comemoração do dia 2 de outubro, que a cada ano mantém viva no México a memória da repressão contra estudantes acontecida em 1968. Embora a retenção e o uso temporal dos ônibus pelos estudantes para suas atividades fossem habituais em Guerrero, em 26 de setembro a reação das autoridades não foi a habitual: policiais municipais de Iguala abriram fogo contra os estudantes para impedir que saíssem da cidade com os ônibus. Auxiliados por outras corporações e por civis, os policiais conseguiram impedir a passagem de cinco ônibus. Nesse episódio, foram detidos 43 estudantes, que posteriormente desapareceram.
O saldo da cruenta noite de Iguala foi brutal: 43 jovens estudantes desaparecidos;33. Seus nomes: 1) Felipe Arnulfo Rosa, 2) Benjamín Ascencio Bautista, 3) Israel Caballero Sánchez, 4) Abel García Hernández, 5) Emiliano Alen Gaspar de la Cruz, 6) Doriam Gonzáles Parral, 7) Jorge Luis Gonzáles Parral, 8) Magdaleno Rubén Lauro Villegas, 9) José Luis Luna Torres, 10) Mauricio Ortega Valerio, 11) Jesús Jovany Rodríguez Tlatempa, 12) Abelardo Vázquez Peniten, 13) Adan Abraján de la Cruz, 14) Christian Tomás Colón Garnica, 15) Luis Ángel Fransico Arzola, 16) Carlos Lorenzo Hernández Muñoz, 17) Israel Jacinto Lugardo, 18) Julio César López Patolzin, 19) José Ángel Navarrete González, 20) Marcial Pablo Baranda, 21) Miguel Ángel Mendoza Zacarías, 22) Alexander Mora Venancio, 23) Julio César Ramírez Nava, 24) Luis Ángel Abarca Carrillo, 25) Jorge Álvarez Nava, 26) José Ángel Campos Cantor, 27) Jorge Aníbal Cruz Mendoza, 28) Giovanni Galindes Guerrero, 29) Jhosivani Guerrero de la Cruz, 30) Cutberto Ortiz Ramos, 31) Everardo Rodríguez Bello, 32) Christian Alfonso Rodríguez Telumbre, 33) Martín Getsemaniy Sánchez García, 34) Jonás Trujillo González, 35) José Eduardo Bartolo Tlatempa, 36) Leonel Castro Abarca, 37) Miguel Ángel Hernández Martínez, 38) Carlos Iván Ramírez Villarreal, 39) Jorge Antonio Tizapa Legideño, 40) Antonio Santana Maestro, 41) Marco Antonio Gómez Molina, 42) César Manuel Gonzáles Hernández y 43) Saúl Bruno García. seis pessoas executadas, entre elas três alunos da escola normal, inclusive o caso de um jovem cujo corpo apareceu no dia seguinte em um lugar desabitado com sinais claros de tortura;44. Seus nomes: os estudantes Daniel Solís Gallardo, Julio César Ramírez Nava e Julio César Mondragón Fontes, cujo corpo apareceu com sinais terríveis de tortura. Assim como a senhora Blanca Montiel Sánchez, o jovem jogador de futebol da Equipe Avispones de Chilpancingo David Josué García Evangelista, e o motorista do ônibus dessa equipe Víctor Manuel Lugo Ortiz. ao menos quarenta pessoas ficaram feridas.55. Entre os feridos está Aldo Gutiérrez Solano, que até hoje permanece em estado de consciência mínimo, e Edgar Andrés Vargas, que sofreu a perda do maxilar por ferida de bala y que até hoje não concluiu seu processo de cirurgias. Nessa noite, mais de 180 pessoas foram vítimas diretas de violações dos direitos humanos e cerca de setecentas pessoas foram vítimas indiretas.
O caso Ayotzinapa tornou-se um acontecimento paradigmático da indiferença frente aos desaparecimentos, mas também um caso emblemático do conluio entre atores estatais e não estatais em esquemas de criminalidade organizada, também denominada macrocriminalidade. A magnitude do número de vítimas, a proximidade entre Iguala e a capital do país, a imediata documentação do ocorrido por organizações de direitos humanos, a arraigada tradição de luta social no estado de Guerrero, bem como a força organizacional e moral dos pais e das mães dos desaparecidos são alguns dos fatores que explicam por que os eventos de 26 e 27 de setembro tiveram um impacto imenso na consciência pública nacional e internacional.
Neste artigo, tentaremos mostrar a relevância de uma das iniciativas tomadas pelas famílias para obter justiça: o Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI). Para isso, abordaremos primeiro o seu surgimento e, em seguida, descreveremos o trabalho realizado pelo Grupo no México, na medida em que estimamos que essa experiência pode ser relevante para outros esforços contra a impunidade no México e na América Latina. Por último, apresentaremos algumas conclusões e reflexões sobre a experiência que esse processo deixou.
O GIEI foi designado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para realizar um trabalho de assistência técnica internacional em busca, investigação, atenção às vítimas e análise estrutural do caso, por proposta das famílias e seus representantes. Ao Centro Prodh,66. Centro de Direitos Humanos Miguel Agustín Pro Juárez (Centro Prodh). em particular, coube a coordenação da estratégia jurídica e internacional.
O processo que desembocou na criação do GIEI não foi simples. A partir da noite de 26 de setembro de 2014, as autoridades dos três níveis de governo se mostraram omissas em suas responsabilidades ante os fatos. A administração encabeçada por Enrique Peña Nieto omitiu-se nas primeiras horas e nos dias imediatamente posteriores, que são fundamentais em qualquer evento de desaparecimento forçado.
Diante da incapacidade das autoridades locais e da indiferença das autoridades federais, bem como da urgência e gravidade dos fatos, em 30 de setembro de 2014, as organizações de direitos humanos que acompanham as famílias solicitaram medidas cautelares perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Em 13 de outubro de 2014, instalou-se formalmente a mesa de cumprimento dessas medidas cautelares.77. Mais informações sobre o evento: “NOTA INFORMATIVA: Mesa de Implementación de Medidas Cautelares Solicitadas por la CIDH,” TLACHINOLLAN, 13 de outubro 2014, acesso em 6 jun. 2017, http://www.tlachinollan.org/nota-informativa-mesa-de-implementacion-de-medidas-cauteleras-solicitadas-por-la-cidh/#prettyPhoto. Nessa reunião, os estudantes, as famílias e seus representantes decidiram solicitar, em presença da CIDH, que o Estado mexicano pedisse assistência técnica internacional a respeito da investigação do paradeiro dos alunos da escola normal desaparecidos.
Em 29 de outubro, as mães e os pais mantiveram um diálogo direto e tenso com o presidente da República, ao final do qual foram assinados diversos acordos. Entre esses acordos estava o compromisso do primeiro mandatário de aceitar e apoiar a assistência técnica da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.88. A minuta assinada pelas famílias e pelo presidente da República pode ser consultada em: “Reunión,” Animal Político, s.d., acesso em 6 jun. 2017, https://es.scribd.com/document/244955468/Documento-Reunion-doc. O presidente também se comprometeu a instruir que se permitisse a intervenção, com todas as facilidades, da Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), instituição com amplo reconhecimento na América Latina.
O Acordo de Assistência Técnica foi resultado de uma árdua negociação entre o Estado e os representantes das vítimas, facilitado pela própria CIDH. O Acordo estabeleceu que o mandato do Grupo seria de seis meses, podendo “estender-se pelo tempo necessário para o cumprimento de seu objetivo” (Cláusula 10).
Na composição final do Grupo entraram pessoas de ampla trajetória e reconhecido prestígio no continente. A CIDH designou para essa tarefa Claudia Paz y Paz, advogada guatemalteca que foi a primeira procuradora geral dessa república centro-americana; Ángela Buitrago, jurista colombiana, que atua como procuradora para casos de alto impacto na Colômbia; Carlos Martín Beristain, médico e psicólogo do País Basco, com longa trajetória em atenção a vítimas e em comissões da verdade; Francisco Cox, jurista chileno, com especialidade em direito penal; e Alejandro Valencia Villa, advogado colombiano, especialista em direito humanitário e direito internacional dos direitos humanos.99. A integração do GIEI foi anunciada pela CIDH no comunicado de imprensa que pode ser consultado em: “Grupo Interdisciplinario de Expertos Inicia en Sede CIDH su Trabajo sobre el Caso de los Estudiantes de Ayotzinapa, México,” OAS, 30 de janeiro de 2015, acesso em 6 jun. 2017, http://www.oas.org/es/cidh/prensa/comunicados/2015/008.asp. O Grupo iniciou formalmente seus trabalhos em 2 de março de 2015.
A partir de novembro de 2014, a Procuradoria Geral da República (PGR) havia difundido amplamente uma versão, chancelada pelo procurador Jesús Murillo Karam como a “verdade histórica” dos fatos.1010. A entrevista coletiva em que foi cunhada essa expressão pode ser consultada em: “Conferencia de Prensa del Procurador General de la República, Jesús Murillo Karam,” PGR, 7 de novembro de 2014, acesso em 6 jun. 2017, http://www.pgr.gob.mx/prensa/2007/bol14/Nov/b21214.shtm. De acordo com essa narrativa, os 43 estudantes desaparecidos teriam ido a Iguala por uma motivação política. Conforme essa versão, os jovens teriam sido detidos por policiais municipais que, por sua vez, os teriam entregado a integrantes de uma organização criminosa. Estes, ao confundi-los com membros de um grupo rival, tiraram suas vidas para depois incinerar seus corpos numa pira humana em um lixão da localidade de Cocula, Guerrero, e finalmente ocultar todos os indícios restantes jogando-os num afluente próximo, denominado rio San Juan.
Essa narrativa, segundo a qual todos os estudantes, em um único grupo, teriam sido executados e depois incinerados, causou um impacto indelével nas famílias.1111. Em suas primeiras declarações após a difusão dessa versão, as famílias declararam no Centro Prodh: “La VERDAD HISTÓRICA es la de los padres de LOS 43,” vídeo de Youtube, 56:07, publicado por Mr. Politikon Zoon, 28 de janeiro de 2015, https://www.youtube.com/watch?v=0R7JlXPmMVM. Também provocou um impacto social que se expressou em indignação e protestos.1212. As manifestações sobre este anúncio estão entre as mais maciças da história recente do México. Assim pode-se ver em:Astrid Rivera, Pedro Villa y Caña e Ana Anabitarte, “Claman Justicia en 33 Países.” El Universal, 21 de novembro de 2014, acesso em 6 jun. 2017, http://archivo.eluniversal.com.mx/nacion-mexico/2014/impreso/claman-justicia-en-33-paises-220552.html. Stella Calloni, Enrique Gutiérrez e Armando G. Tejeda, "Multitudinarias Movilizaciones de Solidaridad en Ciudades del Mundo.” La Jornada, 21 de novembro de 2014, acesso em 6 jun. 2017, http://www.jornada.unam.mx/2014/11/21/politica/010n1pol. "#20NovMx Justicia para Ayotzinapa,” El País, 21 de novembro de 2014, acesso em 6 jun. 2017, http://internacional.elpais.com/internacional/2014/11/21/actualidad/1416529393_422883.html.
Durante seu primeiro período, o GIEI construiu sua legitimidade como instância de supervisão internacional, mantendo uma interlocução constante tanto com o Estado como com as vítimas e seus representantes. Nesse primeiro momento as/os especialistas contaram com algumas condições básicas para realizar seu trabalho como, por exemplo, acesso aos centros de detenção para realizar entrevistas com alguns dos acusados em prisão preventiva. O GIEI decidiu comunicar à opinião pública os avanços e obstáculos em sua tarefa e, nos primeiros meses, divulgou seis boletins para a imprensa.1313. Os comunicados de imprensa do GIEI podem ser consultados em: Grupo Interdisciplinario de Expertos Independientes, Ayotzinapa, 2017, acesso em 6 jun. 2017, http://prensagieiayotzi.wix.com/giei-ayotzinapa#!prensa/c1rv5/page/2.
Em 6 de setembro de 2015, o GIEI apresentou seu primeiro relatório,1414. O Primeiro Informe do GIEI pode ser consultado em: “Informe Ayotzinapa,” Grupo Interdisciplinario de Expertos Independientes (GIEI), 2016, acesso em 6 jun. 2017, https://drive.google.com/file/d/0B1ChdondilaHNzFHaEs3azQ4Tm8/view?pref=2&pli=1. no qual conseguiu reconstruir integralmente os eventos do dia 26 de setembro de 2014, encontrando uma pluralidade de cenários criminosos e de momentos em que se perpetraram as agressões que não se reconhecia na versão oficial. Do mesmo modo, o relatório apresentou a identidade dos normalistas, esclareceu os motivos de sua presença na cidade de Iguala, e desmentiu as versões que criminalizavam as vítimas.
O GIEI também dedicou especial atenção à ausência de uma investigação efetiva durante as 72 horas posteriores aos eventos, bem como à falta de um exercício sistemático de uso de inteligência baseado em pesquisa científica para orientar esses esforços. Mas, em particular, o aporte mais significativo em termos da verdade do sucedido foi contestar a teoria oficial, mediante uma perícia independente que concluiu que a execução e posterior incineração dos 43 estudantes numa pira humana era cientificamente impossível de ser sustentada.
A apresentação do primeiro relatório do GIEI teve um impacto público inestimável tanto no México como no exterior.1515. Alguns dos impactos na mídia podem ser consultados em: Paulina Villegas, “Experts Reject Official Account of How 43 Mexican Students Were Killed.” The New York Times, 7 de setembro de 2015, acesso em 6 jun. 2017, http://www.nytimes.com/2015/09/07/world/experts-reject-official-account-of-how-43-mexican-students-vanished.html; Juan Paullier, “México: Así Reaccionó el Gobierno al Informe sobre los Estudiantes de Ayotzinapa.” BBC Mundo, 6 de setembro 2015, acesso em 6 jun. 2017, http://www.bbc.com/mundo/noticias/2015/09/150906_mexico_estudiantes_informe_ayotzinapa_giei_reaccion_gobierno_jp. Múltiplas vozes internacionais da esfera dos direitos humanos também se pronunciaram em apoio ao GIEI.1616. Alguns dos principais pronunciamentos foram: “En la Víspera del Segundo Aniversario del Caso Ayotzinapa, el Gobierno Mexicano Continúa Aferrándose a la ya Desacreditada ‘Verdad Histórica’,” WOLA, 22 de setembro de 2015, acesso em 6 jun. 2017, https://www.wola.org/es/2016/09/en-la-vispera-del-segundo-aniversario-de-ayotzinapa-el-gobierno-mexicano-continua-aferrandose-la-ya-desacreditada-verdad-historica/; “Organizaciones de Derechos Humanos expresan apoyo para avanzar en la investigación de los 43 Desaparecidos en México,” Amnistía Internacional et al., 8 de dezembro de 2015, acesso em 6 jun. 2017, http://amnistia.org.mx/nuevo/2015/12/08/organizaciones-de-derechos-humanos-expresan-apoyo-para-avanzar-en-la-investigacion-de-los-43-desaparecidos-en-mexico/. Mas esse relatório causou principalmente um impacto considerável nas famílias dos jovens desaparecidos.1717. O vídeo completo da entrevista coletiva, relevante como testemunho do que as mentiras da versão oficial causaram nas famílias, pode ser consultado em: “Familias Ayotzinapa se pronunciarán sobre las revelaciones del GIEI de la CIDH,” vídeo do Youtube, 1:36:40, publicado por Miguel Agustín Pro Juárez, 6 de setembro de 2015, https://www.youtube.com/watch?v=UlmW0msPjuU.
A primeira manifestação oficial do Governo Federal se deu através do Twitter, por parte do presidente Enrique Peña Nieto, poucas horas após o GIEI tornar público seu relatório. Por meio de várias mensagens, o primeiro mandatário disse, entre outras coisas: “O @gobmx agradece novamente o trabalho do GIEI e o apoio da CIDH para a investigação desses fatos tão lamentáveis”.1818. Ver em: Enrique Peña Nieto, mensagem no Twitter, 6 de setembro de 2015, 12:34, https://twitter.com/search?q=from%3AEPN%20since%3A2015-09-05%20until%3A2015-09-07&src=typd&lang=es.
Por sua vez, a Procuradoria Geral da República emitiu a seguinte nota em nome do Governo Federal:
[…] o Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos apresentou um relatório que é fundamental para a investigação. […] Atendendo às instruções do Cidadão Presidente dos Estados Unidos Mexicanos, os resultados e conclusões das entrevistas do trabalho de campo e dos estudos que os especialistas realizaram serão analisados a partir do dia de hoje e, no devido momento, a Procuradoria avaliará sua incorporação à averiguação prévia. […] Que não restem dúvidas, o Governo da República pôs a disposição todos os seus recursos a fim de que neste caso não haja lugar para a impunidade.1919. A mensagem pode ser consultada em: “Palabras de la Procuradora General de la República, Arely Gómez González,” PGR, 6 de setembro de 2015, acesso em 6 jun. 2017, http://www.pgr.gob.mx/sala-de-prensa/Lists/Boletines%20tipo%20anuncios/DispForm.aspx?ID=391&ContentTypeId=0x0104002660D95F8868CC4F98516638CCD891EA.
A contundência do Primeiro Relatório do GIEI obrigou o presidente da República, um ano depois do primeiro encontro, a reencontrar-se com as famílias. Estas reclamaram do viés confirmatório com que se realizou a investigação e pediram a criação de uma unidade especializada para indagar o paradeiro dos jovens, além de apresentarem oito pontos que deveriam ser abordados em uma nova etapa do caso, conforme as recomendações das/dos especialistas.2020. Os oito pontos apresentados ao presidente podem ser consultados em: “Familias de Ayotzinapa Presentan 8 Exigencias Esenciales a Peña Nieto,” Centro Prodh, 24 de setembro de 2015, acesso em 6 jun. 2017, http://centroprodh.org.mx/index.php?option=com_content&view=article&id=1650:2015-09-24-18-58-03&catid=209:front-rokstories&lang=es. A resposta do Estado foi a publicação de uma série de ações unilaterais que não respondiam às necessidades do caso ou às recomendações do GIEI.2121. Os pontos unilaterais apresentados pela Presidência podem ser consultados em: “Peña Presenta 6 Compromisos; Padres de los 43 Dicen que es Insuficiente,” Milenio, 24 de setembro de 2015, acesso em 6 jun. 2017, http://www.milenio.com/politica/reunion_pena_y_papas-normalistas_y_pena-pena_y_papas_normalistas_0_597540489.html.
Em 19 de outubro de 2015, dentro do 156º Período de Sessões da CIDH, o GIEI apresentou seu relatório à Plenária de Comissários e Comissárias. Essa apresentação permitiu que se realizassem reuniões de trabalho nas quais se estabeleceram as condições para a renovação do mandato do GIEI.2222. As condições podem ser consultadas em: “Firman Estado Mexicano y GIEI Compromisos para dar seguimiento al trabajo sobre el Caso Ayotzinapa,” OAS, 20 de outubro de 2015, acesso em 6 jun. 2017, https://www.oas.org/es/cidh/actividades/giei/GIEI-boletin-2015-10-20.pdf.
Mesmo depois de se chegar a um compromisso junto à CIDH sobre as condições básicas para a continuidade do GIEI, com a criação de um escritório especializado para seguir com a investigação, continuaram a surgir obstáculos. O Estado não permitiu, por exemplo, que o GIEI entrevistasse alguns militares que tinham sido testemunhas excepcionais dos fatos.2323. As declarações do General Secretário da Defesa Nacional a esse respeito podem ser consultadas em: “’No Voy a Permitir que Interroguen a Mis Soldados’ Por Caso Ayotzinapa: Cienfuegos,” Aristegui Noticias, 6 de outubro de 2015, acesso em 6 jun. 2017, http://aristeguinoticias.com/0610/mexico/no-voy-a-permitir-que-interroguen-a-mis-soldados-por-caso-ayotzinapa-cienfuegos/. Também negou ao GIEI acesso às prisões para entrevistar as pessoas processadas.2424. Segundo Informe GIEI, p. 572.
Para aumentar este clima adverso, ativou-se uma campanha midiática e política que buscou diminuir a legitimidade que o Grupo havia obtido com seu trabalho. De início, a campanha centrou-se em desqualificar as procurdoras Ángela María Buitrago e Claudia Paz y Paz, apresentando-as como responsáveis por uma suposta manipulação de processos jurídicos na Colômbia e na Guatemala. Mais tarde, essa campanha incluiu o restante dos integrantes do GIEI, questionando a autoridade técnica e moral de Carlos Martín Beristain, Alejandro Valencia Villa e Francisco Cox.
Embora diversas organizações da sociedade civil2525. Ver, por exemplo, os comunicados de imprensa circulados pelas organizações nacionais e internacionais Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad (De Justicia), Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS), Centro por la Justicia y el Derecho Internacional (CEJIL), Fundación para el Debido Proceso (DPLF), Grupo de Trabajo para Asuntos Latinoamericanos (LAWGEF), Oficina en Washington para Asuntos Latinoamericanos (WOLA), Open Society Justice Initiative, e Robert F. Kennedy Human Rights, que podem ser consultados em: “OSC Internacionales Denuncian Campaña de Desprestigio Contra GIEI en Caso Ayotzinapa,” Centro Prodh, 5 de fevereiro de 2016, acesso em 6 jun. 2017, http://www.centroprodh.org.mx/index.php?option=com_content&view=article&id=1772%3A2016-02-05-17-17-35&catid=209%3Afront-rokstories&lang=es. tenham exigido um posicionamento público do Estado para defender a relevância do trabalho de assistência técnica do GIEI, o Governo Federal não tomou nenhuma posição formal de respaldo. Diante desse silêncio, a própria CIDH se posicionou em defesa do GIEI.2626. O comunicado de imprensa pode ser consultado em: “CIDH Expresa Confianza y Respaldo a Expertas y Expertos Independientes Miembros del GIEI,” OAS, 28 de janeiro de 2016, acesso em 6 jun. 2017, http://www.oas.org/es/cidh/prensa/comunicados/2016/006.asp.
Em 24 de abril de 2016, o GIEI apresentou seu “Relatório Ayotzinapa II. Avanços e novas conclusões sobre a investigação, busca e atenção às vítimas”. Nesse segundo relatório, o GIEI reiterou a enorme magnitude dos eventos e documentou novos episódios em lugares não investigados pela PGR. Concluiu também que houve participação omissa ou ativa de todas as corporações presentes naquela noite e demonstrou que o conluio entre a criminalidade e as estruturas estatais não se limitava ao município, mas abrangia outros níveis, em um esquema de macrocriminalidade.
O GIEI documentou a recusa da PGR em aprofundar linhas de investigação distintas no lixão de Cocula. O GIEI também mostrou graves irregularidades no levantamento e processamento das provas supostamente recolhidas no rio San Juan, bem como violações ao devido processo nos marcos da investigação. O GIEI publicou que a PGR não fizera uso de fotografias de satélites nem de tecnologia a laser, recomendadas desde seu primeiro boletim.2727. O GIEI propôs o uso da tecnologia LIDAR no boletim de 6 de novembro de 2015; pode ser consultado em: “Presenta el GIEI las Características de la Segunda Parte de su Mandato y los Desafíos que ha Enfrentado para su Ejecución,” GIEI, 6 de novembro de 2015, acesso em 6 jun. 2017, http://prensagieiayotzi.wixsite.com/giei-ayotzinapa/single-post/2015/11/06/Presenta-el-GIEI-las-caracter%C3%ADsticas-de-la-segunda-parte-de-su-mandato-y-los-desaf%C3%ADos-que-ha-enfrentado-para-su-ejecuci%C3%B3n.
No parágrafo sobre os problemas na investigação de violações de direitos humanos no México, o GIEI explica os mecanismos que promovem a impunidade. Entre outros, refere-se ao formalismo e à burocracia que permeiam o sistema penal mexicano; à preponderância das provas testemunhais e confessionais sobre a geração de provas científicas e o uso de inteligência; às falhas na tomada de declarações e à deficiente capacidade analítica das provas; à preponderância da perspectiva de delinquência organizada acima da dos direitos humanos; à ênfase no número de pessoas detidas, em vez de na qualidade da investigação; à negação de informação às vítimas; às práticas de obstrução à justiça; à falta de meios tecnológicos na busca de desaparecidos; às deficiências nas inumações e exumações; à revitimização e criminalização dos humilhados e, finalmente, ao predomínio de uma atitude soberanista que limita a cooperação internacional.
O segundo relatório do GIEI causou, novamente, uma enorme repercussão no México e no exterior.2828. Ver, por exemplo: Jan Martínez Ahrens, "La Comisión de Expertos Acusa al Gobierno de Obstruir el Caso Ayotzinapa.” El País, 25 de abril de 2016, acesso em 6 jun. 2017, http://internacional.elpais.com/internacional/2016/04/24/mexico/1461469508_584523.html; Kirk Semple e Elisabeth Malkin, “Inquiry Challenges Mexico’s Account of How 43 Students Vanished.” The New York Times, 24 de abril de 2016, acesso em 6 jun. 2017, http://www.nytimes.com/2016/04/25/world/americas/inquiry-challenges-mexicos-account-of-how-43-students-vanished.html?smprod=nytcore-iphone&smid=nytcore-iphone-share&_r=0&ref=nyt-es; David Agren, “Outside Experts Condemn Mexico’s Inquiry into 43 Missing Students.” The Guardian, 25 de abril de 2016, acesso em 6 jun. 2017, https://www.theguardian.com/world/2016/apr/24/mexico-43-missing-students-investigation-iachr-report. Múltiplas vozes pronunciaram-se em apoio ao seu trabalho.2929. Ver, por exemplo: “Mensaje del Vocero del Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Derechos Humanos: Rupert Colville,” HCHR, abril de 2016, acesso em 6 jun. 2017, http://www.hchr.org.mx/index.php?option=com_k2&view=item&id=810:giei-mensaje-del-vocero-del-alto-comisionado-de-las-naciones-unidas-para-los-derechos-humanos-rupert-colville&Itemid=266; José Miguel Vivanco, “Carta a la Procuradora General de la República sobre la Crisis de Derechos Humanos en México.” Human Rights Watch, 28 de abril de 2015, acesso em 6 jun. 2017, https://www.hrw.org/es/news/2015/04/28/carta-la-procuradora-general-de-la-republica-sobre-la-crisis-de-derechos-humanos-en. Não obstante, o encerramento do mandato do GIEI, quando a finalidade para o qual fora criado – descobrir o paradeiro dos estudantes – ainda permanecia sem solução – foi controvertido.3030. Ver, por exemplo: “Entrega el GIEI Ruta de Seguimiento sobre su Trabajo en la Investigación del Caso Ayotzinapa,” GIEI, 1º. de maio de 2016, acesso em 6 jun. 2017, http://prensagieiayotzi.wixsite.com/giei-ayotzinapa/single-post/2016/05/01/Entrega-el-GIEI-ruta-de-seguimiento-sobre-su-trabajo-en-la-investigaci%C3%B3n-del-caso-Ayotzinapa.
A CIDH notificou, em 15 de abril de 2016, que o GIEI não continuaria seu trabalho porque o Estado não oferecera as condições necessárias para isso3131. A CIDH tornou pública sua decisão em um comunicado disponível em: “Informe sobre el 157º Período de Sesiones de la CIDH,” OAS, 13 de junho de 2016, acesso em 6 jun. 2017, http://www.oas.org/es/cidh/prensa/comunicados/2016/049A.asp. e, ao mesmo tempo, determinou a criação de um mecanismo especial de acompanhamento. A partir de então, iniciou-se um novo e árduo processo de negociação entre as famílias e o Estado para concretizar as caraterísticas desse mecanismo. As famílias reivindicavam, em boa medida, que somente a supervisão internacional poderia oferecer garantias diante de uma investigação em que a justiça havia sido desviada e obstruída.
Sem dúvida, nas dificuldades para criar o mecanismo teve um peso determinante o distanciamento entre o México e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Esse distanciamento resultou em posturas inéditas do México diante da Comissão, contrárias ao fortalecimento do Sistema.
Após reuniões com representantes dos familiares, nos dias 27, 28 e 29 de julho de 2016, a CIDH determinou a formação do mecanismo especial de acompanhamento.3232. A resolução pode ser consultada em: “Comisión Interamericana de Derechos Humanos – Resolución 42/16,” CIDH, acesso em 6 jun. 2017, https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/2016/MC409-14-ES.pdf. Esse mecanismo tem as seguintes caraterísticas: dará seguimento às medidas cautelares e às recomendações do GIEI; serão integrados ao menos dois assessores técnicos especiais que poderão visitar o México com a frequência e o tempo que sejam necessários, tendo acesso pleno aos expedientes e demais fontes de informação; e o Comissário da CIDH responsável pelo mecanismo realizará até quatro visitas ao México para supervisionar os trabalhos, entre agosto de 2016 e março de 2017, mais as visitas que se decidam para os anos seguintes. A Comissão foi enfática em apontar que as atividades do mecanismo não poderão ser interpretadas como limitadoras de outras competências que lhe outorga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Embora o desenlace do processo de assistência técnica seja ainda incerto, é possível fazer um balanço preliminar do que significou a experiência do GIEI no México. Esse balanço de suas contribuições marca o caminho a seguir na agenda de justiça e verdade para as vítimas, ao mesmo tempo em que mostra a vitalidade e a relevância dos mecanismos internacionais de direitos humanos.
A contribuição do GIEI pode ser vista em pelo menos dois níveis: seus impactos diretos, vinculados ao esclarecimento do caso; e seus impactos indiretos, vinculados à profundidade e autonomia com que exerceu seu mandato no México.
Uma das contribuições mais importantes do GIEI, e que menos atenção pública recebeu, é o profundo respeito com que se comportou perante as vítimas. Além de documentar o sofrimento das famílias, o relatório enfatiza a capacidade delas para organizar-se e exigir justiça. Destaca o GIEI: “A lembrança de seus filhos, a mobilização coletiva e a esperança de encontrá-los são elementos que ajudam os familiares a manter um laço com os desaparecidos”.3333. “Informe Ayotzinapa,” GIEI, 266.
Abrir espaços para a participação ativa das vítimas nos processos de busca de justiça e verdade é apontado como indispensável. A insistência do GIEI na centralidade das vítimas motivou também que se combinasse a realização de um diagnóstico do impacto psicossocial nas famílias e nos estudantes. A realização desse estudo, incomum no México, possibilitou o aprofundamento nos impactos que os eventos e suas sequelas causaram nas pessoas.
Mostrando que é possível reconstruir de outra maneira esses acontecimentos, os relatórios do GIEI recorrem a testemunhos de vítimas e sobreviventes, à reconstrução dos fatos, à evidência científica, a provas objetivas como análises de telefonia, conseguindo produzir uma narração compreensível. A clareza dos relatórios permite que sejam objeto de análise não só por especialistas, mas também por qualquer interessado no tema e, sobretudo, pelas próprias famílias.
Além disso, o GIEI mostra a importância de que uma investigação criminal se realize conforme um método científico, no qual surjam diversas linhas, evitando o viés confirmatório. Esse elemento contrasta com a apresentação de dados feita pela PGR, inclusive após os dois relatórios do GIEI. Além de caracterizar inadequadamente os fatos e de apresentar dados errôneos,3434. O parecer completo é público e pode ser consultado em: “Dictamen Sobre el Basurero de Cocula,” Equipe Argentina de Antropologia Forense, fevereiro de 2016, acesso em 6 jun. 2017,: http://www.eaaf.org/files/dictamen-sobre-el-basurero-cocula-feb2016.pdf. o relatório ministerial da PGR volta a gerar uma narrativa inacessível que perde de vista o enfoque de direitos humanos e a centralidade das vítimas.
O GIEI publicou um parecer independente sobre dinâmica de fogo que concluiu pela impossibilidade da hipótese oficial. Essa conclusão seria confirmada também por uma perícia multidisciplinar realizada pela Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), apresentada no expediente de 9 de fevereiro de 2016.
A partir de uma rigorosa análise técnica, o GIEI e a EAAF concluíram que não há consistência entre a evidência científica e a evidência testemunhal, determinando que no lixão de Cocula não pode ter ocorrido o evento com o qual, em sua “verdade histórica”, a PGR pretendeu dar por resolvido o desaparecimento dos 43 estudantes. Com isso, tanto o GIEI quanto a EAAF contribuíram para que a discussão sobre a prova científica adquirisse maior relevância no esclarecimento dos fatos.
O GIEI apontou a existência de estruturas criminosas em conluio com atores estatais dos três níveis de governo, e não somente no nível municipal. Isto é, mostrou que o desaparecimento de 43 estudantes em uma noite não pode ter ocorrido com a conivência apenas de instituições municipais.
Em seu primeiro relatório, o GIEI destaca que: “O negócio que se desenvolve na cidade de Iguala poderia explicar a reação extremamente violenta e o caráter maciço do ataque, sua duração no tempo e inclusive o ataque posterior”3535. “Informe Ayotzinapa,” GIEI, 321. O GIEI documentou que, por ação ou omissão, mais forças estiveram envolvidas, mostrando também o alcance da delinquência transnacional e seu impacto na vigência dos direitos humanos.
Com respeito ao futuro da investigação, o GIEI traçou uma rota clara e concisa a partir de vinte medidas que, se fossem tomadas, poderiam contribuir para que haja justiça e verdade no Caso Ayotzinapa. Essas recomendações são: unificar as distintas causas penais; evitar a fragmentação da averiguação; impedir a interferência no interrogatório da Subprocuradoria Especializada na Investigação de Delinquência Organizada (SEIDO), em virtude de que esta instância realizou a investigação de uma hipótese que se demostrou insustentável; considerar outras violações de direitos humanos e delitos cometidos; tomar declarações de testemunhas pendentes; dar seguimento à informação de telefonia de supostos perpetradores e de estudantes; confrontar as provas balísticas recolhidas em diversas cenas com armas das diferentes polícias; seguir colaborando com Innsbruck e EAAF para as perícias genéticas; requerer a documentação militar relevante que não foi entregue; esgotar a investigação do possível transporte transnacional de drogas; plena identificação do quinto ônibus e possível falsidade nas declarações atinentes; investigar denúncias por maus tratos ou torturas; determinar responsabilidade por omissão dos órgãos de segurança presentes nos fatos; realizar a captura dos supostos responsáveis que continuam foragidos; investigar o patrimônio de supostos responsáveis; investigar a possível obstrução da investigação; difundir uma narrativa do caso concorde com a realidade e com as descobertas do GIEI; continuar com a busca dos estudantes desaparecidos; manter os espaços de diálogo e comunicação com os familiares; e, por último, garantir a segurança dos familiares e seus representantes.
Graças à aproximação e ao estudo a fundo do caso Ayotzinapa, o Grupo de Especialistas revelou falhas estruturais. Falhas relacionadas àforma de realizar investigações em casos de violações dos direitos humanos, bem como à busca, atenção a vítimas, processamento de casos, políticas públicas, projeto institucional e legislação relacionada com o desaparecimento forçado, que, longe de gerar condições de não repetição, mantêm um contexto que propicia violações de direitos humanos e sua impunidade. Por essa razão, as recomendações estruturais do GIEI incluem: reformas legais, mudanças de projeto institucional, mudanças de práticas e outras medidas de política pública.
No que se refere à Lei Geral para Prevenir e Punir os Desaparecimentos, por exemplo, o GIEI propôs aprovar com caráter de urgência, e com consulta prévia às vítimas e famílias, uma legislação integral sobre desaparecimento forçado.
Entre outras recomendações, as/os especialistas analisaram temas como a necessidade de melhorar as práticas de investigação da tortura; a criação de jurisdições especializadas em casos de violações de direitos humanos; a separação dos serviços periciais das procuradorias para garantir sua autonomia; a incorporação plena dos padrões do Protocolo de Minnesota para investigar possíveis execuções extrajudiciais; implementar uma política de Estado sobre direito à verdade, que reconheça as raízes históricas da prática do desaparecimento no México; a retirada paulatina das forças armadas de tarefas de segurança; e o aprofundamento da cooperação internacional para projetar mecanismos capazes de reverter a impunidade estrutural que prevalece no México.
A incidência na esfera pública é sem dúvida uma das maiores obrigações da defesa dos direitos humanos, e nisso o GIEI trouxe contribuições novas para o México. O GIEI tornou-se um ator público que conseguiu questionar a credibilidade do Estado mediante um trabalho sério e técnico. Ao fazê-lo, causou grande impacto na opinião pública, ampliando os limites tradicionalmente estreitos dentro dos quais são debatidas as questões de direitos humanos no México.
Essas contribuições mostram também que, diante da falta de credibilidade das instituições mexicanas de procuração e administração de justiça, a supervisão internacional pode ser uma potente ferramenta de transformação.
O GIEI foi um exercício inédito de supervisão internacional dentro de uma investigação criminal que pode ser replicado e coadjuvar a investigação de casos emblemáticos e de ambientes regionais3636. Por exemplo, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OACNUDH) na Guatemala convocou recentemente uma oficina sobre as Lições aprendidas na colaboração internacional para o cumprimento dos direitos humanos e o combate à impunidade, na qual analisou diferenças e semelhanças entre a CICIG da Guatemala, a OACNUDH da Colômbia, o GIEI e a Missão de Apoio contra a Corrupção e a Impunidade em Honduras (MACCIH), guardadas evidentemente as diferenças de mandato e contexto. onde tenham acontecido processos de vitimização em massa.
O GIEI mostrou a potencialidade da cooperação internacional no México para combater uma impunidade estrutural que se sustenta em pactos de corrupção e silêncio; disso decorre sua transcendência e o interesse em buscar a melhor conclusão possível.
Para o Centro Prodh, que coordenou a interlocução entre o GIEI, o Estado e as famílias, alguns dos mais importantes traços do modelo GIEI que podem ajudar a pensar alternativas futuras para o México e outros países são os seguintes:
A partir disso, a experiência do GIEI deixou lições valiosas sobre a potencialidade e continua evolução dos mecanismos internacionais de direitos humanos.
De outro ponto de vista, é necessário refletir sobre algumas questões deixadas pela experiência. Por exemplo, como aprofundar o cuidado das pessoas e instituições que permanecem em seus locais de origem depois da intervenção de mecanismos internacionais de proteção, quando estes afetam interesses poderosos ao revelar redes de corrupção.
Este dilema adquire especial relevância no que concerne às vítimas. Mas atinge também as organizações acompanhantes, que em termos estritamente políticos se tornam depositárias e herdeiras das animosidades que um exercício como esse pode provocar. Isso aconteceu, por exemplo, com o Centro Prodh, que enfrentou contextos adversos ao ser identificado no México como um dos principais apoiadores da experiência do GIEI.3737. Ver, por exemplo, http://www.eluniversal.com.mx/entrada-de-opinion/columna/roberto-rock/nacion/2016/04/1/ayotzinapa-el-cerco. Felizmente, o GIEI atuou com cuidado nessa dimensão ao não invisibilizar o trabalho das defensoras e dos defensores dos direitos humanos nacionais. Não obstante, trata-se de uma questão sobre a qual sempre será necessário refletir.
Dolorosamente, o paradeiro dos 43 estudantes desaparecidos em 26 de setembro de 2014 continua sem esclarecimento. Os pais e as mães continuam em sua luta incansável para descobrir o paradeiro de seus filhos.
Para além do caso Ayotzinapa, não cessou a crise de violações dos direitos humanos que aflige o México. Apesar disso, e sem desconsiderar essa realidade, as contribuições do GIEI são inegáveis. Suas recomendações marcam o caminho para que haja justiça e verdade em face do desaparecimento dos estudantes. Na memoria das vítimas e na memoria coletiva, o GIEI deixou também uma marca indelével. Graças ao Grupo, hoje sabemos mais sobre os fatos do que quando o Governo Federal pretendeu haver chegado à “verdade histórica”.
Além disso, seu impacto na agenda pública é imenso, tanto na abertura de novos espaços para a discussão dos direitos humanos no México como na geração de propostas para combater a crise de violações vivida pelo país, especificamente no que concerne aos desaparecimentos.
Os familiares dos 43 desaparecidos – junto com os seres queridos das seis pessoas executadas e dos mais de quarenta feridos – continuam exigindo que impere a justiça e não a impunidade, que prevaleça a verdade e não a mentira. Os dois relatórios do GIEI deram à luta desses pais e mães ferramentas sólidas para seguir adiante, ao mostrar que a razão e a evidência científica estão do seu lado.
Não obstante, o próprio GIEI, durante seus últimos dias no México, afirmou que a tarefa ficava inconclusa, recordando que a obrigação de esclarecer os fatos está fundamentalmente a cargo do Estado. Francisco Cox, um de seus integrantes, referindo-se a seu pesar pela persistente falta de esclarecimento e à responsabilidade do Estado nisso, declarou:
A verdade é que sinto muita tristeza por não ter podido dizer aos familiares onde estão seus filhos, mas também há uma satisfação e uma tranquilidade de consciência, de ter feito tudo o que foi possível […] deixamos um documento que pode ser útil e que pode guiar algumas transformações legais para que a investigação em casos de alta complexidade melhore de maneira mais eficiente. […] Quando alguém presta uma assistência técnica, quem a solicita deve querer ser auxiliado tecnicamente. O Estado nos disse que, em realidade, já não precisava de nossa ajuda.3838. Cfr. “Nos vamos de México con mucha tristeza, dicen expertos del GIEI”, Animal Político, 26 de abril de 2016. Pode-se consultar em: http://www.animalpolitico.com/2016/04/nos-vamos-de-mexico-con-mucha-tristeza-dicen-expertos-del-giei/.
Os testemunhos reunidos pelo GIEI em seu segundo relatório corroboram essa sensação conclusiva de ambivalência. De um lado, o fato de que essas vozes não se percam e sejam recuperadas neste exercício inovador de supervisão internacional mostra uma das mais importantes facetas do GIEI. Por outro lado, a dor que os testemunhos transmitem dá conta de tudo o que ainda está pendente.
Nas palavras de um dos pais: “Para nós, na verdade, a falta de nosso filho é muito dolorosa… Esse golpe não é desejável para ninguém, dói em nós minuto a minuto, segundo a segundo, e nos causa feridas profundíssimas… Quando morre um familiar é menos: nós o pegamos, carregamos, colocamos no caixão, levamos para enterrar e vamos vê-lo à hora que quisermos, mas neste caso do nosso filho, não saber nada é forte, a dor é forte.”3939. “Informe Ayotzinapa,” GIEI, 331.
Apesar dessa realidade de dor, a passagem do GIEI pelo México deixou contribuições notáveis para a agenda dos direitos humanos e é uma experiência nova de supervisão internacional para a qual pode ser útil olhar neste momento em que é preciso pensar em horizontes inovadores para combater a impunidade que, lamentavelmente, campeia em muitos países da América Latina.
Como disse o GIEI em seu último relatório: “O caso Ayotzinapa significou para o país uma encruzilhada, da qual ele ainda tem de sair, e para isso é preciso um fortalecimento do Estado de direito e da defesa e do respeito pelos direitos humanos”.4040. “Informe Ayotzinapa,” GIEI, Introducción. Ayotzinapa é uma ferida aberta que somente a justiça e a verdade poderão fechar.