Ensaios

Últimos avanços na justiciabilidade dos direitos indígenas no Sistema Interamericano de Direitos Humanos

Mario Melo

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RESUMO

O artigo repassa os principais avanços, nos últimos anos, do Sistema Interamericano de Direitos Humanos em matéria de direitos indígenas. De uma perspectiva crítica, busca decifrar as linhas jurisprudenciais mais importantes e a fundamentação jurídica em que se baseou a Corte Interamericana nas últimas sentenças nas quais vinculou território e direitos econômicos, sociais e culturais da população indígena, de um lado, e, de outro, os direitos políticos dos indígenas e as medidas reparatórias da violação dos direitos humanos dos indígenas.

Palavras-Chave

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Introdução

Ainda que os direitos indígenas tenham sido matéria de interesse do Sistema Interamericano de Direitos Humanos quase desde o seu nascimento,1  entre 2001 e 2005 a Corte Interamericana de Direitos Humanos (de agora em diante apenas Corte ou Corte Interamericana) solucionou vários casos que, envolvendo esses direitos, desenvolvem linhas jurisprudenciais que implicam avanços significativos em vários sentidos.

Sem dúvida, o Caso Awas Tingni2  foi um marco na pauta de novas abordagens no tratamento, por parte da justiça internacional, daqueles direitos cuja titularidade corresponde coletivamente às comunidades indígenas, em virtude de suas particularidades étnico-culturais em relação à sociedade mais ampla. As sentenças dos Casos Plan de Sánchez,3  Moiwana,4  Yakye Axa5  e Yatama6  permitiram à Corte fortalecer a análise e fazer avanços na aplicação de vários direitos vinculados a território, identidade étnica e participação política.

A partir da análise dessas sentenças, podemos formular algumas reflexões a respeito da importância do Sistema Interamericano de Direitos Humanos para o desenvolvimento dos direitos na região, dos limites e potencialidades na exigibilidade dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e da dimensão étnico-cultural na reparação de violações aos direitos humanos de populações indígenas.

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A interpretação evolutiva dos direitos humanos

Uma leitura não restritiva da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (de agora em diante Convenção Americana) poderia deixar a impressão de que o limitado âmbito e alcance do catálogo de direitos que consagra não é suficiente para proteger as populações indígenas, que no continente americano têm uma importância especial, de acordo com os requerimentos que suas particularidades étnico-culturais impõem. Tampouco o Sistema Interamericano chegou a pôr em vigência, até o momento, instrumentos internacionais que se refiram especificamente aos direitos dos povos indígenas.7

No entanto, a problemática dos indígenas americanos, submetidos historicamente a processos de dominação, exploração e discriminação centenários, continua sendo inquietante. Nas últimas décadas, o mundo foi testemunha de situações gravíssimas, em diversas regiões da América, nas quais, por ação direta dos Estados ou por sua omissão no cumprimento de suas obrigações para com seus governados, as populações indígenas perderam a vida, a integridade, a identidade, a terra, seus meios de vida e reprodução cultural.

Diante dessas situações, a Comissão e a Corte Interamericanas de Direitos Humanos foram requeridas a atuar em várias oportunidades durante os últimos anos. Sendo sua incumbência fundamental conhecer e julgar as violações aos direitos consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 33), elas recorreram à característica de progressividade8  dos direitos humanos para, por meio da jurisprudência, dotar os direitos consagrados na Convenção Americana de um sentido e um alcance que permitam oferecer uma proteção especial a esse importante segmento da população americana.

Para isso, a Corte desenvolveu um método de interpretação dos instrumentos de direitos humanos baseado em três critérios:

1. A polissemia dos termos jurídicos:
Os termos jurídicos empregados na redação de um instrumento de direitos humanos têm significado, sentido e alcance “autônomos”, não equiparáveis aos que esses termos podem ter no direito interno.

2. Os instrumentos de direitos humanos são instrumentos vivos:
Ou seja, devem ser interpretados de uma maneira nem rígida nem estática, mas concorde com a evolução das condições de vida.9

3. A integração do corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos:10
É útil e apropriado utilizar outros tratados internacionais de direitos humanos distintos da Convenção Americana,11  a fim de considerar a questão sujeita a exame no quadro da evolução dos direitos humanos no Direito Internacional.

A fundamentação jurídica da Corte para estabelecer os dois primeiros critérios de interpretação da Convenção Americana mencionados está, de acordo com o juiz García Ramírez,12  no princípio contido no artigo 31.1 da Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados, que obriga a interpretar um tratado “de boa-fé, conforme o sentido corrente que deva ser atribuído aos termos do tratado no contexto destes e levando em consideração seu objetivo e fim”. E também, de acordo com García Ramírez, na “regra pro homine, inerente ao Direito Internacional dos Direitos Humanos – freqüentemente invocada na jurisprudência da Corte –, que conduz a uma maior e melhor proteção das pessoas, com o propósito último de preservar a dignidade, assegurar os direitos fundamentais e estimular o desenvolvimento dos seres humanos”.13

Em relação ao terceiro critério identificado, seu fundamento jurídico está no inciso terceiro do artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que obriga a interpretar os tratados de acordo com o sistema no qual se inscrevem,14  e nas próprias normas de interpretação estabelecidas pelo artigo 29 da Convenção Americana.

Artigo 29. Normas de Interpretação
Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de:
a. permitir a qualquer um dos Estados participantes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida que a prevista nela;

b. limitar o gozo ou o exercício de qualquer direito ou liberdade que possa estar reconhecido de acordo com as leis de qualquer dos Estados participantes ou de acordo com outra convenção em que seja participante um desses Estados;

c. excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que derivam da forma democrática representativa de governo, e

d. excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza. (Convenção Americana)

03

O direito à propriedade privada e sua interpretação evolutiva

Com esse método de interpretação, a Corte conseguiu desenvolver o sentido e o alcance do direito à propriedade privada consagrado no artigo 21 da Convenção Americana, permitindo dessa maneira abarcar dimensões como a propriedade coletiva, a territorialidade, a ancestralidade, a sacralidade, imprescindíveis de serem levadas em consideração para a plena garantia desse direito no contexto dos povos indígenas.15

A Corte parte de um texto jurídico estrito:

Artigo 21. Direito à Propriedade Privada
1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social.

2. Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, exceto mediante o pagamento de indenização justa, por razões de utilidade pública ou de interesse social, e nos casos e segundo as formas estabelecidas pela lei.

3. Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser proibidas pela lei. (Convenção Americana)

A simples leitura deste artigo deixaria ver que a Convenção Americana protege o direito à propriedade privada na dimensão individual em que o Direito Civil clássico a concebe. O número 1 desse artigo fala que “toda pessoa” (o que se entende como “cada pessoa”, natural ou jurídica, individualmente considerada) “tem direito ao uso e gozo de seus bens” (ou seja, tem a faculdade para exercer seu domínio sobre os bens que lhe são próprios).

Mas o sentido e o alcance que o Direito Civil outorga ao direito à propriedade privada não são suficientes para abarcar um conjunto muito amplo de realidades relacionadas com o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Assim, a Corte Interamericana entendeu que o Direito à Propriedade Privada, no Direito Internacional dos Direitos Humanos, tem um significado distinto que no Direito Civil e, a partir dessa compreensão, interpretou o artigo 21 da Convenção Americana com sentido e alcance concordes com as realidades emergentes às quais coube a ela enfrentar.

No âmbito dos Direitos Indígenas, que agora nos ocupa, e de acordo com as regras de interpretação não restritiva defendidas pelo artigo 29 da Convenção Americana, a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou que:

[…] o Artigo 21 da Convenção protege a propriedade em um sentido que compreende, entre outros, o direito dos membros das comunidades indígenas no quadro da propriedade comunal […] (número 148 da Sentença do Caso Awas Tingni)

A Corte supera o olhar individualista do Direito Civil clássico sobre a propriedade privada e faz com que o artigo 21 da Convenção Americana abrigue a dimensão coletiva da propriedade comunitária indígena. Para ilustrar o novo conteúdo e alcance do artigo 21, a Corte recorre às disposições do Convênio 169 da OIT sobre o direito à propriedade comunal das comunidades indígenas.16

Indo mais longe, a Corte entende que o dever do Estado de garantir a toda a pessoa o direito ao “uso e gozo de seus bens” (item 1 do artigo 21 da Convenção Americana) inclui ter que delimitar, demarcar e titular o território das comunidades indígenas e, além disso, ter que, enquanto não se efetue a delimitação, a demarcação e a titulação, abster-se de realizar atos que possam afetar “o uso ou o gozo dos bens localizados na zona geográfica onde habitam e realizam suas atividades os membros da comunidade” (parágrafo 153 da Sentença do Caso Awas Tingni).

04

As restrições aos direitos territoriais indígenas

A sentença do Caso Yakye Axa aborda o complicado tema dos conflitos entre o direito à propriedade privada particular e à propriedade comunal indígena. Estando ambos os direitos sob a proteção da Convenção Americana, o conflito se resolve sempre com a restrição de um deles. A Corte defende que “as pautas para definir as restrições admissíveis ao gozo e exercício desses direitos: a) devem estar estabelecidas por lei; b) devem ser necessárias; c) devem ser proporcionais; e d) devem fazer-se com a finalidade de lograr um objetivo legítimo em uma sociedade democrática”.17

No entanto, a Corte adverte que no momento de aplicar essas pautas os Estados devem levar em consideração que os direitos territoriais indígenas são de natureza diferente, pois estão intimamente relacionados com a sobrevivência dos povos indígenas e seus membros, sua identidade, a reprodução de sua cultura, suas possibilidades de desenvolvimento e o cumprimento de seus planos de vida.18

E a restrição que se faça ao direito à propriedade privada de particulares a favor da propriedade comunitária indígena “poderia ser necessária para a consecução do objetivo coletivo de preservar as identidades culturais em uma sociedade democrática e pluralista no sentido da Convenção Americana”.19

Apesar disso, a Corte aclara que nem sempre o conflito entre os “interesses territoriais” particulares ou do Estado pode ser preterido diante dos das comunidades indígenas. Se os Estados se vêm na impossibilidade, “por razões concretas e justificáveis”, de não restringir os direitos territoriais indígenas, a compensação que outorgue aos prejudicados deverá ser orientada principalmente pelo profundo significado que a terra tem para os indígenas.20

05

Território e direitos econômicos, sociais e culturais

O desenvolvimento mais importante em matéria de Direitos Indígenas alcançado até o momento pela Corte Interamericana foi o de, a partir de uma interpretação evolutiva do artigo 21 da Convenção, incorporar no Direito de Propriedade Privada o conceito indígena de propriedade.

Com isso, a Corte rompe, como já dissemos, com uma concepção civilista que encara a propriedade como um direito eminentemente individual, para dar a esse direito um alcance concorde com o âmbito dos direitos humanos, ou seja, que engloba a diversidade de modos de vida válidos e dignos de proteção e garantia. Assim, na sentença do Caso Awas Tingni, reconhece que “entre os indígenas existe uma tradição comunitária sobre uma forma comunal da propriedade coletiva da terra, no sentido de que o pertencimento desta não se centra no indivíduo mas no grupo e sua comunidade”,21  e assume que essa forma de propriedade também requer a sua tutela.

A Corte vai além e define que a estreita relação entre as comunidades indígenas e seus territórios tradicionais, incluindo os recursos naturais que aí se encontram e os elementos imateriais que deles se desprendem, é também matéria de proteção do artigo 21 da Convenção Americana.22  Como conseqüência, efetua uma interpretação evolutiva do termo “bens”, que utiliza dito artigo para entender que seu alcance abarca “os elementos corporais e não corporais e qualquer outro objeto imaterial suscetível de ter um valor”.23

Assim, o artigo 21 da Convenção Americana garante o gozo de um bem imaterial, como é a “relação especial” que une os povos indígenas a seus territórios e que não se refere meramente à possessão ou ao aproveitamento material, mas que é “um elemento material e espiritual do qual devem gozar plenamente, inclusive para preservar seu legado cultural e transmiti-lo às gerações futuras”.24

Uma relação dessa importância deve “ser reconhecida e compreendida como a base fundamental de sua cultura, vida espiritual, integridade, sobrevivência econômica, e sua preservação e transmissão às gerações futuras”.

A falta de garantia efetiva, por parte dos Estados, do direito dos povos indígenas ao acesso, utilização e usufruto pleno de seus territórios ancestrais e dos recursos naturais que neles existem põe em perigo suas possibilidades de uma vida digna por comprometer a relação com seus meios de vida tradicionais, alimento, água limpa, medicina tradicional, como assinala a Corte ao sentenciar o Caso da Comunidade Yakye Axa, privada de seu território tradicional desde 1999 e, portanto, submersa em condições de vida incompatíveis com a dignidade.25

A Corte compreende, então, que a garantia efetiva da propriedade comunitária dos povos indígenas sobre seu território e os recursos naturais neles localizados implica garantir também a base material e espiritual sobre a qual se sustenta sua subsistência, sua qualidade de vida, seu projeto de vida, sua identidade cultural e suas perspectivas de desenvolvimento, com um enfoque de eqüidade intergeracional. Em definitivo, para os povos indígenas, garantir seu território é garantir seus direitos econômicos, sociais e culturais (daqui em diante denominados DESC).26

A Corte Interamericana sentenciou, no Caso Awas Tingni, que o Estado nicaragüense violou o artigo 21 da Convenção Americana, e decretou que ele delimite, demarque e titule as terras que a comunidade ocupa ancestralmente e cujo uso e gozo havia sido perturbado pela concessão feita pelo Estado em terras indígenas não tituladas a seu favor, estando obrigado a fazê-lo.

A Corte, no Caso da Comunidade Yakye Axa, decretou também que o Estado paraguaio violou o direito à propriedade consagrado no artigo 21 da Convenção Americana e o direito à vida da comunidade, por haver permitido que ela fosse removida e impedida de voltar e ter acesso aos recursos de suas terras ancestrais por parte de supostos novos proprietários privados, ao mesmo tempo que ordenou que o Estado identifique e entregue à comunidade, de maneira gratuita, seu território ancestral.

Em ambos os casos, a Corte Interamericana está julgando sobre os DESC e realizando na prática a justiça desses direitos.

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O Caso Yatama e os direitos políticos dos indígenas

Em junho de 2005, a Corte Interamericana ditou sentença no Caso Yatama versus Nicarágua, abordando a problemática do exercício dos direitos políticos, garantidos pela Convenção Americana e pela Constituição nicaragüense, por parte dos membros das comunidades indígenas.

Nessa sentença, a Corte redefine o sentido e o alcance dos direitos políticos garantidos no artigo 23 da Convenção Americana, em concordância com o direito à igualdade e à não-discriminação garantido no artigo 24, utilizando os critérios estabelecidos nos itens a) e b) do artigo 29 da Convenção Americana.

Yatama, partido político dos membros das comunidades indígenas e étnicas da Costa Atlântica nicaragüense, foi impedido pelos organismos diretores do sufrágio na Nicarágua de participar nas eleições municipais de 2000, com base em supostos não-cumprimentos dos requisitos estabelecidos na legislação eleitoral local.

A Corte, ao sentenciar, declara: “O Estado violou os direitos políticos e o direito à igualdade diante da lei consagrados nos artigos 23 e 24 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com os artigos 1.1 e 2 da mesma, em prejuízo dos candidatos propostos pelo YATAMA…”

Na análise, a Corte entende que o dever do Estado de garantir os direitos políticos implica que a regulação de seu exercício e aplicação seja feita de acordo com o princípio de igualdade e não-discriminação.27  Essa regulação, tratando-se de pessoas pertencentes a comunidades indígenas ou étnicas, deve levar em consideração as especificidades de suas línguas, costumes e formas de organização, que as diferenciam da maioria da população.

A Corte considera inclusive que a lei eleitoral nicaragüense, ao permitir a participação nos processos eleitorais somente por meio de partidos políticos, impõe aos indígenas uma forma de organização que lhes é culturalmente alheia e viola as disposições internas da Nicarágua, que obrigam o Estado a respeitar suas formas próprias de organização. A imposição do requisito de participar em eleições unicamente por meio de um partido político significa para os indígenas uma restrição ilegítima ao exercício de seus direitos políticos.

E assim também o são todos os requisitos para participação em processos eleitorais impostos aos cidadãos em geral que não consideram as condições específicas dos membros de comunidades indígenas e étnicas, que estão em inferioridade de condições em relação a outros candidatos quanto ao cumprimento desses requisitos. Assim, por exemplo, o requisito imposto aos partidos políticos pela lei eleitoral nicaragüense de apresentar candidatos em 80% dos municípios nos quais se levaria a cabo o processo eleitoral implicava para o partido indígena Yatama ter de participar em eleições de municípios não indígenas, o que, ao não poder ser cumprido, constituiu na prática um obstáculo para sua participação em municípios majoritariamente indígenas.

A Corte sentenciou:

225. A Corte estima que o Estado deve adotar todas as medidas necessárias para garantir que os membros das comunidades indígenas e étnicas da Costa Atlântica da Nicarágua possam participar, em condições de igualdade, na tomada de decisões sobre assuntos e políticas que incidem ou podem incidir em seus direitos e no desenvolvimento de ditas comunidades, de forma tal que possam integrar-se às instituições e órgãos estatais, e participar de maneira direta e proporcional a sua população na direção dos assuntos públicos, assim como fazê-lo a partir de suas próprias instituições e de acordo com seus valores, usos, costumes e formas de organização, sempre que sejam compatíveis com os direitos humanos consagrados na Convenção.

Essa decisão constitui um precedente importante para situações análogas, nas quais o pleno exercício de direitos por parte de membros de comunidades indígenas e étnicas implica que não sejam impostas condições ou requisitos que ignorem suas particularidades culturais.

07

Reparações

Coerente com a linha de interpretação evolutiva do artigo 21 da Convenção Americana, a partir da qual a Corte Interamericana aborda a dimensão particular que o direito à propriedade da terra tem para os povos indígenas, esse tribunal assumiu paulatinamente que as violações dos direitos humanos cometidas em prejuízo das populações indígenas provocam efeitos diferentes daqueles que poderiam ter sobre vítimas não-indígenas, e, portanto, as reparações devem incluir medidas que permitam remediar, na medida do possível, os danos provocados na identidade étnica das vítimas e na auto-estima grupal das comunidades.

No Caso Awas Tingni, as reparações ordenadas pela Corte concentram-se no tema da delimitação, demarcação e titulação das terras indígenas, quer dispondo que o Estado tome as medidas necessárias para a criação de um mecanismo efetivo que incorpore o direito consuetudinário, os valores, usos e costumes das comunidades, quer dispondo que, nesse caso concreto, se proceda à realização dessas atividades em relação ao território da comunidade Awas Tingni,28  e que, além disso, se indenize pecuniariamente essa comunidade pelos prejuízos causados pelo Estado por não o haver feito antes.29

Ainda que essas medidas ataquem o problema fundamental da ausência de garantias jurídicas para o uso e o gozo da propriedade comunitária indígena sobre seu território, elas nos parecem insuficientes para remediar os danos provocados sobre a qualidade de vida, a espiritualidade, a identidade e o projeto de vida da comunidade pelas perturbações sofridas na relação especial que os une a seu território e que tornam obrigatória a garantia jurídica pela via da delimitação, demarcação e titulação.

A Corte, como já dissemos, alcançou um desenvolvimento muito importante ao fundamentar a transcendência, que ultrapassa a questão pecuniária, da relação entre os povos indígenas e seu território, mas no momento de reparar os efeitos da falta de garantia dessa relação, ela limita-se justamente ao pecuniário, pela fixação de uma indenização em dinheiro e sem o complemento de qualquer outra medida de satisfação ou reafirmação étnica.

Na sentença do Caso Yakye Axa, a Corte faz alguns avanços nesse tipo de reparação. Algumas medidas que asseguram a relação especial entre a comunidade e seu território ancestral são determinadas, como a adoção de mecanismos de direito interno que garantam o efetivo gozo do direito à propriedade indígena; no Caso da Comunidade Yakye Axa, a identificação e a devolução gratuita de seu território ancestral, a garantia da subsistência da comunidade até que se concretize a entrega de seu território e o estabelecimento de um programa e um fundo de desenvolvimento comunitário.30

Complementariamente, a Corte dispõe de duas medidas de satisfação: um ato público de reconhecimento da responsabilidade estatal e a publicação e difusão das partes relevantes da sentença.31  Medidas que, na nossa opinião, não são suficientes, mas que de alguma maneira terão um efeito de reafirmação da auto-estima identitária em uma comunidade que sofreu vexames e humilhações.

No Caso Moiwana, que se refere ao massacre dos membros de uma comunidade que obrigou os sobreviventes a fugir de seu território e abandonar os cadáveres de seus parentes e amigos sem que tivessem a oportunidade de realizar os rituais que sua tradição espiritual obriga para o descanso dos mortos, a Corte, além das medidas de garantia da relação entre comunidade e território análogas às outorgadas nos dois casos anteriores, determinou duas medidas de satisfação claramente orientadas a restaurar a auto-estima étnica do povo N’djuka: um pedido público de desculpas e o reconhecimento da responsabilidade por parte do Estado, e o estabelecimento de um monumento em memória.32

Neste caso, os danos imateriais aos membros sobreviventes da comunidade estabelecidos pela Corte são muito graves e se vinculam a características relevantes da cultura N’djuka, como os sentimentos de humilhação, ira e temor provocados neles pela obstaculização de que foram objeto os processos que conduziram à sanção dos culpados do massacre, na medida em que sua impunidade pode levar a que os espíritos ofendidos se vinguem nos descendentes, bem como o temor dos membros da comunidade de contrair enfermidades espirituais ocasionadas por não haver realizado os ritos mortuários adequados às vítimas do massacre e ainda, sem dúvida, a interrupção abrupta da conexão da comunidade com seu território devido ao deslocamento forçado a que foram submetidos após o massacre. Diante dessas conseqüências, a Corte defende como medida reparatória uma indenização em dinheiro.33

Perante os fatos análogos do brutal e indiscriminado massacre de homens, mulheres e crianças indígenas maia achí na comunidade Plan de Sánchez, a Corte adotou medidas de satisfação mais avançadas. Em primeiro lugar, são definidos claramente os impactos que o massacre provocou na cultura e na identidade étnica dos membros sobreviventes da comunidade:

49.12 Com a morte das mulheres e dos idosos, transmissores orais da cultura maia achí, seus conhecimentos não puderam ser passados às novas gerações, o que provocou, na atualidade, um vazio cultural. Os órfãos não receberam a formação tradicional herdada de seus ancestrais. Por seu lado, a militarização e a repressão a que foram submetidos os sobreviventes do massacre, especialmente os jovens, ocasionou a perda da fé nas tradições e no conhecimento de seus antepassados. (Sentença do Caso Plan de Sánchez)

Pior ainda, a comunidade não pôde realizar os rituais mortuários adequados às vítimas, o que provocou graves sofrimentos nos descendentes e uma alteração no seu processo de luto. Nenhuma cerimônia ou rito tradicional da cultura maia pôde ser realizado livremente devido à vigilância e à repressão militar que se seguiu ao massacre.34

Em geral, a Corte observa que práticas e valores próprios da cultura maia, como a tomada de decisões por consenso, o respeito e o serviço, foram deslocados por práticas autoritárias e de uso arbitrário do poder, vinculadas à militarização da vida cotidiana, que terminou provocando a desarticulação do grupo e a perda de referências.35

Diante desse estado de coisas, a Corte adotou medidas reparatórias em dois planos: no plano individual, por meio de uma indenização pecuniária; e no plano coletivo, por meio das seguintes medidas de satisfação:

a) Retomada das investigações, permitindo às vítimas saber a verdade sobre o massacre.

b) Ato público de reconhecimento de responsabilidades e em memória das vítimas do massacre.

c) Tradução das sentenças ao idioma maia achí e sua difusão.

d) Programa de moradia e de desenvolvimento.

e) Tratamento médico e psicológico.

A medida de traduzir a sentença ao idioma vernáculo e difundi-la é muito importante, porque, por um lado, contribui para a reconstrução da memória do povo maia achí, ao colocar a seu alcance as sentenças nas quais os fatos são coletados, analisados, julgados e sancionados; e, por outro lado, contribui para a reafirmação da identidade lesionada, pois, ao verter as sentenças ao seu idioma, permite sua apropriação como um elemento de justiça por parte do povo maia achí.

Em outro âmbito, a Corte considerou os danos imateriais provocados pela inadequada garantia do direito dos candidatos do partido político indígena Yatama de participar nas eleições locais em igualdade de condições, o que provocou impactos graves em sua auto-estima, vinculados à alta valorização que sua cultura faz da participação em um processo eleitoral. Sentir-se discriminados por não poder participar no processo eleitoral provocou um sentimento de desmoralização e os levou a crer que, como haviam sido excluídos toda a vida, agora também continuariam sendo.36

A Corte, entre as medidas reparatórias adotadas, determinou que o Estado revise os requisitos eleitorais para possibilitar que “os membros das comunidades indígenas e étnicas participem nos processos eleitorais de forma efetiva e levando em consideração suas tradições, usos e costumes”.37

A Corte foi reiterativa ao sustentar que as sentenças em si mesmas já constituem uma reparação. Sem dúvida isso é verdadeiro, mas ainda é cedo para saber se o nível de cumprimento das medidas reparatórias ordenadas é adequado às expectativas geradas pela atuação da justiça internacional.

08

O consentimento livre, informado e prévio. Um desafio pendente para a Corte

Se os avanços do Sistema Interamericano em matéria de direitos indígenas foram importantes, também é possível identificar, no mesmo campo, alguns desafios ainda não plenamente abordados e resolvidos.

Talvez o desafio mais importante seja aquele relacionado com o reconhecimento pleno do direito dos povos indígenas de que o Estado não adote decisões que afetem diretamente seus direitos e seu território sem que haja ocorrido uma consulta e seu “consentimento livre, informado e prévio”.

Esse direito, representado no artigo XXI.2 do Projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que desde 1997 está sendo discutido no âmbito da OEA38  foi reconhecido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seus informes sobre a situação dos direitos humanos em diversos países do continente,39  inclusive no nível contencioso. No Caso 11.140, Mary e Carry Dann versus Estados Unidos,40  ela se pronunciou no seguinte sentido:

Art. 140. A Comissão considera, primeiro, que os artigos XVIII e XXIII da Declaração Americana obrigam especialmente os Estados membros a garantir que toda determinação da medida na qual os reclamantes indígenas mantêm interesses nas terras das quais possuíram tradicionalmente título, e que ocuparam e utilizaram, se baseie em um processo de total informação e mútuo consentimento por parte da comunidade indígena em seu conjunto. Isso requer, no mínimo, que todos os membros da comunidade estejam plena e cabalmente informados da natureza e das conseqüências do processo e seja oferecida a eles uma oportunidade efetiva de participar individual e coletivamente […].

Art. 141. Pelo contrário, apesar de, em alguns momentos da solicitação de Mary e Carry Dann para intervir, ter ficado claro que os interesses coletivos no território Western Shoshone poderiam não ter sido devidamente satisfeitos com os procedimentos iniciados pelo grupo Temoak, os tribunais em última instância não tomaram medida alguma para abordar a substância dessas objeções, mas as desestimularam com base na celeridade dos processos da ICC. Na opinião da Comissão, e no contexto do presente caso, isso não foi suficiente para que o Estado cumprisse sua obrigação particular de garantir que a condição das terras tradicionais Western Shoshone fosse determinada por meio de um processo de consentimento informado e mútuo por parte do povo Western Shoshone em sua totalidade.

Este pronunciamento da Comissão tem especial importância na medida em que pôs fim à controvérsia, uma vez que os Estados Unidos da América não reconhecem a jurisdição da Corte Interamericana. Em iguais condições se pronunciou a Comissão no informe de fundo sobre o caso das comunidades indígenas maia do distrito de Toledo, em Belize.41  Nesse caso, a CIDH considerou:

5. No presente informe, após examinar as provas e os argumentos apresentados em nome das partes, a Comissão concluiu que o Estado violou o direito à propriedade consagrado no artigo XXIII da Declaração Americana e o direito à igualdade consagrado no artigo II da Declaração Americana, em prejuízo do povo maia, ao não adotar medidas efetivas para delimitar, demarcar e reconhecer oficialmente o direito de propriedade comunal às terras que ocuparam e usaram tradicionalmente, e por outorgar concessões madeireiras e petroleiras a terceiros, para utilizar os bens e recursos que poderiam estar compreendidos dentro das terras que devem ser delimitadas, demarcadas e tituladas, sem consultar o povo maia nem obter seu consentimento informado. A Comissão também concluiu que o Estado violou o direito à proteção judicial consagrado no artigo XVIII da Declaração Americana em prejuízo do povo maia ao tornar ineficazes as atuações judiciais interpostas por este à raiz de uma demora não razoável.

A estreita relação e interdependência entre território, consulta prévia, consentimento prévio e direitos econômicos, sociais e culturais, fica bastante explícita neste informe da CIDH:

153. Além disso, a Comissão chega à conclusão de que o Estado, ao outorgar concessões madeireiras e petroleiras a terceiros que permitem utilizar os bens e os recursos que poderiam estar compreendidos pelas terras que devem ser delimitadas, demarcadas e tituladas, ou aclaradas e protegidas por outros mecanismos, sem consulta efetiva e sem consentimento informado do povo maia, e que deram lugar a um prejuízo contra o meio ambiente, também viola o direito de propriedade consagrado no artigo XXIII da Declaração Americana em prejuízo do povo maia.

154. Finalmente, a Comissão observa a afirmação dos peticionários de que o Estado, ao não estabelecer consultas substanciais ao povo maia em relação às concessões madeireiras e petroleiras no distrito de Toledo, as quais provocaram efeitos ambientais negativos, violou outros vários direitos consagrados no direito internacional em matéria de direitos humanos, incluindo o direito à vida, disposto no artigo I da Declaração Americana, o direito à liberdade de religião e culto, disposto no artigo III da Declaração Americana, o direito à família e à sua proteção, disposto no artigo VI da Declaração Americana, o direito à preservação da saúde e do bem-estar, disposto no artigo XI da Declaração Americana, e o “direito à consulta”, implícito no artigo 27 do PIDCP, no artigo XX da Declaração Americana e no princípio de livre determinação.

155. Em sua análise do caso, a Comissão sublinhou o caráter singular do direito de propriedade aplicado aos povos indígenas, posto que as terras tradicionalmente utilizadas e ocupadas por essas comunidades são um fator primordial de sua vitalidade física, cultural e espiritual. Como reconheceu a Comissão anteriormente com relação ao direito de propriedade e ao direito de igualdade, “o livre exercício de tais direitos é essencial para o gozo e a perpetuação de sua cultura”.Analogamente, o conceito de família e religião dentro do contexto das comunidades indígenas, incluindo o povo maia, está intimamente vinculado a suas terras tradicionais, em que os cemitérios de seus ancestrais, os lugares de significado religioso e as modalidades de culto se relacionam com a ocupação e o uso de seus territórios físicos. Além disso, na análise deste caso, a Comissão chegou especificamente à conclusão de que o dever de consultar é um componente fundamental das obrigações do Estado para levar a cabo o direito de propriedade comunal do povo maia nas terras que usaram e ocuparam tradicionalmente.

A Corte, por sua vez, ainda não se posicionou a respeito do tema. No Caso Awas Tingni, não se pronunciou sobre a alegação feita pela Comissão Interamericana em seu arrazoado final, no sentido de que, “ao ignorar e rechaçar a demanda territorial da comunidade e ao outorgar uma concessão para aproveitamento florestal dentro da terra tradicional da comunidade sem consultar sua opinião, ‘o Estado violou uma combinação’ dos seguintes artigos consagrados na Convenção: 4 (Direito à Vida); 11 (Proteção da Honra e da Dignidade); 12 (Liberdade de Consciência e de Religião); 16 (Liberdade de Associação); 17 (Proteção à Família); 22 (Direito de Circulação e Residência); e 23 (Direitos Políticos)”. A Corte limitou-se a indicar o resolvido nessa mesma sentença em relação ao direito à propriedade e ao direito à proteção judicial dos membros da comunidade Awas Tingni, e, além disso, desestimou a violação dos direitos consagrados nos artigos mencionados porquanto em seu arrazoado final a Comissão não a fundamentou.

09

À guisa de conclusão

a) O Sistema Interamericano de Direitos Humanos está demonstrando sua importância como dinamizador do processo de ampliação e aprofundamento da proteção internacional dos direitos humanos, na medida em que suas sentenças, por meio de interpretações evolutivas da Convenção Americana, conseguem estender o significado e o alcance dos direitos nela consagrados, até abarcar de maneira ampla as novas realidades a serem enfrentadas.

Enquanto a ampliação da abrangência da cobertura dos direitos humanos na região e no sistema internacional caminha excessivamente devagar nos processos de geração de novos instrumentos internacionais, a jurisprudência é mais ágil e talvez inclusive mais efetiva.

b) Os importantes avanços realizados pela Corte Interamericana no desenvolvimento do direito à propriedade em relação aos territórios indígenas estiveram orientados por uma compreensão do território como base material e espiritual dos DESC dos povos indígenas.

Nessa medida, as sentenças que a Corte pronunciou nos últimos anos, tutelando a relação especial entre os povos indígenas e seu território, são sentenças que, superando na prática qualquer debate doutrinal sobre a justiça dos DESC, demonstram que esses direitos puderam ser suscetíveis de proteção por via da justiça internacional. Sentenças como as de Awas Tingni e Yakye Axa são nitidamente sentenças de DESC, na medida em que prevêem a qualidade de vida como um direito coletivo das comunidades, vinculado indissoluvelmente a seu território.

c) As sentenças que passamos em revista neste trabalho deixam ver com clareza que a violação de direitos humanos provoca reações diferentes se se opõem às populações indígenas, e portanto requerem medidas reparatórias que se fundamentem nas particularidades étnicas. Ainda resta um longo caminho a ser percorrido nesta matéria. A principal medida ainda adotada pela Corte para reparar danos imateriais da população indígena é a indenização pecuniária. Devia-se interrogar sobre os impactos não desejáveis que esse tipo de medidas pode ter, inclusive, sobre a vida de comunidades com pouca relação com a economia de mercado.

É necessário ser muito criativo para encontrar-se novas propostas de medidas de satisfação que cumpram o objetivo de restaurar sérias situações de deterioração da auto-estima e da identidade étnica de comunidades e povos indígenas submetidos a violações de seus direitos humanos.

Em casos como o de Plan Sánchez, começou-se a pensar em medidas etnicamente adequadas. Deve-se seguir explorando essa linha.

d) Provavelmente, casos de direitos indígenas vinculados à exploração de recursos naturais em seu território, que potencialmente chegarão à resolução da Corte Interamericana nos próximos anos, serão oportunidades para que esse alto tribunal se pronuncie assentando jurisprudência a respeito do direito à consulta e ao consentimento livre, informado e prévio, o que, sem a menor dúvida, será importante para garantir o território dos povos como base material de sua vida e de seus direitos econômicos, sociais e culturais.

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Notas

1. Ver, por exemplo, Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Reporte sobre la situación de los derechos humanos del segmento de la población nicaragüense de origen Miskito, 9 de novembro de 1983, e Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Resolução n. 12/85, Caso n. 7615 contra Brasil (Caso Yanomami), 5 de março de 1985. Os informes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos se encontram disponíveis na internet em e .

2. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingniversus Nicarágua, Sentença de 31 de agosto de 2001, disponível na internet em e .

3. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Massacre de Plan de Sánchez versusGuatemala, Sentença de 19 de novembro de 2004 (Reparações), disponível na internet em e .

4. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Comunidade Moiwana versus Nicarágua, Sentença de 15 de junho de 2005, disponível na internet em e .

5. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Comunidade Indígena Yakye Axa versusParaguai, Sentença de 17 de junho de 2005, disponível na  internet em e .

6. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Yatama versus Nicarágua, Sentença de 23 de junho de 2005, disponível na  internet em e .

7. Em 1989, a Assembléia Geral da OEA determinou a redação de um instrumento interamericano sobre os direitos dos povos indígenas. Desde 1992 a Comissão Interamericana empreendeu o processo de elaboração de um projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Até o momento a Comissão aprovou uma versão em 1995, e suas modificações, aprovadas em 1997, continuam em discussão. Fergus Mackay, Los derechos de los pueblos indígenas en el sistema internacional, 1. ed. Lima, APRODEH, 1999.

8. “As bases da progressividade estão na concepção mesma da proteção internacional. Os distintos instrumentos sobre a matéria contêm declarações de vontade explícitas sobre a necessidade de novos desenvolvimentos que ampliem e consolidem o que neles se recolhe.” Pedro Nikken, “Introducción a la protección internacional de los derechos humanos”. XIX Curso interamericano de derechos humanos, San José, Costa Rica, IIDH, 19 a 28 de julho de 2001.

9. “Os termos de um tratado internacional de direitos humanos têm sentido autônomo, pelo que não podem ser equiparados ao sentido que lhes é atribuído no direito interno. Além disso, ditos tratados de direitos humanos são instrumentos vivos cuja interpretação tem que se adequar à evolução dos tempos e, em particular, às condições de vida atuais” (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Awas Tingni, op. cit., parágrafo 146).

10. A Corte Interamericana de Direitos Humanos manifestou esse critério na Opinião Consultiva OC-18/03, Condición Jurídica y Derechos de los migrantes indocumentados.

11. “No presente caso, ao analisar os alcances do citado artigo 21 da Convenção, o Tribunal considera útil e apropriado utilizar outros tratados internacionais distintos à Convenção Americana, tais como o Convênio 169 da OIT, para interpretar suas disposições de acordo com a evolução do sistema interamericano, levando em consideração o desenvolvimento experimentado nessa matéria no Direito Internacional dos Direitos Humanos” (Sentença Yakye Axa, op. cit., parágrafo 127).

12. Voto razoado concorrente do juiz Sergio García Ramírez à Sentença do Caso Awas Tingni.Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Awas Tingni, op. cit.

13. Idem.

14. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Caso Yakye Axa, op. cit., parágrafo 126.

15. No entanto, o direito à propriedade não é o único para o qual a Corte Interamericana, graças a uma interpretação evolutiva, ampliou seu significado e alcance, para fazer com que abarcasse as realidades próprias dos povos indígenas. No Caso Yatama, que se refere a direitos políticos, a Corte considerou que os artigos 23 e 24 da Convenção Americana, que se referem, o primeiro, aos direitos a participar na direção dos assuntos públicos, a eleger e ser elegido mediante eleições autênticas com sufrágio universal, igual e secreto, e a aceder em igualdade de condições às funções públicas, e, o segundo, à igualdade ante a lei, incorporam o direito dos membros das comunidades indígenas e étnicas a que o exercício de seus direitos políticos  seja feito “de acordo  com seus valores, usos, costumes e formas de organização, sempre que sejam compatíveis com os direitos humanos consagrados na Convenção” (parágrafo 225, Sentença caso Yatama).

16. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença do Caso Yakye Axa, op. cit., parágrafo 130.

17. Ibid., parágrafo 144.

18. Ibid., parágrafos 146 e 147.

19. Ibid., parágrafo 148.

20. Ibid., parágrafo 149.

21. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Caso Awas Tingni, op. cit., parágrafo 149.

22. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Caso Yakye Axa, op. cit., parágrafo 137.

23. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Caso Awas Tingni, op. cit., parágrafo 144.

24. Ibid., parágrafo 149.

25. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Caso Yakye Axa, op. cit., parágrafos 167 e 168.

26. “A garantia do direito à propriedade comunitária dos povos indígenas deve levar em conta que a terra está estreitamente relacionada com suas tradições e expressões orais, seus costumes e línguas, suas artes e rituais, seus conhecimentos e usos relacionados com a natureza, suas artes culinárias, o direito consuetudinário, sua vestimenta, filosofia e valores. Em função de seu entorno, sua integração com a natureza e sua história, os membros das comunidades indígenas transmitem de geração em geração esse patrimônio cultural imaterial, que é recriado constantemente pelos membros das comunidades e grupos indígenas”, ibid., parágrafo 154.

27. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Yatama versus Nicarágua, Sentença de 23 de junho de 2005, op. cit., parágrafo 201.

28. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Caso Awas Tingni, op. cit., parágrafo 164.

29. Ibid., parágrafo 167.

30. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Caso Yakye Axa, op. cit., pontos resolutivos 6 a 10.

31. Ibid., pontos resolutivos 11 e 12.

32. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Caso Moiwana, op. cit., parágrafos 216 a 218.

33. Ibid., parágrafos 195 e 196.

34. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Caso Plan de Sánchez, op. cit., parágrafos 49.13 e 49.14.

35. Ibid., parágrafo 49.16.

36. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Caso Yatama, op. cit., parágrafo 246.

37. Ibid., ponto resolutivo 12.

38. Ver OEA/Ser/L/V/.II.95 Doc. 6, 1997.

39. Ver, por exemplo, Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Reporte sobre la situación de los derechos humanos del segmento de la población nicaragüense de origen Miskito,Segunda Parte, Seção E, parágrafo 27, 1983; Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Tercer Informe sobre la situación de los derechos humanos en Colombia, Capítulo X, Los derechos de los indígenas, J. Recomendações, 4, 1999; e Comissão Interamericana de Direitos Humanos,Segundo informe sobre la situación de los derechos humanos en Perú, Capítulo X, Los derechos de las comunidades indígenas, H. Recomendações, 4, 2000.

40. Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Informe de Fundo n. 75/02, 27 de dezembro de 2002.

41. Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Informe de Fundo n. 40/04,  Caso 12.053 (Comunidades Indígenas Maia do Distrito de Toledo versus Belize), 12 de outubro de 2004.

Mario Melo

Mario Melo, advogado equatoriano, trabalha há vinte anos na defesa dos direitos dos povos indígenas. Advogado no caso Sarayaku na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Professor de Direito na Universidade Andina Simón Bolívar e Coordenador do Centro de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Equador.

Original em Espanhol. Traduzido por Cecília Ramos.