No ensaio são abordados alguns casos dos sistemas global, interamericano, africano e europeu de proteção dos direitos humanos para situar a questão da jurisdição militar em uma perspectiva regional, da normatividade, jurisprudência e outras fontes de direito que possam ser úteis para compreender e agir adequadamente em casos nos quais a jurisdição militar é aplicada extensivamente a civis, sejam eles sujeitos ativos ou passivos. É feita uma menção especial às Sentenças dos casos Rosendo Radilla Pacheco contra Estados Unidos Mexicanos, emitida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em novembro de 2009, e Öcalan contra Turquia, emitida pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos em maio de 2005.
Tanto o direito internacional dos direitos humanos quanto o direito internacional humanitário coincidem em reconhecer uma série de princípios aplicáveis à administração de justiça que inclui a jurisdição militar. Entre esses princípios encontramos a igualdade perante os tribunais; o direito de toda pessoa ser julgada por tribunais competentes, independentes e imparciais, preestabelecidos pela lei; o direito a um recurso efetivo; o princípio de legalidade; e o direito a um julgamento efetivo, equitativo e justo. Nesse sentido, manifesta-se o artigo 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), cujas disposições, como frisa o Comentário Geral No. 32 do Comitê de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) (COMISIÓN DE DERECHOS HUMANOS, 2007), “são aplicadas a todos os tribunais e cortes de justiça compreendidos no âmbito desse artigo, sejam eles ordinários ou especializados, civis ou militares”.
Pois bem, a questão que problematiza a jurisdição militar é a de determinar se uma autoridade dessa espécie é competente para julgar civis ou militares que cometeram atos constitutivos de violações dos direitos humanos de civis, à luz de princípios como o devido processo legal, a independência e a imparcialidade das autoridades judiciais.
Um ponto de partida adequado para abordar a questão consiste em considerar o princípio da especialidade , que mereceu a atenção do CDH – ONU e de vários relatores da Organização, foi amplamente discutido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e abordado tanto pela Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), quanto pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) em várias de suas resoluções. O princípio da especialidade atribui jurisdição militar aos crimes cometidos em relação com a função militar, o que a limita a crimes militarescometidos por elementos das forças armadas . O princípio No. 8, “Competência funcional dos órgãos judiciais militares” do projeto de Princípios sobre a Administração de Justiça pelos Tribunais Militares, presente no Relatório do Relator Especial da Subcomissão de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos da ONU (ONU, 2006a) destaca expressamente que “a competência dos órgãos judiciais militares deveria estar limitada às infrações cometidas dentro do âmbito estritamente castrense pelo pessoal militar.”
A Corte IDH coincide com este critério no parágrafo 272 da Sentença do caso Rosendo Radilla contra Estados Unidos Mexicanos (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a), afirmando que: “[…] em um Estado Democrático de Direito, a jurisdição penal militar deve ter um alcance restrito e excepcional e se destinar à proteção de interesses jurídicos especiais, ligados às funções próprias das forças militares”.
Repitamos: trata-se de uma jurisdição 1) restrita, 2) excepcional e 3) de competência funcional. Restringe-se precisamente à função que é matéria de sua competência, e por isso seu uso deve ser excepcional em uma democracia.
Apesar do que foi anteriormente dito, a mencionada excepcionalidade raras vezes tem sido verdadeiramente excepcional, e isto ocorre cada vez menos. Não só convivemos cotidianamente com guerras “preventivas” cujos motivos se diluem diante do menor exame, como também se tornam habituais casos em que os exércitos ampliam seus âmbitos normais de atuação (por exemplo, sua crescente participação em tarefas de segurança pública em vários países do mundo), assim como os abusos gerados por essa extensão, ultrapassando os limites de sua especialidade. Os exércitos de hoje também costumam empreender pesquisas penais “preventivas” e tarefas de contra insurgência “preventivas”.
Abundam exemplos da crescente excepcionalidade legalizada do direito, mas talvez uma de suas facetas mais alarmantes seja a aplicação extensiva da jurisdição militar, cujo impacto afeta o conjunto de direitos das pessoas atingidas e altera, como já foi dito, a tênue linha da especialidade que distingue uma democracia de outro tipo de regime político.
Com relação a esse ponto, o Relator Especial sobre a Independência dos Juízes e Advogados da Organização das Nações Unidas, Leandro Despouy, indicou o seguinte em seu segundo Relatório à Assembleia Geral de 25 de setembro de 2006 (ONU, 2006b):
Nos últimos anos o Relator Especial tem notado com preocupação que a extensão da jurisdição dos tribunais militares continua representando um grave obstáculo para muitas vítimas de violações de direitos humanos em sua busca por justiça. Em um grande número de países, os tribunais militares continuam julgando militares responsáveis por graves violações de direitos humanos, ou julgando civis, em franca violação dos princípios internacionais aplicáveis a essa matéria, e que em alguns aspectos transgridem inclusive suas próprias legislações nacionais.
O Relatório nos oferece uma relevante visão panorâmica do problema quando faz referência a alguns aspectos, como:
1. Devido à promulgação de uma nova Constituição, na qual se estabeleceu o princípio do foro pessoal, a República Democrática do Congo aplicava o foro militar a praticamente todos os crimes cometidos tanto por militares quanto por civis, incluindo aí os crimes contra a humanidade.
2. Em países do mundo islâmico, como Egito e Tunísia, a jurisdição militar julgava civis em virtude das disposições antiterroristas adotadas por esses países. No caso tunisiano, as decisões dos tribunais militares são irrecorríveis. Outro caso mencionado no Relatório é o da Jordânia, país que conta com tribunais de segurança nacional formados por dois juízes militares e um civil. Todo suposto crime contra a segurança nacional cometido por militares ou civis é julgado por esses tribunais que, devido à participação de militares em sua composição, constituem uma forma de jurisdição especial.
3. Sobre a Ásia, o Relator Especial expõe com preocupação o caso cambojano, no qual, em violação ao direito internacional e ao próprio direito interno, os tribunais militares julgam civis e permitem a impunidade de militares envolvidos na prática de crimes, tais como execuções sumárias. A investigação desses crimes depende da decisão do Executivo. Outro caso preocupante é o do Nepal, cujo sistema normativo permite a extensão da jurisdição militar a casos de desaparecimento forçado, tortura e execuções extrajudiciais. Não se punem os delitos cometidos por militares no exercício das suas funções.
4. O Relatório também faz referência ao caso dos processos e detenções de supostos terroristas em Guantánamo, onde o Poder Executivo dos Estados Unidos da América é o acusador, julgador e defensor dos detainees (“detidos”). Julgados por tribunais militares criados ex professo, os réus careciam de umstatus jurídico definido, eram tratados como “inimigos – combatentes”, sem usufruir dos direitos dos prisioneiros de guerra contemplados pela Convenção de Genebra, e além disso eram julgados por um crime inexistente no direito internacional e até mesmo no direito doméstico (conspiração ) ( cfr. Caso Hamdan contra Rumsfeld de la Corte Suprema de Justicia de los Estados Unidos de América , ONU, 2006b: párr. 53).
Sobre a América Latina, o Relatório do Relator Especial destaca que o problema da jurisdição militar era latente em praticamente toda a região. À luz dos fatos recentes, hoje em dia é possível afirmar sem sombra de dúvida que o problema se agravou e que o México representa um de seus casos mais eloquentes. Em 2009, a Corte IDH emitiu sentença contra o Estado mexicano pelo caso de desaparecimento forçado de Rosendo Radilla Pacheco, no qual a aplicação extensiva do foro militar resultara em mais de trinta anos de ineficácia e impunidade.
Esse caso não representa um fato isolado. Recentemente, a Corte IDH reiterou seus critérios sobre a indevida extensão da jurisdição militar mexicana e condenou o Estado mexicano pelos casos – defendidos respectivamente pelo Centro de Direitos Humanos da Montanha “Tlachinollan” e pelo Centro de Direitos Humanos “Miguel Agustín Pro Juárez” (PRODH)–das indígenas tlapanecas Inés Fernández Ortega e Valentina Rosendo Cantú, estupradas por militares que continuam impunes, e o dos camponeses ecologistas Rodolfo Montiel Flores e Teodoro Cabrera García, ilegal e arbitrariamente detidos e torturados por militares que também não foram punidos ( CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2010a, 2010b, 2010c). Todos esses casos e outros similares 1 estão diretamente relacionados à injustificada ampliação da função militar, cuja manutenção está representando graves custos humanos, políticos, jurídicos e sociais, derivados da impunidade e da ruptura das regras democráticas.
Esse aspecto resulta ainda mais preocupante porque o Estado deixou de cumprir sua obrigação–destacada no ponto resolutivo 10 da Sentença da Corte IDH sobre o caso Rosendo Radilla -, de reformar o artigo 57, fração II, inciso a) do Código de Justiça Militar, cuja falta de precisão permite que ele seja invocado para aplicar extensivamente o foro militar a civis, em violação ao direito internacional e ao artigo 13 da Constituição mexicana.
Diante da problemática generalizada e grave que a questão envolve, torna-se imperioso contar com elementos de direito para compreender e agir de forma adequada a fim de exigir justiça nesses casos. Por isso, os seguintes capítulos tentam explicitar as razões vertidas pelos órgãos dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, que estabelecem que a aplicação extensiva da jurisdição militar a atos ou omissões de ativos das Forças Armadas contra civis constitui uma violação dos direitos humanos, com o efeito de perpetuar a impunidade e incentivar os sujeitos ativos a repetir esses fatos.
No tocante aos instrumentos do sistema global, tanto os artigos 8 e 10 da Declaração Universal de Direitos Humanos, quanto os artigos 2.3 a) e 14 do PIDCP, consagram o direito de toda pessoa de ser ouvida publicamente (princípio de publicidade) e com as devidas garantias (incluídas no conceito de “devido processo legal”) por tribunais competentes, independentes e imparciais, estabelecidos pela lei(princípio de legalidade) 2, bem como de contar com um recurso efetivo perante tais tribunais, que amparem a pessoa “contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição ou pela lei”, ou por esses mesmos instrumentos internacionais. Esse recurso efetivo poderá ser interposto mesmo nos casos em que a violação tiver sido cometida por pessoas que estavam desempenhando suas funções oficiais.
No mesmo sentido e praticamente nos mesmos termos pronunciam-se tanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos “Pacto de São José” (a partir deste momento denominada “Convenção Americana”) em seus artigos 8.1, 8.5 e 25, como a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais (a partir de agora, “Convenção Europeia”) em seus artigos 5, 6, 7 e 13. Por sua vez, o artigo 7.1 da Carta Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos “Carta de Banjul” (a seguir, “Carta Africana”) reconhece o direito de toda pessoa de recorrer aos órgãos nacionais competentes contra atos de violação de seus direitos fundamentais, assim como de ser julgada por uma corte ou tribunal competente e imparcial. O inciso 2 desse artigo inclui o princípio da legalidade.
Como já comentamos, essas disposições são aplicáveis a toda jurisdição, incluindo a militar. Cabe destacar o fato de que existem muito poucas normas internacionais que se referem explicitamente à proibição da aplicação da jurisdição militar. Nesse sentido, podemos citar o artigo IX da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (CIDFP) (OEA, 1994), que afirma em seus dois parágrafos iniciais:
IX. Os suspeitos dos atos constitutivos do delito de desaparecimento forçado de pessoas só poderão ser julgados pelas jurisdições de direito comum competentes em cada Estado, com exclusão de qualquer outra jurisdição especial, em particular a militar.
Os atos constitutivos do desaparecimento forçado não poderão ser considerados como cometidos no exercício das funções militares. […].
Além dos relatórios já mencionados sobre a independência dos magistrados e advogados, entre os quais vale a pena destacar o Relatório à Assembleia Geral de 25 de setembro de 2006 (ONU, 2006a) e o Projeto de princípios sobre a administração de justiça pelos tribunais militares (ONU, 2006b), encontramos também o Conjunto de Princípios Atualizados para a Proteção e a Promoção dos Direitos Humanos mediante a Luta contra a Impunidade, recomendados pela Comissão de Direitos Humanos da ONU (COMISIÓN DE DERECHOS HUMANOS, 2005), cujo princípio 29 estipula que
A competência dos tribunais militares deverá limitar-se às infrações de caráter especificamente militar cometidas por militares, com exclusão das violações dos direitos humanos, as quais são competência dos tribunais nacionais ordinários ou, se o caso, quando se tratar de delitos graves conforme o Direito Internacional, de um tribunal penal internacional ou internacionalizado.
Da mesma forma, o Relator Especial das Nações Unidas sobre Tortura, no Relatório que emitiu sobre sua visita ao México em 1997 ( ONU, 1998), recomenda ao Estado mexicano, no parágrafo 88, que as violações aos direitos humanos cometidas por militares contra civis sejam investigadas e julgadas pela justiça civil, “independentemente do fato de terem ocorrido em ato de serviço.”
Em consonância com os pontos anteriores, a Relatora Especial das Nações Unidas sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias recomendou no Relatório sobre sua visita ao México em 1999 (ONU, 1999), que o Estado deve garantir que o foro civil seja o encarregado de investigar as violações aos direitos humanos cometidas contra civis, além de recomendar a desmilitarização da sociedade, evitar delegar às forças armadas a manutenção da ordem pública ou o combate ao crime e gerar as reformas necessárias para que a justiça civil julgue os violadores de direitos humanos (cfr. ONU, 1999, párr. 107).
Por sua vez, o sistema africano conta com os Princípios e Diretrizes sobre o Direito a um Julgamento Justo e à Assistência Legal na África (COMISIÓN AFRICANA DE DERECHOS HUMANOS Y DE LOS PUEBLOS, 2001), que estabelecem no princípio L a proibição de que os tribunais militares julguem civis. Nesse documento destaca-se que essa proibição constitui um direito de todo civil, como se aprecia na redação:
L. RIGHT OF CIVILIANS NOT TO BE TRIED BY MILITARY COURTS:
a) The only purpose of Military Courts shall be to determine offences of a purely military nature committed by military personnel.
b) While exercising this function, Military Courts are required to respect fair trial standards enunciated in the African Charter and in these guidelines.
c) Military courts should not in any circumstances whatsoever have jurisdiction over civilians. Similarly, Special Tribunals should not try offences which fall within the jurisdiction of regular courts. 3
Cabe destacar que na região da Ásia-Pacífico, a LAWASIA (Associação Jurídica para a Ásia e o Pacífico, de acordo com sua sigla em inglês) emitiu em 1995 a Declaração de Beijing dos Princípios sobre a Independência do Poder Judiciário (LAWASIA, 1995), cujo princípio número 44 postula que a jurisdição dos tribunais militares deve se limitar a crimes militares. Sempre deve existir o direito de apelar das decisões desses tribunais perante uma corte ou tribunal de apelação legalmente qualificado, ou outro recurso mediante o qual possa ser solicitada a nulidade das atuações militares.
A jurisprudência contenciosa contém importantes considerações e conclusões sobre a jurisdição militar em casos concretos em que se evidenciou sua ilegitimidade no tratamento de civis como sujeitos ativos ou passivos.
No sistema europeu temos, entre alguns exemplos relevantes, as sentenças do TEDH correspondentes aos casos Incal contra Turquia (TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 1998a), Çiraklar contra Turquia (TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 1998b), Gerger contra Turquia (TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 1999a), Karatas contra Turquia (TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 1999b) e Öcalan contra Turquia (além dos casos sobre independência e imparcialidade dos tribunais em geral, que incluem, por exemplo, os casos Ergin contra Turquia, Chipre contra Turquia, Refinarias Stan Greek e Stratis Andreadis contra Grécia, Findlay contra Reino Unido e Ringeisen contra Áustria).
Nos casos Incal, Gerger, Karatas e Çiraklar, a jurisdição militar turca (sob a figura das Cortes de Segurança Nacional, compostas por um juiz militar e dois civis) ampliou seu âmbito de competência ao julgar diversos crimes consistentes na incitação ao ódio, ao separatismo e à violência, extensão que viola os princípios de competência, independência e imparcialidade, bem como a própria Constituição turca em seu artigo 138 parágrafos 1 e 2 (cfr. TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 1998a, caso Incal apartado C.II. y párr. 27). Uma consideração importante oferecida pelo TEDH pode ser lida no parágrafo 65 da Sentença do caso Incal, que estipula que a independência do tribunal, nos termos do artigo 6 da Convenção Europeia, requer inter alia que esta se verifique na designação de seus integrantes, na existência de salvaguardas contra pressões externas, bem como na questão sobre a aparência de independência. Sobre a imparcialidade, o TEDH destaca duas maneiras de confirmá-la: tentar determinar a convicção pessoal do juiz em um caso dado e verificar se o juiz oferece garantias suficientes para excluir toda dúvida legítima a esse respeito. O TEDH considerou que Incal podia duvidar legitimamente da independência e imparcialidade da Corte de Segurança Nacional devido à sua composição semimilitar, o que podia levar à influência indevida de considerações que não tinham nenhuma relação com a natureza de seu caso ( TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 1998a, párr. 72).
No tocante ao sistema africano, alguns exemplos destacados são as decisões sobre os casos Wahab Akamu e outros contra a Nigéria (COMISIÓN AFRICANA DE DERECHOS HUMANOS Y DE LOS PUEBLOS, 1995), Abdoulaye Mazou contra Camarões (COMISIÓN AFRICANA DE DERECHOS HUMANOS Y DE LOS PUEBLOS, 1997), Oladipo Diya e outros contra a Nigéria (COMISIÓN AFRICANA DE DERECHOS HUMANOS Y DE LOS PUEBLOS, 1998), e um caso de 24 soldados representados pela organizaçãoForum of Conscience contra Serra Leoa (COMISIÓN AFRICANA DE DERECHOS HUMANOS Y DE LOS PUEBLOS, 2000).
Nessas decisões, a CADH considera que os tribunais militares não são questionados pelo mero fato de estarem compostos por oficiais do exército, mas pelo fato de que ajam ou não com justiça, equidade e imparcialidade (cfr. COMISIÓN AFRICANA DE DERECHOS HUMANOS Y DE LOS PUEBLOS, 1998, párr. 27). Estabelece também que, independentemente do caráter dos membros individuais dos tribunais que contam com participação militar, sua composição gera a aparência ou inclusive a falta real de imparcialidade, violando assim o artigo 7.1 inciso d) da Carta Africana (cfr. COMISIÓN AFRICANA DE DERECHOS HUMANOS Y DE LOS PUEBLOS, 1998, párr 14; COMISIÓN AFRICANA DE DERECHOS HUMANOS Y DE LOS PUEBLOS, 1997, apartado de méritos). Isto é, além de ser imparcial, o tribunal deve também parecer imparcial; além disso, daí provém a possibilidade de que a vítima não esteja obrigada a demonstrar que os juízes ou autoridades de qualquer tipo que integram um órgão próprio da jurisdição militar são parciais ou carecem de independência, mas que isto deriva da própria estrutura desses órgãos ( cfr. O’DONNELL, 2004, p. 388).
Talvez devido à experiência de severas ditaduras militares na América Latina, a jurisprudência da Corte IDH sobre jurisdição militar é a mais abundante. Muitas das principais considerações do tribunal interamericano são encontradas nas sentenças relativas aos casos Castillo Petruzzi e outros contra o Peru (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 1999, párr. 128); Durand e Ugarte contra o Peru (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2000a, párr. 117); Cantoral Benavides contra o Peru (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2000b, párr. 112); Las Palmeras contra a Colômbia ( CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2000c, párr. 51); 19 Comerciantes contra a Colômbia (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2002, párr. 165); Lori Berenson Mejía contra o Peru (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2004, párr. 142); Massacre de Mapiripán contra a Colômbia (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2005a, párrs. 124 y 132); Massacre de Pueblo Bello contra a Colômbia (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2006a, párr. 131); La Cantuta contra o Peru (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2006b, párr. 142); Massacre da Rochela contra a Colômbia (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2008a, párr. 200); Escué Zapata contra a Colômbia (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2008b, párr. 105), e Tiu Tojín contra a Guatemala (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2008c, párr. 118), entre outros. Em todas elas, a Corte IDH insiste na necessidade de manter a jurisdição militar como um foro restrito, excepcional e funcional. Muitas dessas considerações são encontradas na Sentença do caso Rosendo Radilla contra os Estados Unidos Mexicanos, de cuja análise ocupar-nos-emos no seguinte capítulo como estudo de caso.
A Sentença da Corte IDH sobre o caso Rosendo Radilla contra Estados Unidos Mexicanos (caso 12.511) de 23 de novembro de 2009 (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a) representa, sobretudo, um triunfo significativo do movimento de familiares e vítimas dos crimes cometidos pelo Estado durante a “guerra suja”, que durante décadas lutaram para obter justiça pelas violações sistemáticas e maciças dos direitos humanos ocorridas durante esse período.
Como já foi mencionado, o caso do Sr. Radilla demorou cerca de trinta e cinco anos até chegar à Corte IDH. Em 2001, quando o caso foi apresentado perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pelos familiares das vítimas, apoiados pela Associação de Familiares de Presos, Desaparecidos e Vítimas de Violações aos Direitos Humanos no México (AFADEM) e pela Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos A.C. (CMDPDH), 27 anos depois de exigir justiça às autoridades nacionais, a Secretaria de Relações Exteriores argumentou que os autores da ação não tinham esgotado as instâncias legais internas. A CIDH concluiu em 2005 que 31 anos de ineficácia dos recursos internos justificavam a intervenção da corte regional na matéria. Foram necessários 35 anos para que finalmente o Estado mexicano fosse condenado por um das centenas de casos de impunidade, dor e injustiça daquela época.
A Sentença também representa um importante precedente para a compreensão do impacto da aplicação extensiva da jurisdição militar a atos constitutivos de violações de direitos humanos dos civis. Consideraremos este aspecto da sentença em três subtítulos: a) a incompetência da jurisdição militar para conhecer desses casos, b) a falta de proteção judicial dos civis na jurisdição militar e c) a imposição de reservas e declarações interpretativas em casos de crimes contra a humanidade sob a jurisdição militar.
Conforme o sistema interamericano e levando em consideração os princípios de independência e imparcialidade dos juízes, por que a jurisdição militar é incompetente para conhecer de casos de violações de direitos humanos de civis?
No parágrafo 266 da Sentença do caso Rosendo Radilla, a Corte IDH expõe o fato de que a CIDH “frisou que a atuação da justiça penal militar constitui uma violação dos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, pois não respeita os padrões do sistema interamericano no tocante a casos que envolvem violações aos direitos humanos, principalmente no ponto que se refere ao princípio do tribunal competente”. Além disso, sua posição foi muito clara ao estabelecer o seguinte no parágrafo 273:
[…] a jurisdição penal militar não é o foro competente para investigar, julgar e sancionar os autores de violações de direitos humanos, pois o processo dos responsáveis por essas violações sempre corresponde à justiça ordinária. […] O juiz encarregado de uma causa deve ser competente, além de independente e imparcial.
(CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a)
Consideremos essa afirmação à luz da legislação mexicana sobre justiça militar. A Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos (a seguir denominada de Constituição mexicana) impõe um limite preciso à extensão do foro castrense, ao estabelecer em seu artigo 13 que:
Ninguém pode ser julgado por leis privativas nem por tribunais especiais. […]. Subsiste o foro de guerra para os crimes e faltas contra a disciplina militar; porém os tribunais militares em nenhum caso e por nenhum motivo poderão estender sua jurisdição sobre pessoas que não pertençam ao Exército. Quando um civil estiver envolvido em um delito ou falta de ordem militar, encarregar-se-á do caso a autoridade civil correspondente
(ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, 1917)
Apesar da clareza do texto constitucional, o Código de Justiça Militar (a seguir, CJM) define a “disciplina militar” de uma maneira extensiva, aplicando o foro militar a todo crime cometido por militares “nos períodos em que está de serviço ou em função de atos realizados durante o mesmo”, permitindo assim que qualquer crime cometido por militares, seja qual for o bem jurídico afetado, seja investigado pela procuradoria castrense e julgado pelas autoridades do mesmo âmbito.
Da mesma forma, cabe ressaltar que, conforme os artigos 7, 13, 16, 27, 41, 42, 43 e outros do CJM (ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, 1933), o Supremo Tribunal Militar (órgão supremo do sistema mexicano de justiça militar, a seguir STM), os Conselhos de Guerra Ordinários e Extraordinários, os funcionários dos juizados militares, bem como o titular e os agentes da Procuradoria Geral de Justiça Militar (encarregada das investigações em matéria de direito penal militar) são compostos exclusivamente por militares, designados por autoridades militares que, no caso dos magistrados integrantes do STM e do Procurador Geral de Justiça Militar, incluem uma nomeação do Secretário da Defesa Nacional com anuência do Presidente da República, em seu caráter de Comandante Supremo das Forças Armadas do México.
Essa situação evidencia dois elementos característicos da justiça militar mexicana destacados por Federico Andreu Guzmán na perícia que apresentou perante a Corte IDH sobre o caso Radilla: 1) alta dependência dos funcionários do Judiciário e do Ministério Público militares com relação ao Poder Executivo; e 2) um extenso âmbito de competência material que supera o âmbito dos crimes estritamente militares (cfr. ANDREU GUZMÁN, 2009, párr. 11).
O primeiro elemento, que resulta evidente pela composição dos órgãos do sistema mexicano de justiça militar, causa um impacto direto sobre a independência e imparcialidade que deve possuir toda autoridade que assuma funções materialmente jurisdicionais. Esses requisitos não podem se verificar se não for respeitado o princípio da separação de poderes na administração de justiça. A noção de independência da justiça implica que todo tribunal ou juiz deve ser independente do Poder Executivo e do Legislativo, bem como das partes do processo judicial. Essa noção conta com consenso internacional, como pode ser verificado nos já citados relatórios do Relator Especial sobre a Independência dos Juízes e Advogados, no parágrafo 272 da Sentença do caso Rosendo Radilla, e na jurisprudência europeia sobre o tema, como estabelece o parágrafo 49 da Sentença do TEDH sobre o caso Refinarias Stan Greek eStratis Andreadis contra a Grécia (TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 1994), entre outros. No entanto, no caso mexicano ocorre o contrário: o Exército é juiz de sua própria causa e o tribunal que julga não pertence ao Poder Judiciário, mas ao Executivo.
Pois bem, no tocante à competência (também chamada de “princípio do juiz natural”), cabem duas considerações adicionais: atender à competência ratione materiae e à competência ratione pessoae. Sobre a primeira, como já foi dito, existe uma regulação contraditória que confronta a Constituição mexicana com o CJM. O âmbito de competência da jurisdição militar é restritivo na norma primária, enquanto na legislação secundária “tem uma expansão fenomenal”, para usar a expressão de Andreu–Guzmán ( 2009, párr. 6 del peritaje). Esta afirmação se sustenta no fato de que a jurisdição militar no artigo 57 do CJM compreende entre os crimes contra a disciplina militar todo crime comum cometido por militares, entre outras circunstâncias: durante o serviço ou em função de atos do mesmo; em território declarado em estado de sítio ou em lugar sujeito à lei marcial; ou em conexão com um delito estritamente militar, tipificado no Código de Justiça Militar.
Com relação a esse artigo do CJM, a Corte IDH considerou que ele ultrapassa o âmbito estrito e fechado da disciplina militar, resultando mais amplo no tocante ao sujeito ativo, mas também em virtude de que, como afirmou Miguel Sarre em sua perícia para o caso Radilla, “não considera o sujeito passivo” (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 276).
Além do mais,–estabelece o parágrafo citado da Sentença – o perito Federico Andreu-Guzmán, no depoimento prestado perante o Tribunal, frisou que […] que ‘mediante a figura do delito de função ou por ocasião do serviço consagrado pelo artigo 57 do [CJM], a jurisdição penal mexicana tem as características de um foro pessoal ligado à condição de militar do justiçável e não à natureza do delito’ (as citações foram eliminadas).
Devido a essa errônea expansão material, são afetados bens jurídicos que transcendem a disciplina militar invocada pelo Estado. Sobre este particular, a Sentença do caso Radilla indica pontualmente qual é o impacto da aplicação extensiva da jurisdição militar:
274. […] deve-se concluir que se os atos delituosos cometidos por uma pessoa que ostente a qualidade de militar na ativa não afetam os bens jurídicos da esfera castrense, esta pessoa sempre deve ser julgada por tribunais ordinários. Nesse sentido, diante de situações que vulnerem direitos humanos de civis, a jurisdição militar não pode operar sob nenhuma circunstância.
275. […] as vítimas de violações de direitos humanos e seus familiares têm direito de que tais violações sejam conhecidas e resolvidas por um tribunal competente, de conformidade com o devido processo e o acesso à justiça. A importância do sujeito passivo transcende a esfera do âmbito militar, pois estão envolvidos bens jurídicos próprios do regime ordinário.
277. No presente caso, não resta dúvida de que a detenção e posterior desaparecimento forçado do senhor Rosendo Radilla Pacheco, dos quais participaram agentes militares, não têm relação com a disciplina castrense. Em função desses comportamentos foram afetados bens jurídicos, tais como a vida, a integridade pessoal, a liberdade pessoal e o reconhecimento da personalidade jurídica do senhor Rosendo Radilla Pacheco. […] É claro que tais condutas são claramente contrárias aos deveres de respeito e proteção dos direitos humanos e, portanto, estão excluídas da competência da jurisdição militar.
(CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 274, 275, 277)
Ponderando esses argumentos e os apresentados pela defesa dos peticionários, a Corte IDH concluiu que o artigo 57, fração II, inciso a) do CJM ( ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, 1933, párr. 286):
[…] é uma disposição ampla e imprecisa que impede a determinação da estrita conexão do delito do foro ordinário com o serviço castrense objetivamente valorado. A possibilidade de que os tribunais castrenses julguem todo militar imputado por um delito ordinário, pelo simples fato de estar em serviço, implica que o foro é concedido pela mera circunstância de ser militar. Nesse sentido, o fato de que o delito seja cometido por militares nos momentos de serviço ou em função de atos do mesmo não é suficiente para que corresponda à justiça penal castrense.
Apesar do caráter inconstitucional e inadequado com relação aos padrões internacionais da expansão material do foro militar mexicano, o Estado continua permitindo que o Exército julgue seus elementos perante seus próprios tribunais, aplicando sua normatividade especial, vulnerando as garantias processuais das vítimas civis e evitando cumprir com suas obrigações de reformar o CJM (cfr. CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, punto resolutivo 10).
Neste sentido, vale ressaltar a recente decisão da Suprema Corte de Justiça da Nação (SCIN), de 12 de julho de 2011, no âmbito da “Consulta a Trámite en el Expediente Varios 489/2010 Caso Rosendo Radilla Pacheco vs Estados Unidos Mexicanos” (Consulta sobre o Caso 489/2010, Rosendo Radilla Pacheco vs. Estados Unidos Mexicanos), segundo a qual todos os juízes no país no âmbito da jurisdição militar devem aplicar o critério da Corte IDH, no sentido de declinar de sua competência para conhecer de casos de violações de direitos humanos cometidas pelas Forças Armadas, sendo o SCIN o foro competente para decidir os casos de conflito de competência entre autoridades civis e militares. Isto significa que a SCIN, na qualidade de tribunal constitucional, declarará em cada caso concreto a inconstitucionalidade do artigo 57 do Código de Justiça Militar (CJM), enquanto o Congresso não reformar o citado artigo, tal como fora ordenado pela Corte IDH nos casos Radilla Pacheco, Rosendo Cantú, Fernández Ortega y “Campesinos Ecologistas”. Sem dúvida, isto representa um avanço importante no cumprimento da sentença da Corte IDH 4, embora a resolução deste caso somente será plena na medida em que a jurisprudência for implementada e, sobretudo, quando o CJM for reformado, o que compete ao Poder Legislativo.
O problema em pauta é agravado por: a) a inexistência de um recurso efetivo que ampare as vítimas (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 190, 233, 265, 267, 281, 288, 296); b) as reservas e declarações interpretativas interpostas aos tratados internacionais na matéria (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 236, 312 ); c) a inexistência ou inadequação do tipo penal de atos constitutivos de violações dos direitos humanos de civis, tais como desaparecimento forçado e tortura (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 235, 238, 240, 288, 315–324 ); d) a promoção de reformas legislativas tendentes a proteger os responsáveis por graves violações de direitos humanos (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 285, 286, 288 ); e) a negativa de investigar os fatos (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 233 ); f) a negativa de emitir cópias dos processos penais, mesmo no caso de se tratar de graves violações dos direitos humanos, isto é, a negação do direito de toda pessoa de participar do processo do qual é parte (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 182, 222, 248, 252 ); g) a ausência de uma investigação sobre a responsabilidade em uma cadeia de comando, essencial para a identificação dos responsáveis materiais e intelectuais ( CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 205 ); h) a ausência de acesso ao direito à verdade, nos casos próprios da justiça transicional (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 180 ), e i) a criação, em geral, de mecanismos ilusórios que pretendem substituir a punição dos responsáveis e a reparação integral do dano às vítimas (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 179 y 181).
Sobre a inexistência de um recurso efetivo, para atender a uma dessas situações, a Corte IDH reiterou em diversas oportunidades a obrigação dos Estados Parte da Convenção Americana de prover recursos judiciais efetivos às pessoas que alegarem serem vítimas de violações de direitos humanos, como se verifica por meio da leitura do artigo 25 (cfr . CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 1987, párr. 90, Excepciones preliminares del Caso Fairén Garbi y Solís Corrales contra Honduras , ; CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 1988, párr. 91, Caso Velázquez Rodríguez contra Honduras ; CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009b, párr. 110, Caso Kawas Fernández contra Honduras ; CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009c, párr. 122,Caso Anzualdo Castro contra Perú).
O que faz com que um recurso seja efetivo? Um dos aspectos da efetividade dos recursos judiciais é,inter alia, sua diligência, como fica claro por meio da leitura do parágrafo 191 da Sentença do caso Rosendo Radilla. Esse parágrafo recorda que a investigação ministerial implica a “efetiva determinação dos fatos que se investigam e as correspondentes responsabilidades penais em tempo razoável; por isso, devido à necessidade de garantir os direitos das pessoas prejudicadas, uma demora prolongada pode chegar a constituir, por si só, uma violação das garantias judiciais.” Trata-se do periculum in morapositivamente verificado, que prejudica os civis (cfr . CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2005c, párr. 4 inciso c) de la Solicitud de medidas provisionales presentada por la CIDH respecto de los Estados Unidos Mexicanos en el caso Jorge Castañeda Gutman).
Nesse caso, o que tornou ilusório o recurso penal ordinário foi o envolvimento de altos comandos militares nos delitos denunciados pelos familiares do senhor Radilla. Com efeito, pelo seu desaparecimento forçado a Procuradoria Geral da República chamou para prestar depoimento apenas três membros das Forças Armadas que já estavam presos por outros crimes (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 205 caso Rosendo Radilla), no âmbito da breve e ineficiente atuação da “Promotoria Especial para a investigação de fatos provavelmente constitutivos de crimes cometidos por servidores públicos contra pessoas ligadas a Movimentos Sociais e Políticos do Passado” (FEMOSPP, sigla original), cujo propósito era esclarecer os crimes cometidos pelo Estado mexicano contra a população civil durante as décadas de 60 e 70.
O ponto anterior leva-nos a concluir que a independência do tribunal qua ausência de pressões externas é um requisito para a efetividade do recurso do qual a jurisdição militar carece, como se indica na Sentença do caso Radilla e, para citar outro claro exemplo de jurisprudência regional, no parágrafo 65 da Sentença do TEDH sobre o caso Incal contra Turquia (TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 1999a) o requisito de ausência de pressões externas é um elemento central da independência do juiz.
Pois bem, a própria legislação mexicana contém disposições que impedem a efetividade do recurso quando a jurisdição militar se amplia até chegar ao foro pessoal, pelas quais o próprio juicio de amparo(para a proteção das garantias individuais consagradas pela Constituição mexicana) resulta ineficiente. Quando a família do Sr. Radilla tentou levar as investigações à justiça penal ordinária, o Segundo Juizado de Distrito declinou sua competência em prol da jurisdição militar, decisão que motivou a interposição de um juicio de amparo para revogar a resolução. No entanto, o Sexto Tribunal de Distrito rejeitou a demanda em primeira instância alegando que:
No sistema jurídico mexicano, os processos da ordem penal são integrados apenas pelo réu e pelo Ministério Público, titular da ação penal, que exerce o monopólio desta e, portanto, está habilitado para fazer as defesas durante o processo de todos e cada um dos atos que durante este se suscitarem e que afetarem seu bom andamento, [entre] os quais […] se encontram questões procedimentais, como as relativas ao Tribunal perante o qual deve ser apresentado o caso em função do foro, tópico que pode ser analisado através dos recursos de defesa apresentados perante as instâncias competentes em termos do artigo 367, fração VIII, do Código Federal de Processo Penal; recurso que […] só pode ser apresentado pelo Ministério Público, não pela vítima ou seus legítimos representantes, mesmo que eles sejam assistentes do Representante Social […].
Tentou-se combater essa decisão, que invoca uma norma que viola o direito das partes de participar do processo, por meio da interposição de um recurso de revisión perante os Tribunais Colegiados, que confirmaram o descabimento do juicio de amparo sobre o conflito de competência, com o argumento de que o Tribunal Colegiado decidira previamente sobre este particular e que o artigo 73, fração XVI da Ley de Amparo estabelece que este é incabível “quando tiverem cessado os efeitos do ato reclamado”. 5
Por este motivo, a Corte IDH concluiu que os familiares do Sr. Radilla foram privados “da possibilidade de impugnar a competência dos tribunais militares no tocante a assuntos que, por sua natureza, devem corresponder às autoridades do foro ordinário” (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 294 ), pois “para que o Estado cumpra o estabelecido pelo artigo 25 da Convenção, não basta que os recursos existam formalmente, mas é preciso que tenham efetividade nos termos daquele preceito. A Corte [IDH] reiterou que essa obrigação implica que o recurso seja idôneo para combater a violação e que sua aplicação pela autoridade competente seja efetiva” (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 296).
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ONU, 1969) (a seguir, Convenção de Viena) regulamenta em seus artigos 19 a 23 o direito dos Estados de formular reservas aos tratados internacionais. A Corte IDH afirma em sua Opinião Consultiva OC-2/82 que esta normatividade requer uma interpretação integral, levando em consideração que acima de tudo a finalidade dos tratados sobre direitos humanos deve ser a de preservar seu objeto e fim, no tocante a obter o reconhecimento e realização dos direitos consagrados no instrumento em questão.
Pois bem, o Estado mexicano formulou reserva ao artigo IX da CIDFP (citado no apartado sobre normatividade internacional aplicável deste ensaio) nos seguintes termos:
O Governo dos Estados Unidos Mexicanos, ao ratificar a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, adotada na Cidade de Belém, Brasil, em 9 de junho de 1994, formula reserva expressa ao Artigo IX, pois a Constituição Política reconhece o foro de guerra, quando o militar tiver cometido algum ilícito encontrando-se em serviço. O foro de guerra não constitui jurisdição especial no sentido da Convenção, pois de acordo com artigo 14 da Constituição mexicana ninguém poderá ser privado da vida, da liberdade ou de suas propriedades, posses ou direitos, exceto mediante julgamento perante os tribunais previamente estabelecidos, nos quais sejam cumpridas as formalidades essenciais do procedimento e conforme as leis aprovadas antes do fato
(cfr. OEA, 1994, párr. 306).
Naturalmente, esta reserva torna inaplicável o artigo IX da CIDFP, que justamente pretende estabelecer uma regra processual a partir da qual todo ato de desaparecimento forçado seja investigado e julgado pelas autoridades civis, pretendendo, sobretudo, estabelecer recursos judiciais efetivos que protejam as vítimas dos riscos de impunidade associados à falta de independência, imparcialidade e competência do foro militar para tratar desses assuntos (cfr. OEA, 1994, párr. 308). O artigo IX da CIDFP enfatiza especialmente o foro militar ao estabelecer que os fatos de desaparecimento não possam ser interpretados como atos cometidos em exercício das funções militares. No entanto, a reserva mexicana transforma o foro militar em um foro pessoal, violando o direito ao juiz natural e constituindo também uma regra em vez de uma exceção, atentando por estas razões contra o objeto e fim do Tratado e de seu artigo IX, em franca violação ao disposto no artigo 19 da Convenção de Viena.
Por esse motivo, a Corte IDH declarou nula a reserva formulada pelo Estado mexicano ao artigo IX da CIDFP, que pretendia justificar a aplicação extensiva do foro militar a esses casos, por ser contrário ao objeto e fim do tratado (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 312 de la Sentencia).
Finalmente, como epílogo desta seção, cabe mencionar que outro efeito pernicioso da aplicação extensiva da jurisdição militar considerado pela jurisprudência interamericana é o da impunidade resultante da aplicação de leis ou decretos de autoanistia, a configuração de tipos penais que incluem a prescrição de crimes contra a humanidade ou prescrições de curto prazo para outro tipo de crimes lesivos aos direitos humanos, ou mediante a absolvição em casos de crimes contra a humanidade, geralmente acompanhada de investigações não efetivas.
A esse respeito, a Corte IDH foi contundente ao afirmar no parágrafo 41 da Sentença do caso Barrios Altoscontra Peru que
são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis pelas graves violações dos direitos humanos, tais como tortura, execuções sumárias, extralegais ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas por afetar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.
(CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2001, párr. 41).
No mesmo sentido, a Corte CIDH se pronunciou no caso Almonacid Arellano contra Chile (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2006c) com relação à aplicação de autoanistia em prol de servidores públicos que cometem crimes contra a humanidade (cfr. voto do juiz Cançado Trindade).
Na Sentença do caso Rosendo Radilla (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009a, párr. 278 y ss..), a intenção de colocar os tempos processuais em prol da impunidade evidencia-se na alegação do Estado sobre a suposta incompetência ratione temporis desse tribunal para julgar o assunto, em função de que a data de depósito do instrumento de adesão do México à Convenção Americana, bem como, ulteriormente, à CIDFP, eram atos posteriores aos fatos matéria da litis . Por este motivo o Estado afirmou que o caráter continuado do desaparecimento forçado resultava “irrelevante” no processo. O raciocínio da Corte ao desestimar essa alegação estabeleceu que, por suas características, o crime de desaparecimento forçado é um crime de execução permanente, imprescritível, cujos efeitos se prolongam no tempo enquanto não for estabelecido o destino ou paradeiro da vítima, pois se está diante de uma aplicação de normas imperativas do direito internacional geral ( ius cogens ) que comportam um elemento intemporal (OEA, 1994, párr. 15-38).
Outro caso a ser analisado é o de Öcalan contra a Turquia ( TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 2003), no qual nos deparamos com o julgamento de um civil por uma corte com componentes militares. Neste caso destaca-se a violação de dois direitos processuais violados pela jurisdição militar: o direito de toda pessoa a ser julgada por um tribunal independente (artigo 6.1 da Convenção Europeia) e o direito a um julgamento justo (artigo 6.1 combinado com o 6.3). Sobre a questão da independência, o TEDH examinou a composição da Corte de Segurança Nacional (a seguir, CSN) de Ancara. Esta julgou Öcalan por atividades terroristas no marco de suas atividades como fundador e líder do grupo armado Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, na sigla original) e estava composta por dois juízes civis e um militar, de conformidade com o que dispunha a Constituição turca antes da emenda do artigo 143 ocorrida em 1999.
Em 18 de junho de 1999, dando cumprimento à Sentença sobre o caso Incal, a Grande Assembleia da Turquia reformou o artigo 143 da Constituição turca para excluir dos procedimentos perante as CSN os juízes e promotores militares e, de conformidade com a nova legislação, em 23 de junho seguinte o juiz militar do caso Öcalan foi substituído por um civil (cfr. TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 2003, párr. 43 y 44). Seis dias depois, a CSN emitiu a sentença: pena de morte por atividades terroristas e separatistas (cfr. TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 2003, párr. 46).
O TEDH observou que a presença de um juiz militar tornava discutível a independência das CSN com relação ao Poder Executivo (cfr. TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 2003, párr. 112), bem como a independência de qualquer tribunal em uma democracia (cfr. TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 2003, párr. 116). Como nos casos Incal e Iprahim Ülger contra a Turquia , o TEDH observou que Öcalan podia temer legitimamente a possibilidade de que o juiz militar influísse em seu processo devido a razões de natureza diferente das do caso. Inclusive depois que o juiz militar foi substituído por um civil, a dúvida sobre a independência do tribunal (que inclui a independência com relação ao Poder Legislativo) continua tendo sentido, pois as decisões tomadas pelo juiz militar causaram efeitos que perduraram após a sua substituição. O parágrafo 115 da Sentença é muito claro ao afirmar que “sempre que um juiz militar participa de uma decisão interlocutória que é parte integral dos procedimentos contra um civil, todo o processo é privado de sua aparência de ter sido realizado por um tribunal independente e imparcial” (TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 2003 ) 6.
Trata-se de uma conclusão semelhante à exposta pela CADH na Sentença sobre o caso Akamu e outros contra a Nigéria ( COMISIÓN AFRICANA DE DERECHOS HUMANOS Y DE LOS PUEBLOS, 1995 ), na qual questionou a independência dos tribunais previstos pela Robbery and Firearms Act (Lei de roubo e armas de fogo) desse país, compostos por três juízes: um deles civil (que podia ser um juiz aposentado), um oficial do exército, da marinha ou da aeronáutica e outro da polícia, que além de tudo emitiam sentenças irrecorríveis que deveriam ser confirmadas pelo Poder Executivo.
No tocante ao direito a um julgamento justo, encontramos diversas irregularidades tanto antes como ao longo do processo perante a CSN. Para citar apenas alguns exemplos, durante a detenção o preso foi mantido incomunicável durante sete dias e lhe foi negado o acesso a um advogado. Durante o julgamento restringiu-se o número e a duração das reuniões entre o acusado e seus advogados ( cfr.TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 2003, párr. 137); a defesa teve acesso tardio ao processo, violando o princípio de equidade processual (cfr. TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 1991, párr. 36 y 148, y párr. 66 y 67 de la Sentencia del TEDH sobre el caso Brandstetter contra Austria); as duas primeiras audiências ocorreram sem a presença do acusado, violando o direito das partes de participar do procedimento (cfr. TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS, 2003, párr. 37); a CSN negou a Öcalan o direito de exigir que comparecessem como testemunhas os oficiais governamentais que conduziram as negociações de paz com o PKK ( cfr. op. cit , párr. 39), bem como o direito de apresentar documentos adicionais ou de solicitar novas investigações para obter mais provas, com o argumento de que se tratava de táticas dilatórias ( cfr. op. cit , párr. 40).
A observância dos princípios do devido processo e a correta administração de justiça em casos em que está em jogo a vida do acusado adquirem uma importância superlativa ( cfr . op. cit. párr. 136). A esse respeito existe um consenso nas mais recentes disposições europeias, contando-se entre elas a proibição da pena de morte nos artigos 1 comuns aos Protocolos No. 6 e No. 13 da Convenção Europeia, assim como a proibição da pena de morte a terroristas conforme o artigo X.2 das “Diretrizes sobre direitos humanos e luta contra o terrorismo” emitidas pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa em 2002. A Corte IDH também tem proporcionado jurisprudência nesse sentido, ao sustentar no parágrafo 148 da Sentença sobre o caso Hilaire, Constantine e Benjamin e outros contra Trinidad Tobago que “levando em consideração a natureza excepcionalmente grave e irreparável da pena de morte, a observância do devido processo legal, com seu conjunto de direitos e garantias, é ainda mais importante quando estiver em jogo a vida humana.” (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2005b).
Os padrões dos quatro sistemas referidos (global, interamericano, europeu e africano) em geral preveem os mesmos requisitos, cuja observância por parte do Estado exige os direitos relativos ao devido processo legal e o direito ao acesso e à proteção pela justiça. Para fins explicativos, podemos enumerar (sem limitar) entre os primeiros: 1) o reconhecimento das garantias judiciais de toda pessoa (presunção de inocência, direito à defesa, direito ao tempo e aos recursos adequados para preparar a defesa, etc.); 2) a igualdade das partes; 3) o direito de toda pessoa de ser ouvida sem demora; 4) a publicidade dos processos; 5) o direito de estar presente durante o processo; 6) a legalidade dos juízes ou tribunais, o que implica sua existência anterior, bem como a das normas aplicáveis à causa; 7) a competência do referido juiz ou tribunal; 8) sua independência e 9) sua imparcialidade (na qual se deveria acrescentar a independência e imparcialidade do Ministério Público). Por sua vez, entre os segundos se encontram: 1) a disponibilidade do recurso; 2) a garantia do cumprimento das resoluções (que incluem o direito à investigação e sanção das violações dos direitos humanos); 3) a simplicidade e rapidez do processo (estes dois últimos estão previstos na Convenção Americana).
O problema com a aplicação extensiva da jurisdição militar a casos em que civis estão envolvidos como sujeitos ativos ou passivos é que ela viola mais de um desses princípios de acordo com os casos e a jurisprudência regional citados, além de causar impacto na qualidade da democracia do Estado que a aplica. A jurisdição militar completa o círculo da violência do Estado, na qual o interesse jurídico dos civis é excluído ao se violar o direito ao processo perante um juiz competente, independente, objetivo e imparcial, consagrado pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.
A impunidade é o sinal mais evidente de um Estado que não oferece plenas garantias para a realização dos direitos humanos, o que representa um questionamento da autenticidade de sua democracia. A jurisdição militar é, por sua vez, o sinal mais eloquente da impunidade. Trata-se de um voto do Estado em prol da arbitrariedade e da separação da sociedade em privilegiados e excluídos.
Giorgio Agamben afirma em seu livro Estado de excepción (“Estado de exceção”), que desde a Segunda Guerra Mundial “a criação voluntária de um estado de emergência permanente (embora eventualmente não declarado em sentido técnico) se tornou uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, mesmo daqueles que se denominam democráticos” (AGAMBEN, 2007, p. 25). Na verdade, a crescente excepcionalização do direito, refletida na atuação das Forças Armadas em diversos lugares do mundo, gera um sistema paralelo de “justiça”, no qual a arbitrariedade processual premia a arbitrariedade no uso da força e castiga a legítima demanda de respeito e reconhecimento dos direitos humanos de centenas de civis vítimas desses abusos, bem como de sociedades inteiras, expostas a uma situação de vulnerabilidade diante dos excessos do poder. A paz e a justiça são inconcebíveis quando o que deve ser exceção se transforma em regra.
Em função de tudo o que foi anteriormente dito, em um contexto como o atual em que, com os matizes e proporções aplicáveis a cada caso nacional, a expansão do militarismo tenta evitar os contrapesos e limites jurídicos que correspondem aos Estados Democráticos de Direito, os autores esperam compartilhar com o leitor a convicção de que agir a partir do Direito Internacional dos Direitos Humanos contra a aplicação extensiva da jurisdição militar, representa a reivindicação dessas contenções jurídicas e dos mais altos princípios que estimularam as democracias modernas.
1. Para mais detalhes sobre os casos, recomendase a leitura do relatório “Uniform impunity. Mexico’s misuse of military justice to prosecute abuses in counternarcotics and public security operations” (“Impunidade do uniforme. O mau uso da justiça militar pelo México para processor abusos em operações contra os narcóticos e de segurança pública”, tradução livre) (HUMAN RIGHTS WATCH, 2009).
2. A Convenção Americana estipula que o tribunal deve ser estabelecido por lei antes do processo.
3. Em uma tradução livre, este texto diz o seguinte: “L. Direitos dos civis de não serem julgados por tribunais militares.
a) o único propósito dos tribunais militares deve ser determinar crimes de natureza puramente militar cometidos por pessoal militar.
b) no exercício dessa função, exige-se que os tribunais militares respeitem os padrões relativos ao julgamento justo enunciados na Carta Africana e nestas diretrizes.
c) sob nenhuma circunstância, os tribunais militares deverão ter jurisdição sobre civis. Do mesmo modo, os tribunais especiais não tratarão de crimes que caem na jurisdição dos tribunais regulares.”
4. Em 20 de julho de 2011, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, emitiu uma declaração em razão do Dia Internacional da Justiça Penal, em que ressalta a decisão da SCIN nos seguintes termos: “Como Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, eu me junto à comemoração mundial do Dia Internacional da Justiça Penal […] devo relembrar alguns dos muitos avanços positivos que temos presenciado este ano: a prisão e transferência do general Ratko Mladiæ ao Tribunal Penal Internacional para Ex-Iugoslávia; a condenação do general Augustin Bizimungu no Tribunal Penal Internacional para Ruanda; a condenação no mesmo tribunal da ex-ministra de Ruanda Pauline Nyiramasuhuko, por violações cometidas contra mulheres durante o genocídio de Ruanda e por sua responsabilidade como superiora sobre os estupros cometidos pela Interahamwe, entre outros delitos; a recente decisão de um tribunal nacional argentino em Buenos Aires de sentenciar dois ex-membros da junta militar argentina responsável pelo regime repressor entre as décadas de 70 e 80; e a decisão da Corte Suprema do México de julgar em tribunais civis os militares acusados de violações de direitos humanos contra civis”.
5. Vale a pena mencionar que o juicio de amparo precisa da ratificação pessoal do afetado em suas garantias pelos atos de autoridade. Nos casos de desaparecimento forçado, isto torna ilusória a efetividade do recurso.
6. A redação original diz o seguinte: “115. […] where a military judge has participated in an interlocutory decision that forms an integral part of proceedings against a civilian, the whole proceedings are deprived of the appearance of having been conducted by an independent and impartial court.”
Bibliografia e outras fontes
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______.2004. Sentencia del caso Lori Berenson Mejía contra Perú (25 nov. 2004. Serie C No. 119).
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______. 2005c. Resolución sobre la solicitud de medidas provisionales presentada por la CIDH respecto de los Estados Unidos Mexicanos en el caso Jorge Castañeda Gutman.
______. 2006a. Sentencia del caso Masacre de Pueblo Bello contra Colombia (31 enero 2006. Serie C No. 140).
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______. 2006c. Voto particular del juez Cançado Trindade en el caso Almonacid Arellano contra Chile (26 sept. 2006. Serie C No. 154).
______. 2008a. Sentencia del caso Masacre de la Rochela contra Colombia (28 enero 2008 Serie C No. 175).
______. 2008b. Sentencia del caso Escué Zapata contra Colombia (5 mayo 2008 Serie C No. 178).
______. 2008c. Sentencia del caso Tiu Tojín contra Guatemala (26 nov. 2008. Serie C No. 190).
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TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS. 1971. Sentencia del caso Ringeisen contra Austria (2614/65).
______. 1991. Sentencia del caso Brandstetter contra Austria (11170/84, 12876/87, 13468/87).
______. 1994. Sentencia del caso Refinerías Stan Greek y Stratis Andreadis contra Grecia (22/1993/417/496).
______. 1997. Sentencia del caso Findlay contra Reino Unido (110/1995/616/706).
______. 1998a. Sentencia del caso Incal contra Turquía (41/1997/825/1031).
______. 1998b. Sentencia del caso Çiraklar contra Turquía (70/1997/854/1061).
______. 1999a. Sentencia del caso Gerger contra Turquía (24919/94).
______. 1999b. Sentencia del caso Karatas contra Turquía (23168/94).
______. 2001. Sentencia del caso Chipre contra Turquía (25781/94).
______. 2003. Sentencia del caso Öcalan contra Turquía (46221/99).
______. 2004. Sentencia del caso Iprahim Ülger contra Turquía (57250/00).
______. 2006. Sentencia del caso Ergin contra Turquía (47533/99).