O uso do litígio estratégico como uma ferramenta chave para responsabilizar governos pela inação em matéria de mudanças climáticas
Este artigo discute o crescente reconhecimento de graves danos aos direitos humanos decorrentes de mudanças climáticas, e o papel que tribunais e comissões nacionais têm desempenhado — e que provavelmente continuarão a desempenhar — na responsabilização de governos e corporações por tais danos.
No início de novembro de 2013, o tufão Haiyan, o ciclone tropical mais forte registrado na história, depositou resíduos nas áreas centrais das Filipinas. O tufão resultou em mais de sete mil mortes, no deslocamento de mais de quatro milhões de pessoas e provocou um desastre humanitário.11. Angela Sherwood et al., “Resolving Post-Disaster Displacement: Insights from the Philippines after Typhoon Haiyan.” Brookings Institution & IOM, 2014, p. 1, acesso em 30 nov. 2016, https://www.brookings.edu/wp-content/uploads/2016/06/Resolving-PostDisaster-DisplacementInsights-from-the-Philippines-after-Typhoon-Haiyan-June-2015.pdf. Desde então, foi determinado que as mudanças climáticas, as quais causaram a elevação das temperaturas dos oceanos e aumento dos níveis do mar, contribuíram para a intensidade da tempestade.22. Kevin E. Trenberth, John T. Fasullo and Theodore G. Shepherd, “Attribution of Climate Extreme Events,” Nature Climate Change 5 (2015): 725-30.
O tufão Haiyan é apenas um exemplo das consequências cada vez mais generalizadas das mudanças climáticas. Quinze dos dezesseis anos mais quentes registados ocorreram durante o século XXI e 2016 apresentou as temperaturas mais altas de qualquer ano já registrado.33. “NASA, NOAA Analyses Reveal Record-Shattering Global Warm Temperatures in 2015,” NASA, 20 de janeiro de 2016, acesso em 30 nov. 2016, https://www.nasa.gov/press-release/nasa-noaa-analyses-reveal-record-shattering-global-warm-temperatures-in-2015; “NASA, NOAA Data Show 2016 Warmest Year on Record Globally,” NASA, 18 de janeiro de 2017, acesso em 30 nov. 2016, https://www.nasa.gov/press-release/nasa-noaa-data-show-2016-warmest-year-on-record-globally. Este artigo descreve o crescente reconhecimento dos graves danos aos direitos humanos decorrentes das mudanças climáticas e o papel que os tribunais e as comissões nacionais desempenharam – e provavelmente continuarão a desempenhar – ao responsabilizar os governos e as empresas por esses danos.
As implicações aos direitos humanos causadas pelas mudanças climáticas são imensas. Estas representam uma ameaça direta ao gozo de uma ampla gama de direitos humanos, inclusive os direitos à vida, à alimentação, à moradia, à saúde, à água potável e ao saneamento, assim como à autodeterminação e ao desenvolvimento. As mudanças climáticas já contribuem para a degradação dos recursos naturais dos quais milhões de pessoas dependem para sua segurança alimentar, seus meios de subsistência e bem-estar, o que inclui a diminuição dos recursos de água doce adequados para beber e apoiar a agricultura, desflorestamento, e degradação dos ecossistemas marinhos, incluindo a pesca. Essas condições em mutação também deverão gerar outras ameaças, incluindo um aumento no risco de doenças transmitidas por vetores44. Christopher Field et al. (eds.), Climate Change 2014: Impacts, Adaptation, and Vulnerability, Contribution of the Working Group II to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change (London: Cambridge University Press, 2014): 725-26. e níveis profundos de estresse relacionado a precárias infraestruturas físicas críticas, como os transportes públicos e os sistemas de transmissão de energia.55. “Climate Change in the Philippines,” Philippines Atmospheric, Geophysical and Astronomical Services Administration, 2011, p. 49, acesso em 30 nov. 2016, http://www1.pagasa.dost.gov.ph/. Além disso, há crescentes medos de que a concorrência sobre os recursos naturais causada pelas mudanças climáticas leve a deslocamentos em massa, convulsão social e conflito armado.66. Ver, e.g., Jonathon Tirone, “Fears Grow that Climate Conflicts Could Lead to War,” Bloomberg, 20 de fevereiro de 2017, acesso em 30 nov. 2016, https://www.bloomberg.com/news/articles/2017-02-19/war-is-the-climate-risk-that-europe-s-leaders-are-talking-about?cmpid=socialflow-twitter-business&utm_content=business&utm_campaign=socialflow-organic&utm_source=twitter&utm_medium=social.
Os direitos dos povos indígenas, das mulheres e das crianças são particularmente vulneráveis nesse contexto, assim como os de indivíduos e comunidades que não possuem recursos para se adaptar aos impactos das mudanças climáticas.77. Ver, e.g., “Indigenous Peoples and Climate Change: From Victims to Change Agents through Decent Work,” International Labour Organization, 2017, acesso em 30 nov. 2016, http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---gender/documents/publication/wcms_551189.pdf; Lorena Aguilar, Margaux Granat, e Cate Owren, Roots for the Future: The Landscape and Way Forward on Gender and Climate Change (Washington, DC: IUCN & GGCA, 2015). Igualmente preocupantes são as respostas às mudanças climáticas que, por si mesmas, tem o potencial de prejudicar o gozo dos direitos humanos, muitas vezes por meio do impacto sobre o acesso e o uso dos recursos naturais.88. Ver, e.g., Jane A. Hofbauer, Monika Mayrhofer, Florian Mersmann, e Jeanette Schade, “The Role of European States in Climate Measures, and Access to Justice for Affected Populations.” Improving Human Rights Performance in EU Climate Policy, 2016, acesso em 30 nov. 2016, http://www.academia.edu/32406367/IMPROVING_HUMAN_RIGHTS_PERFORMANCE_IN_EU_CLIMATE_POLICY._The_role_of_European_states_in_climate_measures_and_access_to_justice_for_affected_populations; “Climate Action in the Land Sector: Treading Carefully,” Climate, Land, Ambition and Rights Alliance, April 2017, acesso em 30 nov. 2016, http://www.foncier-developpement.fr/wp-content/uploads/CLARA_Action-in-the-land-sector_final.pdf. Por exemplo, os esforços para reduzir ou afastar as emissões de gases de efeito estufa por meio do desenvolvimento de hidrelétricas ou o crescimento de biocombustíveis levaram à aquisição de terras que deslocam comunidades indígenas e de pequenos agricultores.99. “Climate Change and Human Rights,” United Nations Environment Programme, 2015, p. 8-9, acesso em 30 nov. 2016, http://columbiaclimatelaw.com/files/2016/06/Burger-and-Wentz-2015-12-Climate-Change-and-Human-Rights.pdf.
Portanto, é imperativo que os governos e os atores privados adotem uma perspectiva baseada em direitos humanos para mitigar e se adaptar às mudanças climáticas. A sociedade civil e os especialistas em direitos humanos têm pedido essa abordagem há anos, seja através dos canais da diplomacia climática internacional, de advocacy em nível nacional e comunitário ou do litígio inovador e estratégico.
O papel central que os direitos humanos devem desempenhar na resposta às mudanças climáticas foi recentemente afirmado nos Princípios de Oslo sobre as Obrigações Globais em matéria de Mudanças Climáticas, um conjunto de princípios jurídicos criados por eminentes advogados, acadêmicos e juízes na esfera internacional. Os Princípios afirmam que o direito internacional dos direitos humanos é uma das fontes que fundamentam as obrigações dos governos e das empresas de “responder de forma urgente e eficaz às mudanças climáticas de forma a respeitar, proteger e implementar a dignidade básica e os direitos humanos das pessoas do mundo e a segurança e integridade da biosfera.”1010. “Oslo Principles on Global Climate Change Obligations,” Global Justice Program, 2015, acesso em 30 nov. 2016, http://globaljustice.macmillan.yale.edu/news/oslo-principles-global-climate-change-obligations.
Devido em grande parte ao advocacy incansável da comunidade mundial de direitos humanos, o Acordo de Paris – o entendimento mais recente que os governos alcançaram sob os auspícios da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – inclui um importante reconhecimento da conexão entre mudanças climáticas e obrigações dos governos em matéria de direitos humanos.
O texto do preâmbulo afirma que os Estados Partes “devem, ao adotar medidas para enfrentar as mudanças climáticas, respeitar, promover e considerar suas respectivas obrigações em matéria de direitos humanos, direito à saúde, direitos de povos indígenas, de comunidades locais, de migrantes, de crianças, de pessoas com deficiências e de pessoas em situações vulneráveis e o direito ao desenvolvimento, assim como igualdade de gênero, empoderamento das mulheres e equidade intergeracional.”1111. “Paris Agreement,” FCCC/CP/2015/L.9/Rev.1, Preamble, United Nations, 12 de dezembro de 2015, acesso em 30 nov. 2016, https://unfccc.int/resource/docs/2015/cop21/eng/l09r01.pdf. A parte operativa do Acordo também “reconhece” que a adaptação e o desenvolvimento de capacidades devem ser “sensíveis ao gênero”1212. Ibid, Article 7(5); 11(2). e que o primeiro também deve basear-se em “conforme apropriado, conhecimentos tradicionais, conhecimentos de povos indígenas e sistemas de conhecimento local”.1313. Ibid, Article 7(5).
Essa linguagem, embora longe de ser uma declaração abrangente do nexo entre mudanças climáticas e direitos humanos, é um passo importante para garantir a coerência entre as obrigações dos governos em matéria de direitos humanos e suas obrigações de enfrentar as mudanças climáticas.
Mas como seria, na prática, uma resposta às mudanças climáticas baseada nos direitos humanos? Com base em uma série de resoluções emitidas pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU desde 2008,1414. Ver, e.g., “Human Rights Council Resolution 7/23, Human Rights and Climate Change,” UN Doc A/HRC/7/78, The Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (OHCHR), 29 de março de 2008, acesso em 30 nov. 2016, http://ap.ohchr.org/documents/E/HRC/resolutions/A_HRC_RES_7_23.pdf; “Human Rights Council Resolution 10/4, Human Rights and Climate Change,” UN Doc A/HRC/RES/10/4, The Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (OHCHR), 25 de março de 2009, preâmbulo, acesso em 30 nov. 2016, http://ap.ohchr.org/documents/E/HRC/resolutions/A_HRC_RES_10_4.pdf; “Human Rights Council Resolution 18/22, Human Rights and Climate Change,” UN Doc A/HRC/RES/18/22, The Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (OHCHR), 17 de outubro de 2011, preâmbulo, acesso em 30 nov. 2016, http://www.ohchr.org/Documents/Issues/ClimateChange/A.HRC.RES.18.22.pdf; and “Human Rights Council Resolution 26/27, Human Rights and Climate Change,” UN Doc A/HRC/RES/26/27, The Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (OHCHR), 15 de julho de 2014, Preâmbulo. bem como nas declarações dos Relatores e Especialistas dos Procedimentos Especiais da ONU e órgãos de tratados,1515. Ver, e.g., “Open Letter from Special Procedures Mandate-holders of the Human Rights Council to the State Parties to the UN Framework Convention on Climate Change on the occasion of the meeting of the Ad Hoc Working Group on the Durban Platform for Enhanced Action in Bonn (20-25 October 2014),” The Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (OHCHR), 17 de outubro de 2014, acesso em 30 nov. 2016, http://newsroom.unfccc.int/media/127348/human-rights-openletter.pdf. o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos articulou dez considerações distintas que deveriam ser refletidas em todas as ações climáticas.1616. “Understanding Human Rights and Climate Change: Key Messages,” Office of the UN High Commissioner on Human Rights, 2015, acesso em 30 nov. 2016, http://www.ohchr.org/Documents/Issues/ClimateChange/COP21.pdf. Isso inclui mitigar as mudanças climáticas para prevenir seus impactos negativos sobre os direitos humanos; garantir que todas as pessoas tenham a capacidade necessária para se adaptar às mudanças climáticas; assegurar a prestação de contas e um remédio efetivo para as violações de direitos humanos causadas pelas mudanças climáticas; proteger os direitos humanos dos danos provocados por empresas; e assegurar participação significativa e informada. Várias outras responsabilidades delineadas dizem respeito às obrigações internacionais dos governos, inclusive em relação à provisão de financiamento e transferência tecnológica.
Os Estados têm, portanto, obrigações substantivas e processuais nesse contexto. Embora gozem de algum poder discricionário para decidir como proteger os direitos humanos contra os efeitos relacionados ao clima, como afirma o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, “pode haver algumas medidas mínimas que seriam necessárias em matéria de direito internacional, regional ou nacional de direitos humanos.”1717. “Climate Change and Human Rights,” 2015, 22.
Com o crescente reconhecimento das implicações aos direitos humanos causadas pelas mudanças climáticas, indivíduos e comunidades estão se voltando cada vez mais aos tribunais e instituições nacionais para buscar remediar e garantir que os governos e as empresas atenuem as crescentes temperaturas globais. Essa nova onda de litígios climáticos1818. Para uma visão geral do litígio recente sobre mudanças climáticas, ver Keely Boom, Julie-Anne Richards, and Stephen Leonard, “Climate Justice: The International Momentum Towards Climate Litigation.” The Green Political Foundation, 2016, acesso em 30 nov. 2016, https://www.boell.de/sites/default/files/report-climate-justice-2016.pdf. baseia-se nos esforços empreendidos por advogados ambientalistas para garantir que, dentre outras coisas, os impactos nas mudanças climáticas causados por projetos específicos sejam considerados quando governos e empresas realizam avaliações de impacto ambiental.1919. Para um exemplo recente de tais litígios, ver a decisão da Suprema Corte de North Gauteng (África Sul) com a rejeição da aprovação pelo Ministério de Assuntos Ambientais de uma usina de carvão: “Victory in SA’s First Climate Change Court Case!,” Centre for Environmental Rights, 8 de março de 2017, acesso em 30 nov. 2016, http://cer.org.za/news/victory-in-sas-first-climate-change-court-case. Os casos recentes – estimulados pelo lapso temporal cada vez menor para evitar mudanças climáticas perigosas – concentraram-se em danos mais sistêmicos, incluindo os danos aos direitos humanos, decorrentes da inação do governo e de corporações sobre as mudanças climáticas. Somente nos últimos dois anos, casos de mudança climática foram registrados em países como Holanda, Bélgica, Suíça, Suécia, Nova Zelândia, EUA, Paquistão, Índia e Filipinas.
Uma série de fatores facilitaram o desenvolvimento de tais reivindicações. Primeiro, o grau de consenso científico sobre as causas e os impactos atuais e projetados relacionados às mudanças climáticas é cada vez mais robusto. Isso inclui um novo nível de certeza quanto à atribuição de tendências particulares ou eventos meteorológicos extremos às mudanças climáticas. Em segundo lugar, a adoção pelos governos do Acordo de Paris, que já foi ratificado por 144 Estados, marca um novo nível de compromisso com a ação coletiva sobre as mudanças climáticas, incluindo um objetivo ambicioso, mas necessário, a longo prazo, de manter o aquecimento em nível “bem abaixo de 2°C” em comparação aos níveis pré-industriais. Isso torna quase impossível aos governos negarem em tribunal que eles não tinham conhecimento dos perigos que representam as mudanças climáticas, ou afirmarem que já fizeram o suficiente para evitar tais riscos.
O caso da Fundação Urgenda vs. Países Baixos2020. “C/09/456689 / HA ZA 13-1396,” Hague District Court, 24 de junho de 2015, acesso em 30 nov. 2016, http://deeplink.rechtspraak.nl/uitspraak?id=ECLI:NL:RBDHA:2015:7196. provavelmente foi o mais bem sucedido dos recentes casos sobre mudanças climáticas com base em padrões de direitos humanos e outros deveres. O caso foi apresentado em nome da Fundação Urgenda, uma organização não governamental holandesa de sustentabilidade, e 900 peticionários individuais contra o governo holandês. Depois de ouvir argumentos de que o governo holandês não estava fazendo o suficiente para evitar impactos perigosos e previsíveis das mudanças climáticas, o tribunal ordenou ao governo reduzir significativamente seu nível de emissão de gases de efeito estufa até 2020, especificamente, em 25% em relação aos níveis de 1990. Foi a primeira vez que um tribunal ordenou a um governo que observasse um objetivo absoluto de redução de emissões. Embora o tribunal tenha sido ao final persuadido pelo argumento de que o governo estava agindo de forma negligente, os direitos humanos – consagrados na Convenção Européia sobre Direitos Humanos – desempenharam um papel importante na interpretação judicial sobre o dever do governo de atendimento aos demandantes.2121. Para uma discussão detalhada sobre o caso, ver Roger Cox, “A Climate Change Litigation Precedent: Urgenda Foundation v The State of the Netherlands.” CIGI, 2015, acesso em 30 nov. 2016, https://www.cigionline.org/sites/default/files/cigi_paper_79.pdf.
Os direitos humanos também prestaram suporte a uma recente reivindicação bem-sucedida apresentada por um agricultor paquistanês, Ashgar Leghari, que alegava que o governo do Paquistão não estava fazendo o suficiente para enfrentar os impactos locais das mudanças climáticas.2222. “Ashgar Leghari v Federation of Pakistan (WP No. 25501/2015, High Court of Lahore),” Environmental Law Alliance Worldwide, 4 de setembro de 2015, acesso em 30 nov. 2016, https://elaw.org/pk_Leghari. Leghari argumentou que a inação do governo sobre as mudanças climáticas, que ameaçam a segurança alimentar, hídrica e energética do país, equivale a uma violação dos direitos à vida e à dignidade, constitucionalmente protegidos. Citando os direitos fundamentais dos cidadãos paquistaneses, assim como o direito à equidade intergeracional e o princípio da precaução, a Corte Suprema de Lahore ordenou ao governo implementar a Política Nacional de Mudanças Climáticas e convocou uma Comissão de Mudanças Climáticas para supervisionar o progresso do governo.
Vários processos judiciais em curso também contam com parâmetros de direitos humanos para fundamentar suas reivindicações de que os governos e as corporações devem se empenhar mais para prevenir e remediar os danos causados pelas mudanças climáticas. Nos Estados Unidos, 21 jovens estão processando o governo federal com o argumento de que as políticas do governo põem em perigo o clima e violam seus direitos à vida, à liberdade e à propriedade, assim como seus direitos substantivos em matéria de devido processo.2323. “Juliana et al v USA et al,” US District Court for the District of Oregon Case No. 6:15-cv-01517-TC, 2016. Além disso, eles argumentam que o governo violou sua obrigação, conforme a doutrina de confiança pública, de garantir a viabilidade de recursos atmosféricos e oceânicos compartilhados em benefício das gerações futuras. Entre os remédios que estão sendo buscados, há uma ordem do tribunal direcionada ao governo para desenvolver um plano a fim de reduzir as emissões de carbono. Em uma decisão intermediária afirmando que o pedido deve ser julgado, o tribunal determinou que “não há dúvida de que o direito a um sistema climático capaz de sustentar a vida humana é fundamental para uma sociedade livre e ordenada.”2424. Ibid, 32.
A Comissão de Direitos Humanos das Filipinas também está realizando uma investigação histórica sobre a responsabilidade de 50 empresas de combustíveis fósseis, incluindo Chevron, ExxonMobil e Rio Tinto, pelas implicações aos direitos humanos das mudanças climáticas e da acidificação dos oceanos. Isso inclui violações ou ameaças de violação dos direitos dos filipinos à vida, à alimentação, à água, ao saneamento, à moradia adequada e à autodeterminação. A vulnerabilidade desses direitos às mudanças climáticas foi claramente demonstrada pelo impacto devastador do Tufão Haiyan, mencionado anteriormente. A investigação da Comissão é uma resposta a uma petição impetrada por quinze ONGs filipinas e internacionais. O prefácio da petição estabelece:
Na era das mudanças climáticas, os peticionários sentem que o valor real das estatísticas e relatórios sobre acidentes relacionados a desastres não tem recebido expressões adequadas. Na vida real, a dor e a agonia de perder entes amados, casas, fazendas – quase tudo – durante fortes tufões, secas e outros extremos climáticos, bem como a luta cotidiana para viver, para estar seguro e para lidar com as adversidades da vida, e impactos de início lento das mudanças climáticas estão além dos números e das palavras.2525. “Petition Requesting for Investigation of the Responsibility of the Carbon Majors for Human Rights Violations or Threats of Violations Resulting from Climate Change,” originalmente arquivado em 22 de setembro de 2015, Greenpeace, acesso em 30 nov. 2016, http://www.greenpeace.org/seasia/ph/PageFiles/735232/Climate_Change_and_Human_Rights_Petition.pdf.
Além do impacto de eventos climáticos extremos causados pelas mudanças climáticas, a petição chama a atenção para as consequências da acidificação dos oceanos, que é resultado do aumento do nível de carbono atmosférico sendo absorvido pelo oceano. Como dispõe a petição, aproximadamente 25 a 30 por cento do dióxido de carbono emitido pelas atividades humanas foi absorvido pelos oceanos, o que provocou mudanças fundamentais na química do oceano.2626. Para mais detalhes, ver Annex F-1, Background on Ocean Acidification, to the “Petition Requesting for Investigation of the Responsibility of the Carbon Majors for Human Rights Violations or Threats of Violations Resulting from Climate Change”, 2015. Isso tem consequências negativas significativas para a viabilidade dos ecossistemas marinhos, o que, por sua vez, deverá ter sérias consequências sociais e econômicas para as comunidades que dependem da pesca e dos ecossistemas costeiros para sua subsistência.2727. O. Hoegh-Guldberg et al., “Coral Reefs Under Rapid Climate Change and Ocean Acidification,” SCIENCE 318, no. 5857 (2007): 1737.
A petição baseia-se em pesquisas recentes que confirmam que 90 empresas de combustíveis fósseis são responsáveis por 63% das emissões globais cumulativas de dióxido de carbono e metano entre 1854 e 2010.2828. Richard Heede, “Carbon Majors: Accounting for Carbon and Methane Emissions 1854-2010 Methods and Results Report,” Climate Mitigation Services, 2014, acesso em 30 nov. 2016, http://climateaccountability.org/pdf/MRR%209.1%20Apr14R.pdf. A petição cita os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos como referência para os deveres das empresas, incluindo o dever de realizar a devida diligência em matéria de direitos humanos, e também toma por base os instrumentos internacionais fundamentais de direitos humanos para sustentar com mais força suas posições. Dentre os remédios solicitados, está a recomendação da Comissão para que os formuladores de políticas adotem mecanismos efetivos de responsabilização, os quais sejam facilmente acessados por pessoas afetadas pelas mudanças climáticas.
As normas de direitos humanos também são parte integrante das ações relativas a mudanças climáticas impetradas em face dos governos da Bélgica, Suíça, Noruega e Suécia, algumas das quais também se baseiam no direito a um ambiente limpo ou saudável que existe na legislação nacional.
Esses casos relacionados a mudanças climáticas enfrentam desafios consideráveis, mas não insuperáveis. Na maioria dos casos, a dificuldade inclui a falta de precedentes jurídicos sobre a questão, assim como a dinâmica David versus Golias envolvida entre indivíduos e comunidades que enfrentam governos e empresas de combustíveis fósseis – alguns dos atores corporativos mais poderosos e bem dotados do mundo. No entanto, isso não impediu o crescente número de esforços de litígios climáticos, muitos dos quais reconhecem o poderoso potencial da perspectiva de direitos humanos para assegurar a responsabilização pelas consequências prejudiciais das mudanças climáticas.
Se os governos não conseguem reduzir rapidamente as emissões de carbono, as normas de direitos humanos proporcionarão um baluarte cada vez mais importante contra a exacerbação das desigualdades sociais e econômicas causadas pelas mudanças climáticas. É verdade que as obrigações de direitos humanos por si só não oferecem uma resposta pronta para alguns dos aspectos mais incômodos da inação em relação às mudanças climáticas, incluindo persuadir os governos a aceitar sua “parcela justa” da responsabilidade global pela redução das emissões de gases de efeito estufa.
No entanto, o marco internacional de direitos humanos – que inclui obrigações de assistência internacional, cooperação e deveres mais amplos para enfrentar danos extraterritoriais ou transfronteiriços – exorta os governos a prometerem uma resposta justa e equitativa. Conforme afirmado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) nos meses anteriores à adoção do Acordo de Paris, “(s)implificando, as mudanças climáticas são um problema de direitos humanos e a estrutura dos direitos humanos deve fazer parte da solução.”2929. “Understanding Human Rights and Climate Change: Key Messages,” 2015, 6.