Uma análise crítica dos parâmetros estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
Este trabalho tem por objetivo demonstrar a necessidade de adoção de um novo paradigma, inclusivo e intercultural, de proteção dos direitos humanos dos povos indígenas na América Latina. Por meio de uma análise crítica da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, são apontados alguns avanços e limites na tentativa de se construir novas alternativas para as questões indígenas na região. Esta análise será realizada por meio do estudo de três parâmetros fundamentais estabelecidos pela Corte em seus precedentes: o conceito de vida digna; a proteção da propriedade comunal; e o direito à consulta prévia dos povos indígenas.
Na América Latina, os povos indígenas encontram-se em uma situação de extrema vulnerabilidade, caracterizada por discriminação racial, social e econômica. Estimada entre 35 e 55 milhões (NAÇÕES UNIDAS, 2005, p. 48), a população indígena, em nossa região, continua sendo o segmento social mais pobre, mantendo-se à margem da estrutura social, política e econômica desenvolvida pelos países latino-americanos (NAÇÕES UNIDAS, 2010).
Essa situação histórica é consequência da lógica da colonização, que se perpetua por meio de políticas estatais discriminatórias e excludentes, resultando na progressiva perda dos territórios ancestrais por parte dos povos indígenas, na desagregação das comunidades e na negação dos direitos mais básicos a seus membros (NAÇÕES UNIDAS, 2005, p. 50). Mesmo que reconheçamos mudanças na postura dos Estados, especialmente nos últimos vinte anos, com a adoção de legislações nacionais e a ratificação de instrumentos internacionais, não podemos afirmar que tenham sido suficientes para garantir a efetivação dos direitos das comunidades indígenas.
Esse tema é de extrema importância para o contexto atual da América Latina. Resultado dos modelos de desenvolvimento econômico adotados pelos países latino-americanos, um dos fenômenos que deveria receber hoje maior atenção na região é o da intervenção estatal e privada em áreas indígenas para a execução de megaprojetos de infraestrutura e de bioprospecção e para a exploração de minerais, hidrocarbonetos e outros recursos naturais. Movidos por esses fins, Estados e empresas multinacionais violam reiteradamente os direitos dos povos indígenas e, consequentemente, colocam em risco sua integridade e sobrevivência (MONDRAGÓN, 2010, p. 31).
Diante desse quadro, o presente trabalho tem por objetivo demonstrar a necessidade de adoção de um novo paradigma, inclusivo e intercultural, de proteção dos direitos humanos dos povos indígenas na América Latina. Por meio de uma análise crítica da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos,1 serão apontados alguns avanços e limites na tentativa de construir novas alternativas para as questões indígenas na região. Essa análise será realizada por meio do estudo de três parâmetros fundamentais estabelecidos pela Corte em seus precedentes: o conceito de vida digna; a proteção da propriedade comunal; e o direito à consulta prévia dos povos indígenas.
É importante notar que o desenvolvimento foi, na América Latina, o argumento que historicamente serviu de base para um discurso político associado à lógica da modernidade e do modelo capitalista (QUIJANO, 2010, p. 49-51). O conceito de desenvolvimento adotado historicamente pelos Estados latino-americanos e reproduzido até os dias atuais vincula-se a uma lógica antidemocrática de exploração da natureza e de mercantilização dos recursos naturais, justificada por uma ética produtivista e depredadora.
As questões indígenas na América Latina devem ser debatidas tendo como pano de fundo dois processos históricos: o da colonialidade do poder e o da imposição do paradigma da modernidade ocidental hegemônica. Por meio do primeiro, foi introduzida a hierarquia entre as raças, como forma de exploração e de dominação social, e imposto o eurocentrismo, como modelo de produção e de controle da subjetividade (QUIJANO, 2005, p. 33). Já o segundo é– fundamentado no individualismo e antropocentrismo, na ideia de um progresso linear e absoluto, na oposição entre sociedade e natureza, na mercantilização da natureza e privatização do meio ambiente, e no economicismo, por meio do qual a qualidade de vida e o bem-estar são medidos estritamente pelo critério do desenvolvimento econômico (ECHEVERRÍA, 1995, p. 140-155).
Além das dimensões econômicas e políticas, o colonialismo trazia uma forte dimensão epistemológica que não terminou com a independência das colônias. Segundo Boaventura, o colonialismo foi responsável por um verdadeiro epistemicídio, ou seja, pela morte de conhecimentos alternativos e pela consequente liquidação e subalternização dos grupos que se sustentavam em tais conhecimentos (SANTOS; MENESES; NUNES, 2006, p. 17). De acordo com esse autor, o pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal, uma vez que se fundamenta na impossibilidade de copresença com outros tipos de conhecimento, impondo a inexistência, a invisibilidade e a ausência não dialética do diferente (SANTOS, 2010, p. 32). Em razão da imposição de uma forma de conhecimento ocidental hegemônica, o conhecimento dos povos indígenas foi reduzido à irracionalidade e à condição de inferioridade e, portanto, excluído em grande parte da história.
O paradigma ocidental moderno, pautado fundamentalmente na lógica capitalista de desenvolvimento, contraria inteiramente as formas de vida, as expressões culturais, os costumes e as práticas dos povos indígenas, baseadas essencialmente na sua forma coletiva de organização e na relação espiritual que possuem com seu território ancestral e com o meio ambiente. Ao desconsiderarem as especificidades dos povos indígenas e impedirem sua participação na tomada de decisões que envolvam seus interesses, as políticas de desenvolvimento econômico estabelecidas pelos Estados e pelos organismos internacionais na América Latina excluem os indígenas da esfera social, política e econômica, submetendo-os à situação de extrema vulnerabilidade na qual se encontram atualmente.
Apesar de esses povos serem um dos grupos que mais sofreram e continuam sofrendo violações sistemáticas de seus direitos por meio do genocídio e do epistemicídio, o passar do tempo demonstrou sua capacidade de resistência e de sobrevivência. A luta dos indígenas, resultado da batalha histórica desses povos contra o paradigma da modernidade hegemônica e da resistência à colonialidade, direciona-se essencialmente à construção de um sistema alternativo ao modelo econômico capitalista neoliberal e ao padrão atual de poder (MACAS, 2010, p. 15). Os modelos pró-civilizatórios e desenvolvimentistas hegemônicos em nossa região estão chegando, se é que já não chegaram, a um esgotamento completo, evidenciado pelas graves crises climáticas e ambientais que estamos vivenciando (HUANACUNI, 2010, p. 18).
A questão indígena na América Latina, portanto, vai além da mera afirmação da igualdade formal dos povos indígenas e exige a construção de alternativas que abram espaço para a real descolonização das relações sociais, políticas e econômicas (QUIJANO, 2005, p. 34).
A recente inclusão dos direitos indígenas na agenda internacional dos direitos humanos enriqueceu o debate acerca dessa temática e fortaleceu a luta indígena pela superação do paradigma ocidental moderno da colonização. Nas últimas duas décadas, principalmente em razão da resistência e do ativismo dos povos indígenas, suas demandas vêm sendo progressivamente inseridas na ordem internacional, ganhando espaço no âmbito das Nações Unidas, da OEA, dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, dentre outras instituições internacionais (ANAYA, 2004b, p. 14).
Como resultado desse processo, observa-se o surgimento de um inovador corpo de normas e práticas internacionais de proteção dos povos indígenas que buscam reconhecê-los como sujeitos de direitos coletivos na esfera internacional, destacando-se: a criação do fórum permanente da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre questões indígenas em 2000, o qual reuniu-se pela primeira vez em maio de 2002; a adoção da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais em 1989; e, mais recentemente, a adoção da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas em 2007.
A inclusão de demandas e de reivindicações indígenas no ordenamento internacional, entretanto, não afasta possíveis críticas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. Como bem destacado por Herrera Flores, é sempre importante adotarmos uma visão crítica e questionarmos até que ponto um imenso edifício normativo e jurisprudencial pode, de alguma forma, romper com a estrutura de dominação e de exploração das relações sociais, econômicas, políticas e jurídicas do capitalismo (HERRERA FLORES, 2009, p. 129).
Como produto do paradigma moderno, o Direito Internacional dos Direitos Humanos historicamente manteve-se, muitas vezes, cúmplice da lógica colonizadora que retirou os povos indígenas de suas terras e suprimiu suas culturas e instituições (ANAYA, 1996, p. 39). A concepção ocidental moderna de direitos humanos sustenta-se originalmente na afirmação de um universalismo abstrato que, ao propor uma identidade homogênea e a igualdade formal de todos os seres humanos, acaba por deixar de lado características essenciais que nos singularizam e nos diferenciam uns dos outros.
Nesse sentido, o direito moderno, por meio de sua racionalidade abstrata e universalizante, contribuiu para excluir os indígenas do espaço jurídico-político estatal ao impedir uma visão holística da sociedade e impor uma determinada forma de vida, de organizações e de práticas sociais ocidentais, incompatíveis com as formas de vida dos povos indígenas (DANTAS, 2003, p. 97). A crítica ao universalismo abstrato dos direitos humanos é especialmente relevante quando tratamos de questões indígenas porque as reivindicações desses povos dos seus direitos destinam-se não apenas à sua condição abstrata de ser humano, mas principalmente à sua condição concreta de indígena (ETXEBERRIA, 2006, p. 65, 70).
Cabe destacar que não se trata aqui de desconsiderar o Direito Internacional dos Direitos Humanos como possível instrumento de mudança enquanto reflexo e consequência de lutas políticas, mas esclarecer que esse é apenas um dos instrumentos disponíveis para os povos indígenas na luta contra o modelo colonial capitalista ainda operante. A luta indígena vai muito além da esfera jurídica.
Ressalte-se ainda que, ao optarmos por realizar neste trabalho uma análise crítica da atuação da Corte Interamericana acerca da questão indígena, não ignoramos a complexidade inerente a essa questão, mas buscamos, por meio desse enfoque, apontar alguns limites e avanços na construção de alternativas para ela em nossa região. Defendemos que, inserido nesse recente contexto de internacionalização das demandas indígenas, a jurisprudência da Corte vem exercendo um importante papel (RODRÍGUES-PIÑEIRO ROYO, 2006, p. 153), contribuindo em parte para a ruptura com o paradigma moderno de exclusão e de opressão dos povos indígenas na América.
Neste trabalho, serão abordados três parâmetros fundamentais desenvolvidos pela Corte em sua jurisprudência: o conceito de vida digna; a proteção da propriedade comunal; e o direito à consulta prévia. Destaca-se que apenas os casos contenciosos que abordam diretamente esses três parâmetros serão aprofundados ao longo do texto.2
Na jurisprudência interamericana, o direito à vida é entendido não apenas como o direito de todo ser humano a não ser privado arbitrariamente de sua vida, mas também como o direito fundamental de toda pessoa de ter acesso às condições necessárias a uma vida digna (CORTE IDH, 2010. Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai, para. 186; CORTE IDH, 2006. Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai, para. 150). Por meio dessa interpretação mais ampla do direito à vida, a Corte afirma não apenas a obrigação negativa do Estado de não privar seus cidadãos da vida, mas chama atenção para o dever positivo do Estado de agir e criar as condições necessárias para garantir uma vida digna a todas as pessoas.
Dessa forma, o direito à vida, na jurisprudência da Corte, relaciona-se intrinsecamente com os direitos econômicos, sociais e culturais, sendo atribuída ao Estado uma função de garante, pela qual deve assegurar as condições de vida favoráveis ao desenvolvimento pleno dos sujeitos, o que implica na garantia de outros direitos fundamentais, como o direito ao trabalho, à educação, à saúde e à alimentação, entre outros previstos da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) (GARCÍA RAMÍREZ, 2006, para. 18, 20).
Essa concepção mais ampla do direito à vida como vida digna aparece na jurisprudência interamericana em três casos que abordam especificamente a proteção dos direitos dos povos indígenas: Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai de 2005, Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai de 2006; e Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai, de 2010.3
Nos três casos contra o Estado do Paraguai, as comunidades indígenas, após serem expulsas de suas terras em razão do processo histórico de privatização do Chaco paraguaio, reivindicavam internamente ao Estado a devolução de seus territórios ancestrais. Em razão da omissão estatal em realizar a demarcação e a titulação dos territórios, os membros das comunidades encontravam-se impossibilitados de terem acesso às suas terras, o que produziu um estado de extrema vulnerabilidade alimentar, médica e sanitária, que ameaçavam continuamente a sobrevivência e a integridade de tais comunidades.
Ao analisar os casos em questão, a Corte afirmou que cabe ao Estado, na sua posição de garante, adotar medidas positivas, concretas e orientadas à real proteção do direito à vida digna, especialmente quando se trata de pessoas em situação de vulnerabilidade e risco. No caso dos povos indígenas, a Corte ressaltou que o acesso às suas terras ancestrais e o uso dos recursos naturais estão diretamente vinculados à obtenção de alimentos e, por conseguinte, à sobrevivência de tais povos. (CORTE IDH, 2005, Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai, para. 162; CORTE IDH, 2006, Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai, para. 153; CORTE IDH, 2010, CORTE IDH. Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai, para. 186)
Nos três precedentes em análise, o Estado paraguaio foi considerado responsável pela violação do direito à vida digna dos membros das comunidades, uma vez que, ao não permitir o acesso aos territórios ancestrais, privou as comunidades do exercício de seu direito à saúde, à educação e à alimentação, dentre outros.. A Corte estabeleceu, como medida de reparação pela violação do direito à vida digna, a obrigação do Estado de adotar medidas de caráter regular e permanente que garantissem à comunidade indígena afetada: acesso à água potável; assistência médica pública; entrega de alimentos de qualidade e em quantidade suficiente; serviço sanitário adequado; e escolas bilíngues com recursos materiais e humanos necessários(CORTE IDH, 2006, Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai, para. 230).
Note-se que afirmar o direito à vida digna é um passo fundamental que deve ser reconhecido como uma importante conquista para a proteção dos direitos dos povos indígenas, porém não é suficiente para romper com o paradigma moderno de exclusão e de exploração desses povos. Isso porque a Corte, em sua jurisprudência, constrói sua concepção de vida digna estritamente relacionada aos direitos econômicos, sociais e culturais, os quais, embora fundamentais, não são capazes de incluir a riqueza das formas alternativas de vida dos povos indígenas e seu anseio por autodeterminação.
Afirmar o direito à vida digna sem um diálogo intercultural, ou seja, sem a inclusão dos próprios indígenas no debate sobre quais as condições essenciais de vida para esses povos, acaba por reduzir a concepção de vida digna ao “bem-estar” ocidental, contribuindo, consequentemente, para a imposição de um determinado modelo de vida sobre esses povos.
Nesse sentido, a Corte pode e deve ir além da sua atual concepção de vida digna, incorporando novas discussões que vêm surgindo no contexto latino-americano. Esse é um debate que se encontra mais avançado entre alguns países da região e vem ganhando cada vez mais força na América Latina por meio do desenvolvimento da ideia de “Bem-Viver” dos povos indígenas, impulsionado pela necessidade de se buscar novas alternativas ao atual modelo econômico e social, notadamente em crise.
Na última década, os países latino-americanos viveram uma nova dinâmica de renovação da consciência coletiva dos povos indígenas, através da qual conceitos tradicionais como Sumak Kawsay e Suma Qamaña – utilizados pelos povos indígenas do Equador e da Bolívia para criticar o modelo de desenvolvimento atual e para afirmar a necessidade de uma reconstrução cultural, social e política – passam a constituir elementos essenciais na discussão acerca da proteção da vida dos povos indígenas (HOUTART, 2011, p. 2).
Note-se que o conceito de Bem-Viver, desenvolvido pelo diálogo constante com os povos indígenas no debate latino-americano contemporâneo, não se contenta com a defesa da dignidade e muito se diferencia da concepção de vida digna adotada pela Corte. Conforme destacado por David Choquehuanca, membro do povo aymara, a ideia de Bem-Viver busca valorizar a vivência em comunidade, a democracia e o equilíbrio com a natureza, assim como a identidade indígena, seus costumes e tradições (CHOQUEHUANCA CÉSPEDES, 2010b). Segundo esse autor, no que concerne ao Bem-Viver, a identidade dos povos indígenas é um elemento ainda mais importante do que a dignidade. A concepção de vida digna, por não estar aberta a um diálogo intercultural, afirma a necessidade de melhor qualidade de vida sem, entretanto, exigir mudanças estruturais profundas, o que acaba por impor aos povos indígenas um modo de vida ocidental (CHOQUEHUANCA CÉSPEDES, 2010a, p. 11).
De acordo com Luis Macas, o Bem-Viver é um conceito e uma prática fundamentalmente comunitários, uma construção coletiva a partir das formas de convivência dos seres humanos com a natureza, uma vivência e um pensamento que se constituem como pilar fundamental do processo de construção social do sistema comunitário na América (MACAS, 2010, p. 17). Eduardo Gudynas, por sua vez, destaca que esse é um conceito que não se adequa ao modelo de desenvolvimento convencional – que defende o crescimento econômico, perpétuo, obsessivo, pautado na mercantilização da natureza – buscando mudanças substantivas por meio do compromisso com a qualidade de vida e com a proteção da natureza. Esse autor destaca que o Bem-Viver não se resume a políticas assistencialistas, na medida em que reclama mudanças profundas nas dinâmicas econômicas, na cadeia produtiva e na distribuição de riquezas (GUDYNAS, 2010, p. 41-43).
As ideias de Bem-Viver aparecem expressamente nas Constituições do Equador e da Bolívia, por meio da introdução dos conceitos de Sumak Kawsay e Suma Qamaña respectivamente. Embora haja algumas divergências na doutrina quanto à diferença entre esses dois conceitos, a sua importância está na vinculação da ideia de Bem-Viver aos saberes e tradições indígenas, além da busca por mudanças estruturais na sociedade. Em ambos os casos, há um esforço deliberado para tornar visíveis as concepções e os saberes que estiveram ocultos por muito tempo e para dar voz aos povos indígenas que foram historicamente vítimas de um silêncio imposto pela colonização.
No contexto latino-americano atual, observa-se mudanças significativas nesse sentido. Países como Equador, Colômbia, Peru e Bolívia, após reformas constitucionais realizadas nas últimas duas décadas, passaram a reconhecer o caráter pluricultural e multiétnico da configuração do Estado (YRIGOYEN FAJARDO, 2003, p. 173), que se fundamenta na possibilidade de existência de nações originárias com entidades econômicas, culturais, sociais, políticas e jurídicas diversas no interior do mesmo Estado (MACAS, 2010, p. 36).
Um bom exemplo é o caso da Constituição da Bolívia, que chega a reconhecer mais de trinta e seis línguas indígenas, além do espanhol, como línguas oficiais do Estado. No Equador, por sua vez, o Plano Nacional para o Bem-Viver 2009-2013 indica uma mudança paradigmática, através da qual a noção de Bem-Viver indígena é reconhecida como uma reação frente à noção de desenvolvimento neoliberal, promovendo-se uma estratégia econômica inclusiva, sustentável e democrática que vai muito além da noção extrativista de exploração da natureza (GUDYNAS; ACOSTA, 2011, p. 107-108).
Mesmo tratando-se de um conceito aberto e ainda em construção, o Bem-Viver é um elemento importante para a superação do paradigma moderno da colonização. Esse conceito questiona a racionalidade do desenvolvimento atual, sua ênfase em aspectos meramente econômicos e desumanos e sua ideia de um progresso ilimitado. Contribui, assim, para questionar o dualismo que impõe a separação entre a sociedade e a natureza, buscando reestabelecer a harmonia entre o homem e o meio ambiente por meio da crítica à lógica antropocêntrica e utilitária adotada pelas políticas desenvolvimentistas da grande maioria dos países latino-americanos (HOUTART, 2011, p. 4).
Essa mudança de paradigma deve ser vista sempre como um processo e, portanto, não deve ser encarada como algo pré-determinado, mas sim em constante construção (HOUTART, 2012, p. 2). A jurisprudência da Corte dá alguns passos nesse caminho e fornece elementos importantes para a proteção dos direitos dos povos indígenas, mas deixa de ir além quando limita a vida digna à garantia de direitos econômicos, sociais e culturais. Por sua vez, o Bem-Viver traz mudanças no plano das ideias, questionando radicalmente os conceitos de desenvolvimento e progresso, introduzindo maneiras alternativas de conceber o mundo por meio do resgate da relação entre qualidade de vida e natureza, e propondo projetos e ações políticas concretos (GUDYNAS, 2011, p. 2). A importância desse conceito reside no fato de que dá voz aos povos indígenas, colocando em questão uma narrativa oficial constitutiva da sociedade e da política que encobria e justificava séculos de opressão, exploração e exclusão (ALIMONDA, 2012, p. 32).
A crítica aqui feita não desqualifica os avanços da jurisprudência interamericana, mas aponta a necessidade de maior abertura da Corte para o atual debate latino-americano acerca do Bem-Viver e da qualidade de vida dos povos indígenas.
Conforme destacado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), um dos maiores problemas enfrentados atualmente para a proteção dos direitos dos povos indígenas é o fato dessas comunidades, sem título de propriedade sobre seus territórios ancestrais, estarem sendo gravemente afetadas pela implementação de projetos, estatais ou privados, de exploração dos recursos naturais em suas terras (CIDH, 2009).
Diante desse quadro, a Corte vem exercendo um importante papel na consolidação de uma concepção de propriedade que busca ir além do conceito de propriedade privada imposto pelo paradigma moderno ocidental, que se baseia na divisibilidade da terra, na posse individual, na alienabilidade, na circulação mercantil e na produtividade. Esse conceito moderno de propriedade revela ser absolutamente incompatível com a concepção indígena de territorialidade, fundamentada essencialmente na ideia de comunidade e na concepção holística do direito à vida (GARCÍA HIERRO, 2004, p. 4).
Ao tratar do direito à propriedade comunal dos povos indígenas, a Corte adota uma interpretação alternativa desse direito, introduzindo uma dimensão coletiva, cultural e social da propriedade, o que contribui para um debate intercultural acerca da propriedade comunal dos povos indígenas na América Latina (BRINGAS, 2008, p. 132, 144).
De acordo com a Corte, o fundamento da propriedade comunal indígena se sustenta principalmente na relação cultural, espiritual e material desses povos com os territórios ancestrais. Enquanto essa relação existir, o direito de reivindicar seus territórios permanece vigente, inclusive nos casos em que a comunidade se encontra afastada de suas terras tradicionais por questões alheias à sua vontade, como ocorre na grande maioria dos casos em que os indígenas são expulsos de suas terras (CORTE IDH, 2012. Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador, para. 146. CORTE IDH, 2006. Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai, para. 132).
No entendimento da Corte, a terra, para esses povos, não é meramente um objeto de posse ou meio de produção, mas um elemento material e espiritual sobre o qual devem ter o direito de gozar plenamente, inclusive para transmitirem sua cultura e tradições a gerações futuras (CORTE IDH, 2001, Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, para. 149; CORTE IDH, 2006, Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai, para. 118; CORTE IDH, 2010, Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai, para. 124, 131). Neste sentido, a Corte se opõe ao paradigma moderno e reconhece que a territorialidade adquire, para os povos indígenas, uma dimensão transgeracional e transfronteiriça que vai muito além das funções meramente econômicas da terra. Para os povos indígenas, o território é muito mais do que uma simples delimitação geográfica: é um referente espacial de sua identidade coletiva (TINEY, 2010, p. 9).
Note-se que o direito à propriedade comunal é atribuído aos povos indígenas em razão de um critério de ocupação tradicional, segundo o qual os territórios ancestrais são definidos em função da memória coletiva das gerações presentes que ainda se encontram, física ou espiritualmente, ligadas às terras reivindicadas (GARCÍA HIERRO, 2004, p. 7). O critério da tradicionalidade, dessa forma, não se relaciona com o tempo cronológico, ou seja, não depende do tempo da ocupação de determinado território, mas faz referência ao modo tradicional como o território é concebido pela comunidade (SILVA, 1997, p. 782).
A concepção de territorialidade indígena aplicada pela Corte em sua jurisprudência está em consonância com o Artigo 14 da Convenção 169 da OIT e com o Artigo 26 da Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, que reconhecem o direito desses povos a terem protegida a relação que mantêm com as terras tradicionalmente ocupadas e possuídas.
Diante de tais constatações, a Corte afirma que, embora a noção indígena de domínio e posse sobre a terra não seja correspondente à concepção clássica de propriedade, merece igual proteção do Artigo 21 da CADH que trata do direito à propriedade no Sistema Interamericano. Em seu entendimento, o conceito de propriedade e posse deve adquirir um sentido coletivo quando relacionado às comunidades indígenas, uma vez que se centra não no indivíduo, mas no grupo como um todo (CORTE IDH, 2012. Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador, para. 145. CORTE IDH, 2006, Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai, para. 143. CORTE IDH, 2001. Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, para. 149).
Ademais, no entendimento da Corte, a propriedade comunal recai não apenas no território no seu aspecto físico, mas abrange também o direito dos povos indígenas de gozarem livremente de sua propriedade e dos recursos naturais que ali se encontram em conformidade com suas tradições e costumes (CORTE IDH, 2012. Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador, para. 145. CORTE IDH, 2007. Povo Saramaka vs. Suriname, para. 146). Tal posicionamento, embasado na Convenção 169 da OIT e na Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, implica que esses povos têm o direito de possuir e controlar seus territórios e os recursos naturais que nele se encontram sem nenhum tipo de interferência externa, cabendo aos Estados garantir-lhes o direito de administrar e explorar seus territórios de acordo com sua tradição comunitária.
Importante ressaltar que os direitos dos povos indígenas existem independentemente de título de propriedade ou de atos estatais que os reconheçam, o que significa dizer que o exercício dos direitos territoriais indígenas não se condiciona ao reconhecimento expresso estatal ou a qualquer título formal de propriedade (THORNBERRY, 2002, p. 352). Inclusive, no entendimento da Corte, um sistema jurídico que condicione os direitos dos povos indígenas à existência de um título de propriedade privada sobre seus territórios ancestrais não pode ser considerado um sistema idôneo em matéria de proteção desses povos (CORTE IDH, 2007, Povo Saramaka vs. Suriname, para. 111).
Baseada no fundamento tradicional da propriedade comunal dos povos indígenas, a Corte estabeleceu em sua jurisprudência que: (i) a posse tradicional dos povos indígenas sobre seus territórios tem efeitos equivalentes ao título de pleno domínio outorgado pelos Estados (CORTE IDH, 2001, Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, para. 128); (ii) a posse tradicional outorga ainda às comunidades indígenas o direito de exigirem o reconhecimento oficial de sua propriedade e o respectivo registro (CORTE IDH, 2005, Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai, para. 215; CORTE IDH, 2007, Povo Saramaka vs. Suriname, para. 194); (iii) os povos indígenas que, por causas alheias à sua vontade, tiverem saído ou perdido a posse sobre suas terras tradicionais mantêm o direito à propriedade comunal sobre as mesmas, mesmo diante da falta de título legal (CORTE IDH, 2005, Comunidade Moiwana vs. Suriname, para. 133); (iv) os povos indígenas têm o direito de recuperar suas terras ou obter outras terras de igual extensão e qualidade mesmo quando estas tiverem sido transferidas legitimamente a terceiros de boa-fé (CORTE IDH, 2006, Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai, para. 128-130).
Historicamente, o extermínio e a dominação dos povos indígenas estão relacionados à dinâmica capitalista de desterritorialização que se inicia com a invasão colonial, passa pela perda das terras em razão da expansão das fronteiras agrícolas, pela pressão extrativista sobre os recursos naturais, pela realização de grandes obras de infraestrutura e pela pressão exercida pelos sistemas de conhecimentos tradicionais que buscam na biodiversidade dos territórios indígenas uma forma de negócio (TOLEDO LLANCAQUEO, 2005, p. 85). Consequentemente, uma das linhas de frente da descolonização passa necessariamente pela defesa dos territórios ancestrais indígenas e pelo consequente reconhecimento estatal de tal direito (GRAY, 2009, p. 35).
A Corte desempenha papel importante nesse sentido. Diante da fundamentação do direito à propriedade comunal dos povos indígenas, estabelece que o reconhecimento oficial de seus territórios ancestrais não é um ato discricionário estatal, mas uma obrigação que impõe aos Estados o dever de delimitar, demarcar e outorgar o título coletivo da terra aos membros das comunidades. A delimitação e a demarcação dos territórios ancestrais indígenas é uma pré-condição para o exercício de seus direitos, devendo o Estado adotar medidas especiais que garantam o exercício efetivo do direito à propriedade comunal (CORTE IDH, 2001, Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, para. 138).
No entendimento da Corte, entretanto, a propriedade comunal, mesmo compreendida como um direito fundamental, não é absoluta, podendo estar sujeita a certos limites e restrições. No entanto, a Corte expressamente determina que um Estado só pode restringir a propriedade comunal dos povos indígenas de forma excepcional quando: (i) haja previsão legal; (ii) seja uma medida necessária e proporcional; e (iii) tenha um fim legítimo dentro de uma sociedade democrática.
Embora tais requisitos sejam passíveis de crítica por causa de sua indeterminação, a Corte estabeleceu que, quando aplicados às comunidades indígenas, devem ainda levar em consideração que a restrição à propriedade comunal não pode impor a negação das tradições e costumes de determinado povo, nem ter como resultado a ameaça à subsistência da comunidade e de seus membros. Note-se que a subsistência não se resume à sobrevivência física, mas abrange também a necessidade de se preservar e garantir a relação específica das comunidades indígenas com seus territórios tradicionais de tal forma que possam continuar desenvolvendo seu modo de vida em conformidade com sua identidade cultural, estrutura social, costumes, crenças e tradições (CORTE IDH, 2012, Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador, para. 156; CORTE IDH, 2007, Povo Saramaka vs. Suriname, para. 127, 128; CORTE IDH, 2005, Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai, pars. 144-145).
No caso de limitações à propriedade comunal, em razão do desenvolvimento de projetos e da outorga de concessões de exploração em territórios indígenas que possam afetar, direta ou indiretamente, a forma de vida desses povos, a Corte determina ainda que os Estados devem obedecer a três requisitos essenciais: (i) primeiramente, o Estado deve assegurar a participação efetiva dos membros da comunidade no planejamento e na execução de qualquer projeto em seu território, devendo ainda obter o consentimento livre, prévio e informado nos casos de projetos de grande extensão e repercussão; (ii) em segundo lugar, o Estado deve garantir que os membros dos povos indígenas se beneficiem razoavelmente do projeto que se pretende realizar em seu território; (iii) e, finalmente, o Estado deve realizar, por meio de entidades independentes e tecnicamente capazes, estudos prévios de impacto social e ambiental, buscando avaliar os possíveis riscos e danos à comunidade (CORTE IDH, 2007, Povo Saramaka vs. Suriname, para. 127).
Em sua jurisprudência até o momento, a Corte julgou seis casos tratando do direito à propriedade comunal dos povos indígenas.4 Em todos, declarou que os Estados violaram o direito à propriedade das comunidades indígenas afetadas e estabeleceu reparações que abarcaram medidas de restituição, de satisfação, de não repetição, além de dano material e imaterial. Serão aqui destacados alguns aspectos relevantes das reparações ordenadas pela Corte.
Primeiramente, a Corte estabelece que, em matéria de reparação, é dever dos Estados adotar as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outro caráter que sejam necessárias para criar um mecanismo efetivo de delimitação, demarcação e titulação dos territórios indígenas, com a plena participação das comunidades (CORTE IDH, 2001, Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, para. 164). Ressalte-se que não compete à Corte determinar qual é o território ancestral a ser demarcado. Essa é uma obrigação a ser cumprida pelo Estado em diálogo com os povos indígenas, respeitando seus valores, usos e tradições (CORTE IDH, 2005, Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai, para. 216, 217).
Ademais, a Corte entende que os Estados, na proteção do direito à propriedade comunal dos povos indígenas, têm o dever, em primeiro lugar, de prevenir que as comunidades sejam desapossadas de suas terras tradicionais e impedidas de delas usufruírem. Entretanto, caso a comunidade se encontre impossibilitada de ter acesso aos seus territórios ancestrais e aos recursos necessários para a sua subsistência, os Estados devem assegurar o direito de restituição desses territórios mesmo quando se encontrem na posse de proprietários de boa-fé. Isso porque a devolução das terras ancestrais às comunidades indígenas é considerada pela Corte a medida que mais se aproxima da restituição integral. Enquanto não houver a demarcação e devolução dos territórios ancestrais, a Corte determina que os Estados devem se abster de realizar qualquer ato que possa levar seus agentes ou terceiros a impedir que a comunidade desenvolva sua forma particular de vida (CORTE IDH, 2001, Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua para. 163; CORTE IDH, 2007, Povo Saramaka vs. Suriname, para. 194; CORTE IDH, 2010, Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai, para. 291).
Além disso, na hipótese de um Estado se vir impedido, por motivos objetivos e fundamentados, de adotar as medidas necessárias para devolver as terras tradicionais, deverá entregar à comunidade indígena afetada terras alternativas de igual extensão e qualidade que deverão ser escolhidas de maneira consensual com os membros da comunidade, respeitadas suas próprias formas de consulta e decisão (CORTE IDH, 2005, Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai, para. 217; CORTE IDH, 2006, Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai, para. 136, 210; CORTE IDH, 2010, Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai, para. 281-286).
No que se refere ao dano imaterial, a Corte entende que é preciso levar em consideração o significado especial que a terra adquire para os povos indígenas. Toda privação de acesso aos territórios ancestrais resulta em sofrimento e angústia, assim como em danos irreparáveis à vida, à identidade e ao patrimônio cultural das comunidades indígenas (CORTE IDH, 2007, Povo Saramaka vs. Suriname, para. 79, 194, 200; CORTE IDH, 2012, Povo Indígena Kichwa de Sarayaku, para. 315 e 322; CORTE IDH, 2005, Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai, para. 202, 203).
Cabe ressaltar que a atuação da Corte, em matéria de reparação, vinha sendo alvo de críticas, pois, embora reconhecesse o caráter coletivo da propriedade comunal dos povos indígenas, ela manteve por muito tempo um posicionamento tradicional por meio do qual se restringia a declarar a violação de direitos humanos e sua respectiva reparação apenas em relação aos membros das comunidades individualmente, sem fazer o mesmo, de forma explícita e direta, em relação à comunidade indígena como coletividade e sujeito independente (VIO GROSSI, 2010).
Tal entendimento sustentava-se na interpretação do Artigo 1.2 da CADH que define o conceito de pessoa restrito ao ser humano e ao indivíduo como titular de direitos e liberdades. Entretanto, a individuação das vítimas pode ir contra a própria cultura dos povos indígenas, mostrando-se inadequada, inútil e injusta, uma vez que impõe à comunidade a necessidade de enumerar todos os seus membros para que se possa litigar no Sistema Interamericano (CHIRIBOGA, 2006, p. 47).
Em 2012, na sentença do caso do Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador, último caso contencioso analisado até o momento tratando da violação de direitos de povos indígenas, a Corte deu um primeiro passo no sentido de alterar seu posicionamento, declarando expressamente que o povo Sarayaku era vítima das violações de direitos humanos analisadas na sentença e, portanto, deveria ser considerado coletivamente beneficiário das reparações estabelecidas (CORTE IDH, 2012, Povo Indígena Kichwa de Sarayaku, para. 284). Esse novo posicionamento adotado recentemente pela Corte fortalece a luta indígena e possibilita a concretização de suas reivindicações relativas à propriedade comunal, na medida em que essas são sempre feitas em nome da comunidade como sujeito titular, e não como propriedade individual de cada membro (COURTIS, 2009, p. 61). Nesse sentido, espera-se que, em casos futuros, a Corte consolide tal entendimento, afirmando as comunidades indígenas como sujeitos coletivos autônomos.
Em conclusão, no que se refere à proteção do direito à propriedade dos povos indígenas, a jurisprudência da Corte revela a importância de se pensar a propriedade comunal dentro de um novo paradigma que leve em consideração a forma de vida coletiva particular e única desses povos. Note-se que a propriedade comunal se desvincula do conceito liberal da propriedade privada, típico do direito civil moderno. A construção de um novo paradigma de proteção dos povos indígenas revela, assim, a necessidade de entendermos a propriedade comunal dos territórios ancestrais como um instituto com características próprias, baseado essencialmente na relação específica desses povos com a terra e analisado necessariamente em conjunto com seus costumes e tradições.
O direito à consulta prévia dos povos indígenas em assuntos de seu interesse é um dos temas mais difíceis e controvertidos no direito internacional (RODRÍGUEZ GRAVITO; MORRIS, 2010, p. 11). A exigência de participação, além de ser um direito desses povos e um dever dos Estados, é uma condição necessária para que se possa concretizar o respeito às culturas, às formas de vida, às tradições e aos direitos das comunidades indígenas (SALGADO, 2006, p. 95).
A Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada por quinze Estados da América Latina e Caribe,5 é o instrumento internacional que mais claramente aborda a questão e estabelece no seu Artigo 6º que os governos têm o dever de consultar os povos interessados por meio de procedimentos adequados, respeitando suas instituições representativas, sempre que adotem medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. Dessa forma, os Estados têm a obrigação de disponibilizar os meios necessários para que os povos indígenas possam participar livre e igualitariamente em todos os níveis decisórios das políticas e programas que possam, de alguma forma, afetar suas vidas.
Ainda de acordo com os Artigos 18 e 19 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, esses povos têm o direito de participar de todas as decisões que afetem seus interesses, assim como de manter e desenvolver suas próprias instituições de tomada de decisões. Por isso, é dever do Estado consultar e cooperar de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre, prévio e informado antes de adotar e aplicar medidas legislativas e administrativas que os afetem.
No Sistema Interamericano, por sua vez, o Artigo 23 consagra os direitos de todo cidadão de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por representantes eleitos; de votar e de ser eleito; e de ter acesso, em condições de igualdade, às funções públicas de seu país. Ademais, o direito à consulta prévia dos povos indígenas é reconhecido pela Corte como presente na Convenção Americana, por meio da adoção de uma perspectiva social do Artigo 21 da CADH, relativo à propriedade comunal (ABRAMOVICH, 2009, p. 22).
Entretanto, apesar da existência de um marco normativo internacional sobre a matéria, algumas ambiguidades quanto ao direito à consulta e à participação dos povos indígenas ainda permanecem, especialmente no que se refere à possibilidade desses povos vetarem a atuação dos Estados quando contrária aos seus interesses (ANAYA, 2005, p. 7). Nesse sentido, a questão principal que se coloca é se basta a realização de consultas prévias que escutem a opinião dos povos indígenas ou se é preciso, além da consulta, a obtenção do consentimento livre, prévio e informado das comunidades indígenas para que o Estado ou terceiros possam tomar medidas que interfiram nos interesses desses povos.
Analisadas sob a perspectiva das comunidades indígenas, a consulta e a participação devem ser concebidas não apenas como meio de exercício de seus direitos políticos, mas também, e principalmente, como meio necessário para a expressão de sua autodeterminação (CLAVERO, 2005, p. 46), em virtude da qual, de acordo com a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, nos seus Artigos 3º e 4º, todos os povos têm o direito de determinar sua condição política e de buscar livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. Consequentemente, no exercício da autodeterminação, os povos indígenas devem ter direito à autonomia e ao autogoverno de questões relacionadas aos assuntos internos e locais.
Compreendida como um direito humano, a autodeterminação é a afirmação de que todos os seres humanos, individualmente ou enquanto grupos, têm o direito de exercer o controle sobre seus próprios destinos e de participar com igualdade na construção e no desenvolvimento da ordem institucional governamental na qual vivem, de forma que esta seja compatível com suas formas de vida (ANAYA, 2004a, p. 197).
Um dos corolários do direito à autodeterminação é o reconhecimento de que os povos indígenas têm o direito de rechaçar ou vetar ações do Estado em seus territórios quando estas puderem afetar sua integridade física ou cultural. É fundamental que os povos indígenas recebam todas as informações necessárias para que possam livremente chegar a uma decisão sobre as vantagens ou desvantagens de permitir que o Estado desenvolva atividades em seus territórios ancestrais (MACKAY; BRACCO, 1999, p. 74). O direito à participação e à consulta dos povos indígenas, com o reconhecimento do consentimento como requisito necessário, é assim uma condição inerente ao exercício do direito à autodeterminação dos povos indígenas.
Esse posicionamento é previsto pela Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que estabelece, nos seus Artigos 19 e 32, que é preciso obter o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas antes dos Estados adotarem decisões que possam afetar seus interesses, sejam decisões de caráter legislativo ou administrativo.
Os Estados, por outro lado, na grande maioria das vezes, adotam um entendimento limitado acerca do direito à consulta prévia dos povos indígenas, segundo o qual o dever de consultar se esgota na realização de um diálogo com as comunidades, cujo resultado não vincula em nada a atuação estatal (RODRÍGUEZ GRAVITO; MORRIS. 2010, p. 80). Esse posicionamento é o mesmo adotado pela Convenção 169 da OIT, no seu Artigo 6.2, segundo o qual as consultas devem ser realizadas de boa-fé no sentido de se chegar a um acordo ou consentimento que não é, entretanto, um requisito a ser cumprido pelo Estado.
Para as organizações indígenas participantes da redação desta Convenção, o princípio da consulta previsto na Convenção 169 da OIT não é adequado, uma vez que não reflete a necessidade de fazer os Estados levarem em conta a opinião dos povos indígenas na execução de projetos em seus territórios (SALGADO, 2006, p. 100). De acordo com esse entendimento, o consentimento é visto apenas como o resultado desejado da consulta, mas não como requisito essencial para o exercício da autodeterminação desses povos. Isso acaba por colocar em questão a real e efetiva participação dos indígenas nos assuntos de seu interesse, uma vez que uma ação ou uma política estatal ou de terceiros em territórios ancestrais indígenas podem ser consideradas legítimas mesmo sem o consentimento destes.
No que se refere ao Sistema Interamericano, a Corte já estabeleceu e vem aprofundando sua jurisprudência sobre o tema, tendo se pronunciado acerca do direito à consulta prévia dos povos indígenas em três casos até o momento.6
No primeiro caso em que se pronunciou sobre a matéria, Saramaka vs. Suriname, de 2005, a Corte analisou a outorga a empresas privadas, pelo Estado, de concessões de exploração de recursos naturais em territórios ancestrais do povo Saramaka, sem qualquer consulta prévia aos membros da comunidade. De acordo com a Corte, para outorgar concessões de exploração de recursos naturais em territórios tradicionais e, portanto, restringir os direitos dos povos indígenas e tribais sobre a sua propriedade comunal, os Estados devem cumprir três requisitos: garantir a participação efetiva das comunidades afetadas; assegurar que os benefícios auferidos sejam compartilhados com os membros das comunidades; e realizar estudos prévios de impacto ambiental e social. A Corte acrescentou que o Estado tem o dever de assegurar a participação efetiva dos membros dos povos indígenas e tribais, em conformidade com seus costumes e tradições, em relação a qualquer projeto ou plano econômico de exploração ou extração que seja realizado dentro do território ancestral desses povos (CORTE IDH, 2007, Povo Saramaka vs. Suriname, para. 79, 142, 146).
Ao tratar do direito à consulta, a Corte afirmou que: (i) as consultas devem ser realizadas previamente e de boa-fé, por meio de procedimentos culturalmente adequados, devendo ter por objetivo alcançar um acordo entre as partes; (ii) os Estados devem assegurar que as comunidades tenham conhecimento dos possíveis riscos, incluindo os ambientais e de saúde, a fim de que aceitem o projeto a ser realizado em seu território com pleno conhecimento e de forma voluntária; (iii) a consulta deve levar em consideração os métodos tradicionais de tomada de decisão das comunidades indígenas e tribais (CORTE IDH, 2007, Povo Saramaka vs. Suriname, para. 133).
Importante destacar que, no caso em análise, a Corte explicou a diferença entre consulta e consentimento. De acordo com o seu entendimento, a consulta é sempre necessária, mas o consentimento prévio da comunidade só é exigido no caso de projetos de grande dimensão que tenham um impacto maior dentro do território ancestral (CORTE IDH, 2007, Povo Saramaka vs. Suriname, para. 134, 153, 154).
Posteriormente, no caso da Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai, de 2010, a Corte analisou a situação na qual o Estado, sem a realização de consultas prévias à comunidade, estabeleceu, em parte do território ancestral indígena, uma área de reserva natural privada, dentro da qual se encontrava proibida a ocupação indígena e a prática de atividades tradicionais, como a caça, a pesca e a colheita. A Corte afirmou que os Estados têm a obrigação de assegurar a participação efetiva dos membros da comunidade em toda decisão que afete seus territórios tradicionais e destacou que o estabelecimento de reservas naturais, mesmo quando embasado na lei e na suposta proteção do meio ambiente, poderia constituir uma nova e sofisticada forma de obstáculo às reivindicações indígenas relativas ao seu direito à propriedade comunal (CORTE IDH, 2010, Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai, para. 169).
Mais recentemente, em 2012, no caso do Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador, a Corte examinou a situação em que o Estado equatoriano outorgou permissão a uma empresa petrolífera privada para realizar atividades de extração e exploração de petróleo no interior do território do Povo Sarayaku sem a realização de consulta prévia aos seus membros. Mesmo diante do reconhecimento expresso de responsabilidade internacional por parte do Estado equatoriano, a Corte buscou, em sua sentença, destacar a importância do direito à consulta prévia para a proteção dos povos indígenas, afirmando: (i) que a obrigação de realizar a consulta prévia, além de constituir uma norma convencional, é um princípio geral do Direito Internacional; (ii) que é um dever do Estado realizar a consulta prévia com os povos indígenas, dever este indelegável a terceiros; e (iii) que a violação do direito à consulta prévia dos povos indígenas afeta diretamente sua identidade cultural, seus costumes, sua cosmovisão e seus modos de vida (CORTE IDH, 2012, Povo Indígena Kichwa de Sarayaku, para. 164, 198, 220).
Importante ressaltar que, no que se refere ao direito à consulta e à participação, a Corte, em sua jurisprudência, rompeu parcialmente com o posicionamento limitado adotado pelos Estados e pela Convenção 169 da OIT no que se refere à exigência do consentimento prévio, livre e informado dos povos indígenas. De acordo com o seu entendimento, nos casos em que a integridade da comunidade indígena seja afetada em maiores dimensões, o Estado tem a obrigação de não apenas realizar a consulta prévia, como também de obter o consentimento da comunidade.
Entretanto, o rompimento é apenas parcial, uma vez que o consentimento só é exigido nos casos de projetos de grandes dimensões a serem executados nos territórios indígenas. Exigir o consentimento apenas em casos especiais, embora seja um passo significativo, continua a pôr em questão a efetiva participação dos membros das comunidades nos assuntos de seu interesse. Ainda que em média ou pequena escala, a afetação da forma de vida de uma comunidade indígena pode causar danos irreparáveis à sua integridade cultural. Ressalte-se que, quando afirmamos a necessidade do consentimento dos povos indígenas em questões relacionadas aos seus territórios e recursos naturais, estamos tratando de terras e recursos que sequer existiriam se não fosse o sistema de organização indígena não predatório. O que se busca aqui, portanto, é abandonar a ideia de que os povos indígenas se restringiriam a “guardiões” de seus territórios e recursos naturais, enquanto a administração e o controle destes recursos ficariam a cargo dos Estados (CLAVERO, 2005, p. 46).
Portanto, para a construção de um novo paradigma de proteção dos direitos dos povos indígenas é preciso reconhecer o direito à autodeterminação desses povos em todos os seus alcances de forma a garantir que, por meio da participação efetiva, desfrutem da liberdade e da autonomia necessárias para a preservação de sua integridade física e cultural. A Corte já deu um importante passo nesse sentido, mas ainda precisa ir além e reconhecer a relação intrínseca entre a consulta, a participação e o necessário consentimento dos povos indígenas para o exercício de sua autodeterminação.
O presente trabalho buscou, por meio de uma análise crítica da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, demonstrar a necessidade de rompermos com o paradigma ocidental moderno da colonização, opressor e excludente, e nos comprometermos com a construção de um novo paradigma inclusivo e intercultural de proteção dos direitos humanos dos povos indígenas na América Latina.
A Corte, por meio de sua jurisprudência, vem assumindo papel importante para a concretização dessa mudança paradigmática, uma vez que: (i) contribuiu em parte para o desenvolvimento do conceito de vida digna aplicado aos povos indígenas; (ii) rompeu com o conceito moderno de propriedade privada, afirmando o direito à propriedade comunal, de caráter coletivo e intercultural, reconhecendo mais recentemente os povos indígenas como sujeitos coletivos de direitos; e (iii) afirmou a necessidade dos Estados garantirem o direito à consulta prévia dos povos indígenas em assuntos de seu interesse, estabelecendo importantes parâmetros que servem de guia para a atuação dos países latino-americanos nessa matéria.
No entanto, mesmo diante de avanços significativos, foram apresentadas, ao longo deste trabalho, críticas à atuação da Corte, na medida em que sua jurisprudência ainda apresenta algumas limitações que podem e devem ser superadas para a efetiva proteção dos direitos humanos dos povos indígenas.
Em primeiro lugar, é preciso que a Corte promova efetivamente um diálogo intercultural com as comunidades indígenas acerca de sua concepção sobre vida e bem-estar, de forma a não restringir o conceito de vida digna a uma visão ocidental limitada à garantia pelos Estados do exercício dos direitos econômicos, sociais e culturais, que, embora fundamentais, não são suficientes para englobar a riqueza das formas de vida dessas comunidades, especialmente a relação espiritual que possuem com seus territórios e com a natureza.
Ademais, destacou-se a necessidade da Corte consolidar seu mais recente posicionamento, adotado no caso Kichwa de Sarayaku vs. Equador, no sentido de reconhecer os povos indígenas como sujeitos coletivos de direitos. No caso dos povos indígenas, a individuação das vítimas, exigida até esse caso, mostrou-se incompatível com a forma de organização comunitária desses povos.
Finalmente, este trabalho criticou o posicionamento da Corte acerca do direito à consulta dos povos indígenas, segundo o qual o consentimento desses povos é visto, em parte, apenas como um resultado desejado da consulta e não como um requisito essencial para o exercício de sua autodeterminação. Exigir o consentimento apenas em casos especiais, embora seja um passo significativo, continua a pôr em questão a efetiva participação desses povos, na medida em que, ainda que em média ou pequena escala, a afetação da forma de vida de uma comunidade indígena pode ter danos irreparáveis para a sua integridade cultural.
Dessa forma, a intenção deste trabalho, ao analisar a jurisprudência da Corte, foi apontar os avanços e limites de sua atuação, demonstrando as conquistas alcançadas e os obstáculos a serem enfrentados na construção de um novo paradigma intercultural e inclusivo de proteção dos direitos humanos dos povos indígenas na América Latina.
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Jurisprudência
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. 2012. Sentença de 27 de junho de 2012. Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador.
______. 2010. Sentença de 24 de agosto. Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai.
______. 2007. Sentença de 28 de novembro. Povo Saramaka vs. Suriname
______. 2006. Sentença de 29 de março. Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai
______. 2005. Sentença de 17 de junho. Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai
______. 2005. Sentença de 15 de junho. Comunidade Moiwana vs. Suriname
______. 2001. Sentença de 31 de agosto. Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua.
1. A Corte Interamericana é o órgão jurisdicional do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. Tal sistema foi desenvolvido a partir da segunda metade do século XX no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) e atualmente baseia-se na atuação de dois órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A CIDH é considerada um órgão autônomo, cuja função é promover a observância e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da OEA nessa matéria. Como parte dos seus trabalhos de promoção e defesa dos direitos humanos, em 1990, decidiu pela criação da Relatoria sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que tem como principal objetivo facilitar o acesso destes povos ao Sistema Interamericano. A Corte, por sua vez, como órgão jurisdicional, exerce duas competências distintas: a contenciosa, destinada à análise de casos concretos e medidas provisórias relativos à violação da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) cometidas por determinado Estado-Parte; e a consultiva, por meio da qual a Corte interpreta a CADH ou qualquer outro tratado relativo à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Ressalte-se que a competência contenciosa só é exercida em relação a Estados que tenham aceitado expressamente a jurisdição contenciosa da Corte. Além disso, suas sentenças não têm caráter vinculativo aos Estados.
2. Optamos por não analisar as medidas provisórias concedidas pela Corte até o momento, mas apenas os casos contenciosos que abordam diretamente os três parâmetros. Os casos desenvolvidos ao longo deste trabalho são: Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador (2012); Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai (2010); Povo Saramaka vs. Suriname (2007); Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai (2006); Comunidade Moiwana vs. Suriname (2005); Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai (2005); Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua (2001).
3. Importante ressaltar que, no caso Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador (2012), a Corte chega a analisar a violação do direito à vida, mas não adentra especificamente no tema da vida digna. Neste caso, a Corte afirmou que o Estado equatoriano é responsável pela violação do Artigo 4º da CADH, uma vez que colocou em risco a vida dos membros do Povo Sarayaku ao permitir que uma empresa privada, responsável pela exploração de petróleo no território ancestral, utilizasse alto teor de explosivos, o que expôs este povo a um perigo constante (CORTE IDH. Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador, para. 249).
4. Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua (2001), Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai (2005), Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai (2006), Povo Saramaka vs. Suriname (2007), Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai (2010) e Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador (2012).
5. Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, Equador, Guatemala, Honduras, México, Paraguai, Peru, Venezuela e Nicarágua.
6. Cabe ressaltar que a Corte chega a mencionar a importância da consulta aos povos indígenas em outros casos, mas apenas nos três precedentes abordados neste trabalho a Corte trata de forma específica e aprofundada o assunto.