Reflexões a partir do trabalho de uma organização do Sul Global
A partir da experiência da organização internacional brasileira Conectas Direitos Humanos em seu trabalho com política externa, este artigo analisa o papel dos países emergentes nas dimensões multilateral e bilateral da proteção internacional dos direitos humanos. As incoerências e desafios encontrados nestes âmbitos são utilizados como ponto de partida para refletir sobre a prática da Conectas e sistematizar estratégias de atuação que possam ser úteis para outras organizações da sociedade civil desejosas de atuar com temas de política externa.
As chamadas potências emergentes, como África do Sul, Brasil, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Turquia, têm conquistado reconhecimento internacional por seu crescimento econômico e desempenhado papel mais ativo na definição dos rumos da política internacional. Suas decisões impactam comunidades muito além de suas próprias fronteiras, e as alianças, parcerias e fóruns estabelecidos por elas ganham relevância e visibilidade.1
Muitos desses países têm trabalhado no sentido de reformar a governança global, para que os mecanismos e órgãos multilaterais reflitam seu novo papel, mas seu comprometimento com o aprimoramento do sistema internacional dos direitos humanos não é tão claro. Muitas vezes, essas potências agem de forma contraditória se comparamos seus compromissos assumidos em direitos humanos com seus atos de política externa. É com relativa frequência que essas nações se abstêm em foros multilaterais diante de resoluções relacionadas a situações de flagrantes violações. Outras vezes, permitem que verbas públicas sejam utilizadas para financiar empreendimentos em solo estrangeiro que contribuem para o desrespeito aos direitos dos cidadãos locais.
É crucial, portanto, que a sociedade civil de cada uma dessas potências emergentes cobre transparência e prestação de contas de seus governos, além de coerência entre os compromissos assumidos em matéria de direitos humanos e as decisões e posições adotadas no plano internacional. Uma forma de fazer isso é a análise dos votos de determinado país nos foros internacionais tradicionais, assim como de suas ações de política externa nos âmbitos bilateral, regional e multilateral e posterior disseminação de informações sobre eventuais – ou iminentes – contradições. Ao trabalharem ao lado das instituições nacionais e de outros grupos da sociedade civil, organizações não governamentais contribuem para o fortalecimento da democracia no nível nacional. A relevância deste tipo de atuação é fortalecida pelo fato de as potências emergentes terem reforçado sua atuação em âmbitos multilaterais e outros fóruns apenas recentemente, o que significa que o potencial de a ação da sociedade civil provocar mudanças de rumo efetivas seja, talvez, maior do que no caso de potências já estabelecidas, com políticas externas mais “institucionalizadas”.
Neste texto, são compartilhadas estratégias de trabalho da Conectas Diretos Humanos2 na área de política externa e direitos humanos com o objetivo de disseminá-las a outras organizações da sociedade civil que desejem influenciar as práticas de seus governos e, quem sabe, convidar estudiosos a debruçar-se sobre o tema. Algumas das discussões e estratégias aqui apresentadas ecoam reflexões propostas em recente publicação da Conectas intitulada Política Externa e Direitos Humanos: Estrategias de ação para a sociedade civil. Um olhar a partir da experiência da Conectas no Brasil (CONECTAS DIREITOS HUMANOS, 2013) que traz, além das estratégias e dicas, um relato de experiências da organização ao longo dos anos trabalhando com advocacy em política externa.
Conectas começou a trabalhar na área de política externa em 2005. À época, o tema não era alvo comum de atuação de organizações brasileiras. Sujeita a pouquíssimos mecanismos de escrutínio da sociedade civil, a pauta da política externa do país era definida em grande medida por funcionários do Poder Executivo, em particular do Ministério das Relações Exteriores (MRE, também conhecido por Itamaraty3). Não havia informações disponíveis sobre como era definida essa agenda, nem sobre o processo de decisão do Itamaraty ou de outras alas do governo sobre comportamentos internacionais – tais como os votos do Brasil em fóruns multilaterais, como o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH) – e tampouco sobre o processo de nomeação de embaixadores. A falta de informações sobre o assunto refletia-se também nos meios de comunicação: o tema era pouquíssimo explorado pela mídia nacional.
Nesse contexto, Conectas criou seu Programa de Política Externa e Direitos Humanos baseada na premissa de que, numa democracia, o governo tem a obrigação de prestar contas aos cidadãos sobre todas as suas atividades e fomentar canais de participação social. Sendo a política externa uma política pública, cabe à sociedade civil exigir transparência do governo na formulação e implementação de políticas nesse campo. Além disso, a Constituição Federal de 1988 determina, em seu artigo 4º, inciso II, que as relações internacionais do Brasil devem ser regidas pela “prevalência dos direitos humanos” (BRASIL, 1988). Neste sentido, cobrar o respeito aos direitos humanos em todas as decisões de política externa do país não se trata apenas de uma questão de princípio, e sim de cumprimento do compromisso constitucional que o Brasil assumiu em 1988.4
O Quadro a seguir apresenta as principais estratégias de atuação da Conectas em seu trabalho com política externa.
Para fins de análise, neste artigo, parte-se de que os Estados podem atuar em prol da proteção internacional dos direitos humanos pela via bilateral ou por meio de espaços coletivos. Por espaços coletivos, entende-se aqueles nos quais os países agem pautados não apenas por seus imperativos e interesses nacionais, mas sobretudo por meio de concertação com outros Estados. Eles incluem organismos multilaterais tradicionais de alto grau de institucionalidade e que contam com extenso rol normativo sobre direitos fundamentais – como as Nações Unidas – e outras arenas de concertação política existentes que não necessariamente tenham sido criadas exclusivamente para a proteção de tais direitos – como as novas coalizões BRICS e IBAS – e que por alguns têm sido chamadas de arranjos minilaterais (FONSECA, 2012).
Entre os espaços coletivos, tomemos como exemplo o Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), hoje o principal órgão internacional dedicado ao tema. Ele busca contribuir para o avanço dos padrões internacionais que ampliam o reconhecimento de direitos ao, entre outros, aprovar resoluções temáticas em suas sessões. O Conselho também monitora o respeito aos direitos humanos por meio de mecanismos como as resoluções sobre países vivendo graves ou persistentes violações; os procedimentos especiais (relatorias e grupos de trabalho independentes); e a Revisão Periódica Universal (RPU), mecanismo sob o qual todos os Estados-membros da ONU passam por uma espécie de sabatina a cada quatro anos e recebem recomendações de outros Estados. Outras instituições multilaterais consideradas parte do sistema oficial de proteção dos direitos humanos são aquelas criadas no âmbito de organizações regionais tais como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e suas Comissão Interamericana de Diretos Humanos (CIDH) e Corte Interamericana de Diretos Humanos. Quando se cobra mais comprometimento dos emergentes no campo multilateral, o que se busca é que esses países favoreçam a proteção internacional de direitos humanos mantendo uma postura responsável em foros internacionais e regionais – o que significa contribuir para o avanço da normativa, fortalecer as capacidades de monitoramento das instituições e cumprir com as recomendações e decisões delas emanadas.
Cada vez mais, no entanto, as discussões e decisões com impacto sobre os direitos fundamentais ultrapassam os órgãos criados exclusivamente para a questão e que são tradicionalmente entendidos como parte do sistema internacional de direitos humanos. Há também uma multiplicidade de instâncias cujo mandato principal não é tratar de direitos humanos, mas que ainda assim lidam com assuntos de impacto direto na proteção internacional desses direitos. Entram nessa categoria, por exemplo, coalizões como IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) e BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Apesar das oscilações entre esperança e ceticismo com relação à capacidade destes agrupamentos de questionarem o status quo internacional, é inegável que ganharam destaque nos debates globais, incluindo aqueles sobre direitos humanos. A proliferação de instâncias nas quais os direitos humanos se inserem de forma transversal, contudo, impõe um duro desafio ao trabalho de fiscalização feito por organizações da sociedade civil sobre como seus Estados se comportam.
Outra via de atuação dos Estados com impacto internacional sobre o avanço da proteção de direitos humanos é a bilateral. Decisões sobre estreitamento de relações políticas com outros governos nacionais, investimentos de ajuda ao desenvolvimento e promoção do comércio têm, naturalmente, grande impacto sobre a proteção dos direitos humanos em países estrangeiros. Nas relações bilaterais de cada Estado também se encontram oportunidades de se promover e proteger os direitos humanos no mundo.
Nesse âmbito, além das relações diplomáticas clássicas, como os contatos mantidos por altas autoridades de dois países e as atividades das embaixadas ao redor do globo, outros aspectos das relações bilaterais, tais como o envio de assistência humanitária e a cooperação internacional oferecida, devem ser analisados, já que têm grande potencial de impacto sobre a proteção dos direitos humanos de populações locais. Outros aspectos com semelhante efeito são o controverso sistema de sanções bilaterais e a prática, cada vez mais utilizada por países emergentes, de financiamento público da promoção comercial de empresas nacionais em outros países.
Conectas, por meio de seu Programa de Política Externa e Direitos Humanos, monitora a atuação do Brasil e de países emergentes tanto na via bilateral como por meio de espaços coletivos como ONU e novas coalizões com o objetivo de verificar se as posições adotadas por esses países são coerentes com princípios e compromissos assumidos em matéria de direitos humanos. Alguns exemplos da atuação a partir do monitoramento da Conectas serão apresentados na próxima seção.
A seguir, serão identificados alguns comportamentos dos países emergentes no exercício de suas políticas externas que carecem de maior atenção e estudo por apresentarem traços de falta de consonância com a proteção internacional de direitos humanos. Sem ter a pretensão de generalizar tais comportamentos a todos os emergentes, busca-se aqui indicar algumas fragilidades da política externa desses países que têm sido observadas no trabalho de monitoramento feito pela Conectas. Exemplos são apresentados a fim de ilustrar formas pelas quais uma organização de direitos humanos do Sul Global pode trabalhar com política externa.
No âmbito multilateral, especialmente no trabalho do Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas, um dos principais alvos de crítica dos países emergentes é a sua seletividade. O órgão tem sido criticado por sua falta de critérios coerentes e transparentes para decidir quais países são alvo de resoluções e quais temas são considerados prioritários. Sobre esse tema, o vice-ministro de Relações Exteriores da África do Sul, Ebrahim Ismail Ebrahim, alertou em seu discurso no órgão, em 2012, que:
O Conselho deve ser um árbitro com credibilidade e deve tratar todas as questões globais de direitos humanos de forma balanceada. Não deve haver hierarquia. Direitos econômicos, sociais e culturais devem estar em pé de igualdade e ser tratados coma mesma ênfase que os direitos civis e políticos.
(SOUTH AFRICA, 2013, tradução nossa).
Similarmente, o Conselho tem sido criticado por poupar ou negligenciar países que apresentam crises urgentes ou crônicas de direitos humanos ao mesmo tempo em que emite reiteradamente resoluções relativas a determinados Estados, tais como a Coreia do Norte. A questão é cara ao Brasil. Em 2012, a ministra de Direitos Humanos Maria do Rosário Nunes, afirmou que o CDH “deve se pronunciar diante de violações graves de direitos humanos, onde quer que aconteçam, respeitando os princípios da não-seletividade e não-politização” (BRASIL, 2012). No o ano seguinte, em 2012, o então ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, defendeu que o Conselho deveria atuar para melhorar “a vida de seres humanos, por meio de uma abordagem balanceada e não-seletiva dos direitos humanos, livre de acusações fúteis e polarizações paralisantes” (BRASIL, 2013).
A crítica sobre a seletividade do CDH, contudo, não é sempre acompanhada de atuação coerente no órgão por parte dos emergentes. Um dos principais exemplos dessa incoerência é o caso do Barein, país que, apesar de ser palco de graves violações e sujeito de firmes posicionamentos da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay,5 recebeu pouca atenção do CDH.
A situação de direitos humanos no Barein tem deteriorado desde fevereiro de 2011, quando começaram protestos pacíficos por reformas democráticas naquele país. Apesar da gravidade da situação, o CDH se manteve em silêncio por mais de um ano. Buscando reverter tal quadro, 26 organizações de direitos humanos pediram, em junho de 2012, a todas as delegações em Genebra o fim da negligência dos Estados (JOINT…, 2012). Durante a 20ª sessão do Conselho naquele mês, 27 Estados6 emitiram uma declaração conjunta em que demonstravam preocupação com a situação do Barein. Dentre os emergentes que criticam a seletividade do CDH, como África do Sul, Brasil, Índia, Indonésia, Nigéria e Turquia, apenas o México assinou a declaração. Com a manutenção das graves violações, em fevereiro de 2013, outra carta (JOINT…, 2013a) foi endereçada aos países solicitando que a questão fosse investigada pelo CDH. Assim, na 22ª sessão, 44 países7 aderiram a uma segunda declaração conjunta. Mais uma vez, Brasil, África do Sul, Nigéria, Índia, Indonésia e Turquia não assinaram o apelo. Novamente, México foi uma exceção.8 O tema foi retomado na 24ª sessão, em setembro de 2013, após forte atuação da sociedade civil, que passou a solicitar a aprovação de uma resolução por país para o Barein e pressionou para que os países que ainda não haviam se somado às declarações anteriores fizessem parte dessa nova iniciativa. Novamente, contudo, os Estados optaram por adotar apenas uma declaração conjunta e a ideia de uma resolução específica foi deixada de lado nesse momento. Ainda assim, o resultado de certa forma foi positivo, e o Brasil, que havia optado anteriormente apenas por manifestação individual sobre a situação no Bahrein, se somou ao México como um dos emergentes a integrar a nova declaração (JOINT…, 2013b). A Conectas fez parte das iniciativas coletivas em todas as ocasiões aqui reportadas.
É com o propósito de apontar tais contradições entre o discurso e a prática que, desde 2006, Conectas publica o anuário Direitos Humanos: O Brasil na ONU. A publicação compila informações sobre como o Brasil votou, além de recomendações feitas e recebidas pelo país quanto a direitos humanos. Além de fornecer subsídios a estudiosos e/ou outras organizações envolvidas com o tema, o anuário também cumpre o papel de mostrar ao governo brasileiro que a sociedade civil acompanha de perto seu comportamento em foros multilaterais.
Até 2009, o monitoramento de votos na ONU era realizado virtualmente ou por meio de participação pontual de representantes da Conectas em sessões em Genebra. Em 2010, a organização coordenou-se com duas outras organizações latino-americanas – o Centro para Estudos Legais e Sociais (CELS), da Argentina, e a Corporação Humanas, do Chile – para viabilizar a presença de um representante permanente em Genebra. Além de monitorar os votos na ONU, a contratação em parceria facilitou ações conjuntas das três organizações em diferentes frentes em Genebra.
No caso específico dos votos, Conectas observou variações ano a ano no apoio de países emergentes como Brasil, México,9 Nigéria, África do Sul, Índia e Indonésia a resoluções que tratam de violações em países específicos. É claro que a política externa para direitos humanos de um país não pode ser reduzida à maneira como este vota em resoluções nas Nações Unidas tanto no CDH como na Assembleia Geral, mas ela fornece indícios importantes sobre a direção para a qual está seguindo. Tanto o Conselho como a Assembleia Geral, afinal, servem como balizador mínimo para estabelecer limites à aceitação internacional de violações. Assim, monitorar os votos permite à sociedade civil apontar incoerências e dirigir seu trabalho de advocacy a causas ou países que recebem menos atenção em fóruns multilaterais.
A seguir, são apresentados alguns exemplos dessas oscilações e de estratégias da Conectas para influenciar os votos do Brasil na ONU:
Coreia do Norte
Há anos, as violações dos direitos humanos na República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte) são objeto de preocupação internacional. A antiga Comissão de Direitos Humanos10 da ONU e o atual CDH adotaram várias resoluções desde 2003 expressando a preocupação com a situação dos direitos humanos naquele país.
Até 2008, o Brasil votou favoravelmente a várias decisões sobre o país. Naquele ano, o país absteve-se na Assembleia Geral da ONU, posição que se repetiu no ano seguinte, tanto na Assembleia Geral da ONU quanto no CDH. Índia e África do Sul também se abstiveram, Indonésia e Nigéria votaram contra a resolução e, mais uma vez, o México votou a favor.
Usando o argumento de que, ao se abster, o Brasil estava violando o princípio constitucional segundo o qual devem ser respeitados os direitos humanos na condução da política externa do país (Constituição Federal Brasileira, artigo 4, II), Conectas pediu a uma seção do Ministério Público Federal que exigisse do MRE uma explicação para a posição adotada. Em resposta a esse pedido, o Itamaraty afirmou que o país acreditava na criação de um ambiente político-diplomático capaz de permitir que a Coreia do Norte expressasse voluntariamente seu compromisso com os direitos humanos e cooperar com a ONU. Mas a Coreia do Norte se recusou a aceitar todas as recomendações recebidas pelo mecanismo de RPU da ONU naquele ano, incluindo as feitas pelo Brasil. No ano seguinte, 2010, o Brasil mudou de posição, unindo-se ao México no voto favorável. A partir de 2012, as resoluções sobre a Coreia do Norte foram adotadas por consenso. Assim, a solicitação de informação feita por outra entidade do governo serviu não apenas para revelar uma informação desejada (explicações sobre a posição do Brasil), mas, ao confrontar o Itamaraty com a realidade do fracasso da estratégia que adotara, fez com que o Ministério mudasse de posição, assumindo uma postura mais favorável aos direitos humanos. Em 2013, foi criada, também por consenso, uma Comissão de Inquérito para este país.
Irã
Nas votações sobre a situação de direitos humanos no Irã, no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas, Índia, Brasil, África do Sul, Nigéria, Indonésia destacam-se pelo padrão de votos questionável. A análise das votações a partir de 2009 mostra que, dentre os chamados países emergentes, somente o México vota favoravelmente às resoluções. Com exceção de 2003, o Brasil se absteve desde 2001 em todas as votações de resoluções condenando violações no Irã. África do Sul também se absteve em todas as votações, conjuntamente com a Nigéria e Indonésia que, em anos anteriores, votaram contra o texto. Índia também oscila entre voto contra e abstenção, prevalecendo o primeiro posicionamento.
Para sensibilizar o governo brasileiro para a questão, Conectas promoveu em 2011 reuniões entre ativistas iranianos e representantes do governo e da sociedade civil brasileira para exigir uma posição mais firme por parte do Brasil. No mês seguinte, o Brasil votou a favor de uma resolução criando o Relator Especial para o Irã, no CDH. A Conectas fiscaliza desde então a posição do Brasil em relação ao Irã, e utiliza-se da mídia para sensibilizar o governo e a sociedade civil para o tema, publicando artigos de opinião e fornecendo informações sobre o tema.
As coalizões IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) e BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) têm recebido atenção no plano internacional por reunirem as chamadas potências emergentes ou ascendentes. O que as une é a promessa de serem uma alternativa à distribuição de poder centrada na Europa e Estados Unidos, por meio de uma agenda de reforma da governança global e de reforço do eixo Sul-Sul. Os direitos humanos ocupam um papel distinto nessas duas coalizões, que merecem ser melhor analisadas pelos estudiosos. Como mencionado na Introdução a este texto, apesar de não terem sido criadas com o mandato expresso de promover e proteger os direitos humanos – tal como o Conselho de Direitos Humanos da ONU –, as decisões tomadas por IBAS e BRICS têm alto potencial de impacto sobre esses direitos. Esses agrupamentos também oferecem oportunidade de advocacy conjunta sobre temas que interessem a sociedade civil de países que deles fazem parte.
Segundo o Itamaraty,
IBAS é um mecanismo de coordenação entre três países emergentes, três democracias multiétnicas e multiculturais, que estão determinados a contribuir para a construção de uma nova arquitetura internacional, a unir voz em temas globais e a aprofundar seu relacionamento mútuo em diferentes áreas.
(BRASIL, [200–a]).
Nele, o tema direitos humanos tem sido considerado central, sendo um tópico específico das Declarações Oficiais das Cúpulas e figurado no documento final de todas as cinco Cúpulas presidenciais realizadas até o momento.11 Além disso, o IBAS já mostrou vontade e capacidade de coordenação política no passado em áreas com impacto sobre os direitos humanos. Exemplos são o posicionamento do grupo diante das crises no Oriente Médio (entre outros, a Missão do IBAS à Síria em agosto de 2011 e Declaração do IBAS sobre o conflito em Gaza, de novembro de 2012), assim como em posicionamentos conjuntos no CDH (entre outros, a introdução de proposta de resolução sobre direito à saúde e acesso a medicamentos, na 12ª sessão do Conselho em 2009).
Um exemplo de ação da Conectas ocorreu quando uma segunda missão do IBAS para Síria – que não se concretizou – começou a ser anunciada. Conectas questionou os resultados da primeira missão afirmando estar preocupada com:
o anúncio de uma eventual segunda missão à Síria, uma vez que a primeira se mostrou uma solução frágil e sem resultados efetivos para as vítimas de violações aos direitos humanos. Preocupa [à entidade] o fato do governo sírio utilizar o IBAS para legitimar suas ações, ao declarar que está dialogando e cooperando com países do sul, sem provar real comprometimento em cessar imediatamente a repressão.
(CONECTAS, 2011, s/p).
Já no caso dos BRICS, a identidade do grupo e a importância acordada aos direitos humanos são menos facilmente identificáveis.12 De acordo com o Itamaraty,
como agrupamento, o BRICS tem um caráter informal e abre para seus cinco membros espaço para (a) diálogo, identificação de convergências e concertação em relação a diversos temas; e (b) ampliação de contatos e cooperação em setores específicos
(BRASIL, [20–b]).
Apesar de as quatro primeiras declarações terem tocado em questões como os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a questão de direitos humanos foi abordada de forma apenas tangencial. A primeira menção expressa a esses direitos ocorreu na Declaração final da V Cúpula (Durban, 2013), mencionando os 20 anos da Conferência de Viena e aventando a possibilidade de cooperação setorial na área de direitos humanos.13 O texto também incluiu uma menção a necessidade de garantir amplo acesso humanitário no caso do conflito sírio, expandindo significativamente o alcance das declarações oficiais do grupo. Até então, os BRICS haviam se limitado a reforçar a ideia de uma solução não-militar para o conflito, bem como a necessidade do respeito da soberania e integridade territorial da Síria, padrão de linguagem adotado anteriormente para referir-se a outras situações de conflito (como Afeganistão, Líbia, República Centro-Africana e Irã).14
Na questão específica do tratamento da crise síria pelo BRICS, Conectas desenvolveu uma ação de incidência que tinha como alvo incluir, na Declaração da V Cúpula, uma menção expressa de defesa do acesso humanitário irrestrito e seguro a todo território sírio. Antes da cúpula, Conectas se reuniu com representantes do MRE em Brasília para pôr-se a par de qual era a posição do Brasil sobre o tema. Além disso, a organização buscou informar o público sobre o impacto que as decisões tomadas em conjunto pelos países dos BRICS podem trazer para os direitos humanos no Brasil e no exterior. Conectas também se aliou a outras organizações humanitárias e de direitos humanos de diferentes países para o caso da Síria, que resultou em menção sobre o país na Declaração Final do grupo.15
Se tomarmos o caso do Brasil, é possível observar que sua política externa tem sido marcada pela relutância em dar prioridade aos direitos humanos em suas relações bilaterais, sobretudo durante visita de altas autoridades a outros países. Uma hipótese para a timidez do país diante de graves violações em países com os quais mantém relações diplomáticas, tais como Zimbábue, é a de que, por ser palco de violações em seu próprio território, o Brasil não se sente possuidor de autoridade moral para criticar outras nações.
O argumento de “telhado de vidro”, de fato, já foi invocado pela própria presidente Dilma Rousseff para justificar a ausência de crítica por parte do país a notórias violações em países aos quais realizou visitas oficiais, tais como Venezuela (PRESIDENTE…, 2011) e Cuba,16 que visitou em fevereiro de 2012. Ao ser indagada sobre seu silêncio frente à existência de presos políticos em território cubano, a presidente também alegou que, se fosse para falar de direitos humanos, era preciso tratar da questão de Guantánamo. Aproveitando a sugestão da presidente, dois meses depois, por ocasião da visita oficial de Rousseff aos EUA, Conectas solicitou que a presidente tratasse de questões de diretos com o seu homólogo, Barack Obama, incluindo as violações na base de Guantánamo. Segundoinformações oficiais, porém, a questão não foi singularizada na visita aos Estados Unidos.17
Para Conectas, visitas oficiais são oportunidades que deveriam ser utilizadas em favor dos direitos humanos, por se tratarem de canal privilegiado onde outros temas também difíceis, como divergências em torno de políticas cambiais ou protecionistas, não deixam de ser abordados.
Quando questionado no caso de Cuba, o governo brasileiro afirmou – e tem reiterado – que dá preferência a tratar de questões de direitos humanos em âmbitos multilaterais.18 Contraditoriamente, porém, tem-se observado pouca proatividade do governo brasileiro em levantar nos espaços multilaterais suas preocupações diante de casos de abuso concretos ao redor do mundo.19
A cooperação internacional inclui iniciativas de cooperação para o desenvolvimento (aportes financeiros para construção de infraestrutura, transferência de tecnologias por meio da cooperação técnica e científica etc.) e de ajuda humanitária (distribuição de alimentos, fornecimento de médicos e enfermeiros etc.). Ambos os tipos de cooperação têm impacto sobre os direitos de populações locais.
Uma das conclusões de pesquisas da Conectas nessa área é a de que a cooperação internacional favorecida pelos países emergentes ainda é baixa em termos de montante investido. Outra questão preocupante detectada é a de que, mesmo no caso da ajuda humanitária, não parece haver critérios claros para definir os destinatários a partir da necessidade. O problema fica evidente ao analisarmos o caso da Síria, por exemplo.
Com o contínuo agravamento da crise síria e a falta de perspectivas de melhora da situação, a ONU lançou em junho de 2013 o maior apelo humanitário da história da organização até então. No total, foram requisitados US$ 4,4 bilhões para programas de assistência humanitária dentro e ao redor do país, para atender a mais de 6,8 milhões de pessoas com necessidade urgente de ajuda humanitária, 4,25 milhões de deslocados internos e mais de 1,6 milhões de refugiados na época do apelo.
Levando em consideração a crescente necessidade de recursos para a assistência humanitária na Síria, a crise econômica que vem atingindo diversos doadores tradicionais do Norte e o processo de alteração do eixo de poder do “Velho para o Novo Mundo”, como alguns governos se orgulham de dizer, era de se esperar que os países emergentes contribuíssem financeiramente à assistência de forma mais incisiva. No entanto, se analisarmos os dados da ONU, é possível observar que nenhum desses fatores provocou alteração significativa no fluxo de doações, que continua a vir majoritariamente dos países do Norte.
De acordo com dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) (UNITED NATIONS, 2013c), dos cerca de US$ 800 milhões arrecadados para o Plano de Resposta Regional para a Síria (RRP) em 2013, 62,9% haviam sido doados por Estados Unidos, França, Japão, Alemanha, Reino Unido e União Europeia. As doações dos Estados Unidos, sozinhas, respondiam por 37,2% dos fundos recebidos. A Rússia, por sua vez, doara 1,2% do total recebido, e as doações da China correspondiam a 0,1%. Não foram verificadas doações no âmbito do RRP de países emergentes como África do Sul, Índia, México, Indonésia, Nigéria e Turquia.
Outro tema que tem preocupado a Conectas no âmbito das relações bilaterais é o uso de recursos públicos, por meio de bancos nacionais de desenvolvimento, para financiar a atuação de empresas nacionais no exterior, cuja atuação – e seu potencial de violações aos direitos humanos – não é submetida a controles sociais suficientes.
A situação se repete em âmbitos supranacionais. O anúncio da criação do Banco dos BRICS durante a V Cúpula do agrupamento, realizada em 2013 na África do Sul, acendeu um sinal de alerta para essa questão, pois não mencionou critérios de transparência e respeito aos direitos humanos em suas bases de fundação, principalmente tendo em vista que o banco financiará, sobretudo, grandes projetos de infraestrutura com alto potencial de violação, especialmente na África.
Em diferentes ocasiões, afirmou-se que um dos modelos para o novo Banco dos BRICS seria o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil), que forneceu, só em 2013, cerca de 190 bilhões de reais para financiar projetos no Brasil e no exterior segundo relatório do próprio Banco.
Cabe realçar que o banco tem sido duramente criticado por sua falta de transparência e precariedade com que considera questões de direitos humanos ao fornecer crédito para empresas brasileiras operarem no exterior. A preocupação é tamanha que sete entidades brasileiras da sociedade civil, incluindo a Conectas, enviaram uma submissão conjunta sobre o tema à ONU quando o Brasil passou pela segunda vez no Mecanismo de Revisão Universal do Conselho de Direitos Humanos em Genebra.20
Esse artigo não parte da premissa de que países emergentes não sejam compromissados ou capacitados o suficiente para contribuir positivamente para a proteção internacional de direitos humanos. Há aspectos de suas políticas externas, contudo, que podem e devem ser ajustados a fim de deixar mais evidente o local ocupado pelos direitos humanos em suas ações internacionais. Conforme os emergentes alcançam um novo nível de responsabilidade e visibilidade na cena mundial, torna-se ainda mais inaceitável a esses países ignorar ou desconsiderar os direitos humanos em suas decisões em política externa.
Diversas causas têm sido sugeridas para a reticência dos países emergentes em abraçar a causa dos direitos humanos. Elas tocam em questões de fundo ideológico, segundo as quais os emergentes não querem ser reprodutores da lógica “imperialista” de imposição dos direitos humanos, ou extremamente práticas, como o fato desses países ainda conviverem com gravíssimas violações que os deixariam em uma situação incomoda de “incoerência” entre discurso externo e realidade interna – o famoso “telhado de vidro”. Perpassam, ainda, uma análise geopolítica sobre o fato de muitos dos emergentes conviverem com situações extremamente delicadas em suas regiões imediatas que os freariam de se lançar de forma mais contundente em discussões de direitos humanos em outras partes do mundo, como o caso da Índia e sua sensível relação com os vizinhos. Essas e outras causas que vêm sendo sugeridas exigem uma análise cautelosa e criteriosa. Seria uma boa área de pesquisa, sem dúvida, para os think tanks dedicados à política externa, que estão se consolidando cada vez mais nos países emergentes.
No entanto, há uma causa que sobre a qual organizações de direitos humanos têm certo grau de governabilidade: o baixo custo de uma política externa que não promova direitos humanos.
Essa causa é diretamente passível de intervenção da sociedade civil organizada. Quanto maior for a cobrança por transparência e responsabilidade nos posicionamentos internacionais dos países, maior será o custo político de uma política externa que trate os direitos humanos como algo negociável, sendo mais um elemento de barganha nas múltiplas negociações travadas entre os países. O aumento do custo político de posições adotadas internacionalmente que não necessariamente promovam e protejam os direitos humanos é algo que está ao alcance de movimentos sociais, sindicatos e organizações não-governamentais.
1. Trabalhos que compartilham dessa análise são: Trubek (2012), Cadernos Adenauer (2012); Alexandroff; Cooper (2010); Piccone; Alinikoff (2012).
2. Apesar das observações apresentadas no artigo serem inspiradas no trabalho realizado pela autora junto à Conectas Direitos Humanos, as posições aqui apresentadas não necessariamente refletem as posições institucionais da entidade.
3. O nome Itamaraty é uma referência à primeira localização do Ministério, no século 19, no Rio de Janeiro, na casa que pertencera ao Conde de Itamaraty.
4. A Constituição Federal de 1988 determina, em seu artigo 4º, inciso II, que as relações internacionais do Brasil devem ser regidas pela “prevalência dos direitos humanos”.
5. Segundo Pillay, centenas de defensores de direitos humanos e dezenas de profissionais da área da saúde foram detidos em protestos no país e, alguns deles, levados ao Tribunal Militar. Manifestantes foram sentenciados à morte e à prisão perpétua. Em junho de 2011, instalou-se uma Comissão Independente de Inquérito, que encontrou graves indícios de violações perpetradas pelo governo. Mesmo após a publicação do relatório e de recomendações desta comissão, contudo, os abusos continuaram (UNITED NATIONS, 2011).
6. Os 27 países que aderiram à primeira declaração conjunta sobre Barein, na 20ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, foram Áustria, Bélgica, Bulgária, Chile, Costa Rica, Croácia, República Tcheca, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Islândia, Itália, Irlanda, Liechtenstein, Luxemburgo, México, Montenegro, Noruega, Polônia, Portugal, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha e Suíça.
7. Os 44 países que aderiram à segunda declaração conjunta sobre Barein, na 22ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, foram Albânia, Andorra, Austrália, Áustria, Bélgica, Botsuana, Bulgária, Chile, Costa Rica, Croácia, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, Estônia, Finlândia, France, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Itália, Irlanda, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, México, Mônaco, Montenegro, Holanda, Noruega, Polônia, Portugal, República da Coréia, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos e Uruguai.
8. A situação dos direitos humanos no Barein ainda é alvo de preocupações: o governo tem se valido de mecanismos legais para restringir manifestações e o direito de associação, utilizando leis específicas para controlar as atividades de organizações da sociedade civil. O governo tem reagido de forma violenta contra aqueles que se opõe a essas medidas e os relatos de tortura e detenções arbitrárias ainda são comuns, inclusive contra defensores de direitos humanos. Informações adicionais sobre a situação atual e passada no Barein estão disponíveis em: Nações Unidas (2013a e b); e Human Rights Watch (2013a e b); Amnesty International (2012, 2013) e no site do Cairo Institute for Human Rights Studies em publicação intitulada “77 International and regional organizations urge the Human Rights Council to stop attempts to undermine UPR” (2013).
9. Se comparado com os outros chamados emergentes, o México se destaca por um padrão de votos mais consistente com o compromisso junto aos direitos humanos. Segundo Bruno Boti, “as mudanças na política externa mexicana de direitos humanos não foram resultado da pressão exercida pela rede transnacional de ativistas, como é descrito pelos modelos bumerangue e espiral. As mudanças foram iniciadas endogenamente no governo, que buscava ancorar a nova situação democrática do México no exterior por meio de compromissos internacionais de direitos humanos. Buscava-se, ademais, assegurar e convencer as audiências internacionais sobre a credibilidade dessa nova postura do Estado mexicano com relação às reformas democráticas e os direitos humanos” (BERNARDI, 2009, p. 5).
10. A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas foi substituída pelo Conselho de Direitos Humanos em 2006. Para saber mais sobre a criação do CDH, ver artigo de Lucia Nader na edição n. 7 da Revista Sur.
11. Na primeira Cúpula de Brasília, em 2006, o texto oficial mencionava que: “Índia, Brasil e África do Sul, eleitos para o então recém-constituído Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, […] compartilham uma visão comum para a reafirmação da universalidade, indivisibilidade, interdependência e inter-relacionamento de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, inclusive a realização e operacionalização do Direito ao Desenvolvimento e a especial proteção dos direitos de grupos vulneráveis” (parágrafo 16). O texto mencionava também que os países viam com bons olhos a adoção da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências (parágrafo 17). Na Cúpula seguinte, de 2007 em Pretória, a questão do direito ao desenvolvimento é novamente mencionada e os países afirmam igualmente seu comprometimento com o Conselho e com o mecanismo de Revisão Periódica Universal do órgão (parágrafo 14). Em 2008, em Déli, o grupo menciona novamente o Conselho de Direitos Humanos da ONU e afirma que o trabalho do órgão “deve desenvolver-se sem politização, parcialidade e seletividade, e deve fomentar a cooperação internacional na matéria” (parágrafo 22). Os líderes mencionam também a importância de um diálogo setorial em torno da temática, visando benefícios mútuos na proteção e promoção dos direitos humanos (parágrafo 23). Na quarta Cúpula, realizada em Brasília em 2010, os governos reafirmaram a alta prioridade acordada aos direitos humanos e a importância da cooperação neste âmbito (parágrafo 9). Mencionam especificamente a questão do racismo, da discriminação racial e xenofobia como uma área que merece atenção (parágrafo 10). Reconhecem igualmente a adoção pelo CDH de uma resolução proposta coletivamente pelos membros do grupo no âmbito do acesso a medicamentos (UNITED NATIONS, 2009). Finalmente, na última Cúpula realizada, em Pretória (2011), o grupo repete a “necessidade imperativa de a comunidade internacional reconhecer e reafirmar a centralidade do Conselho de Direitos Humanos” (parágrafo 39). O mesmo parágrafo reafirma ainda que os “líderes reconheceram que o desenvolvimento, a paz e a segurança e os direitos humanos estão interligados e se reforçam mutuamente”. Reafirmam ainda seu compromisso com a Declaração de Durban e seu Plano de Ação, no contexto da realização da Conferência Mundial Contra o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância Relacionada (WCAR) + 10, realizada naquele ano. E, no parágrafo 41, salientam a necessidade de cooperarem mais em órgão internacionais de direitos humanos e de cooperarem no sentido de compartilhar boas práticas nacionais na matéria.
12. Na Cúpula de Déli (2012), o grupo afirmou ser uma “plataforma para o diálogo e a cooperação […] para a promoção da paz, segurança e desenvolvimento em um mundo multipolar, interdependente e cada vez mais complexo e globalizado” (parágrafo 3, Declaração de Déli, 2012).
13. “Saudamos o vigésimo aniversário da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos e da Declaração de Viena e Plano de Ação e concordamos em examinar possibilidades de cooperação na área dos direitos humanos (parágrafo 23).”
14. “Em razão da deterioração da situação humanitária na Síria, instamos todas as partes a permitir e facilitar o acesso imediato, seguro, completo e sem restrições de organizações humanitárias a todos que necessitem de assistência. Instamos todas as partes a garantir a segurança dos trabalhadores humanitários” (parágrafo 26).
15. Saiba mais sobre ação da Conectas em http://www.conectas.org/pt/acoes/politica-externa/noticia/cupula-dos-brics-termina-com-avanco-sobre-a-siria-e-incertezas-sobre-novo-banco. Último acesso em: Nov. 2013.
16. Alegação de que a existência de problemas em direitos humanos no Brasil desqualificaria o País de qualquer crítica a graves crises de liberdades e abusos no mundo. Veja o exemplo do argumento na visita de Dilma a Cuba (LIMA, 2012).
17. Conectas fez uso do canal aberto pelo Itamaraty para dialogar com a sociedade via Twitter sobre visita da presidente aos EUA em 2012. Ver Brasil (2012b).
18. Exemplos de declarações de Dilma neste sentido são: “Considero que direitos humanos não podem ser objeto de luta política e não farei luta política com isso, porque não considero que existe só um país ou grupo de países que viola os direitos humanos. Por isso eu gostaria de discutir essa questão sempre multilateralmente, porque eu sei que se usa essa questão politicamente” (UOL, 2012), em Harvard, durante sua visita aos EUA. E “Quem atira a primeira pedra tem telhado de vidro. Nós no Brasil temos o nosso. Então eu concordo em falar de direitos humanos dentro de uma perspectiva multilateral” (FELLET, 2012), em coletiva de imprensa realizada durante visita a Cuba.
19. O monitoramento feito pela Conectas da atuação do Brasil no Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas, principal órgão multilateral para o tema, mostra que o País continua priorizando o mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU) para tratar de questões em outros países. Embora seja um instrumento que deva ser reforçado, cabe lembrar que cada um dos Estados parte da ONU passam pela RPU a cada quatro anos e meio. Crises de direitos humanos precisam ser tratadas prontamente e o CDH possui o mandato para tal. O Brasil deveria fortalecer a capacidade do sistema internacional de reagir de forma veemente contra violações onde quer que ocorram a fim de conferir coerência à manifestada preferência em tratar de violações em espaços multilaterais e às suas duras críticas à seletividade do CDH. Maiores informações sobre o RPU ver (Conectas Direitos Humanos, 2012).
20. Submissão da Conectas Direitos Humanos sobre Empresas e Direitos Humanos para a segunda passagem do Brasil na Revisão Universal de Direitos Humanos, incluindo a questão do Banco Nacional de Desenvolvimento do Brasil. Ver Agere et al. (2011).
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