Este trabalho revisa o tratamento dado pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos por meio de seus órgão na matéria, a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, às medidas de urgência (cautelares na Comissão e provisórias na Corte), matéria que foi objeto de reformas recentes, por meio de alterações dos regulamentos de ambos os órgãos. Para isso se analisam, entre outros aspectos, questões gerais de tais medidas, suas causas de concessão, os direitos passíveis de proteção, e as medidas de urgência de natureza coletiva.
A Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, como órgãos internacionais de proteção de tais direitos em geral, 1 possuem um sistema de medidas de urgência, denominadas, respectivamente, medidas cautelares e medidas provisórias. As primeiras emanam dos amplos poderes da Comissão, que tem alcance além da esfera de seu sistema de casos; as segundas derivam expressamente da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Embora as medidas de urgência no Sistema Interamericano estejam normalmente vinculadas à tramitação de casos, isso não é necessariamente assim, pois não faz parte stricto sensu da competência contenciosa dos órgãos de proteção de direitos desse sistema. Como veremos, isso é especialmente característico das medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Desse modo resulta conveniente tratar as medidas de urgência separadamente do sistema de casos.
De maneira sucessiva, analisaremos algumas características gerais das medidas cautelares, as causas para sua outorga, as medidas provisórias em geral, os direitos passíveis de proteção pela via das medidas de urgência no Sistema Interamericano, as medidas de natureza coletiva, assim como questões de implementação e acompanhamento de tais medidas. Finalmente buscaremos responder à pergunta de se as medidas de urgência em tal sistema regional poderiam representar uma espécie de mandado de segurança internacional.
As medidas cautelares são adotadas pela Comissão em virtude das amplas atribuições para a proteção dos direitos humanos que lhe são conferidas pela Convenção Americana, embora sem se referir expressamente a esse mecanismo. Desde que se iniciaram as transições para a democracia, a CIDH foi expandindo o uso das medidas cautelares, e começou paulatinamente a solicitar à Corte a adoção de medidas provisórias com o mesmo objetivo (PASQUALUCCI, 2005).
Na verdade, sob a denominação ou não de medidas cautelares, a Comissão historicamente havia implementado a prática de requerer providências de maneira urgente aos Estados em relação a determinadas violações. Isso havia ocorrido especialmente nos casos de pessoas detidas que presumivelmente seriam desaparecidas.
Assim, ainda que as medidas cautelares tenham sido institucionalizadas de maneira expressa recentemente em 1980, mediante sua incorporação no Regulamento da Comissão, na realidade tal organismo vinha exercendo essa função desde muito antes, tanto em relação a casos em trâmite como na ausência deles. A institucionalização das medidas ocorrida em 1980 teve como origem o início do funcionamento da Corte Interamericana, que dentre seus poderes inclui o de emitir medidas provisórias. Tendo em vista que é a Comissão que deve requerer à Corte tais medidas, fez-se necessário formalizar as cautelares, como passo anterior ao pedido de medidas provisórias.
O uso desse mecanismo se ampliou consideravelmente junto com os processos de democratização a partir dos anos noventa, e embora tenha continuado, em geral, concentrado em circunstâncias de risco de vida, também se ampliou para situações de risco a outros direitos em certos casos.
Somente dois Estados questionaram o poder da CIDH para outorgar medidas cautelares. 2 No entanto, é evidente que de poderes tão amplos como os estabelecidos no artigo 41 da Convenção Americana se depreende o de emitir essa classe de medidas. Ademais, como mencionamos, vários órgãos quase judiciais das Nações Unidas – análogos, portanto, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos–adotam medidas cautelares baseados na interpretação dos tratados que os criam, embora não se encontrem contempladas explicitamente. São eles: o Comitê de Direitos Humanos, o Comitê contra a Tortura e o Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (MÉNDEZ; DULITZKY, 2005, p.68 ss). O mesmo ocorre em relação à Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos e ocorria com a antiga Comissão Europeia de Direitos Humanos.
Não obstante, um tratado mais recente, a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (ORGANIZACIÓN DE ESTADOS AMERICANOS, 1994), 3 sim se refere às medidas cautelares, estabelecendo que para efeitos desse instrumento
[…] a tramitação de petições ou comunicações apresentadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em que se alegar o desaparecimento forçado de pessoas estará sujeita aos procedimentos estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e nos Estatutos e Regulamentos da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, inclusive as normas relativas a medidas cautelares.
(ORGANIZACIÓN DE ESTADOS AMERICANOS, 1994, art. XIII, grifo do autor).
Por sua vez, a Corte Interamericana ratificou em uma série de ocasiões nos últimos anos a competência da Comissão para emitir medidas cautelares. Por exemplo, no caso Penitenciárias de Mendoza, o Presidente da Corte, atuando em nome desta, apontou:
[…] considero oportuno assinalar que, em cumprimento das obrigações assumidas em virtude da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, os Estados devem implementar e cumprir as resoluções emitidas por seus órgãos de supervisão: Comissão e Corte Interamericanas de Direitos Humanos. Portanto, estou seguro de que o Estado atenderá as medidas cautelares de proteção solicitadas pela Comissão enquanto a Corte decide a respeito do presente pedido de medidas provisórias […].
(CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2004a).
No mesmo sentido, no caso Fundação de Antropologia Forense de Guatemala, o Presidente da Corte Interamericana indicou que:
[…] a informação apresentada pela Comissão […] demonstra, prima facie, que as medidas cautelares não produziram os efeitos requeridos e que os servidores públicos da Fundação e os familiares de seu Diretor Executivo […] se encontram numa situação de extrema gravidade e urgência, já que suas vidas e integridade pessoal continuam ameaçadas e em grave risco. Em consequência, esta Presidência considera necessária a proteção de tais pessoas, por meio de medidas urgentes, à luz do disposto na Convenção Americana.
(CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2006, grifo do autor).
Por sua vez, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) se pronunciou a respeito em 2006, encorajando os Estados da OEA a que “dêem seguimento às recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, incluindo, entre outras, as medidas cautelares” (ORGANIZACIÓN DE ESTADOS AMERICANOS, 2006).
Ademais, alguns Estados adotaram medidas internas para reconhecer e tornar efetivas as medidas cautelares da Comissão Interamericana. Assim, a Corte Constitucional de Colômbia tem emitido desde 2003 uma serie de decisões judiciais punindo servidores públicos por não cumprirem medidas cautelares ou provisórias. 4 No mesmo sentido, aponta a “Lei de habeas corpus e amparo” de Peru, que reconhece a seus habitantes o direito a recorrer à Comissão Interamericana a fim de buscar ações de segurança em caso de ameaça aos direitos constitucionais (PERU, 1982).
Em relação à tramitação das medidas cautelares, esta carece de maiores formalidades. Da mesma forma que em relação às denúncias no sistema de casos, qualquer pessoa ou grupo de pessoas pode apresentar um pedido de cautelar perante a Comissão Interamericana.
Salvo se encontre reunida – o que ocorre somente durante alguns períodos por ano–a Comissão decide os pedidos on-line, a partir dos antecedentes que recebe da Secretaria Executiva. Pode resolver imediatamente o pedido ou então requerer maiores informações ao solicitante e/ou ao Estado respectivo. No decorrer dos anos, considerando a crescente receptividade que a Comissão encontrou na maioria dos Estados em relação às medidas cautelares, ela veio ampliando seus pedidos de informação aos Estados como etapa prévia à decisão acerca de uma medida. Nas recentes modificações do Regulamento da CIDH, isso se estabelece como regra geral, dispondo que “[a]ntes de solicitar medidas cautelares, a Comissão pedirá ao respectivo Estado informações relevantes, a menos que a urgência da situação justifique o outorgamento imediato das medidas” (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009, art. 25.5). 5
Existem, ademais, três aspectos processuais que são levados em consideração pela Comissão. O primeiro deles se refere a “se a situação de risco foi denunciada perante as autoridades competentes ou os motivos pelos quais isto não pode ser feito” (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009, art. 25.4). Aplicando o princípio de subsidiariedade, o que se pretende com essa regra é que as situações urgentes sejam resolvidas no âmbito interno dos Estados. Não obstante, como se depreende do texto, não se trata de uma regra de caráter absoluto, podendo-se recorrer diretamente ao órgão interamericano se as circunstâncias assim o justifiquem. De qualquer forma, considerando a urgência das situações a que se referem essas medidas, o Regulamento da Comissão é mais flexível a esse respeito do que ao regular o sistema de casos, que, conforme a Convenção Americana, exige o esgotamento dos recursos internos como regra geral.
O segundo aspecto é relativo à “identificação individual dos potenciais beneficiários das medidas cautelares ou a determinação do grupo ao qual pertencem” (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009, art. 25.4). De novo, não se trata de uma regra absoluta, mas de um fator a ser considerado pela Comissão, já que tal identificação poderia ser somente aproximada em determinadas situações. Em relação ao pertencimento a um grupo, isto tem a ver com dotar de maior eficácia as medidas cautelares de natureza coletiva, o que será tratado mais adiante.
O terceiro aspecto consiste em que a Comissão terá em conta “a explícita concordância dos potenciais beneficiários quando o pedido for apresentado à Comissão por terceiros, exceto em situações nas quais a ausência do consentimento esteja justificada” (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009, art. 25.4). Isto, sem dúvida, poderia ocorrer em situações de desaparecimento forçado, mas também em outras em que a pessoa atingida não tenha acesso à Comissão, tipicamente quando se encontre privada de liberdade, mas também em outras hipóteses.
Outros aspectos processuais referentes ao acompanhamento de medidas cautelares concedidas pela Comissão serão analisados mais adiante, em tópico específico.
Embora a prática da Comissão em matéria de medidas cautelares identificasse várias causas para sua concessão, estas vieram a ser reguladas recentemente de forma expressa por meio das reformas introduzidas ao Regulamento da CIDH, as quais entraram em vigor em 31 de dezembro de 2009. Dessa forma, podem ser diferenciadas três hipóteses para a outorga das medidas: uma de caráter geral, referente à prevenção de danos irreparáveis às pessoas no contexto de casos em trâmite na CIDH; uma concernente à salvaguarda do objeto de um processo ante a própria Comissão; e uma terceira relativa a evitar danos irreparáveis independentemente do sistema de casos. Para todas essas hipóteses, uma alteração regulamentar recente sinaliza que será considerado, além disso, o contexto da situação.
A primeira dessas hipóteses – referente à prevenção de certos danos no contexto da tramitação de denúncias na CIDH – é a mais habitual, e acompanha a regulamentação contemplada na Convenção Americana sobre Direitos Humanos sobre as medidas provisórias da Corte Interamericana. Além de buscar evitar danos irreparáveis às pessoas, há a exigência de que se trate de situações de gravidade e urgência (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009, art. 25.1). Trata-se de uma das formas de medidas urgentes adotadas tipicamente pelos organismos internacionais de direitos humanos.
A segunda hipótese – incorporada ao Regulamento da Comissão de maneira expressa apenas recentemente e que vem a dispor sobre uma prática anterior – 6 se refere à proteção do “objeto do processo relativo a uma petição ou caso pendente.” Nessa circunstância, como se adverte, já não se trata de impedir danos irreparáveis às pessoas; é a matéria mesma sujeita à decisão num caso em trâmite na Comissão a que se pretende proteger. Dessa forma, trata-se de evitar que a decisão final do caso pela CIDH se torne fútil e irrelevante. Da mesma forma que a primeira hipótese, a presente usualmente se encontra dentro do alcance das medidas de urgência adotadas por órgãos internacionais de direitos humanos. Ademais, como nota Antonio Cançado Trindade, ao analisar o desenvolvimento das medidas de urgência (que o autor denomina genericamente medidas provisórias) no Direito Internacional Público geral, elas “sempre enfrentaram a probabilidade ou iminência de um ‘dano irreparável’, e a preocupação ou necessidade de assegurar a ‘futura realização de uma dada situação jurídica’” (CANÇADO TRINDADE, 2003). 7
A terceira hipótese consiste na solicitação de medidas cautelares independentemente do sistema de casos, ou seja, quando não existe uma denúncia em trâmite ante a Comissão. Analisamos essa possibilidade com maior detalhe pelo fato de a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ser o único órgão quase judicial do Sistema Internacional de Proteção de tais direitos que emite medidas de urgência na ausência de uma denúncia. Assim, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, o Comitê contra a Tortura, a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, para mencionar alguns deles, somente adotam tais medidas no contexto de denúncias em trâmite perante eles. O mesmo ocorria na antiga Comissão Europeia de Direitos Humanos.
Até pouco tempo atrás, a adoção de medidas cautelares sob essa terceira hipótese só derivava de uma prática da CIDH – baseada nas amplas atribuições que lhe confere a Convenção Americana. Recentemente, a Comissão reafirmou sua interpretação de tal tratado no sentido de que se encontra autorizada a adotar tal prática. Desse modo, a reforma de seu Regulamento que entrou em vigor em 31 de dezembro de 2009, estabelece o que se indica a seguir:
Em situações de gravidade e urgência a Comissão poderá, por iniciativa própria ou a pedido da parte, solicitar que um Estado adote medidas cautelares para prevenir danos irreparáveis a pessoas que se encontrem sob sua jurisdição, independentemente de qualquer petição ou caso pendente.
(COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009, art. 25.2, grifo do autor).
O fato de a Comissão Interamericana emitir medidas cautelares ainda que na ausência de uma denúncia está relacionado com as peculiaridades de seu desenvolvimento institucional e com os poderes gerais que lhe outorgam diversos instrumentos interamericanos. Assim, desde seus primeiros anos de funcionamento, ela adotou um papel pró-ativo que a conduziu, por exemplo, a não declarar inadmissíveis as denúncias apresentadas (apesar de carecer durante os primeiros anos do poder para apreciá-las), mas a empregá-las como insumo para a elaboração de Relatórios sobre Países. Ainda assim, desde o início, a Comissão requereu informação aos Estados sobre as alegadas violações, alertando-os em algumas ocasiões a modificar sua conduta.
Deve-se ainda acrescentar que certas medidas cautelares que em princípio não tenham conexão com um caso podem passar a ter, já que, por exemplo, quando se trata de medidas destinadas à proteção de defensores/as de direitos humanos, a tutela de seus direitos pode resultar indispensável para que possam apresentar denúncias de violações ante a Comissão.
Ademais, trata-se de uma prática consolidada e aceitada pelos Estados. De fato, nem mesmo os dois Estados que mencionamos no início que questionaram a validade das medidas cautelares emitidas pela CIDH distinguem entre medidas cautelares relacionadas e não relacionadas com casos. Cabe destacar que o grau de cumprimento das cautelares por parte dos Estados é superior ao de decisões de mérito emitidas sob o sistema de casos da Comissão.
A questão das medidas cautelares não relacionadas com o sistema de casos da Comissão foi objeto de debate no interior desta durante a preparação do Regulamento de 1980, quando elas foram expressamente consagradas. Na realidade, redigiu-se uma sucessão de textos sobre esse assunto. Nesse sentido, o primeiro Anteprojeto submetido pela Secretaria Executiva à consideração do pleno da Comissão propunha sobre esse tema o seguinte texto (ORGANIZACIÓN DE ESTADOS AMERICANOS, 1980a, p. 13):
A Comissão, em qualquer momento da tramitação de uma petição ou comunicação, poderá solicitar ao respectivo Governo que adote as medidas provisórias que sejam necessárias para evitar um dano irreparável às pessoas mencionadas na petição ou comunicação. A recomendação de tais medidas provisórias não constituirá pré-julgamento da decisão que definitivamente adotar a Comissão a respeito do caso submetido para sua consideração. 8
Conforme se verifica, o Anteprojeto examinado se referia às medidas de urgência da Comissão como “medidas provisórias”, seguindo a nomenclatura que utiliza a Convenção Americana para se referir às medidas de urgência da Corte. Além disso, dizia respeito à situação de “pessoas mencionadas na comunicação” (vítimas, testemunhas, peticionários) durante “qualquer momento da tramitação de uma petição”, portanto as medidas estavam concebidas para o contexto de uma denúncia em trâmite perante a CIDH. Além disso, o dispositivo mencionado se encontrava situado no Capítulo II do Anteprojeto, denominado “Das petições e comunicações referentes aos Estados Partes da Convenção Americana sobre Direitos Humanos”.
Alguns dias depois, a requerimento do pleno da Comissão, a Secretaria apresentou sobre esse assunto uma nova versão do Anteprojeto (ORGANIZACIÓN DE ESTADOS AMERICANOS, 1980b, p. 12), na qual se introduziu o termo “medidas cautelares”, assim como as noções de “extrema urgência e gravidade”, acolhendo dessa forma os parâmetros estabelecidos pela Convenção Americana para as medidas provisórias; além disso, da mesma forma que no primeiro Anteprojeto, vincularem-se as medidas de urgência ao contexto de tramitação de denúncias. Por último, se estabeleceu um limite temporal para pedir as medidas: isso deveria ocorrer antes de a Comissão se pronunciar sobre o mérito de forma definitiva. 9
O assunto continuou em discussão na Comissão e finalmente se submeteu a sua consideração uma terceira minuta, que se tornaria a definitiva e que se incluiu no novo Regulamento. O texto estabeleceu o seguinte:
1. A Comissão poderá, por iniciativa própria ou a pedido da parte, tomar qualquer medida que considere necessária para o desempenho de suas funções.
2. Em casos urgentes, quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Comissão poderá pedir que sejam tomadas medidas cautelares para evitar que se consuma um dano irreparável, na hipótese de serem verdadeiros os fatos denunciados.
3. Se a Comissão não estiver reunida, o Presidente, ou na ausência deste, um dos Vice-Presidentes, consultará, por meio da Secretaria Executiva, os demais membros sobre a aplicação do disposto nos parágrafos 1 e 2 anteriores. Se não for possível realizar a consulta em prazo razoável, o Presidente tomará a decisão, em nome da Comissão, e a comunicará imediatamente a seus membros.
4. O pedido de tais medidas e sua adoção não constituirão pré-julgamento da matéria da decisão final.
(COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 1980, art. 26).
Assim, não se condicionou a concessão de uma cautelar à apresentação de uma denúncia. De fato, o dispositivo em referência foi deslocado da parte em que se encontrava nas versões originais – no título referente à tramitação de casos–para as normas gerais do Regulamento da Comissão.
Como indicado anteriormente, entre as modificações incorporadas recentemente ao Regulamento da Comissão, conta-se com uma que assinala que se levará em consideração o contexto da situação no momento de decidir sobre a concessão ou não das medidas cautelares (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009, art. 25.4). O sentido desse dispositivo é por em evidência que ao adotar uma decisão sobre um pedido de medida de urgência a Comissão não considera isoladamente a solicitação formulada. Diante da urgência dos requerimentos nessa matéria, a decisão da CIDH se apoia em parte na ponderação sobre a verossimilhança dos fatos narrados, julgamento que, por sua vez, se baseia em parte no contexto em que acontecem os fatos. Por exemplo, em relação às medidas cautelares solicitadas por cidadãos hondurenhos depois do Golpe de Estado em 2009, este foi um fator relevante, considerando a precariedade da proteção dos direitos humanos em tal contexto no âmbito policial e judicial interno (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, Patricia Rodas y Otros /Honduras, 2009a). 10
Como mencionamos, as medidas provisórias se encontram expressamente previstas na Convenção Americana e apenas se aplicam aos Estados Partes de tal instrumento. De acordo com o disposto no artigo 63.2 desse tratado, tais medidas procedem “[e]m casos de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas”. Sua consagração no tratado não deixa nenhuma margem de dúvida sobre o caráter obrigatório das medidas provisórias (CANÇADO TRINDADE, 2003, p. 164).
O mesmo artigo estabelece, em termos de fases processuais, que as medidas provisórias podem ser outorgadas tanto a propósito dos assuntos dos quais estiver conhecendo a Corte, quanto “se se tratar de assuntos que ainda não estiverem submetidos a seu conhecimento, [em cujo caso] poderá atuar a pedido da Comissão”.
Em relação à primeira hipótese, nos anos oitenta, a Comissão solicitava à Corte que determinasse este tipo de medidas aos Estados no contexto dos primeiros casos contenciosos em trâmite perante essa (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, s.d., p. 1-11). Nos anos noventa, além de continuar solicitando-as numa série de casos pendentes perante a Corte, a Comissão começou a pedi-las no contexto de alguns casos que não haviam chegado à Corte, mas que estavam em trâmite ante a própria Comissão. Isto ocorreu a partir dos casos Bustíos-Rojas (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 1990) e Chunimá (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 1991).
Aplicando a lógica da autonomia crescente das vítimas uma vez iniciado um caso contencioso perante a Corte, 11 uma alteração introduzida em seu Regulamento em 2004 dispôs que elas poderão apresentar diretamente o pedido de medidas provisórias. No Regulamento da Corte de 2010 se determina que as medidas “deverão ter relação com o objeto do caso” (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009, art. 27.3) . 12
Dado que no Sistema Interamericano de Direitos Humanos existem, como vimos, dois tipos de medidas de urgência – cautelares na Comissão e provisórias na Corte-, uma das questões que se verifica é sob quais circunstâncias a Comissão concede uma cautelar e desconsidera solicitar uma medida provisória à Corte e em quais circunstâncias solicita esta última. Cabe complementar que essa decisão não é definitiva, já que pode acontecer de a Comissão inicialmente acolher o pedido de medida cautelar e mais adiante decidir que as circunstâncias merecem um pedido de provisórias à Corte.
Em relação aos pedidos de medidas de urgência que não digam respeito a um caso contencioso em tramitação na Corte, embora não existam critérios expressos para o pedido de medidas provisórias por parte da Comissão para a Corte Interamericana, a lógica é a mesma que inspira atualmente a apresentação de casos contenciosos pela Comissão para a Corte: quando a Comissão considera que o respectivo Estado não dará cumprimento à medida cautelar – ou tenha deixado de fazê-lo–ela apresenta o pedido de medida provisória. Ademais – como já mencionamos–pode ocorrer que num primeiro momento a Comissão outorgue uma medida cautelar e transcorrido um período razoável – e quando assim lhe indiquem as circunstâncias -, decida solicitar uma provisória. Assim aconteceu, por exemplo, no caso do cidadão chinês Wong Ho Wing, preso em Peru, o qual apresentou uma denúncia ante a Comissão por violações ao devido processo legal e solicitou uma medida cautelar alegando a iminência de sua extradição por supostos delitos de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e suborno à República Popular da China, onde poderia lhe ser aplicada a pena de morte. A Comissão outorgou as cautelares em março de 2009 (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, Wong Ho Wing respecto de Perú, 2009b) e o processo seguiu seu curso em Peru. Quase um ano depois, a Comissão apresentou um pedido de medidas provisórias para a Corte, com base numa decisão recente da Corte Suprema peruana concedendo a extradição, somada a uma explícita manifestação de tal tribunal no sentido de que as medidas cautelares não teriam caráter obrigatório, de forma que essas medidas se mostravam insuficientes para proteger a vida do beneficiário, fazendo-se necessário solicitar medidas provisórias à Corte Interamericana. Esta emitiu tais medidas em maio de 2010 (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, Wong Ho Wing respecto de Perú, 2010).
No que diz respeito à ponderação que realiza a Comissão para, concorrendo os respectivos requisitos, determinar se outorga medidas cautelares ou, em alternativa, solicita diretamente as provisórias, Héctor Faúndez Ledesma observou que
[…] em algumas ocasiões, a própria Corte parece ter visto com bons olhos que primeiro se tenha utilizado as medidas cautelares, próprias da Comissão, e que apenas posteriormente, em caso de elas não se mostrem suficientes, se recorra ao tribunal; ademais, a Corte considerou que as circunstâncias em que as medidas cautelares adotadas pela Comissão não tenham produzido os efeitos de proteção solicitados, e que o governo não tenha tomado as medidas adequadas de proteção, constituem ‘circunstâncias excepcionais’ que fazem necessário ordenar medidas urgentes – ou medidas provisórias–para evitar danos irreparáveis às pessoas.
(FAÚNDEZ LEDESMA, 2004, p. 518). 13
Em qualquer caso, é na própria Comissão que resta a faculdade de solicitar ou não uma medida provisória à Corte (salvo em casos em trâmite perante o tribunal nos quais intervierem os representantes da vítima).
Segundo assinalamos, o grau de cumprimento das cautelares pelos Estados é superior ao de execução de resoluções da CIDH em casos específicos. Daí que a quantidade de medidas provisórias solicitadas e concedidas seja consideravelmente inferior ao de cautelares. Somente em circunstâncias muito específicas, tais como situações em que seja iminente a execução de uma pena de morte ou nas quais o contexto excepcional assim o exija, a Comissão solicita medidas provisórias diretamente, sem decidir a respeito de cautelares previamente. Porém a lógica é a mesma que a anteriormente mencionada, com a diferença de que nessas duas últimas hipóteses se trata de uma avaliação ex ante que efetua a Comissão. Cabe acrescentar que, embora por regra geral a avaliação sobre o potencial cumprimento que faz a Comissão se refere à medida específica de que se trata, a respeito daqueles Estados que se negam de maneira sistemática a dar cumprimento às medidas cautelares, a Comissão apresenta diretamente um pedido de medidas provisórias ante a Corte.
A isso cabe acrescentar que o critério mantido pela Comissão e pela Corte é que somente se pode solicitar medidas provisórias em relação àqueles Estados que tenham reconhecido a jurisdição contenciosa da Corte. Faúndez Ledesma tem afirmado que isso poderia ser extensivo a todos os Estados que tenham ratificado a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, independentemente se tenham ou não reconhecido a mencionada jurisdição. A esse respeito, o autor em análise ressalta o fato de que “no sistema interamericano, esse instituto [as medidas provisórias] tem aplicação não apenas como um incidente num procedimento judicial já em curso perante o tribunal, mas também pode ser resultante de um pedido da Comissão num assunto ainda não submetido à Corte”, acrescentando que
[…] as medidas provisórias não fazem parte da competência contenciosa da Corte, mas sim de suas competências como órgão de proteção dos direitos humanos; nesse sentido, não se pode perder de vista que a Corte tem assinalado reiteradamente que, no Direito Internacional dos Direitos Humanos, o propósito das medidas provisórias, além de seu caráter essencialmente preventivo, é proteger efetivamente os direitos fundamentais, na medida em que buscam evitar danos irreparáveis às pessoas.
(FAÚNDEZ LEDESMA, 2004, p. 520).
O argumento não se mostra totalmente convincente, uma vez que a Convenção Americana contempla as medidas provisórias no contexto de casos contenciosos pendentes ante a Corte ou suscetíveis de chegar a seu conhecimento, fato esse que não poderá ocorrer se o respectivo Estado não tiver reconhecido sua jurisdição contenciosa. Diferente é a situação das medidas cautelares da Comissão, concebidas explicitamente no âmbito mais amplo das diversas atribuições desse órgão e não apenas no de sua competência para conhecer casos.
Quanto à tramitação das medidas provisórias na Corte Interamericana, esta tem experimentando transformações. O primeiro Regulamento desse tribunal estabelecia que se o mesmo não se encontrasse reunido no momento do pedido, seu Presidente deveria convocá-lo o mais breve possível. A única alternativa que se contemplava consistia em que o Presidente poderia requer às partes que atuassem de modo a facilitar a efetividade de qualquer medida que pudesse vir a ser adotada. Isto era feito pelo Presidente em consulta com a Comissão Permanente da Corte ou com todos os juízes, se fosse possível. Tudo isto significava demoras em situações que por sua própria natureza eram urgentes. Daí que a Corte modificou seu Regulamento em 1993, estabelecendo que se a Corte não estivesse reunida, o Presidente poderia requerer ao respectivo Estado a tomada das medidas de urgência, o que ficava sujeito à ratificação no período de sessões subseqüente do tribunal.
Posteriormente, e como descreve o ex-juiz e Presidente da Corte Interamericana, Antonio Cançado Trindade, produziram-se a respeito avanços que
[…] fortaleceram a posição dos indivíduos em busca de proteção. No caso do Tribunal Constitucional (2000), a ministra Delia Revoredo Marsano de Mur, destituída do Tribunal Constitucional do Peru, submeteu diretamente à Corte Interamericana, em 03 de abril de 2000, um pedido de medidas provisórias de proteção. Tratando-se de um caso pendente perante a Corte Interamericana, e não estando esta em sessão naquele momento, o Presidente da Corte, pela primeira vez na história do tribunal, adotou medidas de urgência, ex officio, na Resolução de 07 de abril de 2000, dados os elementos de extrema gravidade e urgência, e para evitar danos irreparáveis à peticionária.
(CANÇADO TRINDADE, 2004, p. 83).
O Pleno da Corte ratificou posteriormente a decisão de seu Presidente.
O mesmo ocorreu no caso Loayza Tamayo, quando, em dezembro de 2000, encontrando-se o assunto com sentença condenatória e sob supervisão de cumprimento por parte da Corte, uma pessoa particular em conjunto com a irmã da vítima apresentaram um pedido de medidas provisórias, o que foi acolhido pelo Presidente da Corte e ratificado depois pelo pleno.
Um aspecto central da temática em estudo se refere a quais são os direitos passíveis de serem protegidos pelo mecanismo de medidas de urgência no Sistema Interamericano. Tanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos como o Regulamento da Comissão – instrumentos que, como apontamos anteriormente, consagram as medidas provisórias e cautelares, respectivamente–estabelecem para sua aplicação, entre outros, o requisito de que sejam iminentes danos irreparáveis às pessoas. Isto significou que, na prática, uma porcentagem muito alta das medidas de urgência foram outorgadas em relação ao direito à vida e ao direito à integridade pessoal. No primeiro caso, trata-se tipicamente de pessoas em sério risco seja por parte de organismos estatais, paramilitares ou outros análogos, mas também pode se tratar de pessoas em grave risco dentro de seu núcleo familiar. Isto ocorre especialmente em contextos de violência contra a mulher ou contra crianças. 14 Quanto àquelas medidas de urgência destinadas a salvaguardar a integridade pessoal, além de situações similares,mutatis mutandi, àquelas recém-descritas, existe uma série de medidas que foram outorgadas pela Comissão e pela Corte em relação a condições carcerárias especialmente graves. 15
No entanto, em uma série de medidas de urgência foram outros os direitos protegidos, tanto por via de cautelares como de provisórias. Algumas situações emblemáticas foram a proteção do direito de propriedade indígena mediante medidas provisórias no contexto do caso Awas Tingni (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2002a), 16 assim como por meio de uma série de medidas cautelares na Comissão; 17 as medidas provisórias destinadas a proteger a liberdade de expressão no marco dos casos Herrera Ulloa (Costa Rica) (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2001), 18 Diarios El Nacional y Así es la Noticia (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2004c)19 e Globovisión (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2004d),20esses dois últimos a respeito de Venezuela; e as medidas provisórias destinadas a proteger, além da vida e integridade pessoal, a proteção especial a crianças na família e o direito de circulação e residência das pessoas, como se verifica expressamente na Resolução da Corte no caso das meninas Jean e Bosico (Caso de Haitianos y Dominicanos de Origen Haitiano en la República Dominicana) (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2000). 21
Outro direito que foi objeto de tutela pela via de uma cautelar foi o de acesso à informação pública. Isto se deu nas medidas que proibiram a destruição das cédulas eleitorais para Presidência da República em eleições realizadas no México (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, Rafael Rodríguez Castañeda /México, 2008b). Pela via da cautelar, além de proteger o mencionado direito, se procurou preservar a finalidade do litígio ante a Comissão, já que a questão do acesso ou não dos cidadãos às cédulas eleitorais constitui o núcleo de um caso pendente ante a CIDH (RODRÍGUEZ MANSO; LÓPEZ CANO, 2008). O Estado mexicano acatou a medida cautelar e evitou a destruição das cédulas eleitorais.
Ao final, é difícil poder estabelecer com exatidão qual porcentagem de medidas de urgência corresponde à proteção da vida e integridade pessoal e qual percentual corresponde a outros direitos. Graciela Rodríguez e Luis Miguel Cano realizam uma estimativa a respeito, anotando que “se realizada uma análise das medidas cautelares foram determinadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos entre 1996 e 2007, pode-se concluir que das 597 medidas ditadas no total nesse período, 478 se encontram relacionadas preponderantemente com a proteção à vida e à integridade das pessoas e as 119 restantes se relacionam com outros temas.” (RODRÍGUEZ MANSO; LÓPEZ CANO, 2008, p. 5).22 Isto corresponde a porcentagens próximas a 80% e 20% respectivamente. A meu juízo, no entanto, esse tipo de estimativa pode conduzir a resultados equivocados, já que, como as medidas cautelares com frequência não explicitam os direitos a serem protegidos, de uma mesma medida podem-se inferir conclusões diversas. Uma série dos exemplos a que fizemos menção, no entendimento daqueles autores, poderiam ser considerados como medidas destinadas a proteger a integridade pessoal, como, por exemplo, dependendo das circunstâncias específicas do assunto, situações de lesão ao devido processo legal, à liberdade pessoal, de suspensão de expulsão de um país, etc. Isto não significa desconhecer que efetivamente se outorgam medidas de urgência a respeito de outros direitos além dos direitos à vida e à integridade pessoal, mas sim que sua determinação precisa é dificilmente alcançável (FAÚNDEZ LEDESMA, 2004, p. 544ss; PASQUALUCCI, 2003, p. 304-305).23 De qualquer maneira, trata-se de uma pequena porcentagem das medidas cautelares outorgadas pela Comissão Interamericana.
A evolução jurisprudencial em matéria de medidas cautelares e provisórias tem incluído a questão daquelas de caráter coletivo. Embora o sistema de casos da Comissão e da Corte tenha experimentado uma significativa diversidade nas últimas duas décadas, e o mesmo já não se concentre de maneira quase exclusiva em violações massivas e sistemáticas aos direitos humanos – como ocorria durante o período de prevalência de regimes autoritários na região -, dado que a maior parte das medidas de urgência expedida se refere a situações de grave risco para a vida e para a integridade das pessoas, em não poucas oportunidades elas se referiram a situações de caráter coletivo. No que concerne às medidas cautelares da Comissão, as recentes reformas regulamentárias se referem expressamente às medidas de caráter coletivo, ao se incorporar uma disposição que estabelece que “[a]s medidas às quais se referem os incisos 1 e 2 anteriores poderão ser de natureza coletiva a fim de prevenir um dano irreparável às pessoas em virtude do seu vínculo com uma organização, grupo ou comunidade de pessoas determinadas ou determináveis.” (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009, art. 25.3)
.
Assim, algumas das medidas provisórias expedidas pela Corte Interamericana em casos paradigmáticos mencionados no parágrafo anterior, como o de Awas Tingni – entre outros relacionados a povos indígenas 24 e o das meninas Jean y Bosico (Haitianos y dominicanos de origen haitiano em la República Dominicana) se referiam justamente a situações de índole coletiva.
Também se tem expedido medidas de urgência de caráter coletivo com relação a condições carcerárias extremas, como as já mencionadas de Urso Branco (Brasil), Uribana (Venezuela) e Penitenciárias de Mendoza (Argentina), além de uma serie de outras relacionadas a condições de reclusão de crianças e adolescentes (FEBEM – Brasil) (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2005) ou de pessoas com deficiência mental (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, Pacientes del Hospital Neuropsiquiátrico /Paraguay, 2007).
Isso ocorreu em relação a várias situações da mesma natureza no contexto do conflito armado na Colômbia, como, por exemplo, as medidas provisórias determinadas pela Corte Interamericana no casoComunidad de Paz de San José de Apartadó (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2002b) e das comunidades afrodescendentes de Jiguamiandó y del Curbaradó (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2003), além de várias medidas cautelares da Comissão.
Mais recentemente, em razão do Golpe de Estado em Honduras em junho de 2009, a Comissão emitiu uma medida cautelar coletiva (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, Patricia Rodas y Otros /Honduras, 2009a) que progressivamente foi aumentando o número de beneficiários, alcançando várias centenas de pessoas. A grande maioria das situações cobertas por essa cautelar se referem à proteção da vida e integridade pessoal, embora algumas sejam concernentes a graves riscos para o exercício da liberdade de expressão.
Apesar de que, em princípio, as medidas de urgência possam dispor sobre questões tão distintas como suspender um ato de censura, paralisar uma determinada obra ou por em liberdade uma pessoa, em sua grande maioria o que dispõem é que o Estado proporcione proteção à vida e integridade pessoal. Normalmente, isso se levará a cabo por meio de proteção policial, seja com custódia permanente ou sob alguma outra modalidade, como rondas periódicas no local de residência ou trabalho do beneficiário da medida.
A proteção policial pode por vezes se mostrar problemática para os beneficiários das medidas de urgência, especialmente quando o risco iminente que os levou a solicitá-las tenha sido proveniente precisamente das forças policiais ou de outros agentes ou órgãos estatais cujos vínculos com a polícia podem ser estreitos. De fato, ocasionalmente os solicitantes de medidas cautelares não tem conhecimento no momento de pedi-las de que, caso sejam acolhidas, o mais provável é que elas consistam na atribuição de proteção policial. Por exemplo, nas medidas cautelares emitidas pela Comissão Interamericana nos meses posteriores ao Golpe de Estado em Honduras – às quais já fizemos menção–ocorreu precisamente isso, já que um número considerável de beneficiários das mesmas não tinha a expectativa de que a cautelar consistiria na proteção pela polícia e não poucos deles se negaram a isso.
Um fator relevante para o que ocorreu com a implementação das cautelares em Honduras parece ter sido que, anteriormente ao Golpe de Estado, não eram frequentes as cautelares com relação a esse país, por isso a população tinha pouco conhecimento sobre elas e sobre seu modo de operar na prática. Ao passo que em países como Colômbia, Guatemala ou México, que são os três que registraram a maior quantidade de cautelares emitidas nos últimos dez anos, o conhecimento que a sociedade civil tem sobre a forma de implementação de tais medidas é maior e, por isso mesmo, são menos frequentes as situações problemáticas decorrentes de que o aspecto principal de tal implementação consista habitualmente na proteção policial.
Cabe salientar que, na prática, inclusive em contextos nos quais existam organismos policiais que possam ter tido alguma ligação com quem tenha provocado a intimidação aos beneficiários, na grande maioria dos casos esses organismos cumprem seu papel de proteção. A causa para isso não parece ser outra que não a supervisão mais estreita da polícia realizada por outros organismos estatais, interessados em não ficar expostos internacionalmente caso o beneficiário seja objeto de uma agressão que a cautelar busca precisamente impedir. Isso num contexto de maior visibilidade da situação de urgência. Daí porque é muito pouco frequente – embora, lamentavelmente, isso aconteça em algumas ocasiões–que pessoas beneficiadas com medidas cautelares sejam vítimas de agressões fatais.
Quanto ao acompanhamento de medidas cautelares e provisórias, tal como no sistema de casos, são a Comissão e a Corte por si mesmas que levam a cabo uma supervisão do cumprimento de tais medidas, sem que exista um respaldo ou iniciativas a respeito por parte dos órgãos políticos da OEA. Esse acompanhamento se dá tanto por meio de comunicações escritas entre tais órgãos, os beneficiários e o respectivo Estado, como por meio de audiências. Estas últimas são mais frequentes na Corte que na Comissão – em razão do grande número de audiências que esta última realiza sobre outros assuntos, tais como casos, países e temas -, embora ocorra ocasionalmente, principalmente quando existam sérios problemas de descumprimento. Assim, por exemplo, a Comissão realizou várias audiências públicas de seguimento das medidas cautelares emitidas a respeito das pessoas privadas de liberdade pelos Estados Unidos em Guantánamo (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS,Detenidos en Guantánamo /Estados Unidos, 2002). 25
Um problema frequente relativo ao acompanhamento das medidas de urgência da Comissão e da Corte consiste em sua longa duração. Quando esses órgãos emitem uma cautelar ou uma provisória não lhe fixam um prazo limite. Na prática, existe um considerável número de medidas de urgência no Sistema Interamericano que se encontra em vigor há anos.
As alterações introduzidas ao Regulamento da Comissão se referem a vários aspectos relativos ao acompanhamento das medidas cautelares, levando em consideração também a duração que elas costumam alcançar. A esse respeito se indicam papéis para a Comissão e para os Estados, assim como a participação dos beneficiários. Nesse sentido, dispõe-se primeiramente sobre o papel da Comissão que “avaliará periodicamente a pertinência de manter a vigência das medidas cautelares outorgadas” (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009, art. 25.6), como uma forma de evitar que as medidas se prolonguem além do necessário. Em relação à iniciativa do Estado, o Regulamento estabelece que “[e]m qualquer momento, o Estado poderá apresentar um pedido devidamente fundamentado a fim de que a Comissão faça cessar os efeitos do pedido de adoção de medidas cautelares.” No decorrer desse trâmite, “[a] Comissão solicitará observações aos beneficiários ou aos seus representantes antes de decidir sobre o pedido do Estado”, especificando que “[a] apresentação de tal pedido não suspenderá a vigência das medidas cautelares outorgadas” (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009, art. 25.7).
Enquanto uma cautelar estiver em vigor, a Comissão pode requerer informações que considere relevantes ao Estado e aos beneficiários sobre a observância da medida. Uma alteração do Regulamento dispõe que “[o] descumprimento substancial dos beneficiários ou de seus representantes com estes requerimentos poderá ser considerado como causa para que a Comissão faça cessar o efeito do pedido ao Estado para adotar medidas cautelares” (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2009, art. 25.8).
Tendo em vista que pela via das medidas cautelares é possível obter um pronunciamento urgente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a pergunta que se apresenta em algumas ocasiões é se o pedido das mesmas constituiria uma espécie de mandado de segurança para proteger direitos em âmbito internacional. Como apontamos anteriormente, o pedido pode ser feito tanto no contexto de uma denúncia interposta ante a própria Comissão, como na ausência desta, visto que a Comissão tem competência para isto devido a seus amplos poderes de proteção dos direitos humanos. Dessa maneira, e considerando que por meio do mecanismo das medidas de urgência é possível obter uma resolução rápida do órgão internacional, isto poderia assemelhar-se, em princípio, ao mandado de segurança em âmbito interno. Não se trata de uma questão menor, uma vez que, como se sabe, em alguns países o mandado de segurança passou a constituir uma via expressa para “saltar” o procedimento usual, especialmente no contexto de sistemas judiciais internos com sobrecarga de trabalho. Considerando a demora que existe na tramitação de casos no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, poderia eventualmente se produzir um fenômeno análogo ao que ocorre em âmbito local.
Porém, tanto teoricamente como na prática, isso está longe de acontecer. No que concerne ao primeiro aspecto, os parâmetros para a concessão das cautelares e provisórias são mais estritos que os contemplados normalmente para concessão da segurança no âmbito interno. Tais parâmetros se referem à imposição peremptória da urgência das medidas assim como do caráter irreparável da situação caso não sejam outorgadas. Assim, como vimos, no que se refere às medidas cautelares, o Regulamento da Comissão estabelece que elas devam ser dirigidas à prevenção de “danos irreparáveis às pessoas ou ao objeto do processo relativo a uma petição ou caso pendente”, enquanto que a Convenção Americana regula as medidas provisórias para “casos de extrema gravidade e urgência, e quando se faça necessário evitar danos irreparáveis às pessoas.”
Na prática, o desenvolvimento jurisprudencial da Comissão e da Corte Interamericana em matéria de medidas cautelares e provisórias também denota um tratamento muito diferente daquele usualmente dado ao mandado de segurança nos sistemas judiciais nacionais. Assim, embora o objeto dos pedidos de cautelares e provisórias atinja uma amplíssima gama de assuntos, inclusive, dentre muitas outras, tutela de crianças e adolescentes, alegadas lesões ao devido processo, matérias migratórias, questões relativas ao direito de propriedade, condições carcerárias, etc., o certo é que a grande maioria das cautelares e provisórias que se outorga se refere à vida e integridade pessoal. A respeito das condições de saúde de pessoas privadas de liberdade, cabe considerar que o que faz a CIDH é determinar se a referida enfermidade ou doença, caso não tratada adequadamente a tempo, é grave o suficiente para que o proposto beneficiário possa sofrer um dano irreparável. 26
Nesse sentido, e para mencionar apenas alguns deles a título ilustrativo, entre as situações que costumam ser objeto de pedidos de medidas de urgência e que quase invariavelmente – ainda que não de maneira absoluta–ficam excluídas da concessão das mesmas no Sistema Interamericano, estão as disputas sobre tutela de menores que não reflitam uma lesão à vida ou integridade pessoal dos mesmos; as demoras nos processos judiciais internos; as sentenças alegadamente arbitrárias; as expropriações de imóveis; etc.
Se considerarmos o número de medidas cautelares outorgadas em relação ao total de pedidos apresentados, concluímos que a concessão está longe de se constituir uma regra geral. Nesse sentido, no período de cinco anos que abarca desde 2005 a 2009 inclusive, os números são os seguintes:
Ano | Cautelares solicitadas | Cautelares outorgadas |
---|---|---|
2005 | 265 | 33 |
2006 | 314 | 37 |
2007 | 250 | 40 |
2008 | 301 | 28 |
2009 | 324 | 34 |
Fonte: Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Relatórios Anuais www.cidh.org . Último acesso em 23 jun. 2010.
Como se verifica pelos dados anteriores, em média o percentual de concessão de medidas cautelares é de um pouco mais de 10% dos pedidos apresentados. Os números são semelhantes para anos anteriores da última década, salvo em 2002 no qual a quantidade de cautelares outorgadas foi maior. A porcentagem de provisórias outorgadas em relação às solicitadas é mais alta, mas isso se deve fundamentalmente ao fato de que em sua grande maioria elas passaram previamente pelo “filtro” da Comissão. Como comentamos, a CIDH utiliza o pedido de provisórias como uma forma de “último recurso” quando não pode solucionar a situação por si mesma. Dissemos que em sua grande maioria as medidas de urgência que são pedidas à Corte passaram pelo filtro da Comissão porque algumas delas – poucas–são apresentadas diretamente no contexto de casos contenciosos pendentes ante o próprio tribunal.
Considerando essa variedade de antecedentes, não parece existir fundamento para equiparar as medidas de urgência no Sistema Interamericano de Direitos Humanos ao mandado de segurança no Direito Comparado. A possibilidade de que pessoas que considerem que seus direitos foram violados recorram, por assim dizer, per saltum à Comissão Interamericana via medidas cautelares evitando o sistema de casos não dará resultado a menos que ocorram os requisitos próprios de tais medidas, diferentes e em certos aspectos mais estritos do que os de admissibilidade de uma denúncia.
1. Assim, por exemplo, o Comitê de Direitos Humanos e o Comitê das Nações Unidas contra a Tortura e a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, entre os órgãos quase judiciais (o mesmo ocorria com a hoje extinta Comissão Europeia de Direitos Humanos); e a Corte Europeia de Direitos Humanos e a Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos, entre os organismos judiciais. As fontes serão detalhadas mais adiante.
2. Trata-se de Estados Unidos e Venezuela. Isso levou a que, em relação a esse último país, a CIDH, quando considera que as circunstâncias o justifiquem, apresente um pedido de medidas provisórias perante a Corte em vez de conceder as cautelares. Ao passo que, em relação aos Estados Unidos, a Comissão emite cautelares, já que a Corte não tem competência para conhecer casos contenciosos e por extensão as medidas provisórias em relação a esse país.
3. Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, adotada no dia 9 de junho de 1994 pelo XXIV Período Ordinário de Sessões da Assembleia Geral da OEA.
4. A primeira delas foi a Decisão T-558/03, de 10 de julho de 2003.
5. Entrou em vigor em 31 de dezembro de 2009.
6. Mediante a reforma de seu artigo 25.1, que entrou em vigor em 31 de dezembro de 2009.
7. A tradução é do autor.
8. Este texto se encontrava em princípio no artigo 37.
9. O texto completo da minuta sobre esse tópico era o seguinte:“
1. A Comissão poderá, por iniciativa própria ou a pedido da parte, tomar qualquer medida que considere necessária para o desempenho de suas funções.
2. Em caso de extrema urgência e gravidade, quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Comissão ao solicitar informações ao respectivo Estado sobre as alegadas violações mencionadas numa petição, poderá pedir que sejam tomadas medidas cautelares para evitar que se consuma um dano irreparável, na hipótese de serem verdadeiros os fatos denunciados.
3. Se a Comissão não estiver reunida, o Presidente, um dos Vice-Presidentes, ou o Secretário Executivo por instruções do mesmo, consultará os membros sobre a aplicação do disposto no parágrafo 1. Se não for possível realizar a consulta em prazo razoável, o Presidente tomará a decisão, em nome da Comissão e a comunicará a seus membros.
4. As medidas previstas neste artigo poderão ser pedidas a qualquer outro momento da tramitação da denúncia, antes da decisão final sobre os fatos. O pedido de tais medidas e sua adoção não constituirão pré-julgamento da matéria da decisão final”.
10. Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Medida Cautelar 196-09, adotada inicialmente em 28 de junho de 2009 e ampliada por meio de uma série de decisões posteriores da Comissão. Veja uma descrição a respeito no Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos Honduras: Direitos Humanos e Golpe de Estado, parágrafos 37 e seguintes (2009).
11. Segundo a qual os representantes das vítimas deixaram de atuar como simples assessores da Comissão e nos julgamentos ante a Corte, para adquirir autonomia na etapa de reparações (1996) e posteriormente desde o início do julgamento (com o Regulamento da Corte de 2001).
12. Em vigor desde 1 de janeiro de 2010.
13. Foram eliminadas duas referências contidas no texto original, nas quais se indicam as fontes jurisprudenciais respectivas, a saber: o caso Vogt y Cemente Teherán y Otros, para a primeira das afirmações do autor; e o caso Serech y Saquic,para a segunda.
14. Ver, por exemplo, MC 265/07 MAA y sus hijas / México (COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2008a).
15. Ver, entre outras, as medidas provisórias adotadas pela Corte Interamericana no caso das Penitenciárias de Mendoza (Argentina) (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2004b), Presídio de Uribana (Venezuela) (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2007) e Penitenciária Urso Branco (Brasil) (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2008).
16. Caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni. A Corte resolveu, entre outras coisas, “[r]equerer ao Estado que adote, sem demora, as medidas que forem necessárias para proteger o uso e desfrute da propriedade das terras pertencentes à Comunidade Mayagna Awas Tingni e dos recursos naturais existentes nelas, especificamente aquelas tendentes a evitar danos imediatos e irreparáveis resultantes das atividades de terceiros que se instalaram no território da Comunidade ou que explorem os recursos naturais existentes no mesmo, inclusive até que não se realize a delimitação, demarcação e titulação definitivas ordenadas pela Corte.” (Parte resolutiva, parágrafo 1).
17. Comissão Interamericana de Direitos Humanos, MC 253-05: Caso 12.548 (Comunidad Garífuna de Triunfo de la Cruz / Honduras); MC 304-05: Petição 674-06 (Caso Comunidad Garífuna de San Juan / Honduras); MC 402-02: Petição 4617-02 (Caso Mercedes Julia Huenteao y otras / Chile); MC 155-02: Caso 12.338 (Doce Clanes Saramaka / Suriname); MC 204-01: Caso 12.313 (Comunidad Indígena Yakye Axa del Pueblo Enxet-Lengua / Paraguai); MC 124-00: Caso 12.053 (Comunidades Indígenas Mayas / Belize).
18. Resolução da Corte Interamericana de 7 de setembro de 2001, Caso Mauricio Herrera Ulloa. A Corte destacou: “Que a liberdade de expressão, consagrada no artigo 13 da Convenção, é uma pedra angular na própria existência de uma sociedade democrática. É indispensável para a formação da opinião pública. É também conditio sine qua non para que os partidos políticos, os sindicatos, as sociedades científicas e culturais, e em geral, aqueles que desejem influenciar a coletividade possam se desenvolver plenamente. É, enfim, condição para que a comunidade, no momento de exercer suas opções, esteja suficientemente informada. Portanto, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada não é plenamente livre.” (parágrafo 6). E “Que é necessário ordenar a suspensão da publicação no jornal La Nación do ‘portanto’ da sentença condenatória ditada pelo Tribunal Penal de Juízos do Primeiro Circuito Judicial de San José de 12 de novembro de 1999, e a suspensão do estabelecimento de um link, em La Nación Digital, entre os artigos questionados e a parte dispositiva dessa sentença, visto que tais publicações causariam um dano irreparável ao senhor Mauricio Herrera Ulloa; o que não ocorreria se se aplicasse a outros pontos dispositivos daquela sentença. A referida suspensão deve ser mantida até que o caso seja resolvido em definitivo pelos órgãos do sistema interamericano de direitos humanos.” (parágrafo 7). Foi eliminada uma nota de rodapé contida no texto original da sentença.
19. As referências ao direito à liberdade de expressão se encontram nos parágrafos 9 e seguintes. A parte resolutiva inclui o requerimento ao Estado para “que adote, sem demora, as medidas que sejam necessárias para oferecer proteção nos arredores das sedes dos meios de comunicação social El Nacional e Así es la Noticia”.
20. Ali se assinala expressamente que os direitos protegidos são a vida, a integridade física e a liberdade de expressão, além da proteção da sede da emissora (parágrafo 18).
21. Caso Haitianos y Dominicanos de Origen Haitiano en la República Dominicana, parágrafo 9, no qual se estabelece “[q]ue os antecedentes apresentados pela Comissão em seu pedido demonstram prima facie uma situação de extrema gravidade e urgência quanto aos direitos à vida, integridade pessoal, proteção especial às crianças na família e direito de circulação e residência das pessoas identificadas no Addendum da Comissão de 13 de junho de 2000 (supra Vistos 3) e especificadas na parte decisória da presente Resolução da Corte (infra Pontos Resolutivos 1, 3, 4, 5, 6 e 7)””.
22. Foram eliminadas duas referências de rodapé contidas no texto original. Os autores acrescentam que entre esses outros temas se encontram “a liberdade pessoal; a investigação do paradeiro das pessoas; permitir o retorno ao país de origem; a devolução de documentos de identidade; suspensão de ordens de expulsão, deportação ou extradição; a revogação de mandados de prisão e pôr fim a perseguições e deixar de intimidar pessoas; a suspensão de concessões que afetam o ambiente; a proteção dos direitos de propriedade; evitar confisco de bens; garantir o devido processo; a investigação e revisão de diligências extrajudiciais; permitir o livre acesso a instancias judiciais; dar cumprimento ao habeas corpus; determinar situação jurídica de detentos; suspensão de execução de sentenças além das que impõem pena de morte; regularização das condições nos centros de detenção; os direitos de reunião, associação e direitos políticos; os direitos de residência e de circulação; direito ao nome, a proteção da família e direitos da criança; adoção internacional de crianças; garantir o direito à educação; proteção de povos indígenas frente a terceiros; a liberdade de consciência, salvaguarda de escritórios; proteção de centros arqueológicos; proteção de instalações de emissoras de rádio; a garantia da liberdade de expressão e do direito à informação.” (RODRÍGUEZ MANSO; LÓPEZ CANO, 2008, p. 5-6).
23. Embora não o assinale expressamente–salvo no que se refere ao direito de propriedade, em que sim o faz -, Faúndez Ledesma parece sustentar que as medidas provisórias apenas poderiam ser determinadas para proteger o direito à vida e o direito à integridade pessoal. No entanto, com base nos argumentos e na jurisprudência que expusemos, parece claro que tais medidas podem sim serem adotadas em relação a outros direitos. A alusão ao direito de propriedade se encontra em Faúndez Ledesma (2004, p. 547). Por sua vez, Jo M. Pasqualucci aprecia uma evolução a respeito, anotando que “[e]m casos mais recentes, a Corte parece ter ampliado sua interpretação de dano irreparável para incluir qualquer tipo de dano irreparável às pessoas. Por exemplo, uma pessoa ou comunidade de pessoas pode sofrer dano irreparável em certos casos se suas terras ancestrais forem devastadas e despojadas de árvores. As pessoas também podem sofrer dano irreparável em certos casos se são privadas de suas posses pessoais ou de sua forma de ganhar a vida. A Corte – acrescenta a autora–deveria considerar se a ação com a qual se ameaça causará dano a uma pessoa de tal maneira que uma indenização pecuniária não a compensará pela perda. Se este for o caso, e o dano for sério, a Corte deveria ordenar medidas provisórias.” (PASQUALUCCI, 2003, a tradução é do autor).
24. Ver a esse respeito também, dentre outros, os casos Pueblo Indígena Sarayaku (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2004e) e Comunidad Kankuamo (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2004f).
25. De acordo com tais medidas, emitidas aproximadamente dois meses depois que os Estados Unidos começaram a transferir detentos para sua base em Guantánamo, a CIDH solicitou ao Estado que adotesse as medidas de urgência necessárias para que um tribunal competente determinasse a situação jurídica dos beneficiários. Em 2005, a Comissão ampliou as medidas cautelares, solicitando aos Estados Unidos “que investigue a fundo e de maneira imparcial todas as notícias de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, e que leve a juízo e puna os responsáveis”. Posteriormente, a CIDH aprovou a Resolução No 1/06 “urgindo os Estados Unidos a fechar o centro de detenção de Guantánamo de forma imediata, a transferir os detentos em total cumprimento ao Direito Internacional Humanitário e ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, e a adotar todas as medidas necessárias para assegurar que os detentos tenham acesso a um processo judicial justo e transparente perante uma autoridade competente, independente e imparcial.” As citações são do Comunicado de Imprensa da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 02/09, de 27 de janeiro de 2009.
26. Assim, foram concedidas cautelares pela Comissão Interamericana a respeito de pessoas privadas de liberdade que sofriam de tuberculose, diabetes, obstrução completa da veia aorta e gangrena nos membros inferiores, abcesso nas costas, dificuldades respiratórias, infecção crônica de um ouvido e úlcera duodenal, problemas nas próstatas, etc.
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