Nove países insulares compõem a Commonwealth no Pacífico - Fiji, Kiribati, Nauru, Papua Nova Guiné, Samoa, Ilhas Salomão, Tonga, Tuvalu e Vanuatu. Na região, questões sobre policiamento e reformas profundas da polícia – assim como questões de direitos humanos – são prioridades dos governos. O policiamento nesta região tem que lidar com obstáculos como as grandes distâncias geográficas dentro dos países, com freqüência espalhados por várias ilhas, suas sociedades heterogêneas, o crime violento e as crises políticas esporádicas. A polícia precisa ser equipada para enfrentar essa miríade de desafios e dar apoio à democracia e aos direitos humanos. Este artigo procura encontrar maneiras de fortalecer o policiamento democrático nos países da Commonwealth no Pacífico, examinando a responsabilização da polícia em particular. Destaca também as estruturas legais e os processos e mecanismos institucionais já disponíveis para reconhecer a responsabilidade da polícia - Esses mecanismos são um elemento-chave do policiamento democrático. Com foco principal nessa responsabilização da polícia, o objetivo desse artigo é descrever como o policiamento democrático está assentado nos países da região e, ainda, mostrar estratégias para consolidar o policiamento democrático.
Nove países ilhéus compõem a Commonwealth no Pacífico – Fiji, Kiribati, Nauru, Papua Nova Guiné, Samoa, Ilhas Salomão, Tonga, Tuvalu e Vanuatu. Na região, as questões relativas ao policiamento e, notavelmente, à reforma da polícia são prioridades-chave dos governos, além de preocupações no âmbito dos direitos humanos. O policiamento é uma função central e vital do Estado, que assume o dever de assegurar um clima de segurança e proteção. O policiamento nesta região particular tem de superar obstáculos como as grandes distâncias geográficas dentro dos países, com freqüência espalhados por várias ilhas, suas sociedades heterogêneas, os crimes violentos e as crises políticas esporádicas. A polícia precisa estar equipada para enfrentar essa miríade de desafios e dar sustentação à democracia e aos direitos humanos.
O único policiamento legítimo é aquele que ajuda a criar um ambiente livre do medo e que conduza ao respeito pelos direitos humanos, particularmente daquelas pessoas que promovem atividades políticas, uma vez que a liberdade política é a marca da democracia. Infelizmente, as histórias pós-independência de muitos países do Pacífico demonstram que a polícia nem sempre é imparcial e respeitadora dos direitos humanos. Órgãos policiais em vários desses países têm desempenhado um papel central em violentos Golpes de Estado, no prolongamento de conflitos internos e na supressão da democracia. Essas experiências têm levado a amplas iniciativas de reforma da polícia na Commonwealth no Pacífico, algumas delas lideradas por agências patrocinadoras internacionais e outras por governos nacionais. Desse modo, a região oferece não apenas exemplos de problemas de policiamento, mas também idéias sobre a reforma da polícia.
Nações democráticas precisam de policiamento democrático. As iniciativas de reforma da polícia adotadas ao longo do Pacífico são tremendamente encorajadoras e definem um precedente muitíssimo importante para o fortalecimento do governo e da democracia na região. Todavia, defender reformas da polícia sustentáveis requer que se passe de um policiamento ligado ao “regime” a um policiamento “democrático”. O policiamento ligado ao regime, implantado como ferramenta do domínio colonial em muitos países da Commonwealth, caracteriza-se pelo fato de a polícia responder predominantemente ao regime no poder e não ao povo, de controlar mais do que proteger as pessoas, e de, como regra, permanecer fora da comunidade. Em contraste, o policiamento democrático baseia-se numa abordagem alicerçada em princípios de responsabilização, transparência, participação, respeito pela diversidade e defesa dos direitos individuais e de grupo. O policiamento democrático não só protege instituições democráticas e dá apoio a um ambiente onde os direitos e atividades democráticos podem florescer, mas também incorpora valores democráticos em seus próprios processos e estruturas institucionais. As iniciativas de reforma da polícia em andamento no Pacífico estão, de certo modo, democratizando a polícia a partir de dentro. Contudo, talvez seja necessário um impulso maior para estabelecer a proteção dos direitos democráticos e humanos como uma prática central do policiamento.
Este artigo procura meios de fortalecer o policiamento democrático nos países da Commonwealth no Pacífico, na medida em que enfoca a responsabilização da polícia em particular. Serão ainda destacadas as estruturas legais, e os processos e mecanismos institucionais já existentes para reconhecer a responsabilidade da polícia – um elemento-chave do policiamento democrático. Com a informação disponível e a análise desenvolvida, este artigo descreve, por fim, em que medida o policiamento democrático está arraigado nos países da região e, também, propõe estratégias para melhor consolidar o policiamento democrático.
Os desafios para alicerçar o policiamento democrático na região são complexos e consideráveis. Muitos dos países da Commonwealth no Pacífico estão lidando com crime e violência crônicos, alimentados pela ampla circulação de pequenas armas ilegais. Muitos, ainda, tiveram turbulentas histórias políticas pós-independência. Vejamos um panorama superficial: Fiji experimentou três golpes de Estado desde o fim da década de 1980; o governo das Ilhas Salomão foi derrubado em 2000 por uma polícia para-militar que atuou junto com grupos armados; crimes violentos e um governo precário endêmico afligem Papua Nova Guiné; a estabilidade da democracia em Vanuatu vê-se repetidamente afetada por alianças políticas cambiantes; e a democracia ainda precisa criar raízes em Tonga. Por toda a região, o governo e as instituições de controle são fracos, enquanto o setor de segurança tende a ser poderoso e altamente militarizado, o que resulta em democracias frágeis, propensas a crises. De modo alarmante, durante os períodos mais turbulentos nas Ilhas Fiji e Salomão, os civis foram em larga medida abandonados e deixados à própria sorte, padecendo constantemente da ausência de qualquer coisa que se assemelhasse a uma proteção policial. Nas Ilhas Salomão em particular, após o golpe de 2000, a polícia se desintegrou como organização operante e os membros da polícia foram atraídos em diferentes direções – os policiais ou se revelaram tendenciosos, ou foram cooptados para a militância movida por questões étnicas, ou simplesmente ficaram incapazes de agir. O ambiente pesado fazia com que os membros da polícia não pudessem promover investigações em território controlado por um grupo étnico rival, ou simplesmente não agissem como deveriam por medo de represálias. A organização policial de Papua Nova Guiné, denominada Royal Papua New Guinea Constabulary (RPNGC), várias vezes ficou em evidência nos últimos cinco anos devido a incidentes e acusações de brutalidade, uso excessivo de força letal e acobertamentos de provas que levaram à impunidade de seus membros. De modo preocupante, grande parte da brutalidade policial em Papua Nova Guiné parece ter lugar no decorrer do trabalho policial de rotina, como consta de relatórios de observadores internacionais e de organizações de direitos humanos.
Além de apresentar graves problemas de policiamento, os países da Commonwealth no Pacífico também dão lições sobre a reforma da polícia. Existem vários projetos de reforma da polícia em andamento hoje, alguns restritos a países, e outros de âmbito regional. Muitos dos programas de reforma recebem assistência de entidades internacionais, particularmente dos governos da Austrália e da Nova Zelândia, embora haja também iniciativas domésticas específicas. Seja como programas conduzidos por patrocinadores externos ou como iniciativas de governos nacionais, as reformas da polícia usualmente são incluídas como um dos aspectos de um programa de reforma mais amplo, de alcance setorial, e com freqüência associados à reforma do judiciário ou a organismos-chave de supervisão do governo como o Ombudsman ou o Ouvidor-Geral. A agenda para a reforma da polícia na região inclui, entre outras coisas, a substituição de leis já ultrapassadas sobre a ação policial por uma legislação que proporcione uma base saudável para um policiamento democrático moderno; a reestruturação organizacional para tornar a polícia menos militarista e hierarquizada; a remodelação do currículo de treinamento de modo que reflita novas exigências de competências e padrões de direitos humanos; e a oferta de tecnologia aos quadros policiais para que possam incrementar seu desempenho. Como sempre, essas iniciativas de reforma devem ser sustentadas pela garantia de uma responsabilização cada vez maior – tanto internamente nas organizações policiais, como por meios externos.
Os programas de reforma em andamento estão contribuindo para trazer elementos de policiamento democrático para as organizações policiais do Pacífico. O policiamento democrático é tanto um processo – a maneira pela qual a polícia faz seu trabalho – como um resultado. Os valores democráticos da Commonwealth proporcionam uma saudável estrutura para isso.
• ser responsabilizável perante a lei, em vez de constituir-se como lei. A polícia, como todos os órgãos e empregadores governamentais, deve agir dentro da lei do país e dentro das leis e padrões internacionais, incluindo as obrigações de direitos humanos. Membros da polícia que infringem a lei devem arcar com as conseqüências, tanto internamente através dos sistemas disciplinares das organizações policiais, como externamente, através do sistema criminal da justiça..
• ser responsabilizável perante as estruturas democráticas governamentais. A polícia é um órgão do governo, e deve prestar contas ao governo por sua adesão à política governamental e pelo uso dos recursos governamentais. No entanto, espera-se que a polícia permaneça politicamente neutra e que faça cumprir a lei sem parcialidades. Ela deve permanecer responsabilizável em primeiro lugar perante a lei do país, e não meramente perante a facção política que detém o poder.
• ser transparente em suas atividades. A responsabilização é facilitada por uma maior transparência. Num sistema democrático, a maior parte da atividade da polícia deve ficar aberta à fiscalização e ser regularmente reportada a organismos externos a ela. Essa transparência aplica-se à informação sobre o comportamento de membros individuais da polícia e também à atuação da organização policial como um todo.
• dar prioridade operacional à proteção da segurança e dos direitos de indivíduos e grupos privados. Os policiais devem ser responsabilizáveis perante as pessoas, e não apenas perante o governo, por suas decisões, ações e desempenho. Os policiais devem ser ser receptivos às necessidades de membros individuais da comunidade – especialmente das pessoas vulneráveis – ao invés de ser receptiva meramente a ordens emitidas pelo governo.
• proteger os direitos humanos, especialmente aqueles exigidos para o exercício de atividades políticas irrestritas e características da democracia. O policiamento democrático implica policiar de modo a apoiar e respeitar os direitos humanos e priorizar a proteção da vida e da dignidade do indivíduo. Também requer que a polícia faça um esforço especial para proteger as liberdades características de uma democracia – liberdade de expressão, liberdade de associação, reunião e movimentação, de não ser arbitrariamente preso, detido e exilado, e ainda a imparcialidade na administração da lei. Priorizar a proteção dos direitos humanos no trabalho policial exige o exercício habilidoso do arbítrio por parte do policial profissional.
• manter altos padrões de conduta profissional, e fornecer um serviço de alta qualidade. Policiais são profissionais, com imensos poderes, sobre os quais o público deposita muita confiança. Neste sentido, o comportamento do policial deve ser governado por um rígido código profissional de ética e conduta, em relação ao qual ele possa ser considerado responsável segundo a maneira como se conduz. Ao mesmo tempo, os policiais são parte de uma organização prestadora de serviço. Devem prestar seus serviços à comunidade com o nível de qualidade mais elevado possível, além de deverem ser responsabilizados pelos resultados que obtêm.
• ser representativa das comunidades que atende. As organizações policiais, que refletem as populações que servem, são capazes de atender melhor às necessidades dessas populações, e de conquistar a confiança de grupos marginais e vulneráveis, que são os que mais precisam de sua proteção. O recrutamento feito pela polícia deve objetivar a criação de uma instituição policial mais representativa e diversificada, especialmente nos locais em que as comunidades são heterogêneas.
Um elemento crucial para fortalecer o policiamento democrático é o princípio de que a polícia deve ser responsabilizável: não apenas por parte do governo, mas por parte de uma rede mais ampla de órgãos e organizações, que trabalhem na defesa dos interesses das pessoas dentro de um contexto de direitos humanos. Um sistema eficaz de responsabilização da polícia – alinhado com os sistemas de pesos e contrapesos que moldam os sistemas democráticos de governo – é o que se caracteriza por níveis múltiplos de responsabilização. Na maioria das vezes, a responsabilização voltada para organizações policiais vem de quatro fontes:
• controle governamental (ou ‘estatal’). Os três poderes do governo – legislativo, judiciário e executivo – estabelecem a arquitetura básica para a responsabilização da polícia numa democracia. Na verdade, nos países da Commonwealth, os líderes da polícia respondem diretamente a representantes públicos eleitos no poder executivo, por exemplo ministros responsáveis pela polícia. Os chefes da polícia costumam ser convocados à presença de deputados e senadores para prestar depoimentos. Nos lugares em que existe um judiciário forte e independente, é possível mover processos contra a polícia em tribunais, que podem resultar em nova jurisprudência, em guia de procedimentos sobre questões de responsabilização, ou em canais adicionais para efetuar reparações.
• controle externo independente. A natureza complexa do policiamento e os amplos poderes concedidos à polícia impõem a implantação de controles adicionais. Em qualquer democracia, a existência de pelo menos um organismo de supervisão civil independente é muito importante para estender a responsabilização da polícia àqueles círculos fora dela e do governo. Instituições como as Comissões de Direitos Humanos, Ombudsmen e organismos públicos de recebimento de reclamações podem desempenhar um papel valioso na inspeção da polícia e na limitação do abuso do poder por parte dela.
• controle interno. O controle interno na organização policial, na forma de sistemas disciplinares, de treinamento e de supervisão, e sistemas adequados de registro de dados sobre desempenho ou crime são necessários em qualquer organização policial. O desafio em muitas jurisdições da Commonwealth é que as políticas e procedimentos internos simplesmente não são implementados de modo adequado, ou, em alguns casos, nem chegam a ser implementados.
• controle social ou “responsabilização social”. Numa democracia, os policiais são publicamente considerados responsabilizáveis pela mídia, assim como por indivíduos e por uma variedade de grupos (como as vítimas de crimes, organizações de negócios, grupos cívicos locais ou associações de bairro). Desse modo, o papel de responsabilizar a polícia não é deixado meramente às instituições democráticas que representam o povo: as próprias pessoas comuns desempenham um papel ativo no sistema de responsabilização. Existe apenas um número reduzido de instituições que facilitam esse tipo de responsabilização na Commonwealth. Mais exatamente, espera-se que a polícia e as comunidades negociem arranjos adequados e diversificados.
Os organismos policiais dos países da Commonwealth no Pacífico são forças centralizadas; todos eles são constitucionalmente estabelecidos e governados por leis específicas sobre a ação policial. Ainda, todos são dirigidos por um Comissário de Polícia que, por sua vez, reporta-se a um determinado Ministro responsável pela polícia. Um dado importante é que o Comissário de Polícia é responsável pelas questões cotidianas administrativas, operacionais e financeiras. Somente em Tonga isso não ocorre – a Seção 8 do Estatuo Policial de Tonga confere o “comando, superintendência e direção” da polícia ao Ministro da Polícia, “que pode delegar ao Superintendente da Polícia o exercício desta responsabilidade em seu nome”.2 Neste caso, o Ministro fica responsável perante o conselho de ministros. Na maior parte das vezes, os organismos policiais desta região ficam sob a esfera de ação dos ministros dos Assuntos Internos, da Segurança Interna, ou nos casos das Ilhas Salomão e de Tonga, de um Ministro da Polícia específico.
A necessidade de que a polícia seja responsabilizável é claramente reconhecida pela legislação internacional. Numerosas declarações e tratados das Nações Unidas têm definido normas de responsabilização e estas se refletem nos padrões regionais e domésticos da Commonwealth. Os países da Commonwealth no Pacífico são todos membros das Nações Unidas e, portanto, reconhecem o sistema de leis e padrões internacionais das Nações Unidas junto com as declarações e comunicados da própria. Embora o Pacífico não tenha padrões regionais diretamente associados à responsabilização da polícia, uma organização regional chamada Pacific Islands Forum, que busca incrementar a cooperação entre Estados-membros, quase todos também parte da Commonwealth, tem produzido declarações como fórum para fortalecer a governabilidade e a segurança regionais, com implicações para o policiamento.
Embora os instrumentos internacionais sejam uma referência significativa para o policiamento democrático, na prática diária as Constituições nacionais, as leis específicas sobre a ação policial e outras normas relevantes são mais imediatamente pertinentes à conduta de policiais individuais e organizações policiais como um todo. Em toda a Commonwealth, as Constituições são a lei suprema, definem a estrutura dos Estados e refletem aspirações nacionais. Notavelmente, por toda a região, os policiais, por meio do Comissário de Polícia, geralmente dispõem de autonomia operacional assegurada pela Constituição (Tonga é uma exceção). A lei específica sobre a ação da polícia e as normas de apoio ( tais como regras ou regulamentos de Polícia) definem os objetivos do policiamento, criam a estrutura e a hierarquia da organização policial, assim como estabelecem as funções e os poderes da polícia. Desse modo, é vital que a legislação nacional estabeleça um alicerce saudável e firme de responsabilização a fim de enraizar domesticamente o policiamento democrático.
Várias convenções e padrões das Nações Unidas fornecem princípios claros para moderar a conduta dos quadros policiais, colocando obrigações legais específicas para os funcionários responsáveis pelo cumprimento da lei, proporcionando canais para responsabilização e reparação, e orientando o exercício de poderes policiais difíceis, como o uso da força. Infelizmente, os governos da Commonwealth no Pacífico não têm exibido um bom histórico no que se refere à assinatura de tratados internacionais sobre direitos humanos, o que significa, em grande medida, que não adotaram padrões internacionais na prática doméstica.3 A Commonwealth, como expresso nos documentos desde a Declaração Harare de 1991 (a mais significativa das declarações da Commonwealth, já que a condição de membro da Commonwealth exige que os países se atenham a esta declaração), está comprometida a desenvolver instituições democráticas que respeitem a preponderância das leis e dos princípios do bom governo. O policiamento democrático é uma dessas instituições. As declarações regionais existentes – todas elas provenientes do Fórum das Ilhas do Pacífico– não se referem à responsabilização ou aos padrões de direitos humanos, seu foco está principalmente na facilitação do cumprimento da lei cooperativo, transnacional.
A maioria das Constituições da região sofreu emendas inúmeras vezes, devido a tensões políticas ou crises, ou à introdução de novos Estados nas federações em expansão. Por exemplo, a Constituição de Fiji foi significativamente emendada em 1997, e a Constituição das Ilhas Salomão está presentemente sofrendo uma profunda revisão.
Um aspecto relevante é que as Constituições estabelecem, em sua redação atual, moldes para a responsabilização – feitos tanto de processos como de estruturas – que se aplicam diretamente à polícia. Além de estabelecer mecanismos específicos de responsabilização, as disposições constitucionais também orientam processos importantes, como a escolha do chefe de polícia, a atribuição de responsabilidade por certas ações disciplinares e a definição de garantias legais e de direitos que devem ser respeitados pela polícia. É extremamente importante que os direitos humanos sejam constitucionalmente protegidos e que as instituições de supervisão independentes – como comissões de direitos humanos e escritórios de Ombudsmen – possuam uma base constitucional, já que as Constituições são mais difíceis de emendar do que a legislação normal.
As Constituições desta região garantem direitos e liberdades fundamentais e exigem que sejam protegidos por todos os órgãos do Estado. Naquilo que se refere ao exercício de poderes policiais, em Fiji, Papua Nova Guiné, Vanuatu, Kiribati e Tuvalu, a Constituição inclui os direitos à vida, à liberdade pessoal, à proteção contra tratamento desumano e à proteção da lei como direitos fundamentais, entre outros. Notavelmente, no interesse de um sistema de justiça criminal homogêneo, o direito de assegurar a proteção da lei instaura princípios internacionalmente aceitos de julgamento justo, como a presunção de inocência até que se prove a culpa, o direito a uma defesa adequada, e procedimentos justos e imparciais. As Constituições de Fiji, Papua Nova Guiné, Ilhas Salomão e Kiribati contêm uma seção específica sobre os direitos de pessoas indiciadas ou detidas, que inclui aquelas diretrizes tão necessárias a oficiais responsáveis pelo cumprimento da lei, como a de informar as pessoas sobre as razões de sua detenção, esclarecer que serão prontamente libertadas se não houver incriminação, permitir acesso a um advogado de sua escolha e oferecer tratamento digno e respeitoso. A liberdade de não ser arbitrariamente procurado e preso também é assegurada pela maioria das Constituições. Estes tipos de salvaguardas constitucionais promovem o direcionamento da polícia para a prática do policiamento democrático.
Muitas das leis que regulam a ação policial na região estão sendo revistas, como parte dos programas de reforma legal levados a cabo por organismos internacionais. Essa reforma é inteiramente necessária, já que as leis vigentes mantêm aspectos coloniais e fortemente militaristas. O conceito de policiamento democrático implica uma abordagem baseada em normas e valores derivados de princípios democráticos. Uma abordagem que seja moldada por tais normas democráticas e padrões de direitos humanos pode formar um alicerce firme para o policiamento democrático. Extraindo exemplos das legislações de polícia mais progressistas da Commonwealth, os elementos-chave de uma forte estrutura legal para o policiamento democrático e uma efetiva responsabilização devem incluir:
• uma abordagem de direitos humanos na definição dos deveres e funções da polícia;
• sistemas disciplinares internos justos, adequados e fortes;
• cooperação entre mecanismos internos e externos de responsabilização da polícia;
• pelo menos um organismo independente, de preferência controlado por civis, para investigar queixas públicas contra a polícia;
• supervisão multipartidária da polícia por parte de representantes eleitos em parlamentos, câmaras ou conselhos locais;
• interação obrigatória entre a polícia e o público.
Em geral, as leis específicas sobre a ação policial no Pacífico não fazem referência à proteção dos direitos humanos e liberdades civis, centrando-se nas funções da polícia relacionadas à “manutenção da lei e da ordem” dentro do estilo colonial. Como dito acima, as Constituições da região asseguram liberdades e direitos fundamentais, mas este é apenas um passo na proteção dos direitos humanos. É igualmente importante que as violações dos direitos humanos por membros da polícia no decorrer de sua ação sejam consideradas delitos pelas leis referentes às ações policiais. Todas as leis atuais são contra a criação de organismos de supervisão externos, controlados por civis, o que significa que a lei que governa a polícia apóia-se quase exclusivamente em sistemas disciplinares internos da polícia para investigar a má conduta policial.
Processos internos de responsabilização constituem a primeira linha de defesa contra a má conduta policial e também expressam o grau de comprometimento de uma força policial para exercer uma supervisão eficaz. As infrações disciplinares de membros da polícia constam de leis específicas sobre a ação policial e de normas de apoio, como os Regulamentos da Polícia, as Regras da Polícia ou os Regulamentos da Comissão de Serviço Policial – na verdade, as normas de apoio geralmente apresentam uma lista mais exaustiva do que as leis específicas que regem a ação policial. Em quase todas as organizações policiais desses países, os processos disciplinares seguem um padrão semelhante: a disciplina para membros de grau hierárquico inferior é imposta principalmente por membros de grau hierárquico superior e pelo Comissário de Polícia e os membros “concursados” ou membros mais antigos têm seus casos tratados pelas Comissões de Serviço (organismos autônomos do governo com grande presença de representantes do setor executivo, que exercem controle disciplinar sobre membros de grau hierárquico mais alto da polícia e também têm voz na nomeação do Comissário de Polícia). Papua Nova Guiné é uma exceção, neste país o regime disciplinar parece ser uniforme independentemente de grau hierárquico. Já em Tonga, o Ministro da Polícia exerce total controle disciplinar sobre a polícia. A disciplina é em grande parte exercida por policiais que investigam e punem outros policiais e a supervisão civil é marginalizada devido ao fato dos organismos externos de supervisão estarem sobrecarregados. Todas as forças policiais têm procedimentos e processos definidos para conduzir investigações internas e disciplinares. As ações disciplinadoras vão desde admoestações verbais, multas, remanejamentos e suspensões até demissões. Uma regra observada na maioria das jurisdições é que um membro igual ou superior na hierarquia ao membro cuja conduta é colocada em questão deve conduzir as investigações e, também, que o membro acusado deve ter um interrogatório justo. Além das ações disciplinares, um processo criminal pode também ser iniciado dependendo da natureza e da gravidade da transgressão.
Um grande problema presente em todos as leis que regem a ação policial é que elas nem sempre fazem distinção entre infrações “leves” e “graves”, deixando essa distinção a critério dos próprios policiais. Por exemplo, em Vanuatu, a lei específica sobre a ação policial estabelece punições –multa e reclusão ao quartel por catorze dias – 4 que podem ser impostas por oficiais superiores ao lidarem com infrações disciplinares cometidas por membros hierarquicamente inferiores sem prescrever que transgressão equivale a qual punição. O Comissário de Polícia pode rever a decisão e tem o poder de impor punições ainda mais severas (embora só depois de dar ao membro implicado a oportunidade de ser ouvido), inclusive a exclusão das Forças Armadas, o rebaixamento na hierarquia, a perda da graduação hierárquica, ou uma multa que não exceda 15 dias de pagamento.5 Este padrão básico tem vigência em Fiji, Kiribati e nas Ilhas Salomão, embora haja cláusulas que permitem aos membros da polícia apelarem externamente de qualquer decisão final, geralmente para a Comissão de Serviço. Em Papua Nova Guiné, embora as penas para transgressões “leves” e “graves” estejam definidas na lei que rege a ação policial, o Comissário e os “membros disciplinadores” designados têm a autoridade, na prática, de decidir o que constitui uma transgressão leve ou grave de um membro mais baixo da hierarquia, em um estudo de caso a caso.6 O considerável arbítrio concedido a membros superiores na disciplina de oficiais de escalão mais baixo pode dar margem a abusos, sem que haja uma base legal clara e justa para definir a gravidade das diversas transgressões. É importante estabelecer definições e categorias de má conduta e as sanções disciplinares correspondentes na lei e nas políticas, assim como implementar canais de apelação.
Além disso, em determinadas áreas, as disposições disciplinares são mais severas para oficiais de hierarquia inferior. Quase todos as leis sobre a ação policial contêm uma seção que considera qualquer membro da polícia “que não seja concursado” passível de punição por cometer uma transgressão prevista na lei. O membro implicado pode ser detido sem mandado por qualquer membro superior na hierarquia e trazido à presença de outro com hierarquia ainda mais elevada, de preferência concursado. Em Fiji, o Comissário de Polícia tem o poder de impor punições a qualquer membro superintendente7 e a qualquer membro subordinado – 8 incluindo a demissão – após investigação adequada por membros concursados designados e sujeitas à concordância por parte da Comissão de Serviços Disciplinares. Em contraste, a Seção 21 do Regulamento da Comissão de Serviço Policial confere aos membros concursados certa margem para escapar dos procedimentos formais quando se trata de atos com menor potencial ofensivo. Se a Comissão decide que os procedimentos disciplinares não são cabíveis, o membro simplesmente recebe uma carta de advertência. Uma cópia desta carta será anexada ao relatório anual confidencial do policial, que tem peso em decisões internas envolvendo promoções. Em Papua Nova Guiné, a Seção 27 da lei específica sobre a ação policial nega aos membros de hierarquia mais baixa qualquer direito de apelar sobre decisões envolvendo condenação ou penalidades impostas por infrações graves.
Existem também problemas contextuais maiores com esses regimes disciplinares. Por exemplo, as leis de Fiji, Ilhas Salomão, Vanuatu, Kiribati e Tonga citam a deserção e o amotinamento como infrações disciplinares graves para membros da polícia. Esta seção tem texto similar em todos as leis referentes às ações policiais. Delitos militares, como amotinamento e deserção, não têm cabimento num serviço policial democrático, moderno e passível de responsabilização. Tais delitos são resquícios do policiamento no estilo pró-regime empregado por governos coloniais e indicam tanto uma tendência perturbadora da parcialidade, como um nível inadequado de militarização da polícia. De modo similar, as leis de Fiji, Vanuatu, Kiribati e das Ilhas Salomão9 contêm todas elas uma cláusula que permite ao Chefe de Estado declarar unilateralmente, quando confrontado com o que considerar uma grave ameaça à defesa ou à segurança interna do país, que a polícia seja usada como uma força militar ou de segurança interna e que, ao ter essa função, cumpra ordens militares. Um perigo aqui é que a decisão de invocar um estado de emergência seja deixada ao arbítrio exclusivo do executivo, sem participação do Parlamento ou de nenhuma outra instância governamental. Ainda, levando em conta as grandes diferenças nos papéis do exército e da polícia, submeter a polícia às regras e leis militares (mesmo que por um curto período) pode inadvertidamente “militarizar” membros individuais e talvez instilar uma tendência maior nos membros da polícia de agirem com força bruta. Inevitavelmente, também haverá complicações nas linhas de responsabilização e supervisão quando a polícia for colocada dentro da influência dos militares.
O sucesso das iniciativas de reforma da polícia depende da institucionalização da responsabilização por meio de métodos eficazes. A responsabilização da polícia não é algo ausente na Commonwealth no Pacífico e já existem processos e mecanismos que atuam no sentido de fazer com que a polícia seja responsabilidade nos diversos países da região. O Commonwealth Human Rights Initiative (CHRI) defende que a base de uma responsabilização saudável são processos internos de vigilância, associados ao necessário controle por parte de outros setores do governo e, pelo menos, por um organismo civil de supervisão independente. A seção a seguir contém uma avaliação da extensão em que se desenvolveu esse modelo de responsabilização saudável na Commonwealth no Pacífico por meio do exame de uma seleção de mecanismos e processos-chave de responsabilização.
Na Commonwealth no Pacífico, representantes-chave do setor executivo do governo desempenham papéis específicos e importantes na direção e supervisão da polícia. É importante destacar que o mais alto cargo na hierarquia da polícia – o Comissário de Polícia – é nomeado pelo Chefe de Estado. Como mencionado antes, a polícia em todos esses países responde diretamente a um ministro especialmente designado, que é parte da ala executiva do governo e pode ser visto como o porta-voz político, ou chefe da polícia. Além disso, a estrutura dos Estados do Pacífico inclui Comissões de Serviço. Por meio desses processos e mecanismos, a liderança da polícia particularmente compartilha um relacionamento estreito com o Poder Executivo. É importante examinar determinados aspectos da relação polícia-Executivo, a fim de determinar até onde o verdadeiro controle democrático é adotado na prática.
O poder de contratar e demitir o chefe da polícia é um recurso-chave de responsabilização e deve ser complementado por processos transparentes e justos, além de ser supervisionado por instrumentos de responsabilização eficazes, a fim de evitar o desenvolvimento de quaisquer relações inadequadas de proteção. À luz disso, é importante que o Chefe de Estado não tenha assegurado poder exclusivo de nomear o Comissário. Ao longo do Pacífico, uma tendência no procedimento de nomeação é que o Chefe de Estado decida ou em consulta com, ou a partir de recomendação da Comissão de Serviço, mas este não é de modo algum o único procedimento empregado para indicar o Comissário. Nas Ilhas Salomão e em Vanuatu, o Chefe de Estado indica o chefe de polícia depois de consultar a Comissão de Serviço da Polícia. Em Kiribati, o Presidente, atuando de acordo com a orientação do Gabinete após consulta com a Comissão de Serviço da Polícia, indica o Comissário de Polícia. Em Tuvalu, o Chefe da Polícia é nomeado pelo Chefe de Estado a conselho do Gabinete, após consulta com a Comissão de Serviço Público. Há também outras fontes de indicação. Em Fiji, a Comissão de Escritórios Constitucionais nomeia o Chefe de Polícia após consulta com o ministro responsável pela Polícia. Em Tonga, o Ministro da Polícia, com aprovação do Gabinete, recruta e indica cada membro da polícia, incluindo o Superintendente da Polícia. Em Papua Nova Guiné, o Comissário de Polícia é indicado pelo National Executive Council – NEC (Conselho Executivo Nacional), que é um organismo constitucionalmente estabelecido para representar o Executivo. Diferentemente das Comissões de Serviço, o NEC não é uma entidade independente com uma atribuição específica relacionada à polícia.
Vale notar que a base legal dos procedimentos de nomeação na maior parte do Pacífico não garante o arbítrio exclusivo do Chefe de Estado para escolher o chefe da polícia, exigindo consulta com outras entidades. Tonga e Papua Nova Guiné são exceções a esse respeito, pois nesses países a indicação é feita por apenas uma fonte. Em Tonga, há um precedente perigoso, constituído pelo fato de o Ministro ter o poder básico de escolher não apenas o Superintendente da Polícia, mas também todo o quadro policial. Isso dá considerável margem para que a segurança no emprego dos membros da polícia dependa de seu apadrinhamento por parte do Ministro. Há sérias brechas na lei e na responsabilização que nascem justamente desse tipo inadequado de relações de apadrinhamento. No que se refere à prática em Papua Nova Guiné, a Transparência Internacional (uma organização internacional anticorrupção) argumenta que, como a indicação vem do National Executive Council, isso implica que a nomeação do Comissário tem cunho político.10 Entre 1997 e 2002, a polícia de Papua Nova Guiné teve cinco comissários de polícia diferentes. A Parte 4 da Constituição, que contém disposições especiais quanto à força policial, declara especificamente que a força policial está sujeita ao controle do National Executive Council através do Ministro, diluindo ainda mais a independência da liderança policial.
Mesmo nos demais países, onde ao menos a decisão é feita em colaboração e a polícia tem autonomia operacional garantida por lei, a indicação do Commissário ainda é feita apenas por organismos governamentais que representam exclusivamente o Poder Executivo, com ausência completa de qualquer participação civil ou pública. Em outras jurisdições da Commonwealth, a indicação do Comissário é significativamente mais colaborativa, requerendo a participação de organismos civis de controle. No Estado australiano de Queensland, por exemplo, o Comissário do Serviço Policial é indicado pelo Governador, “numa recomendação aceita pelo chefe da Comissão de Crime e Má Conduta” ,11 que é um órgão independente de supervisão da polícia. Deve-se procurar também a concordância do Ministro de Estado da Polícia. Embora não existam fórmulas universais, o poder de indicar o Comissário deve, no mínimo, ser prescrito por procedimentos claros e justos, e se possível com a participação de instituições independentes como as Comissões de Serviço ou organismos civis de controle. O cargo mais alto da polícia também deve ser protegido por alguma regra de estabilidade contra uma demissão sumária
As Comissões de Serviço, predominantes na Commonwealth no Caribe e nos pequenos Estados do Pacífico, são organismos governamentais autônomos que supervisionam assuntos administrativos e disciplinares no setor público e, em alguns casos, especificamente em órgãos policiais. A experiência em muitos países da Commonwealth mostra que diversos exemplos de interferência política ilegítima no policiamento devem-se à manipulação, por parte dos políticos, de poderes disciplinares ou administrativos com propósitos políticos. As Comissões de Serviço foram criadas justamente para limitar a interferência política indevida na escolha, promoção, transferência e remoção de membros da polícia – e, portanto, atuam como mecanismos de responsabilização. Em alguns casos, eles atuam também como mecanismos de apelação para membros da polícia que procuram reparações por questões internas de disciplina ou trabalho.
As Comissões de Serviço foram concebidas como organismos governamentais com voz independente. Seu papel envolve a indicação, a demissão e a disciplina geral de quadros policiais de alto escalão. A esse respeito, sua autoridade para fazer indicações e sua composição tornam-se importantes, por serem medidas de independência, para avaliar em que extensão as Comissões podem representar verdadeiramente organismos reguladores. Em todos os lugares do Pacífico em que estão estabelecidos, os membros das Comissões de Serviço são indicados pelo Chefe de Estado, e são predominantemente funcionários públicos. Em quase todos os casos, há espaço para membros aparentemente independentes, embora não haja critérios definidos para encontrar as melhores pessoas para esse trabalho. Sem critérios objetivos, existe grande possibilidade de que as preferências pessoais tenham um peso excessivo. Em Fiji, por exemplo, a Comissão de Serviços Disciplinares é formada por um diretor e dois outros membros indicados pelo Presidente. Em Tuvalu, a Comissão de Serviço Público é constituída por um diretor e três outros membros. Em ambos os casos, a lei não se manifesta a respeito das qualidades e experiência desejadas para esses “outros membros”. Também é verdade que em todos os países do Pacífico existe, de fato, um dispositivo constitucional para manter a independência das Comissões de Serviço, estabelecendo que uma pessoa fica desqualificada para ser indicada para qualquer Comissão de Serviço se for membro do Parlamento, detiver qualquer cargo público, ou alguma posição que possa ser interpretada como de “natureza política”. Esse é um dispositivo importante que fortalece o objetivo almejado de que as Commissões de Serviço não fiquem sujeitas a qualquer outro controle ou autoridade.
No entanto, em comparação com modelos mais novos de Comissões de Serviço em países da Commonwealth como Nigéria e Sri Lanka, o modelo do Pacífico fica a dever. Tanto na Nigéria como no Sri Lanka, as Comissões de Serviço da Polícia incluem representação de cidadãos e têm amplos poderes de formular sua política. Um dado importante é que ambas as comissões podem receber queixas públicas contra a polícia e têm poder para conduzir as investigações correspondentes. Esta é uma marca crucial do fortalecimento do policiamento democrático. Nenhuma das atribuições das Comissões de Serviço do Pacífico permite que elas aceitem queixas do público; portanto, atos de má conduta policial que afetem o público (atos mais graves, como brutalidade e corrupção e outras violações dos direitos humanos) não são “disciplinados” pelas Comissões.
Além de encaminhar questões de disciplina e má conduta policial especificamente dentro da cadeia de comando, algumas das organizações policiais do Pacífico também contam com unidades disciplinares internas especializadas. Essas unidades constituem um fórum para o recebimento de queixas do público contra membros da polícia; e, o que é igualmente importante, também permitem que policiais apresentem queixas e investiguem outros policiais. Conhecidos também como escritórios de responsabilidade profissional, assuntos internos ou departamentos de padrões éticos, essas unidades geralmente recebem queixas do público e de membros da polícia e levam a cabo investigações para decidir que ações disciplinares devem ser aplicadas, quando cabível, em casos individuais.12 Algumas unidades podem examinar apenas categorias específicas de queixas relativas a má conduta, tais como corrupção ou brutalidade.
É difícil tecer comentários conclusivos sobre os pontos fortes e fracos das unidades disciplinares internas devido à falta de informações. A experiência das Ilhas Salomão revela de que modo conflitos maiores podem drasticamente colocar em risco a política interna de responsabilização. Em outros casos, processos e procedimentos disciplinares internos simplesmente não são observados. Em Papua Nova Guiné, um Comitê de Revisão com a tarefa de avaliar a polícia descobriu que o Constabulary’s Disciplinary Manual (Manual de Disciplina da Polícia), assim como as disposições disciplinares das leis que regem a ação policial simplesmente não eram aplicadas, o que significa que os processos disciplinares disponíveis não estavam sendo utilizados – o Comitê recomendou, então, que o Comissário expedisse uma orientação instruindo todo o quadro do Constabulary a cumprir imediatamente o Código Disciplinar existente.13 Essa negligência leva apenas a uma completa ineficácia do sistema disciplinar e a uma profunda falta de confiança do público – 85% das queixas contra a polícia ficavam sem solução.14
No Pacífico, as deficiências dentro dos sistemas disciplinares internos resultam da pressão política exercida para proteger certos indivíduos. Os problemas podem também ter origem numa grave falta de competência dos próprios policiais, incluindo uma falta de bons investigadores para colher provas. Por exemplo, o Comitê de Revisão Administrativa de Papua Nova Guiné recomendou que fossem fortalecidos os recursos e competências disponíveis no quadro de pessoal do departamento de Assuntos Internos, particularmente pelo recrutamento de indivíduos com uma experiência significativa na condução de investigações. Examinando jurisdições similares na Commonwealth, no Pacífico, talvez os problemas mais comuns tenham origem na maneira pela qual a disciplina é tratada dentro da polícia. Três fatores inter-relacionados desempenham o papel mais importante nisso: falta de adesão a sistemas disciplinares entre os membros de hierarquia superior, falta de clareza a respeito de como esses sistemas funcionam e um conflito entre os sistemas disciplinares e a “cultura” predominante em muitas organizações policiais, contrária à disciplina.
Mecanismos administrativos internos – se bem implementados – podem ser um poderoso meio de responsabilização das organizações policiais. Entretanto, por si só, esses mecanismos não são suficientes. Nenhum sistema disciplinar interno pode evitar completamente incidentes de mau comportamento policial, e mesmo os sistemas mais bem administrados nunca irão contar com total confiança por parte do público. Admitindo essa realidade, muitos países da Commonwealth têm procurado combinar mecanismos internos de responsabilização com algum sistema de supervisão externo não policial (civil). Com um sistema complementando e reforçando o outro, esta abordagem cria uma rede de responsabilização dentro da qual se torna cada vez mais difícil que ocorram casos de má conduta policial sem que isso tenha conseqüências. Sistemas externos de responsabilização também criam canais para que as queixas públicas sejam encaminhadas independentemente da polícia, ajudando a pôr um fim à impunidade por parte de elementos corruptos e abusivos dentro das organizações policiais da Commonwealth.
No Pacífico, não há organismos estabelecidos dedicados exclusivamente à investigação e à supervisão de queixas contra a polícia. Os órgãos de controle existentes – comissões de direitos humanos e escritórios de Ombudsmen – investigam casos de má conduta policial como parte de atribuições mais gerais de revelar abusos de direitos humanos, corrupção e má administração ocorridos dentro dos organismos governamentais. Em Fiji, existe uma Comissão de Direitos Humanos e um Escritório do Ombudsman, enquanto em Papua Nova Guiné, Ilhas Salomão e Vanuatu há. Todos esses organismos estão constitucionalmente estabelecidos e, além disso, alguns são governados por sua própria legislação. A Comissão de Direitos Humanos de Fiji é a única Comissão de Direitos Humanos nacional entre os países da Commonwealth no Pacífico. O projeto de Constituição das Ilhas Salomão prevê a criação de uma Comissão de Direitos Humanos, mas o processo de reforma constitucional está ainda em andamento.
A Seção 42 da Constituição de 1997 de Fiji cria uma comissão nacional de direitos humanos, e o Decreto da Comissão de Direitos Humanos de Fiji foi aprovado em 1999. A Comissão de Direitos Humanos de Fiji vem desempenhando um papel fundamental entre as sociedades civis do Pacífico, provando ser independente e ativa. Em parte isto se deve ao fato de que a base legal conferida à Comissão se atém aos requisitos mínimos estabelecidos pelos Princípios de Paris – 15 um conjunto de padrões internacionalmente aceitos estabelecido para guiar os Estados na criação de instituições de direitos humanos fortes e eficazes. Os princípios consistem em requisitos mínimos para uma Instituição Nacional de Direitos Humanos com verdadeiros poderes, e também se aplicam a qualquer organismo de supervisão. Em grande medida, a eficácia do desempenho dos Escritórios de Ombudsmen e das Comissões de Direitos Humanos depende de terem um status autônomo e bem alicerçado na arquitetura legal da nação.16
O Regulamento da Comissão de Direitos Humanos de Fiji de 1999 foi elaborado para assegurar a independência e eficácia da Comissão ao prescrever atribuições amplas e flexíveis, equipando a Comissão com poderes extensos e atendendo à sua necessidade de contar com verbas adequadas. Dentro dessa moldura legal, a Comissão de Direitos Humanos de Fiji tem a atribuição de proteger e promover os direitos humanos de todas as pessoas nas Ilhas Fiji, seguindo os Princípios de Paris. Como mencionado antes, o âmbito total de direitos humanos a serem usufruídos por cada pessoa de Fiji está definido na Carta de Direitos constitucional. A Carta de Direitos é progressista, e cobre um amplo espectro de direitos civis e políticos, além de econômicos, sociais e culturais. Estipula ainda que quaisquer outros direitos e liberdades consistentes conferidos pela lei ordinária e consuetudinária – mesmo que não constem expressamente na Carta de Direitos – também devem ser protegidos. Assim, a Comissão está obrigada a proteger e promover um amplo leque de direitos humanos. O Regulamento de 1999 atribui poderes reativos e proativos à Comissão – o que, de novo, é um precedente legal muito positivo para o estabelecimento de um controle vigilante. A Seção 7 do Regulamento requer que a Comissão promova os direitos humanos de várias maneiras importantes, a saber: realizando declarações públicas sobre as obrigações de direitos humanos do Estado; educando detentores de cargos públicos sobre suas responsabilidades para com direitos humanos, a fim de promover melhor concordância com padrões internacionais; estimulando a ratificação de instrumentos internacionais de direitos humanos; aconselhando o Governo em suas obrigações de se reportar; fazendo recomendações sobre as implicações de qualquer legislação ou política sobre direitos humanos; emitindo linhas de orientação para evitar atos ou práticas que possam ser incompatíveis com esses direitos humanos. No que se refere especificamente à supervisão da polícia e de outros organismos governamentais, a Comissão tem os seguintes poderes proativos:
• convidar e receber representações de membros do público a respeito de qualquer assunto que se refira a direitos humanos;
• averiguar de modo geral quaisquer questões, incluindo qualquer decreto ou lei, ou qualquer procedimento ou prática, seja governamental ou não governmental, se a Comissão julgar que os direitos humanos estão sendo ou podem ser infringidos de alguma maneira;
• investigar acusações de contravenções a direitos humanos e acusações de discriminação injusta, por iniciativa própria ou a partir de queixas de indivíduos, grupos ou instituições, no interesse deles ou de outros;
• solucionar queixas por meio de conciliação e encaminhar queixas não resolvidas aos tribunais para que estes decidam;
• publicar, de tempos em tempos, no interesse público ou no interesse de qualquer pessoa ou departamento, e de qualquer maneira que julgue cabível, relatórios gerais sobre o exercício de suas funções ou sobre qualquer caso ou casos particulares investigados pelo Regulamento.
A Comissão tem assegurada total capacidade de investigação, podendo fazer qualquer indagação que julgue necessária e convocar qualquer pessoa ou solicitar qualquer informação requerida no curso da investigação. Para os propósitos de uma investigação, o Comissário e a Comissão têm os mesmos poderes que um juiz da Alta Corte quanto à produção de documentos, à convocação e ao interrogatório de testemunhas.
Um outro dado importante é que o Regulamento também se destina a assegurar a independência dos funcionários da Comissão. A autoridade nomeada recebe informações de diversas fontes. Os membros da Comissão são nomeados pelo Presidente seguindo conselho do Primeiro-Ministro, após consulta com o Líder da Oposição e a comissão permanente da Casa dos Representantes para assuntos relativos a direitos humanos. A Seção 8 do Regulamento declara especificamente que ao aconselhar o Presidente, o Primeiro-Ministro deve levar em conta não apenas os atributos pessoais dos pretendentes, mas também “seu conhecimento ou sua experiência sobre as diversas questões que provavelmente serão trazidas à Comissão”. Além disso, uma pessoa não está qualificada a ser membro da Comissão se for membro do Parlamento, membro de alguma jurisdição local ou funcionário de algum partido político. Todos os membros da Comissão estão legalmente proibidos de se engajarem ativamente em política ou negócios para obter vantagens pessoais.
A partir de 1999, a Comissão de Direitos Humanos de Fiji recebeu aproximadamente 700 pedidos de assistência, a maioria queixas envolvendo acusações de abuso pela polícia ou por funcionários de presídios.17 A Comissão realizou várias sessões de treinamento com a polícia para difundir o conhecimento sobre direitos humanos dentro da organização. Recentemente, a Comissão lançou um manual para as forças disciplinadas de Fiji (incluindo a polícia) intitulado National Security and Human Rights,18 que fornece orientação geral sobre obrigações legais e questões de responsabilização relevantes para a conduta dos organismos de segurança do país.
A atribuição geral dos escritórios de Ombudsmen na região é investigar queixas de má administração por parte dos órgãos governamentais. Normalmente, esses órgãos têm poderes assegurados pela lei. Os Escritórios de Ombudsmen existentes procuram sempre fazer o melhor possível para cumprir seu papel como organismos de vigilância e de responsabilização do governo, mas eles enfrentam uma aguda escassez de recursos e de conhecimento técnico e, às vezes, também enfrentar a obstrução por parte do governo. Papua Nova Guiné, Fiji, Vanuatu e Ilhas Salomão têm todos um escritório de Ombudsman. Em países como Papua Nova Guiné e Vanuatu, o Ombudsman é o único organismo de controle independente e, portanto, um canal importante para membros do público buscarem responsabilização e reparações.
Em Papua Nova Guiné, a Comissão do Ombudsman inclui tanto o escritório do Ombudsman como o escritório que implementa o Leadership Code (Código de Liderança).19 O recente movimento do Obudsman de Papua Nova Guiné para instalar uma Unidade de Direitos Humanos específica aponta para a tendência dos organismos de Ombudsman a ampliarem sua atribuição tradicional anti-corrupção e contra má-administração para incluir queixas sobre violações de direitos humanos. No papel, o Ombudsman em Papua Nova Guiné, Vanuatu e nas Ilhas Salomão tem poder para iniciar investigações por conta própria e autoridade sobre um amplo espectro de organismos oficiais, além de substanciais poderes de investigação. Em Vanuatu, o Ombudsman pode investigar todos os funcionários públicos, autoridades públicas e departamentos ministeriais, exceto o Presidente da República, a Comissão de Serviço Judicial, a Suprema Corte e outros órgãos judiciais. As disposições constitucionais permitem que as inquisições sejam iniciadas a critério do Ombudsman, a partir do recebimento de uma queixa individual, ou por requisição de um ministro, membro do Parlamento, do Conselho Nacional de Chefes ou de um conselho local de governo. O Ombudsman tem toda autoridade para pedir a qualquer Ministro, funcionário público, administrador e autoridade concernente que forneça qualquer informação ou documento relacionado com uma inquirição. O Ombudsman das Ilhas Salomão tem o mesmo poder de intimar que um magistrado. Em Papua Nova Guiné, o Escritório pode apontar deficiências na lei e contestar decisões oficiais.
A lei também limita os poderes do Ombudsman de algumas formas. Por exemplo, a Comissão do Ombudsman de Papua Nova Guiné não pode inquirir sobre a “legitimidade” das decisões do National Executive Council (NEC),20 da política ministerial ou das decisões dos tribunais.21 O NEC é o órgão responsável pela indicação do Comissário de Polícia, e o único órgão externo de fiscalização do governo, o Ombusdman é impedido de questionar esta decisão. Em todos esses países, o Ombudsman não tem poderes de fazer cumprir suas recomendações, embora em Vanuatu o Escritório possa submeter relatórios especiais ao Parlamento a respeito de ações tomadas a partir de suas averiguações. A função de fiscalização do Ombudsman também é obstaculizada por uma severa falta de recursos, recursos financeiros, de pessoal, de infra-estrutura e de conhecimento técnico. Essa falha de recursos atinge particularmente o Ombudsman e a comissão do Código de Liderança das Ilhas Salomão e os Escritórios de Ombudsmen de Fiji e Samoa.22 A falta de competência investigativa, de capacidade legal ou de recursos pessoais faz com que a maioria dos Escritórios de Ombudsmen não consiga lidar com sua carga de trabalho. A limitada capacidade operacional também pode impedir uma supervisão independente. O Ombudsman das Ilhas Salomão ficou extremamente incapacitado quando passou a ser administrado pelo Escritório do Primeiro-Ministro. Depois de repetidos apelos, todos ignorados, feitos ao Escritório do Primeiro-Ministro para conseguir um espaço à parte, o Ombudsman das Ilhas Salomão fechou seu próprio escritório durante a maior parte de 2003. Nessa época, havia um grande lote de casos encalhados datando de 1999. Em 2004, a Transparência Internacional comentou: “atualmente as comissões do Código de Liderança e do Serviço Público e o escritório do Ombudsman estão todos administrativamente dentro do Escritório do Primeiro-Ministro. Isso os deixa extremamente expostos a pressões políticas, tanto pressões diretas e imediatas, quanto pressões indiretas como a pressão relativa a recursos que lhes foi aplicada durante anos”. 23
Sendo um cargo radicalmente individualista nesses países, a eficácia do Ombudsman com freqüência depende da sua “personalidade”. O primeiro Ombudsman de Vanuatu, Marie Noelle Ferrieux-Patterson despertou imensa confiança do público por sua acirrada campanha contra a corrupção, apesar da forte oposição inicial que sofreu. Durante sua gestão, o Escritório do Ombudsman não só publicou vigorosamente relatórios públicos, como usou idéias inovadoras para assegurar que eles fossem amplamente divulgados. Como os níveis de leitura de Vanuatu eram de 50-60%, o Escritório do Ombudsman usou o rádio e pronunciamentos públicos para disseminar a informação contida nos relatórios publicados. Desde 1996, a emissão de cada novo relatório público foi seguida por um comunicado de imprensa e por uma entrevista na Rádio Vanuatu com os funcionários implicados no relatório. Ela também iniciou campanhas pelo rádio contra a violência doméstica estimulando as mulheres a dar queixa dos incidentes à polícia e também a relatar à polícia quando houvesse inação por parte do Escritório do Ombudsman. Num relatório de 1997, ela criticou a polícia por sua incompetência e por fazer pouco, e tarde demais. Esse relatório revelou negligência persistente, indisciplina, arrogância e ignorância de deveres legais por parte de membros de todas os níveis hierárquicos da polícia. Apesar de seu bom trabalho e do apoio público, o governo se recusou a renovar seu contrato em 1999. Depois que o sucessor dela concluiu seu mandato em agosto de 2004, o governo levou mais de oito meses para preencher a vaga para o único organismo externo de controle do país.
Em uma experiência bem diversa, o Ombudsman nas Ilhas Salomão não produziu nenhum relatório anual entre 1991 e 1995, embora o escritório tenha recebido queixas. Escritórios de Ombudsmen também ficam às vezes sobrecarregados de questões administrativas, o que representa menos tempo e recursos para despender em queixas contra a polícia. Nas Ilhas Salomão, estima-se que 60% dos 8.062 casos tratados pelo escritório do Ombudsman desde sua criação em 1981 foram trazidos por funcionários públicos na forma de queixas no emprego e nas relações no local de trabalho, dentro do serviço público.24 Na prática, a maioria das queixas vem dos próprios funcionários públicos. Embora isto seja um passo positivo para eliminar a corrupção endêmica enraizada nas maioria dos governos do Pacífico, também faz com que o Ombudsman desvie sua atenção do controle de organismos como a polícia, cuja supervisão está sendo crescentemente relegada a doadores externos, em substituição aos organismos nacionais.
É encorajador que muitos governos do Pacífico reconheçam a necessidade de um organismo civil externo, independente, mesmo que não funcionem como deveriam. A existência de órgãos desse tipo, com a atribuição de desenvolver investigações autônomas sobre acusações de abuso policial, pode sinalizar que a polícia será alvo de responsabilização por má conduta. Fica claro que uma atribuição bem definida e legalmente ampla é importante para consolidar a independência e os poderes de um órgão de supervisão eficaz. No entanto, o fator mais essencial é a necessária vontade política para promover de fato uma reforma, e a firme liderança tanto da polícia como dos órgãos de controle para construir um sistema policial responsabilizável e sensível.
Claramente, o policiamento na Commonwealth no Pacífico não pode ser visto isoladamente do contexto mais amplo, político, econômico e social, de cada país. A complexidade dos problemas de instabilidade política, a violência crônica, o crime e o antagonismo social causam todos eles impacto no policiamento. Em alguns casos, esse efeito combinado levou a sérios colapsos no policiamento e exigiu intervenção externa para restaurar a paz e o clima de segurança.
Felizmente, a reforma da polícia chegou ao Pacífico, e muitos governos têm demonstrado seu comprometimento colocando em marcha iniciativas de reforma, seja por meio de estratégias domésticas, seja por meio da assistência de patrocinadores internacionais. Esses são movimentos extremamente encorajadores no sentido de se estabelecerem elementos de policiamento democrático. No entanto ainda há muito trabalho a ser feito para consolidar a prática do policiamento democrático na Commonwealth dos países do Pacífico.
A fim de conseguir um verdadeiro policiamento democrático na prática, os mecanismos de responsabilização deverão ser implantados dentro das estruturas legais e policiais. A reforma não será duradoura se não forem estabelecidas novas instituições de responsabilização novas e independentes. Também não será duradoura se deixar de consolidar os valores e processos do policiamento democrático, além de procedimentos internos de responsabilização revigorados. Com o necessário esforço e vontade, e usando o momentum atual para avançar, o policiamento democrático pode tornar-se uma realidade para os cidadãos da Commonwealth no Pacífico.
1. Este trecho foi adaptado de D. Bayley, Democratising the Police Abroad: What to Do and How to Do It, National Institute of Justice, US Department of Justice, Washington, 2001, pp. 11-15; Bruce D. & Neild R., The police that we want: a handbook for oversight of police in South Africa, Center for Study of Violence and Reconciliation, Johannesburg e Open Society Justice Initiative, Nova York, 2004 e C. E. Stone & H. H. Ward , Democratic policing: a framework for action, Policing and Society, vol. 10, número 1, 2000, p. 36.
2. Tonga Police Act, Seção 9.
3. Nauru é o único país da Comunidade do Pacífico que assinou tanto o Convênio Internacional sobre Direitos Civis e Políticos como a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis. As Ilhas Salomão são o único país do Pacífico signatário do Convênio Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres foi assinada por Fiji, Vanuatu, Kiribati, Papua Nova Guiné, Samoa, Ilhas Salomão e Tuvalu – ficaram de fora Tonga e Nauru. Fiji, Papua Nova Guiné, Nauru, Ilhas Salomão e Tonga assinaram a Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação racial.Embora Fiji não tenha assinado muitos dos principais tratados internacionais sobre direitos humanos, a sua Carta de Direitos doméstica permite a aplicação de convenções internacionais de direitos humanos quando relevante, e talvez sem ratificação.
4. Lei que rege a ação policial em Vanuatu, Seção 59 (1).
5. Lei que rege a ação policial em Vanuatu, Seção 62 (1).
6. Lei que rege a ação policial em Papua Nova Guiné, intitulada Dealing with minor offences, Seção 21(1) afirma: “Where the Commissioner, or a disciplinary officer, has reason to believe that a member of lesser rank has committed a disciplinary offence which, in the opinion of the Commissioner or that officer, could properly be dealt with under this section […]” (“Quando o Comissário, ou um membro disciplinador, tem razões para acreditar que um membro mais baixo na hierarquia cometeu uma falta disciplinar que, na opinião do Comissário ou deste membro, possa ser adequadamente tratada sob esta seção…”) e Dealing with serious offences, Seção 23(1) declara “where there is reason to believe that a member of the Force has committed a disciplinary offence other than an offence that is or is intended to be dealt with as a minor offence, it shall be dealt with as a serious offence” (“quando houver razões para acreditar que um membro da Força cometeu uma falta disciplinar diferente de uma falta que seja ou pretenda ser tratada como uma falta menor, ela deve ser tratada como uma falta grave”).
7. Lei que rege a ação policial em Fiji, Seção 32 A (a).
8. Lei que rege a ação policial em Fiji, Seção 32 A (b).
9. Lei que rege a ação policial em Kiribati, Seção 8; Lei que rege a ação policial em Vanuatu, Seção 5; Lei que rege a ação policial nas Ilhas Salomão, Seção 6; Lei que rege a ação policial em Fiji, Seção 6.
10. Transparency International, National Integrity Systems 2003: Papua New Guinea, p. 27.
11. Police Service Administration Act 1990 (Lei administrativa sobre o serviço policial de 1990), Queensland, Austrália, Seção 4.2 (1).
12. Nas Ilhas Salomão, era o Criminal Investigation Department (CID) que previamente lidava com todas as acusações de corrupção por membros da polícia. Durante o prolongado conflito interno que radicalmente criou facções dentro da força policial, o CID foi totalmente tendencioso e incapaz em seu trabalho. O CID foi remodelado e virou a Professional Standards Unit, fundada em 1998 no seio da polícia. Esta unidade investiga queixas e acusações e recomenda ações disciplinares a serem tomadas pelo Comissário de Polícia ou por membros superiores, ou ainda pela Police and Prison Services Commission (Comissão de Serviços Prisionais e Policiais). A Polícia de Fiji também tem uma Professional Standards Unit, e em Papua Nova Guiné há um departamento de Assuntos Internos que investiga tiroteios policiais e recebe queixas do público.
13. Governo de Papua Nova Guiné e Institute of National Affairs, Report of the Royal Papua New Guinea Constabulary Administrative Review, 2004, p. 78
14. S. Dinnen, “Building Bridges: Law and Justice Reform in Papua New Guinea”, State, Society and Governance in Melanesia, Discussion Paper 02/2, Canberra, 2002.
15. Organização das Nações Unidas, Princípios relacionados com o status de instituições de promoção e proteção dos direitos humanos (Princípios de Paris),1993: <http://www.ohchr.org/english/law/parisprinciples.htm>, acesso em 10 de março de 2006.
16. Segundo os Princípios de Paris, sua eficácia também dependerá da amplitude e clareza de suas atribuições, da abrangência de seus poderes de investigação, da composição e competência de sua liderança e staff, e da adequação e fontes de financiamento.
17. United States of America, Bureau of Democracy, Human Rights and Labour , Country Reports on Human Rights Practices 2002: Fiji, United States Department of State, 2003.
18. Fiji Human Rights Commission , National Security and Human Rights Handbook, 2003, disponível em <http://www.humanrights.org.fj/pdf/inside_pages_changes.pdf>, acesso em 10 de março de 2006.
19. O Leadership Code é uma ferramenta anticorrupção implantada para monitorar a riqueza e os bens de figuras públicas, que obriga particularmente os líderes do serviço público a apresentarem um relatório anual a uma comissão delegada do Leadership Code detalhando fontes de rendimentos e uma declaração de bens. Este é um instrumento de responsabilização particular dos países do Pacífico e é imensamente relevante para a corrupção endêmica nos círculos do poder da maioria dos países da região. Em geral, os chefes da polícia enquadram-se na definição de líder.
20. Lei que rege a ação policial em Papua Nova Guiné, Seção 219 (3).
21. Lei que rege a ação policial em Papua Nova Guiné, Seção 219 (5).
22. Centre for Democratic Institutions and Tony Regan of the State, Society and Governance in Melanesia Project, Evaluation of the Accountability and Corruption in Melanesia Workshop, p. 1.
23. Transparency International, National Integrity Systems: Solomon Islands, 2004, p. 11.
24. Ibid., p. 24.