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Direitos humanos sob ataque11. Esta é uma versão editada de um artigo que foi publicado pela primeira vez em The Journal of Human Rights Practice, que, por sua vez, foi baseado em uma palestra pública dada na London School of Economics em 8 de dezembro de 2017.

Philip Alston

Como reagir à ameaça populista que os direitos humanos enfrentam

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RESUMO

Não há dúvidas que o movimento de direitos humanos está vivenciando desafios sem precedentes. Neste artigo, Philip Alston aborda como o movimento precisa responder para sobreviver. Em primeiro lugar, Philip destaca a importância de manter a perspectiva, nos lembrando que a defesa dos direitos humanos nunca foi fácil. Ele aponta também que devemos reconhecer que esta é uma empreitada a longo prazo e que não desaparecerá depois que Trump deixar o cargo e que, de modo crucial, o movimento precisa desenvolver introspecção e abertura para se adaptar. Philip então apresenta cinco questões chave sobre o que ele acredita que o movimento deve abordar nos próximos anos: a ameaça populista à democracia; o papel da sociedade civil; a desigualdade e exclusão; o enfraquecimento do direito internacional e a fragilidade das instituições internacionais. Por fim, Alston sugere uma série de estratégias que as organizações de direitos humanos precisam adotar para responder a esta nova realidade. Ele conclui dizendo que tudo isso deve ser feito urgentemente. A hora de agir é agora.

Palavras-Chave

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O movimento de direitos humanos, como o conhecemos, não existe mais.

Os desafios que o movimento de direitos humanos enfrenta na atualidade são fundamentalmente diferentes de muito do que aconteceu antes. Isso não significa “o fim dos direitos humanos”.22. Stephen Hopgood, The Endtimes of Human Rights (Ithaca: Cornell University Press, 2013). No entanto, significa que os defensores de direitos humanos precisam repensar de modo urgente diversos de seus pressupostos, reavaliar suas estratégias e ampliar seu alcance, sem abandonar princípios básicos.

Esses desafios podem ser vistos de maneira bastante clara na eleição de Donald Trump, que tem consistentemente defendido medidas que revogariam liberdades civis para cidadãos americanos e pessoas sem cidadania. Quase todas as nomeações de alto escalão que Trump fez foram de pessoas do espectro político da extrema-direita com total falta de especialização para assumir as pastas em questão. E embora os detalhes mais específicos das políticas de direitos humanos do Presidente Trump ainda não tenham sido elaborados, há uma fundamental antipatia e inclusive hostilidade sobre o tema. Além de Trump, um número cada vez mais diversificado de governos manifestaram o desejo de retroceder os principais pilares do regime internacional de direitos humanos. E embora sempre tenham existido coalizões de entusiastas a retrocessos, no passado eles se deparavam ao menos com uma reação contrária dos Estados Unidos da América (EUA) e outros governos ocidentais e latinoamericanos. A perspectiva de uma reação contrária eficaz no futuro está se desvanecendo diante de nossos olhos.

Para reagir a isso, precisamos nos lembrar de três pontos chave. Primeiro, precisamos manter a perspectiva, apesar da magnitude dos desafios. Defender direitos humanos nunca foi um projeto consensual e quase sempre foi resultado de dificuldades. Em segundo lugar, este é o início de um esforço a longo prazo que não acabará em quatro anos. E, por último, o movimento de direitos humanos precisa desenvolver um senso de introspecção e abertura. Historicamente, o movimento não responde bem a críticas.

Olhando para o futuro, há diversas questões que vão exigir a nossa atenção nos próximos anos, mas cinco serão chave. A primeira é a ameaça populista à democracia. Grande parte do problema está ligada às preocupações de segurança da era pós 11 de setembro, que se traduziu em medo ou ódio real ou construído contra estrangeiros ou minorias. Essas preocupações têm sido exploradas por governos de diferentes vertentes para justificar enormes barganhas. Por exemplo, que a segurança só pode ser alcançada restringindo a liberdade de movimento, privacidade, normas de não discriminação ou mesmo garantias de integridade pessoal.

A segunda questão chave é o papel da sociedade civil e como, ao invés da ideia de “redução do espaço da sociedade civil”, a realidade é que o espaço já se fechou em diversos países. Na minha posição de Relator Especial das Nações Unidas para pobreza extrema e direitos humanos, tenho presenciado isso em primeira mão nas visitas a países, como Mauritânia e China, enquanto que outros países são excelentes aprendizes neste assunto. Recentemente, o Egito aprovou uma lei que limita a atividade de organizações não-governamentais (ONGs) no serviço social e de desenvolvimento e proíbe todas ONGs de cooperarem de qualquer forma com qualquer órgão internacional sem a aprovação governamental.

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A terceira questão é a relação entre desigualdade e exclusão. O populismo é impulsionado em parte pelo medo e ressentimento. Na medida em que as políticas econômicas são, portanto, fundamentais, é digno de nota que, , a tendência dominante no trabalho de defesa de direitos humanos aborda questões de direitos econômicos e sociais de uma forma simbólica, melhor das hipóteses, e a questão da desigualdade quase nunca é abordada.33. Para um relatório sobre a relação entre pobreza extrema e extrema desigualdade, ver United Nations, Report of the Special Rapporteur on Extreme Poverty and Human Rights, Philip Alston, UN Doc. A/HRC/29/31 (26 maio 2015), disponível em http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/RegularSessions/Session29/Documents/A_HRC_29_31_en.doc. Do mesmo modo, o foco da corrente dominante do trabalho de defesa de direitos humanos favor é voltado para indivíduos marginalizados e oprimidos e grupos minoritários. No entanto, a maioria na sociedade sente que não tem participação neste tipo de movimento de direitos humanos e que as organizações de direitos humanos estão trabalhando apenas para “solicitantes de asilo”, “criminosos” e “terroristas”. Um enfoque renovado sobre direitos sociais e a diminuição da desigualdade deve integrar uma nova agenda de direitos humanos. Levar em conta as preocupações e, na verdade, os direitos humanos daqueles que são impactados negativamente por causa daquilo que vagamente nomeamos de mudança econômica impulsionada pela globalização é fundamental para garantir o sucesso do movimento.

A quarta questão é o enfraquecimento do Estado de Direito internacional, especificamente, o enfraquecimento sistemático das regras que regem o uso internacional da força pelos países ocidentais. Os Estados Unidos e os aliados que sempre os apoiam e nunca os questionam, como o Reino Unido e a Austrália, e seus incessantes esforços em justificar assassinatos seletivos e outras ações controversas, agora estão colhendo os frutos que em grande medida merecem. Esses países não estão mais em condições de virar e dizer que algumas das táticas utilizadas por outros países violam as normas internacionais. Também ocorreu um colapso preocupante em relação aos princípios de direito internacional humanitário. Ataques sistemáticos dirigidos contra instalações médicas, nas operações dos Médicos Sem Fronteiras e outras organizações humanitárias são comuns e escassamente comentadas. Numa pesquisa de opinião de 2016 realizada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, apenas 30% dos entrevistados estadunidenses consideraram inaceitável torturar um combatente inimigo capturado “para obter informações militares importantes”. Na mesma pesquisa feita em 1999, a cifra havia sido de 65%. Na Nigéria, 70% dos entrevistados apoiaram tal tipo de tortura e em Israel 50%.44. “People on War: Perspectives from 16 Countries,” International Committee of the Red Cross (ICRC), 2016, acesso em 21 mai. 2017, https://www.icrc.org/en/document/people-on-war.

A quinta e última questão se refere à fragilidade das instituições internacionais. O Tribunal Penal Internacional está sob contínuo ataque com diversos Estados africanos anunciando que planejam sair. E o anúncio feito pelo Ministério Público de que está investigando ativamente as atividades da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) e outras forças de segurança no Afeganistão e em países relacionados dificilmente fará com que o governo Trump tenha estima pelo Tribunal. Enquanto isso, o Conselho de Direitos Humanos tem funcionado de forma surpreendentemente imparcial nos últimos anos. No entanto, o novo populismo certamente mudará essa dinâmica e a China e a Rússia deixaram claro que estão prontas para introduzir ou reintroduzir grandes “reformas” no Conselho, uma perspectiva que dificilmente é motivo de alegria. Do mesmo modo, o Reino Unido e diversos Estados têm um decrescente apreço pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, enquanto a Rússia e a Turquia são praticamente indiferentes ao mesmo. Do outro lado do Atlântico, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos anunciou, em meados de 2016, que teria que despedir 40% de seus funcionários, situação que foi evitada por pouco devido a novas contribuições de última hora. Mas não há certeza de que esta operação de resgate será sustentável no futuro e é importante destacar que os EUA têm historicamente desempenhado um papel desproporcional no financiamento do trabalho da Comissão. E, por último, em termos institucionais, a redução dos orçamentos de assistência ao desenvolvimento, que é um processo em andamento, provavelmente será acelerada nos próximos anos, ameaçando ainda mais essas instituições.

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Então, que tipo de estratégias a comunidade de direitos humanos precisa começar a considerar em reação às circunstâncias fundamentalmente novas que estamos enfrentando na atualidade?

  1. Parcerias locais/internacionais. Precisamos refletir sobre a melhor forma de assegurar parcerias eficazes entre movimentos de direitos humanos internacionais e locais. As grandes ONG ainda não conseguiram atingir o equilíbrio adequado. As atividades das ONGs internacionais devem ter menos caráter extrativo (extrair informações e partir) e, ao invés disso, se concentrar mais em construir ou complementar a capacidade local. Haverá momentos em que apenas organizações internacionais conseguirão atuar de modo eficaz, mas também haverá situações em que somente o trabalho internacional de advocacy será ineficaz e, talvez, contraproducente.
  2. A questão econômica dos direitos. Direitos econômicos e sociais têm que ser uma parte importante e legítima da agenda internacional. Uma proporção surpreendentemente pequena de ONGs que se auto denominam de direitos humanos faz bastante em termos de direitos econômicos e sociais.55. Nações Unidas, Report of the Special Rapporteur on Extreme Poverty and Human Rights, Philip Alston, on the Marginality of Economic and Social Rights, UN Doc. A/HRC/32/31 (28 abr. 2016), disponível em http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/RegularSessions/Session32/Documents/A_HRC_32_31_AEV.docx. Argumenta-se que, caso as pessoas gozem de liberdades políticas, poderão defender seus direitos sociais. Mas o gozo dos direitos civis nem sempre traz direitos sociais. Precisamos começar a insistir que o repertório de direitos humanos inclui – de modo igual – ambas categorias de direitos. As organizações de direitos humanos precisam refletir sobre as formas de contribuir de modo construtivo para ambos lados da agenda. Elas permanecem essencialmente incompreendidas pela grande maioria dos governos e, inclusive, pela maioria dos ativistas de direitos humanos. Os direitos são misturados ou confundidos com desenvolvimento ou alívio da pobreza. Mas os proponentes de direitos econômicos e sociais não deveriam focar sua atenção inicialmente, por exemplo, em garantir que todos tenham acesso imediato a todos tipos de serviços de saúde. Ao invés disso, temos que começar construindo um arcabouço adequado de direitos humanos. Isso envolve os mesmos três elementos de uma campanha contra a tortura: reconhecimento, fortalecimento institucional e prestação de contas.66. Este arcabouço é desenvolvido em detalhe em, ibid.
  3. Ampliar a base. A comunidade de direitos humanos precisa começar a expandir seus horizontes no sentido de pensar com quais outros atores é possível trabalhar. Precisamos iniciar uma conversa mais ampla com as grandes corporações sobre se um futuro autoritário, anti direitos humanos e contra o bem-estar social é realmente do interesse delas. As grandes corporações e nós também, precisamos começar a pensar onde, como e quando elas podem legítima e construtivamente se opor a políticas que cruzam determinados limites e como elas podem usar sua influência e poder para defender uma abordagem mais favorável aos direitos humanos. E não apenas as corporações. Precisamos começar a pensar de forma mais criativa sobre outros aliados em potencial com os quais o movimento de direitos humanos pode cooperar.
  4. Persuasão. Precisamos reconhecer a necessidade de empregar mais tempo e dedicação em sermos persuasivos e convincentes, ao invés de simplesmente anunciar nossos princípios como se fossem corretos e aplicáveis de modo autoevidente. Temos que dar um passo atrás da prepotência que, às vezes, se manifesta. Nos orgulhamos, às vezes de forma justa e inevitável, por sermos intransigentes e receamos que, se fizermos quaisquer concessões ao longo do caminho, estaremos negociando os fundamentos dos direitos humanos. No entanto, usando as palavras de José Zalaquett, devemos ter “a coragem de renunciar à justiça fácil, aprender a viver com restrições da vida real, mas, no entanto, buscar promover os valores mais importantes no dia a dia na medida do possível. De modo implacável. De forma responsável.” 77. José Zalaquett, “Balancing Ethical Imperatives and Political Constraints: The Dilemma of New Democracies Confronting Past Human Rights Violations,” (The Mathew O. Tobriner Memorial Lecture), Hastings Law Journal 43, no. 6 (1992): 1425.
  5. O papel dos acadêmicos. Que papel os acadêmicos têm em tudo isso? Como professores, como pesquisadores, como figuras públicas, temos obrigações com nossos alunos e leitores. Virou moda, especialmente nas universidades de elite do Ocidente, menosprezar os direitos humanos, exacerbando as incontestáveis lacunas das normas e instituições internacionais de direitos humanos. Em diversas faculdades de direito que visitei, encontrei alunos que se tornaram profundamente desiludidos ou céticos porque ensinaram a eles que a empreitada dos direitos humanos é, em grande parte uma ilusão, que não é algo que realmente deveriam investir seu tempo em e que não tem futuro. É nossa responsabilidade sugerir estratégias alternativas e assegurar que os alunos estejam conscientes que existem bem mais do que somente lacunas.
  6. O que cada um de nós pode fazer? Um elemento fundamental para responder aos populistas e autocratas é que cada um de nós reflita cuidadosamente sobre as contribuições que podemos oferecer. Todos nós podemos defender os direitos humanos, mas cada um de seu modo. A simples questão é que cada um de nós está em condição de fazer a diferença se quisermos. O desânimo ou sentimento de derrota não é a resposta, porque há sempre algo que podemos fazer. Pode ser um gesto ínfimo no panorama geral das coisas, mas faz a diferença. Pode apenas ser uma contribuição financeira. Agora é a hora de contribuir para organizações e defensores de direitos humanos de maneiras que não fizemos no passado. É extremamente fundamental para nós fortalecermos as organizações que trabalham na linha de frente que estarão melhor posicionadas para se erguer e defender os direitos humanos contra ameaças colocadas pelo novo populismo.

Não podemos esperar, precisamos começar a agir. Temos que fazer tudo o que pudermos para fortalecer o respeito pelos direitos humanos internacionais. Precisamos nos comprometer com os princípios em nossas próprias vidas, em nossas próprias áreas. Vamos precisar operar de uma forma muito mais criativa, tanto em termos internacionais como locais. Haverá uma relação complexa entre estes dois níveis, mas há sempre lugares onde podemos fazer a diferença. Estes são tempos extremamente perigosos, sem precedentes na minha vida. Mesmo durante a maior parte da Guerra Fria havia um certo grau de certeza, mas, atualmente, perdemos bastante daquilo e quase tudo parece possível. A reação realmente cabe a nós.

Philip Alston - EUA

Philip Alston é professor de direito internacional, direito penal internacional e de diversos temas de direitos humanos da New York University. Philip é formado em direito e economia pela University of Melbourne e é doutor em Direito pela University of Berkeley. Já lecionou no European University Institute, Australian National University, Harvard Law School e Fletcher School of Law and Diplomacy. Philip foi um dos fundadores da sociedade europeia, australiana e neozelandesa de direito internacional e, de 1996 a 2007, foi editor-chefe da European Journal of International Law. Ele possui vários cargos internacionais. Mais recentemente, Philip foi nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) como Relator Especial para pobreza extrema e direitos humanos. De 2004 a 2010, foi Relator Especial da ONU sobre execuções extrajudiciais. Philip é membro do conselho consultivo da Sur - Revista Internacional de Direitos Humanos.

Recebido em março de 2017.

Original em inglês. Traduzido por Fernando Sciré.