Entendendo seus componentes econômico, social e cultural como fatores de desenvolvimento para os povos indígenas
Este artigo tem por objetivo evidenciar os valores e significados atribuídos à água, sob o enfoque de três componentes – econômico, social e cultural – com ênfase na especial relação entre os povos indígenas e este recurso natural. A análise se desenvolve considerando que, por se encontrarem em uma situação de vulnerabilidade nas sociedades atuais, tais povos constatam que as abordagens oficiais não necessariamente respeitam seus respectivos modos de vida e suas concepções de mundo, limitando sua própria liberdade como grupos distintos e ameaçando o gozo de seus direitos. Serão estudadas três formas diferenciadas de gestão dos recursos hídricos em relação a seus efeitos sobre os direitos dos povos indígenas. Esta análise contribuirá para a observação da necessidade de abordar o direito à água de modo integral, tendo em vista o uso sustentável e eficiente dos recursos e respeitando as particularidades que surgem dentre os povos indígenas.
Aqua Vitae – estas duas palavras resumem o valor fundamental de um dos elementos naturais mais importantes para a humanidade através dos tempos: a água. Esse recurso transcende sua sucinta composição química para representar o suporte básico para a sobrevivência e o desenvolvimento da pessoa humana, não apenas sob a perspectiva biológica e orgânica, mas, também, como parte de sua história, cosmovisão e essência.
A água possibilitou sustentar o desenvolvimento das primeiras comunidades humanas, que se estabeleceram às margens de fontes hídricas, principalmente com o advento da agricultura. Além de servir como hidrovia e rede de comunicação, a água possibilitou a expansão do horizonte do ser humano e a realização de trocas comerciais, bem como o compartilhamento e a disseminação de conhecimentos (junto com culturas, línguas e práticas) durante séculos.
A água também é necessária para o desenvolvimento de diversas atividades produtivas, como a pesca, o turismo, a mineração, a tecelagem, a refinação etc. Ela serve, ainda, como geradora de energia, por meio da construção de represas e hidrelétricas.
O conteúdo místico, senão sagrado, atribuído a esse elemento natural em diversas culturas confere-lhe tamanha riqueza espiritual que, muitas vezes, deixa de representar um mero simbolismo para se estabelecer no nível mais íntimo dos sentimentos e das crenças dos diferentes grupos humanos. Assim, por exemplo, no Peru, principalmente na serra, celebra-se a chamada “Yarqa Aspi”ou “Apu yaku pagapuy”, ou seja, a “festa da água”. O culto à água na cultura andina manteve-se através dos tempos e manifesta-se por meio de oferendas, rituais, cânticos, fainas e bailes nos quais as pessoas prestam homenagem e oram pela fertilidade da terra e pela chegada das chuvas. A presença da água marca os povos e está intimamente relacionada à sua visão de mundo, às suas relações interpessoais e comunitárias. Segundo Ossio Acuña, em estudo sobre a população de Andamarca, na região de Ayacucho, a festa da água se manifesta como um ritual de fertilidade no qual a água proveniente das alturas fecunda a “mãe terra” por meio dos canais de irrigação. De acordo com o autor, há uma conjunção de opostos complementares, que é a forma andina de expressar a recriação da ordem social que se reflete em valores observados na festa, como a fertilidade e a unidade (OSSIO ACUÑA, 1992, p. 312 y 315).
Por outro lado, a expansão das atividades econômicas e o crescimento demográfico pressionam constantemente os ecossistemas das águas costeiras, dos rios, dos lagos, dos pântanos e dos aquíferos. O uso desse recurso torna-se complexo, uma vez que, de acordo com a atividade ou necessidade a que se destina e a forma na qual é utilizado, pode-se gerar disputas e hostilidades sociais, levando a conflitos de vários tipos e graus, dependendo das situações e dos contextos.
Desse modo, o valor estratégico que a água adquire, sob um ponto de vista econômico, social ou cultural, torna-a um elemento potencialmente gerador de conflitos, muitas vezes com uso de violência e efeitos sobre os direitos e as liberdades fundamentais. Trata-se de uma situação na qual os diferentes agentes competem pelo controle, acesso, usufruto ou posse de alguma das qualidades da água, como quantidade, qualidade e disponibilidade, entre outras (PEREYRA, 2008, p. 85). A isso deve-se somar a complexidade de sua administração e as consequências dela decorrentes. Por ser um elemento que flui e atravessa diversos territórios e que é usado para diversas atividades, a água pode afetar ou prejudicar populações inteiras.
Visto dessa forma, pode-se dizer que esse recurso natural é temporal, espacial e funcionalmente transversal à vida das pessoas desde tempos imemoriais e que envolve diferentes facetas. Por isso, não seria exagero dizer que a água nos serve como princípio e fim e que adquire tamanha importância porque o futuro da pessoa humana depende, em grande medida, das ações tomadas em relação a esse recurso. De fato, nos últimos anos passou-se a reconhecer as implicações do acesso e uso da água como base para um nível de vida digno, observando-se avanços e tendências em sua configuração como um direito humano.1
A vantagem de se abordar a problemática do acesso e do uso da água em geral, e os sistemas próprios das comunidades indígenas em particular, a partir de um enfoque de direitos humanos2é que isso possibilita aceitar a existência de um direito à água inerente ao ser humano, não só para a formulação e implementação de políticas públicas relacionadas à água, como também para transformar a diversidade de conflitos e armadilhas em situações jurídicas que possibilitem a proteção, o respeito e a obrigatoriedade do direito, tanto em nível internacional como no âmbito da jurisdição nacional dos diversos Estados.
Os direitos humanos, como categorias positivas, concretizam normativamente e garantem segurança jurídica aos valores inerentes à pessoa humana e resultam das ideias predominantes no momento, das relações de poder existentes e das condições que exijam seu reconhecimento como base para uma vida digna. Nesse sentido, os direitos humanos podem ser definidos como os que têm todo indivíduo frente aos órgãos do Estado para preservar sua dignidade como ser humano, não apenas excluindo a atuação do Estado em esferas específicas da vida como também assegurando determinadas ações que refletem condições para uma vida digna.
A esse respeito, nas últimas décadas, foi se desenhando a natureza jurídica da agua como um direito humano e foram avançando, no desenvolvimento de seu conteúdo jurídico, as observações gerais do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (CDESC) – em particular a de número 15 – além de documentos oficiais internacionais (como os emitidos pela relatora especial das Nações Unidas para o direito humano à agua e ao saneamento, Catarina de Albuquerque), assim como sentenças internacionais e nacionais ligadas à matéria, entre outros, que nos proporcionam diretrizes para entender seu desenvolvimento.
Embora este artigo não tenha por objetivo aprofundar uma especificidade das variáveis?? econômicas, sociais ou culturais da água, almeja-se oferecer uma abordagem desses conceitos por meio de três sistemas de gestão hídrica, com especial ênfase nos efeitos sobre os povos indígenas. Os sistemas normativos não devem manter-se alheios a esses campos, pois operam em relação a eles e os afetam direta ou indiretamente. Mais ainda quando se trata de um recurso como a água, tão valioso e importante para as sociedades, um direito humano emergente que é essencial ao desenvolvimento do indivíduo.
Neste trabalho, o direito à agua é definido de acordo com a declaração do CDESC:
O direito à água contém tanto liberdades como prerrogativas. As liberdades são o direito a preservar o acesso a um fornecimento de água necessário para exercer o direito à água e o direito a ser livre de interferências, como, por exemplo, a não sofrer cortes arbitrários do fornecimento e à não contaminação dos recursos hídricos. Por sua vez, as prerrogativas abrangem o direito a um sistema de abastecimento e gestão da água que ofereça à população iguais oportunidades de desfrutar do direito à água.
(CDESC, 2002, par. 10)
Nessa linha de raciocínio, entende-se que a água é um recurso vital e estratégico para os seres humanos, seu desenvolvimento, sua integração e sua prosperidade. Isso significa que, necessariamente, a água se apresenta como um bem cuja qualidade é servir como elemento transversal e holístico a diversos aspectos e espaços da vida humana. Em outras palavras, dependendo dos contextos, usos e demandas existentes, o corpo hídrico cumprirá certas funções, as quais gerarão a atribuição de determinados valores. Em virtude disso, o uso desse recurso representará a composição de diferentes espaços interconectados – em especial, econômicos, sociais e culturais – que adquirirão concretude por meio da forma pela qual o Direito os regule e dos fenômenos que se almeje descrever. Por isso, há a necessidade de uma abordagem integral, de acordo com as particularidades que se apresentarem em cada contexto.
Embora, em princípio, os recursos hídricos sejam bens naturais renováveis, ou seja, o processo natural físico-cíclico no qual se produz a água a dotaria de permanência e estabilidade razoáveis, a pressão constante de diversos âmbitos sobre tal recurso torna-o um bem sensível em relação a seu acesso, uso e gestão em nível mundial, não isento de conflitos e justificativas tendenciosas. Nesse sentido, a primeira coisa que se deve manifestar é a relativa escassez de água em termos gerais, que se apresenta porque a água é um recurso finito altamente vulnerável ao seu processo de renovação natural devido à intervenção de diversas atividades humanas. Por ser um bem limitado, é passível de ser valorado economicamente, com a finalidade de satisfazer as diferentes necessidades e os interesses que surgirem. Essa primeira abordagem nos permite afirmar a existência de um valor econômico sobre a água enquanto recurso natural.
O princípio número 4 da Declaração de Dublin3 sobre água e desenvolvimento sustentável contém a seguinte afirmação: “A água tem um valor econômico em todos os seus diversos usos competitivos e deve ser reconhecida como um bem econômico.”4 (CIAMA, 1992, princípio 4). Reconhecer esse componente econômico é um primeiro passo para compreender as implicações geradas em sua regulamentação legal, uma vez que, no momento de decidir os mecanismos de sua atribuição, determina-se o esquema de regras sob as quais esse recurso natural será utilizado.5 Isso incide diretamente na condição da água enquanto direito humano, já que a determinação das prioridades, do destino e do uso do bem limitará ou permitirá, conforme o caso, o gozo efetivo do conteúdo protegido legalmente pelo direito humano à água.
Não obstante o acima exposto, omitir o valor social e cultural que também possui a água na avaliação ou política implementada significaria dar-lhe um tratamento parcial, o que se torna perigoso por conta da confiança irrestrita que se possa dar a um único enfoque, deixando de lado as possíveis consequências e repercussões em outros campos. Por isso, é apropriado ressaltar o que expressa a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) ao mencionar que: “a consideração da água como um bem cultural deve ser entendida como o reconhecimento das diversas dimensões socioculturais da relação das pessoas com a água, como as relativas à identidade, ao patrimônio cultural e ao sentimento de pertença” (UNESCO, 2009, p. 4).
Assim, entendemos que a gestão da água não deve concentrar-se na eficiência econômica, mas, ao contrário, entender seu significado social enquanto elemento estratégico para a vida das pessoas – como ocorre com as implicações ambientais ou o impacto nas relações e estruturas sociais dos próprios povos indígenas, assim como considerar os valores culturais implícitos nela. Isso possibilitará avaliar melhor os efeitos que determinado ato ou omissão estatal tenham sobre tal direito e, portanto, se ele é violado como direito humano.
A seguir, será realizada uma revisão geral de algumas experiências para observar como esses componentes estão entrelaçados e examinar seu particular impacto sobre as comunidades indígenas.
Mostra-se interessante observar o caso do Chile, país conhecido mundialmente por conceder aos indivíduos propriedade privada sobre os direitos de aproveitamento da água. O modelo implementado desde o início dos anos 1980, por meio do Código de Águas, tem se concentrado principalmente na criação de um mercado de águas, em seu fortalecimento por meio do reconhecimento constitucional da propriedade privada sobre a concessão do uso da água, e na consequente limitação da intervenção e do poder regulatório do Estado (DOUROJEANNI y JOURAVLEV, 1999, p. 15-66; DOUROJEANNI y BERRIOS, 1996, p. 6-14; PEÑA, 2004, p. 13-24; DONOSO, 2004, p. 25-48; BAUER, 2002, p. 57-80; GENTES, 2006, p. 255-284).
O argumento apresentado é de que as normas jurídicas devem favorecer as operações dos particulares no mercado, já que este aumenta a eficiência econômica ao destinar o recurso a seus usos mais valiosos por meio de um processo de intercâmbios e transações livres. Isso é viável por meio da informação surgida com os preços de mercado, que facilitam a comparação e a coordenação de dados dispersos (BAUER, 2002, p. 16).6
Em virtude disso, o corpus normativo chileno enfatiza os direitos de propriedade privada sobre os usos da água, com o propósito de criar maior segurança jurídica no sistema. Como o sistema de mercado se inspira nos intercâmbios privados, os direitos de propriedade devem ser exclusivos, individuais e negociáveis para garantir um uso eficiente e o aumento de investimentos. Segerfeldt ilustra da seguinte forma: “A introdução de direitos de propriedade negociáveis e claramente definidos sobre a água não só promove uma maior eficiência, mas faz com que a água chegue onde proporciona o maior benefício econômico, o que gera maior prosperidade.” O autor acrescenta: “Os direitos de propriedade da água têm um efeito muito positivo sobre seu consumo e sua proteção. A possibilidade de comercialização ajuda a obter o maior rendimento possível.” (SEGERFELDT, 2006, p. 54 y 57).
A última parte do inciso 24 do Artigo 19 da Constituição Política chilena dispõe o seguinte: “[…] Os direitos dos particulares sobre as águas, reconhecidos ou constituídos em conformidade com a lei, concederão a seus titulares a propriedade sobre elas.” (CHILE, 2005). A partir desse postulado, o Código de Águas chileno focou-se na geração de um mercado de direitos à água, enfatizando a necessidade de reconhecer direitos de propriedade para garanti-los. Dessa forma, seria alcançada a eficiência em sua atribuição (DOUROJEANNI y BERRIOS, 1996, p. 6; BAUER, 2002, p. 57-80).
Entretanto, é importante notar que, com o Código de Águas de 1981, as águas são originalmente consideradas bens públicos,7 sobre as quais o Estado concede direitos de uso privado. Isso significa que, uma vez concluído o processo de concessão de direitos sobre a água, o efeito da propriedade sobre eles faz com que tal bem se torne exclusivo do titular do direito, optando-se pelo mercado como meio para transferi-lo.
Nessa linha de raciocínio, a liberdade irrestrita no uso da água que esse modelo permite torna possível que os titulares dos direitos possam: “i) utilizá-los ou não e destiná-los às finalidades ou tipos de uso que desejem; ii) transferi-los de forma separada da terra, para utilizá-los em qualquer outro lugar; e iii) comercializá-los por meio de negociações típicas de mercado (vender, arrendar, hipotecar etc.).” (DOUROUJEANNI y JOURAVLEV, 1999, p. 13). Na prática, então, os direitos de aproveitamento concedidos correspondem a plenos direitos de propriedade sobre o recurso.
Pode-se dizer, então, que, com esse modelo, reforça-se e privilegia-se o valor econômico da água, garantindo-se a propriedade sobre ela para sua otimização econômica. De acordo com estudos já realizados, entre as principais consequências que esse tipo de regulamentação gerou no Chile encontram-se a especulação e o monopólio do direito à água – o que distorce os preços mediante controles monopólicos e negociações desiguais –, a presença de um poder privilegiado no mercado de certos particulares titulares de direitos, o uso inadequado ou a falta de uso do recurso, a geração de conflitos, o surgimento de problemas sociais e de efeitos sobre o patrimônio ambiental e cultural, muitas vezes irreversíveis (BOELENS, 2007, p. 59-60; CASTRO, 2007, p. 240-260; GENTES, 2006, p. 255-284; DOUROUJEANNI y JOURAVLEV, 1999, p. 31-62; BAUER, 2002, p. 171-178).
Do acima exposto, deve-se ter em vista que a constituição de direitos à água e a transferência destes no mercado também poderiam gerar efeitos negativos àqueles que não participam da transação por não fazerem parte do intercâmbio privado, assim como efeitos ambientais e na estabilidade social e cultural. Se sob um regime de alocação da água como o descrito não forem considerados os efeitos de determinada transação inter partes ou aqueles ocasionados pelo uso que se faça da água, corre-se o risco de que a sociedade sofra uma perda em seu bem-estar devido aos elevados custos que uma atribuição e um uso inadequados e parciais desse bem natural representariam.
Embora no marco jurídico chileno os direitos indígenas tenham tido certo reconhecimento,8 isso não poderia resolver de forma adequada os conflitos e os danos gerados, tampouco proteger adequadamente tais direitos, basicamente pela denegação da normatividade local indígena em favor da valorização concedida à água como bem meramente econômico. Boelens afirma que:
No Chile […] os estudos empíricos de campo demonstram uma desintegração, especialmente dos sistemas indígenas coletivos: a individualização dos direitos à água aumentou a insegurança e a desorganização […], os direitos à tomada de decisão estão, agora, anexados ao poder econômico de compra dos indivíduos, [aqueles que têm] mais “ações da água” têm mais poder de decisão, o que vai contra os interesses coletivos da gestão nas comunidades indígenas e rurais.
(BOELENS, 2007, p. 59).
Ingo Gentes, por exemplo, em um estudo sobre a interação entre os direitos indígenas à água local e a legislação chilena, conclui: “Os projetos de transferência da água de setores periféricos para centros econômicos ou a livre exploração de águas subterrâneas ignoram fronteiras, costumes, usos e danos socioambientais.” (GENTES, 2006, p. 278). Isso se reflete, por exemplo, no impacto sobre áreas úmidas no Parque Nacional de Lauca pela implementação de políticas de desenvolvimento agrícola sem levar em conta os efeitos sobre os direitos das comunidades aymaras que lá se estabeleceram ou, por outro lado, nos conflitos pelo uso dos recursos hídricos no vale do rio Copiapó, enfrentados pelas comunidades qollas, que também enfrentam problemas de titularidade para acessar suas terras e águas de uso ancestral, o que gera a perda progressiva de seus direitos de aproveitamento das águas e afeta suas atividades de subsistência (GENTES, 2006, p. 264-274).
Além disso, o ex-relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais dos povos indígenas, depois de sua visita oficial ao Chile, observou que:
A problemática do direito à terra complica-se naquilo que se refere ao acesso dos indígenas aos recursos subterrâneos e outros, como a água e os recursos do mar, partes essenciais de sua economia de subsistência e de sua identidade cultural tradicional. As distintas leis setoriais, como o Código de Águas de 1981, apesar de algumas reformas introduzidas, facilitam e protegem a inscrição de direitos de propriedade privada sobre recursos que, tradicionalmente, eram próprios das comunidades indígenas. Assim, por exemplo, na região árida do Norte, o acesso à água é essencial para a vida das comunidades rurais aymaras, atacameñas e quéchuas, mas, com frequência, esse acesso lhes é negado porque o recurso foi apropriado por empresas de mineração. Na costa de Araucanía, inúmeras famílias lafkenche veem ser reduzido seu acesso anteriormente livre a seus tradicionais recursos de pesca e produtos costeiros para a inscrição de extensas áreas de costa em nome de huincas (ou seja, não indígenas), de acordo com o disposto na Lei de Pesca, em detrimento das comunidades mapuches.
(STAVENHAGEN, 2003, par. 26).
Nesse sentido, o Estado chileno recomenda que: “Tanto na lei como na prática, as comunidades indígenas deverão ter acesso privilegiado aos recursos aquíferos e marítimos de que tradicionalmente necessitam para sua própria sobrevivência, acima de interesses comerciais e econômicos privados.” (STAVENHAGEN, 2003, par. 66).
Em que pesem certas abordagens jurisprudenciais,9 a eficácia e o reconhecimento da existência de uma diversidade cultural e de direitos dos povos indígenas veem-se obstruídos pela política dominante e pela preponderância do poder econômico, que invadem a gestão comunitária ancestral, impedindo uma real participação das comunidades na tomada de decisões sobre os recursos hídricos, o que, dessa forma, limita sua autonomia e sua identidade cultural e afeta seu desenvolvimento como povos, além de causar diminuição dos recursos para sua subsistência (BUDDS, 2007, p. 157-174; GENTES, 2007, p. 175-198).
Também é oportuno mencionar a experiência nos estados do oeste dos Estados Unidos, por sua semelhança com o modelo chileno quanto ao uso dos incentivos de mercado para a alocação do recurso. Nesse país, há uma longa experiência com um sistema baseado na troca de direitos à água por meio do mercado. No entanto, nesses estados vige o princípio do uso eficaz e benéfico do recurso, o que significa que, para exercer e manter o direito, os titulares devem fazer um uso que se identifique com e não se oponha ao interesse público (DOUROUJEANNI y BERRIOS, 1996, p. 21).
Douroujeanni e Berrios, citando Gould, afirmam que:
A incorporação do interesse público nas transações que ocorrem no direito à água dos estados do oeste norte-americano é expressa, segundo Gould, na prevenção, por parte da autoridade administrativa das águas, de que os efeitos adversos de um uso (ou não-uso) do recurso recaiam sobre outros usuários. Ela vai além dos danos a terceiros, ainda que, decerto, os englobe. Inclui efeitos indiretos (como o impacto social que poderia ter a realocação de um uso agrícola para um uso de mineração sobre uma comunidade, por exemplo) e efeitos diretos (como os danos ambientais).
(DOUROUJEANNI y BERRIOS, 1996, p. 15).
É importante destacar que nos Estados Unidos há um reconhecimento legal dos direitos à água dos povos indígenas. No entanto, tal reconhecimento, nas palavras de Getches, continua a ser um “modelo imperfeito” e “produziu mais papel que água realmente utilizável por eles [os indígenas]” (GETCHES, 2006, p. 227).
Desde os primórdios da independência, o ordenamiento jurídico norte-americano reconheceu direitos indígenas na elaboração das políticas nacionais do país. No entanto, embora reconhecessem inclusive o direito das comunidades indígenas de ocupar e governar seus territórios, essas políticas procuravam integrá-las e permitiam uma ampla intervenção do Congresso para limitar e extinguir vários de seus direitos. Isso fez com que essas populações fossem fixadas em espaços cada vez menores, denominados reservas, pelo processo de expansão dos colonos (GETCHES, 2006, p. 230).
No entanto, em 1908, foi a Suprema Corte dos Estados Unidos quem emitiu a “doutrina dos direitos reservados à água”, a fim de garantir uma fonte suficiente desse recurso para a viabilidade das reservas onde estavam assentadas as populações indígenas. Essa doutrina foi pronunciada no caso “Winters vs. EUA”, na reserva indígena Fort Belknap, em Montana, que dispôs que as comunidades poderiam utilizar a água necessária para atingir os propósitos para os quais suas reservas foram constituídas. No entanto, a precária situação dessas comunidades as levou a competir com os colonos em clara situação de desvantagem, tanto que estes, apoiados pelo governo federal, construíam represas ou desviavam o curso dos rios, afetando os direitos indígenas (GETCHES, 2006, p. 234). Isso foi relatado pela Comissão Nacional da Água, em 1973, quando declarou que: “[…] Na história da relação entre o Governo dos Estados Unidos e as tribos indígenas, sua incapacidade de proteger os direitos indígenas à água para seu uso nas reservas destaca-se como um dos capítulos mais dolorosos para elas.” (GETCHES, 2006, p. 235).
Apesar da importância dessa jurisprudência, esses direitos indígenas dependem de uma teia de decisões judiciais para que sejam efetivamente protegidos. O progresso dessa construção, enquanto pertencente a um sistema de common law, seria obtido atentando-se às especificidades de cada caso. Indo mais além, deve-se notar que esse enfoque apresenta situações de conflito com outros usuários do recurso, na medida em que, ao não determinar os direitos indígenas à água, cria situações de insegurança também para os agentes externos que utilizam a mesma fonte hídrica10 (GETCHES, 2006, p. 235-251), e o processo acaba sendo “mediado pela influência de fatores extrajurídicos” (GUEVARA GIL, 2009, p. 124).
Novamente citando Getches:
Embora os direitos reservados à água [nos Estados Unidos] não almejem proteger os valores culturais tribais, os usos da água assegurados por eles podem promovê-los de todas as maneiras. Os sistemas de valores culturais, às vezes, criam “demandas” de água que podem ser atendidas por meio de direitos à água reconhecidos por lei.
(GETCHES, 2006, p. 251).
A título de referência, por fim, podemos citar os casos da Tribo Paiute do Lago Pirâmide, em Nevada, ou o sistema de açudes desenvolvido no sudoeste dos Estados Unidos, particularmente no Novo México e no Colorado. Os direitos à água das comunidades indígenas, já reconhecidos pela doutrina desenvolvida no início do século passado, foram adquirindo significado e proteção mais eficaz após longas batalhas judiciais em tribunais, pressões diante dos entes legislativos e estratégias de articulação de seus direitos. O primeiro caso ilustra os conflitos entre os usos tradicionais da água exercidos pela Tribo Paiute por meio da pesca e os usos competitivos articulados pela sociedade dominante. Estes últimos se relacionavam a projetos de irrigação que desviavam e utilizavam águas da reserva indígena, causando efeitos devastadores sobre a cultura e a sustentação material dessa tribo. Nas palavras de Wilkinson:
A história da Tribo Paiute do Lago Pirâmide em Nevada, EUA, ilustra a dificuldade de fazer valer os direitos legais à água por parte dos povos indígenas, que competem com usuários da água não indígenas e têm de utilizar o sistema legal da sociedade dominante. A luta desses povos foi bem-sucedida, mas só depois de décadas de manobras políticas e jurídicas e quase um século de privação da água.
(WILKINSON, 2010, p. 213).
O segundo caso reflete como o uso tradicional da água por meio do sistema comunitário de açudes no Novo México e no Colorado sobreviveu como instituição social e civil ao longo do tempo. Embora em ambos os Estados os direitos à água tenham sido regulados de maneira diferente (HICKS, 2010, p. 225-226) e o enfoque oficial seja o que prevalece (RIVERA y MARTINEZ, 2009, p. 323), o respeito às normas tradicionais – nas quais se reflete sua identidade cultural e suas relações sociais – e a abertura formal a uma gestão local da água permitem revalorizar e respeitar o uso que lhe dão os povos indígenas. Portanto, de acordo com Rivera e Martinez:
[…] Os pedidos para transferir a água para utilizações fora das comunidades do açude, muitas vezes, enfrentam protestos de grande intensidade por parte dos irrigadores do açude. Desde a época do primeiro assentamento e, como algo intrínseco ao valor comunitário da água no período contemporâneo, a terra, o lugar e a identidade são interdependentes e não se pode afastar um do outro.
(RIVERA e MARTINEZ, 2009, p. 324).
Os autores acrescentam, citando Glick, que:
[…] [A defesa] da proteção da cultura de açude no Novo México e no sul do Colorado como uma política de desenvolvimento viável, [é] importante para os direitos indígenas de povos tradicionais em todo o mundo e mostra como esse direcionamento também reconhece seu papel como depositários do conhecimento local sobre o meio ambiente e a sustentabilidade agrícola.
(RIVERA y MARTINEZ, 2009, p. 324).
Um panorama distinto pode ser apreciado no caso do Peru, ainda que não seja em termos de garantia de direitos locais e práticas consuetudinárias dos povos indígenas em relação aos recursos hídricos, mas da permanência de um modelo oficial tendencioso sobre o acesso, o uso e a transferência desse bem natural.
Durante 40 anos, o quadro normativo relacionado à política e à gestão desse recurso foi regido principalmente pela Lei Geral de Águas, aprovada pelo Decreto-Lei nº 17.752, em 1969, que foi revogada, em 2009, pela Lei de Recursos Hídricos, nº 29.338. Nesta, reafirma-se o caráter inalienável e imprescritível no domínio do recurso, assim como a ausência de propriedade privada sobre ele.
Embora haja uma grande pluralidade de realidades locais e um uso multifuncional da água, a tendência oficial negou essas práticas e preferiu guiar-se por referências predominantes aplicáveis a determinados interesses. Isso dissociou a legislação formal das realidades dos usuários da água e seus sistemas de gestão hídrica, o que gerava conflitos e inaplicabilidade das normas legais, por não ser coerente com os distintos valores e interesses existentes na sociedade (GUEVARA, 2009, p. 113-122; 2008, p. 147-162; 2007, p. 153-162). Ao contrário do Chile e dos estados do oeste dos Estados Unidos, o modelo de alocação utilizado no Peru, com a Lei da Água de 1969, foi centralizado no Estado e em seu poder de administração direta, limitando de modo restritivo a capacidade dos agentes e usuários de dispor e decidir sobre o recurso.
A partir da forma de possuir o direito de aproveitar os recursos hídricos, dos critérios de alocação do recurso – por meio do plano de cultivo para o uso agrícola, por exemplo –, das taxas e contribuições, das transferências no uso da água e do tipo de organização dos irrigadores, diversos estudos constataram a existência de uma disfunção entre a realidade e os órgãos regulamentadores (HENDRICKS y SACO, 2008, p. 139-146). Assim, ao não se poder aplicar a complexa regulamentação, a segurança jurídica é afetada e isso conduz à perda de direitos coletivos e da gestão autônoma dos recursos por parte das comunidades indígenas, afetando sua identidade, responsabilidades e estrutura social. Tem havido também um recrudescimento de conflitos, em razão das respostas inadequadas para enfrentá-los e da ausência de soluções integrais (BOELENS et al., 2006, p. 142-154).
Por exemplo, o caso da comunidade de Cabanaconde, localizada na parte baixa do Vale do Colca, na região arequipenha, ilustra como as comunidades locais viram seus direitos serem afetados pelo desenvolvimento do projeto Majes, entre as décadas de 1970 e 1980. Esse projeto consistiu na canalização da água da serra até a costa para tornar produtivos milhares de hectares desérticos. Em vez disso, ele fomentou o surgimento de problemas no conjunto social, cultural e ecológico, reduziu consideravelmente o acesso e o uso de seus recursos hídricos e potencializou cada vez mais a existência de fome e de maior instabilidade na região (GELLES, 2007, p. 52-57).
Trinta anos mais tarde, o desenvolvimento de outro projeto, dessa vez denominado Majes-Siguas II, voltou a gerar protestos e conflitos sociais. Então, o governo da província de Espinar, na região de Cusco, e o governo regional de Cusco colocaram-se em uma disputa contra a agência de promoção de investimento do Estado peruano (Proinversión) e o governo regional de Arequipa. Esse projeto agroindustrial é um dos maiores nessa área e tem por objetivo construir uma represa – a maior do país – para captar água em Cusco e transferi-la para Arequipa, com o propósito de irrigar milhares de hectares de terras inexploradas. Também possibilitaria a geração de energia elétrica por usinas hidrelétricas a serem construídas. Por outro lado, as populações rurais em Espinar veriam o fornecimento de água potável seriamente limitado e afetada sua capacidade de subsistência nessa área.
O governo provincial de Espinar e o governo regional de Cusco apresentaram dois recursos de amparo,11 que foram posteriormente unificados. Um deles diz respeito à remoção da ameaça de violação dos direitos à vida, à saúde e ao meio ambiente da população de Espinar, e o outro a tornar sem efeito a declaração de viabilidade do Projeto Majes Siguas II. Assim que o Poder Judiciário declarou o pedido procedente em primeira e segunda instâncias, o Tribunal Constitucional peruano tomou conhecimento do problema por meio de um recurso de agravo constitucional apresentado pelo governo nacional, sob o argumento de que foi afetada a garantia da coisa julgada na etapa da execução da sentença.
A esse respeito, o Tribunal publicou sua decisão em 8 de novembro de 2011, dando acolhimento ao recurso de agravo constitucional e dando razão ao governo nacional. Ele também declarou nula a sentença judicial que suspendia indefinidamente o projeto Majes Siguas II, ordenou a realização de um estudo integral de equilíbrio hídrico e convalidou o estudo de impacto ambiental que havia sido questionado, entre outras considerações (TC, 2011).
Além das avaliações e críticas que podem ser feitas sobre essa sentença, que mereceria um espaço muito maior, o importante é evidenciar os efeitos que uma decisão como essa traz para as partes envolvidas, em relação ao uso da água e ao respeito e à garantia devidos como direito humano. Mais do que tender a emitir uma resolução “pacificadora”, em uma situação de conflito, o que os magistrados devem avaliar é se os direitos dos povos indígenas em questão se encontram ameaçados ou desprotegidos. Para as comunidades indígenas, prover acesso seguro e facilitar a gestão dos sistemas hídricos geralmente acaba sendo crucial não apenas para sua sustentabilidade material, mas também para sua existência como estrutura social e cultural. Não valorizar esses elementos poderia gerar consequências prejudiciais de difícil ou impossível reversão.
Essas omissões são evidenciadas nas recomendações feitas ao Estado peruano pelo Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD), em seu informe de 2009:
[…] Expressou sua preocupação com os conflitos que possam surgir como resultado da falta de consenso sobre um projeto nacional compartilhado pela sociedade peruana na totalidade de sua expressão multicultural e multiétnica, particularmente no âmbito da educação, projetos de desenvolvimento e proteção do meio ambiente.
O Comitê recomenda que o Estado-Parte realize um processo participativo e inclusivo, a fim de ser capaz de determinar a visão de nação que melhor represente a diversidade étnica e cultural de um país tão rico como o Peru, uma vez que uma visão compartilhada e inclusiva pode orientar o caminho do Estado-Parte em suas políticas públicas e projetos de desenvolvimento.
(CERD, 2009, par. 41.23).
Apesar dessa recomendação, o que se observa é a rejeição da diversidade de concepções indígenas no desenvolvimento de políticas públicas, iniciativas legislativas e projetos de grande envergadura que afetarão consideravelmente seus recursos e meios de subsistência, bem como suas práticas consuetudinárias culturais. Os usos atribuídos à água pelos indígenas podem formar um cenário de interação social e cultural distinto do âmbito dominante oficial. Por sua vez, as relações que se desenvolvem por meio da gestão desse elemento – identificadas, ainda, com celebrações e costumes locais –, podem fazer parte do suporte à vida dessas populações. Essa estreita identidade que os une à terra e à água gera a demanda por respeito, participação e acesso físico aos recursos hídricos em seus territórios.
Com o atual quadro normativo peruano,12 embora haja avanços em vários aspectos importantes, ainda é preciso observar a operacionalidade, a legitimidade e o dinamismo que ele representará na realidade e na prática cotidiana. É importante resgatar o interesse e a prioridade concedidos por esse quadro para uma gestão integral da água e por bacias hidrográficas (como unidades geográficas no ciclo hidrológico), em vez de fazê-lo por setores que atomizam o recurso como se não houvesse diversos usuários e usos distintos que dependessem do mesmo caudal ou fonte hídrica; para o reconhecimento dos usos da água nas comunidades rurais e nativas que torna explícito o respeito à Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); para o reconhecimento do recurso hídrico como bem social, econômico, cultural e ambiental; para um maior empoderamento no que se refere à autorização do uso e do aproveitamento do recurso, por meio de uma autoridade nacional como ente gestor; e para a organização e a disposição de informações relacionadas a esse recurso, a fim de facilitar sua gestão.
Apesar disso, não seria correto afirmar que esse quadro normativo tem correlação com a pluralidade real do uso e dos direitos assumidos pela diversidade de usuários da água. A duplicidade de funções, as contradições e as lacunas geradas na prática manteriam os mesmos problemas, na medida em que as mudanças realizadas não surgem como parte de uma reflexão integral e participativa sobre funções e competências, plasmada em uma institucionalidade integrante da diversidade de realidades locais no Peru.
Levar em conta aquela pluralidade reforçaria o uso do recurso de modo a atender aos objetivos de sustentabilidade, eficiência e equidade, além de utilizar um enfoque mais adequado aos seus componentes econômico, social e cultural; caso contrário, sua administração integral se tornaria limitada e fragmentaria a coexistência de seu uso múltiplo e diverso, impactando negativamente seu conteúdo como direito humano.
Os conflitos pelos usos, sentidos e apropriação da água, a tomada de decisões sobre ela e a participação em sua gestão são ilustrados nos casos aqui discutidos, no Peru, no Chile e nos estados do oeste dos Estados Unidos. Embora não tenha sido objeto desta investigação analisar os modelos teóricos políticos e econômicos para a regulamentação dos recursos hídricos, entender e considerar os efeitos das normas jurídicas aplicáveis ??à gestão da água, apesar dos distintos valores e componentes que esta adquire, mostra-se necessário para o desenvolvimento do direito humano à água. Isso se deve ao fato de que os sistemas normativos que são implementados não devem ser alheios ao campo dos direitos humanos quando operam em relação a eles e os afetam direta ou indiretamente. A ausência de tais avaliações em uma eventual construção jurídica sobre o direito à água significaria desconhecer os componentes que a determinam, e, portanto, a proteção almejada seria incompleta.
Nas situações descritas na análise casuística dos três modelos apresentados, observa-se que a relevância nas atividades e necessidades humanas e as relações de tipos diferentes que se estabelecem quanto à água, além de possuir caráter multifuncional, convertem-na em um recurso altamente estratégico e conflitivo entre seus demandantes. No que se refere às populações indígenas, são evidentes, em todos os casos, as ameaças de que o aproveitamento e a disponibilidade da água sejam limitados pela ausência de uma abordagem integral que leve em consideração os componentes descritos e em que haja, inclusive, algum tipo de reconhecimento legal das particularidades existentes entre elas e esse recurso natural.
Por isso, pode-se afirmar que um enfoque parcial da água produz não só ineficiências globais, mas, também, efeitos sobre os direitos e as liberdades fundamentais em geral, dependendo das externalidades e dos danos produzidos. Se um órgão jurisdicional, legislativo ou formulador de políticas públicas não consideram esses componentes, criam-se oportunidades ainda maiores para afetar o exercício desse direito.
Dos casos expostos, depreende-se que a prática recorrente de implementar soluções e modelos universais com perspectivas parciais, de forma impositiva e vertical, desconhece e deixa de considerar os efeitos, muitas vezes lamentáveis e trágicos, sobre as pessoas e as sociedades nas quais são aplicados. Também desconhece as contradições resultantes de sua aplicação, e por não conseguir compreender as dinâmicas e a natureza das regras locais – nesse caso, sobre a gestão da água das comunidades indígenas. Como bem mencionado pelo CDESC:
Os elementos do direito à água devem ser adequados à dignidade, à vida e à saúde humanas […]. A adequação da água não deve ser interpretada de forma restritiva, simplesmente em relação a quantidades volumétricas e tecnologias. A água deve ser tratada como um bem social e cultural, e não fundamentalmente como um bem econômico. O modo como se implementar o direito à água também deve ser sustentável, de maneira que esse direito possa ser exercido pelas gerações atuais e futuras.
(CDESC, 2002, par. 11).
O que foi dito se baseia na promoção e aplicação dos direitos humanos, conceito sempre complexo e inacabado, às formas de desenvolvimento vigentes, o que se traduz em uma expansão de liberdades e capacidades dos indivíduos para seu bem-estar, de forma individual e comunitária.
Ao defender que os direitos humanos têm como ponto de referência o ser humano e sua dignidade, argumenta-se que eles sempre terão um caráter fluido e dinâmico; portanto, que serão um produto aberto e inacabado, apoiados na dignidade da pessoa humana e nas condições do devir histórico que os fazem surgir. Isto é, o direito dos povos indígenas à água adquirirá maior força quando for maior a consciência de que ele é uma exigência ético-legal para sua tutela normativa e jurisprudencial.
Consequentemente, acredita-se que o fato de visibilizar as práticas consuetudinárias e as relações sociais disseminadas nas comunidades indígenas, assim como a tomada de decisões relacionadas ao controle da gestão da água nessas comunidades, ajudará a estabelecer uma proteção mais eficaz de seu direito à água, além de propiciar um quadro normativo que promova oportunidades de crescimento e desenvolvimento adequadas à sua realidade. Isso não significa, em qualquer circunstância, idealizar as práticas ali desenvolvidas; pelo contrário, estudá-las de maneira crítica e objetiva, sem descontextualizá-las ou fragmentá-las para a aplicação de algum modelo ou política de desenvolvimento, mostra-se indispensável.
Do que foi analisado até aqui, conclui-se que, ao considerar e avaliar as dinâmicas de desenvolvimento e os diferentes elementos que intervêm na regulamentação e proteção legal da água, deve-se levar em conta seus componentes econômico, social e cultural para ponderar as diferentes demandas existentes e os direitos envolvidos. Para os povos indígenas, os efeitos da imposição de normas que não contemplam seus esquemas e suas visões particulares muitas vezes são devastadores para suas estruturas sociais, suas formas de relação econômica e sua interdependência cultural.
Para entender isso, pode-se recorrer, a Boelens, quando ele afirma que “a água nas comunidades andinas é, com frequência, um recurso extremamente poderoso. [É], muitas vezes, um fundamento das práticas reprodutivas, produtivas, sociais e religiosas, e da identidade local […]” (BOELENS, 2007, p. 51). Ele acrescenta que:
[…] No entanto, as leis da água neoliberais (como a chilena) ou as políticas instrumentais verticais e impostas (como no Equador e Peru) não só ignoraram as formas de gestão indígenas e rurais consuetudinárias, mas tiveram consequências concretas, muitas vezes devastadoras, sobre as pessoas mais pobres da sociedade.
(BOELENS, 2007, p. 56).
No quadro desta pesquisa, ao identificar especialmente três componentes particulares da água, um econômico, um social e outro cultural (e poderíamos acrescentar outro ambiental e mesmo político), constata-se a diversidade de valores atribuídos à água, uma situação que se torna mais tensa quando sobre o mesmo fluxo hídrico existem demandas rivais em relação ao seu destino e quando os efeitos que possam produzir sobre seus usuários são perniciosos, sob a perspectiva de uma avaliação integral.
Não menos importante é a situação da pobreza e sua relação com o acesso à água potável e às instalações sanitárias adequadas como condições necessárias para atingir os níveis de vida mínimos em relação à dignidade da pessoa humana. Isso é evidenciado pela preocupação expressa pelo Conselho de Direitos Humanos:
[…] Devido ao fato de que cerca de 884 milhões de pessoas não têm acesso a fontes de água tratada, tal como definido no informe de 2010 do Programa Conjunto de Monitoramento da Organização Mundial da Saúde e do Fundo das Nações Unidas para a Infância, e que mais de 2,6 bilhões de pessoas não têm acesso a serviços de saneamento básico […].
(CDH, 2010, p. 2).
Obviamente, esse déficit traz consequências trágicas para a vida, pois, além de causar a proliferação de doenças relacionadas à falta de água ou ao uso de água contaminada e à falta de infraestrutura sanitária básica, como ocorre com a maior parte dos povos indígenas, dificulta o desenvolvimento de quem não tem acesso à água e, o que é ainda mais grave, aumenta os índices de mortalidade. Segerfeldt destaca isso ao indicar que “a falta de acesso à água provoca 12 milhões de mortes por ano, em outras palavras, pela falta de acesso a água potável morrem 22 pessoas por minuto […]” (SEGERFELDT, 2006, p. 28).
Uma abordagem que parte desses três componentes impede que se ignorem conceitos e externalidades dos usos da água para as diversas atividades que dela se servem. Entender integralmente suas formas de manifestação ajudaria a projetar esquemas e ter enfoques mais completos e adequados à proteção do direito à água, enquanto bem natural sensível, e à geração de plataformas de desenvolvimento humano.
Nessa ordem de ideias, pode-se concluir argumentando que é errado reduzir o significado da água a um de seus componentes, ignorando os diversos significados que as sociedades, especialmente as indígenas, atribuem a esse recurso, já que, para elas, a água não é um simples recurso natural, pois tem:
[…] dimensões transcendentais na estrutura social e identidade coletiva dos povos e das comunidades indígenas. Por isso, os debates e as leis que não levem em consideração os múltiplos significados da água e outros recursos podem ter resultados nefastos sobre esses povos e comunidades e, de fato, originam movimentos de oposição e resistência.
(GUEVARA, 2009, p. 125).
1. A Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu pela primeira vez o direito à água potável como um direito humano por meio de sua Resolução A/RES/64/292, adotada na reunião de 28 de julho de 2010.
2. Segundo o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, esse enfoque “é um marco conceitual para o processo de desenvolvimento humano que, sob o ponto de vista normativo, baseia-se nas normas internacionais de direitos humanos e, sob o ponto de vista operacional, orienta-se à promoção e proteção dos direitos humanos. Seu propósito é analisar as desigualdades que se encontram no centro dos problemas de desenvolvimento e corrigir as práticas discriminatórias e a injusta distribuição de poder que impedem o progresso em termos de desenvolvimento”. (OACDH, 2006, 15).
3. Essa Declaração foi adotada como parte de uma reunião técnica antes da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992.
4. Na formulação desse princípio, afirma-se que é essencial reconhecer o direito fundamental de todo ser humano de ter acesso a uma água pura e ao saneamento a um preço acessível. Acrescenta-se que a falta de consciência do valor econômico desse recurso levou a um uso com efeitos negativos sobre o meio ambiente (CIAMA, 1992, princípio 4).
5. Sob uma lógica de economia política em sentido liberal, por exemplo, ao se considerar a água um bem escasso seria exigida a concessão de direitos de propriedade sobre ela, a fim de se criar um esquema de incentivos para os detentores do direito, de tal modo que se promovesse o uso eficiente do bem e a internalização das externalidades que possam ser produzidas. Sob esse modelo, ainda, esses direitos de propriedade devem ser incorporados em uma lógica de livre mercado para alcançar seus usos mais valiosos.
6. Para ver alguns exemplos nos quais o operador da distribuição de água potável recebeu a concessão e os resultados de abastecimento e qualidade foram aprimorados consulte a descrição de: SEGERFELDT, 2006, p. 83-103.
7. O Artigo 5 do Código de Águas de 1981 diz: “As águas são bens nacionais de uso público e concede-se aos particulares o direito de aproveitamento delas, em conformidade com as disposições deste Código.” (CHILE, 1981).
8. A esse respeito, ver: i) Lei nº 19.253, que protege as terras indígenas e seus recursos naturais, proibindo qualquer ação que os deteriore ou ameace seu esgotamento, e estabelece de modo expresso que não se pode conceder novos direitos à água sobre aquíferos que supram de água a propriedade de comunidades indígenas (CHILE, 1993); e ii) Lei nº 19.145, que alterou o Código de Águas e protege os aquíferos que alimentam as zonas úmidas das regiões do norte de Tarapacá e Antofagasta (CHILE, 1992). Além disso, há o Decreto-Lei nº 1.939, de 1977, que proíbe a execução de projetos contrários à conservação do meio ambiente e dos ecossistemas (CHILE, 1977).
9. Em 2004, por exemplo, a Corte Suprema do Chile julgou o caso “Toconce vs. Empresas de Servicios Sanitarios de Antofagasta, ESSAN S.A”, no qual reconheceu a propriedade de direitos à água da comunidade indígena de Toconce, assentando como jurisprudência que a propriedade ancestral indígena sobre as águas, derivada da prática consuetudinária, constitui domínio pleno (GENTES, 2006, p. 271).
10. O autor observa que o efeito latente sobre direitos de pessoas não indígenas à água se reflete, por exemplo, na luta das tribos para fazer uso de suas águas de acordo com suas demandas culturais e no uso das fontes hídricas pertencentes à reserva indígena por parte de pessoas não indígenas que delas se beneficiaram por muito tempo..
11. Nota da editora: Recurso de amparo corresponde, no Brasil, ao mandado de segurança.
12. A esse respeito, ver Lei de Recursos Hídricos, Lei nº 29.338, aprovada em 23 de março de 2009, e seu regulamento, Decreto Supremo nº 001-2010-AG, aprovado em 23 de março de 2010.
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