Avanços 5 anos depois
Este artigo analisa o provável impacto da adoção da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência tanto no sistema regional de direitos humanos vigente na África, quanto em certos ordenamentos jurídicos nacionais na África austral e oriental, em contraponto a um contexto histórico de “omissão benigna” no que diz respeito a direitos de pessoas com deficiência. Em primeiro lugar, este artigo apresenta uma visão geral sobre a proteção, ora existente no sistema regional africano de direitos humanos, aos direitos de pessoas com deficiência. Em segundo lugar, este trabalho discute a contribuição regional africana para a elaboração da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Em seguida, em terceiro lugar, o presente artigo avalia os debates predominantes sobre quais seriam as alternativas para melhorar a condição de pessoas com deficiência na África. Este artigo, portanto, analisa sucintamente as exceções legais referentes à deficiência existente na África do Sul, República Federativa Democrática da Etiópia, Uganda e a República Unida da Tanzânia. Ao fim, os autores fazem recomendações sobre como harmonizar os ordenamentos jurídicos nacionais e o sistema regional à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e seu Protocolo Opcional (PO) buscam “revolucionar” a legislação existente no campo dos direitos de pessoas com deficiência, tanto no âmbito internacional, quanto nacional.1 Apesar das dinâmicas peculiares existentes em cada um dos sistemas regionais, as quais dificultam compará-los diretamente, torna-se cada vez mais evidente que, nos últimos anos, o avanço dos direitos de pessoas com deficiência no sistema africano de direitos humanos ocorreu mais lentamente do que seus equivalentes europeu e interamericano. Não obstante, o surgimento da CDPD oferece para os países africanos que assumiram obrigações decorrentes da Convenção por meio de sua assinatura e/ou ratificação uma nova oportunidade para reformar sua legislação nacional sobre direitos de pessoas com deficiência. De fato, estes países são obrigados a fazê-lo. Desta forma, o objetivo deste artigo é esclarecer o impacto provável da adoção da CDPD no continente africano e nos ordenamentos jurídicos nacionais de certos países africanos.2
Para tanto, este artigo oferece, em primeiro lugar, uma visão geral sobre o status atual da proteção aos direitos de pessoas com deficiência em dispositivos contidos em documentos políticos ou instrumentos de direitos humanos na África. Em segundo lugar, avalia-se a posição africana frente ao processo de elaboração da CDPD. Em terceiro lugar, este artigo examina o debate atual sobre as alternativas existentes para melhorar a posição de pessoas com deficiência na África. Em quarto lugar, este artigo analisa a situação da legislação sobre direitos de pessoas com deficiência em certos países africanos depois da ratificação da CDPD. Por fim, este artigo conclui com uma série de ponderações que podem conduzir a uma efetiva incorporação da Convenção nos ordenamentos jurídicos nacionais e regional.
O sistema africano de direitos humanos tem sido qualificado como o “menos avançado” entre os sistemas regionais (STEINER; ALSTON; GOODMANN, 2007, p. 1062). Esta visão tem sido, no entanto, criticada (OLOWU, 2009, p. 50), e talvez subestime a contribuição de fato feita pela África para o sistema internacional de direitos humanos (VILJOEN, 2001, p. 18). Ao menos, há que se concordar com a afirmação de que o sistema africano tem negligenciado, até o momento, priorizar os direitos de pessoas com deficiência.3
A fim de contextualizar o possível impacto da CDPD no continente africano, faz-se necessário, primeiro, examinar a posição de vários países africanos antes da adoção da Convenção pela Assembleia Geral da ONU e sua subsequente ratificação por diversos estados africanos. Por essa razão, este artigo apresenta uma breve visão geral sobre as principais características do sistema africano de direitos humanos. Muito embora este trabalho diga respeito basicamente aos direitos de pessoas com deficiência como direitos humanos, tais direitos não podem ser discutidos sem que se faça referência devida ao(s) sistema(s) político e institucional nos quais estes direitos foram germinados. Portanto, desejamos aqui estabelecer o que se quer dizer por uma abordagem “africana” 4 dos direitos humanos, e discorrer também de que maneira esta abordagem tem incluído gradativamente as pessoas com deficiência.
Tradicionalmente, a perspectiva africana de direitos humanos tem sido concebida como uma visão comunitarista acerca da humanidade, da sociedade e dos indivíduos.5 Na medida em que forem coletivamente reconhecidos, entende-se que os interesses e direitos individuais estejam já pressupostos nos interesses e no bem-estar da comunidade ou da sociedade em geral. Por vezes, as noções de comunidade e sociedade são utilizadas como conceitos equivalentes. Dependendo do contexto, ambos, ou cada um destes conceitos, pode representar qualquer unidade que consista de mais de um único indivíduo. Estas unidades ou grupos coletivos variam, em um extremo, desde uma entidade familiar, passando por um clã, tribo, ‘povo’, nação, estado até, em outro extremo, a Comunidade Pan-Africana. Sob este olhar, ser um membro útil para a comunidade constituiu a razão fundamental de ter nascido humano. Portanto, não surpreende condicionar a concessão de direitos individuais ao cumprimento de deveres para a comunidade. Ademais, não se questiona que grupos e/ou ‘povos’ devam também ser titulares de direitos. A cultura comunitarista, no que diz respeito ao modo africano de agir, e os valores comunitários, no que diz respeito às concepções africanas de certo e errado, bem e mal, influenciam fortemente as origens, conteúdos e desígnios dos direitos humanos na África.
Na discussão apresentada abaixo, expomos estas peculiaridades fazendo referência a certos documentos políticos e instrumentos de direitos humanos vitais no contexto africano. Alerta-se o leitor para a dinâmica por meio da qual conjunto de valores e culturas africanas por essência patriarcais (paternalistas) têm sido substituídos por sistemas mais tolerantes, inclusivos e, em certos contextos, mais igualitários. É possível evidenciar tais mudanças por meio da incorporação gradual da referência a direitos das mulheres, igualdade de gênero, juventude e pessoas com deficiência. A terminologia empregada para se fazer referência a este último grupo variam de “deficiente”, “pessoas deficientes”, “incapacitados”, a “pessoas com deficiência” (muitas vezes, presume-se que certas expressões recorrentes em documentos de direitos humanos como grupo ou pessoas “de qualquer outro status” já incluem pessoas com deficiência).
Como ponto de partida, há que se ressaltar que a Carta da Organização da Unidade Africana (OUA) (ORGANISATION OF AFRICAN UNITY, 1963), como instrumento político e jurídico constitutivo da Comunidade Pan-Africana, já explicita em seu bojo as condições que possibilitaram sua elaboração e adoção. Esta Carta expressa claramente a convicção de que se trata de um direito de todos os povos determinar o seu próprio destino; e reafirma que liberdade, igualdade, justiça e dignidade constituem objetivos essenciais para atingir as aspirações legítimas dos povos africanos. A Carta proclama a adesão dos Estados africanos aos princípios da Carta das Nações Unidas e à Declaração Universal de Direitos Humanos, relacionando este compromisso ao anseio de que todos os Estados africanos cooperem entre si a fim de assegurar o bem-estar e felicidade de todos os povos africanos.
Dado o momento histórico de sua criação, a OUA teve como preocupação central a luta contra o colonialismo e apartheid, a preservação da integridade territorial e não-ingerência nos assuntos internos dos Estados – ao invés, de priorizar os direitos humanos (OJO; SESAY, 1986, p. 92; NALDI, 2008, p. 45). Com a transição da Organização da Unidade Africana para a União Africana (UA) este cenário foi modificado: conforme melhor será explicado abaixo, direitos humanos e valores democráticos passaram a constituir os princípios fundadores da UA.
A UA substituiu a Organização da Unidade Africana em 2000. O Ato Constitutivo da União Africana enfatiza a necessidade comum de construir parcerias entre governos e todos os segmentos da sociedade civil, em particular “mulheres, os jovens e setor privado”, com o intuito de fortalecer a solidariedade e coesão entre os povos africanos, bem como para promover e proteger os direitos humanos e dos povos, consolidar as instituições e cultura democrática, e garantir a boa governança e o estado de direito. Os princípios norteadores do funcionamento da UA constam do Artigo 4o. Alguns destes princípios dizem respeito diretamente aos direitos humanos: o direito da União de intervir em um estado membro em conformidade com uma decisão adotada pela Assembleia em razão de graves violações (a saber, crimes contra a guerra, genocídio e crimes contra humanidade); a promoção da igualdade de gênero; e o respeito por princípios democráticos, direitos humanos, o estado de direito e boa governança. Nos termos do Artigo 13.1, o Conselho Executivo da UA deve coordenar e tomar as decisões sobre políticas de interesse comum dos Estados Membros, inclusive no que diz respeito à seguridade social, a qual inclui “políticas relacionadas com pessoas deficientes ou incapacitadas”.
Em 2003, o Protocolo de Emendas ao Ato Constitutivo (AFRICAN UNION, 2003a, art. 3) incluiu um novo subparágrafo na seção referente aos Objetivos da organização, o qual requer a participação efetiva de mulheres em processos de decisão, em especial no que diz respeito a questões políticas, econômicas e socioculturais. Trata-se de uma opotunidade perdida de incluir a referencia similar a pessoas com deficiência.
O Conselho Econômico, Social e Cultural (ECOSOCC), estabelecido em 20047, tem como objetivo promover a participação popular nas atividades da União Africana, conforme enunciado na Carta Africana para a Participação Popular. Na condição de órgão consultivo da União Africana, o ECOSOCC deve ser composto por diferentes grupos sociais e de diversas áreas de atuação dos Estados Membros da União Africana. Entre as Organizações da Sociedade Civil (OSC), incluem-se, entre outras, os seguintes grupos: organizações representantes de mulheres, crianças, jovens, idosos e pessoas com deficiência e com necessidades especiais. Este órgão representa uma oportunidade importante para que organizações da sociedade civil participem e influenciem o trabalho da UA.
Na Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governança (AFRICAN UNION, 2007a), os Estados Partes se comprometeram em promover os valores e princípios universais de democracia, boa governança, direitos humanos e o direito ao desenvolvimento (Preâmbulo). Nos termos do Artigo 8o, os Estados Partes devem:
1. eliminar todas as formas de discriminação, em particular, as baseadas na opinião política, gênero, etnia, religião e raça, bem como “qualquer outra forma de intolerância”; e
2. adotar medidas legislativas e administrativas para assegurar os direitos das mulheres, minorias étnicas, migrantes, pessoas com deficiência, refugiados, e deslocados, e outros grupos socialmente marginalizados e vulneráveis.
De acordo com esta Carta, os Estados Partes assumem o compromisso de promover a participação de “grupos sociais com necessidades especiais” (incluindo, pessoas com deficiência e jovens) nos processos de governança, bem como assegurar a educação cívica sistemática e generalizada destes para impulsionar a participação completa destes grupos socais em processos democráticos e de desenvolvimento (Artigo 31). Ademais, os Estados concordam em fornecer e promover o acesso a serviços sociais básicos, por exemplo, ensino primário obrigatório e gratuito para todos, em particular garotas, populações de áreas rurais, pessoas com deficiência e outros grupos socialmente marginalizados (Artigos 41 c/c 43).
Vale ressaltar que apenas oito Estados ratificaram esta Carta até o momento. Tal fato contrasta com aCarta da Juventude Africana (abaixo), (AFRICAN UNION, 2007b), adotada no mesmo ano,8 mas que já atraiu o número suficiente de ratificações para entrar em vigor em 8 de agosto de 2009.
A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (ORGANISATION OF AFRICAN UNITY, 1981) (também conhecida como “Carta de Banjul”)9 é o instrumento chave do sistema africano de direitos humanos. Este documento reconhece tanto direitos individuais, quanto direitos dos povos, deveres e certos direitos econômicos e sociais, além de direitos civis e políticos. O mecanismo de monitoramento estabelecido originalmente pela Carta é a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos (a Comissão Africana), mais recentemente complementada pela criação da Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos. 10
A Carta explicitamente ressalta que as virtudes da tradição histórica e dos valores da civilização africana devem inspirar e caracterizar sua percepção sobre o conceito de direitos humanos e dos povos; reconhecendo, por um lado, que os direitos humanos fundamentais se baseiam em atributos da pessoa humana, o que justifica a proteção dada a estes direitos no âmbito internacional e que, por outro lado, a existência dos direitos dos povos e o respeito a esses direitos deveriam necessariamente assegurar os direitos humanos. Tal qual a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (ORGANISATION OF AMERICAN STATES, 1948),11 a Carta Africana reafirma que o exercício de direitos e liberdades também implica o cumprimento de certos deveres pelos indivíduos com relação a suas famílias e à sociedade em geral, o estado e outras comunidades reconhecidas perante a lei e a comunidade internacional.
Ao se analisar a Carta a partir de uma perspectiva da deficiência, vale ressaltar que este documento presta uma atenção particular ao direito ao desenvolvimento; além de enfatizar que direitos civis e políticos são indissociáveis dos direitos econômicos, sociais e culturais, tanto na sua concepção como na sua universalidade, e que a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais garante o exercício dos direitos civis e políticos. No que diz respeito a estes pontos, a Carta está em conformidade com a CDPD.
No Capítulo 1 da Carta, referente aos direitos por ela assegurados, seus Estados Partes assumem o compromisso de adotar medidas legislativas ou de outra natureza para implementar os direitos, deveres e liberdade consagradas na Carta (Artigo 1o). Todas as pessoas possuem o direito a exercer os direitos e liberdades reconhecidos e garantidos na Carta sem distinção de qualquer natureza, a saber, de raça, etnia, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição (Artigo 2o). Na comunicação Purohit e Moore v. Gâmbia,12 os peticionários sustentaram que a prática de internar indefinidamente pessoas consideradas doentes mentais sem qualquer devido processo legal constituía, por analogia, discriminação com base em deficiência – e, portanto, viola o Artigo 2o da Carta. Muito embora a Comissão Africana tenha concordado com o argumento de que este Artigo, em conjunto com diversos outros dispositivos, tinham sido violados, a Comissão infelizmente não chegou ao ponto de se manifestar sobre o argumento de vedar por analogia discriminações baseadas em deficiência (AFRICAN COMMISSION ON HUMAN AND PEOPLES’ RIGHT, 2003, para. 54).
Em seguida, a Carta estabelece que todas as pessoas são iguais perante a lei e possuem o direito à igualdade perante a lei (Artigo 3o). Além disso, a Carta reconhece a “inviolabilidade” de todas as pessoas (Artigo 4o), bem como reafirma o direito à dignidade inerente à toda pessoa (Artigo 5o). A todos os cidadãos devem ser assegurados os direitos civis e políticos de participar livremente na direção dos assuntos públicos de seu país, o direito a acesso igualitário ao serviço público de seu país, bem como a todas as pessoas presentes em um país deve ser concedido o direito de usufruir dos bens e serviços públicos em estrita igualdade perante a lei no território nacional (Artigo 13).
O Artigo 18 estabelece que o Estado possui o dever de assistir a família, unidade natural e base da sociedade, e “guardiã da moral e dos valores tradicionais reconhecidos pela comunidade”. O Estado deve velar pela eliminação de todas as formas de discriminação contra mulheres, bem como assegurar a proteção aos direitos da mulher e da criança, conforme estipulados nas declarações e convenções internacionais. O Artigo 18(4) é importante para pessoas com deficiência, já que assegura que idosos e pessoas com deficiência possuem o direito a “medidas específicas de proteção” condizentes com suas necessidades físicas e morais.
O Acordo para o Estabelecimento do Instituto Africano de Reabilitação (IAR), adotado em 1995, institui o IAR. Com base na assistência técnica desempenhada pela Organização Internacional do Trabalho, a missão deste Instituto (sediado em Harare, no Zimbábue) é assistir os Estados Membros da UA a atingir uma série de objetivos com foco na reabilitação (ORGANISATION OF AFRICAN UNITY, 1985, art. II).13
A Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança 1990 (CADBEC) (ORGANISATION OF AFRICAN UNITY, 1990) é similar à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. Entretanto, a CADBEC também prevê um procedimento para denúncia individual.14 A opinião dos pesquisadores diverge ao determinar qual das duas cartas estabelece maior nível de proteção aos direitos da criança com deficiência. (COMBRINCK, 2008, p. 310-311).
O Artigo 13 da CADBEC, intitulado “Criança Deficiente”, estabelece que toda criança com deficiência física ou mental possui o direito a medidas de proteção especiais com o intuito de proteger suas necessidades físicas e morais e sob condições que garantam sua dignidade, promovam sua autoconfiança e sua participação ativa na comunidade. Estados Partes devem assegurar, sujeito à disponibilidade de recursos, às crianças com deficiência e àqueles responsáveis pelos seus cuidados, assistência quando necessário, e que seja apropriada à condição da criança e em particular deve assegurar que a criança com deficiência tenha acesso efetivo a treinamentos, preparação para o mercado de trabalho e oportunidades de recreação, de maneira que conduza a criança a atingir completa integração social, desenvolvimento individual, cultural e moral. Estados Partes devem usar seus recursos disponíveis com o objetivo de atingir progressivamente a possibilidade completa do deficiente mental e físico de movimento e acesso a rodovias públicas, prédios e outros lugares “aos quais o deficiente possa legitimamente querer ter acesso” (sic!) (ORGANISATION OF AFRICAN UNITY, 1990).
Em julho de 1999 os Chefes de Estado e Governo da OUA adotaram uma resolução nomeando o período de 1999 a 2009 a Década das Pessoas com Deficiência. Essa proposta foi uma resposta àDécada das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas (1983-1992) , decorrente da crítica direta a esse projeto da ONU por tentar adotar soluções globais sem levar em conta as realidades políticas e socioeconômicas dos países em desenvolvimento e democracias emergentes. (CHALKLEN; SWARTZ; WATERMEYER, 2006, p. 93).
O objetivo da Década Africana é a integral participação, igualdade e empoderamento das pessoas com deficiência. Para atingir esse objetivo, um Plano de Ação Continental foi adotado pela UA em 2002. Em 2004, foi estabelecido na Cidade do Cabo, África do Sul, um Secretariado para a Década Africana. O início das atividades do Plano de Ação Continental foi bastante lento, dada a falta de recursos. A Década foi recentemente estendida para um segundo período, de 2009 a 2019.
O Protocolo da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos da Mulher na África,2003 (Protocolo da Mulher Africana) (AFRICAN UNION, 2003c) nasceu dos questionamentos sobre a adequação da proteção dos direitos das mulheres concedida pelo Artigo 18(3) da Carta Africana (NSIBIRWA, 2001, p. 41; ONORIA, 2002, p.234). O Protocolo é um documento extensivo que abrange um grande número de direitos da mulher no contexto africano, incluindo o direito a não ser submetida à violência e práticas nocivas, moradia adequada, paz, desenvolvimento sustentável e participação no processo político e decisório. De maneira significativa, o Protocolo presta atenção considerável às obrigações do Estado decorrentes do reconhecimento desses direitos.
De acordo com os termos do Artigo 23, que lida com a proteção especial às mulheres com deficiência, Estados Partes se comprometem a: assegurar a proteção da mulher com deficiência e tomam medidas específicas para facilitar seu acesso ao mercado de trabalho, treinamento profissional e vocacional, assim como sua participação em processos decisórios; assegurando o direito da mulher com deficiência a não ser submetidas à violência, incluindo abuso sexual, discriminação com base na deficiência, e o direito de ser tratada com dignidade. De maneira significativa, Estados Partes concordam em prover a devida assistência jurídica e outros remédios (Artigo 25) e a implementar o Protocolo em nível nacional (Artigo 26).
Em 2006, a UA adotou a Carta Africana da Juventude ao reconhecer a demanda crescente e a vontade da juventude15 de “participar ativamente dos níveis locais, nacionais, regionais e internacionais para determinar seu próprio desenvolvimento e os avanços da sociedade como um todo” (AFRICAN UNION, 2007b, preamble). O documento reconhece explicitamente a necessidade e aspirações dos jovens internamente deslocados, refugiados e jovens com necessidades especiais (AFRICAN UNION, 2007b, preamble).
Uma das disposições principais da Carta é o direito de todas as pessoas jovens ao aproveitamento dos direitos e liberdades reconhecidos e garantidos na Carta, independentemente de raça, grupo étnico, cor, gênero, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional e social, riqueza, nascimento “ou outro status”. Estados Partes devem tomar as medidas apropriadas para assegurar que a juventude seja protegida contra todas as formas de discriminação com base no status, atividades, expressão de opiniões e crenças (AFRICAN UNION, 2007b, art. 2).
A Carta dedica o Artigo 24 a “jovens com incapacidades mentais e físicas”.16 Estados Partes reconhecem o direito da juventude com incapacidade física e mental a cuidados especiais e se comprometem a: assegurar que esses jovens tenham acesso igualitário e efetivo à educação, treinamento, serviços de saúde, emprego, esporte, educação física e atividades culturais e recreativas; e trabalhar para a eliminação de todos os obstáculos que possam ter implicações negativas para a integração completa na sociedade dos jovens com incapacidade física ou mental, incluindo o fornecimento de infraestrutura apropriada e serviços para facilitar a locomoção.
A proibição à discriminação e as exigências para atender as necessidades especiais da juventude com deficiência física e mental e da juventude com necessidades especiais estão presentes em diversos outros dispositivos na Carta, mesmo que não com tais palavras, incluindo aquelas que abrangem treinamentos, desenvolvimento de competências, educação, erradicação da pobreza, integração socioeconômica, meios de subsistência, empregos sustentáveis, saúde, eliminação de práticas sociais e culturais danosas, e as responsabilidades dos jovens.
A Convenção da União Africana sobre a Proteção e Assistência às Pessoas Deslocadas Internamente na África (também conhecida como Convenção de Kampala) (AFRICAN UNION, 2009), impõe diversas obrigações aos Estados Partes em respeito às pessoas internamente deslocadas (AFRICAN UNION, 2009).17 Em particular, requer-se que seja assegurada proteção social para pessoas com necessidades especiais internamente deslocadas, incluindo (entre outros) crianças separadas ou sem acompanhante, idosos e pessoas com deficiência (Artigo 9).
Tanto a OUA quanto a UA (ou seus órgãos) emitiram declarações18 com o tema de direitos humanos em momentos históricos chave. Por exemplo, na Declaração e Plano de Ação Grand Bay (Maurícius), adotado pela Conferência Ministerial sobre Direitos Humanos na África da OUA em 1999, os Estados reafirmaram sua adesão aos princípios, regras e valores dos instrumentos de direitos humanos internacionais e africanos (ORGANISATION OF AFRICAN UNITY, 1999). Renovaram seu comprometimento com a promoção de direitos humanos como descrita nos documentos e garantiram a eliminação de obstáculos para atingir esse objetivo (ORGANISATION OF AFRICAN UNITY, 1999, Preamble, and Articles 2 and 5). A Declaração ainda ressalta que os direitos das pessoas com deficiência e pessoas vivendo com HIV/AIDS, em particular mulheres e crianças, não são sempre observados e urgem a todos os estados africanos a trabalhar para assegurar o respeito total a esses direitos. (ORGANISATION OF AFRICAN UNITY, 1999, Article 7).
Por meio da Declaração de Kigali a Conferência dos Estados Partes se comprometeram com os objetivos e princípios contidos em uma extensiva lista de instrumentos políticos e jurídicos de direitos humanos, alguns vinculantes, outros não (AFRICAN UNION, 2003b). Entre eles, destaca-se o princípio que todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados (AFRICAN UNION, 2003b, para. 1).
A Conferência especificamente clama a todos os Estados Membros que cumpram integralmente com suas obrigações sob a lei internacional e, em particular, tomem as medidas necessárias para assegurar a proteção da população civil, especialmente crianças, mulheres, idosos e pessoas com deficiência em situações de conflito armado (AFRICAN UNION, 2003b, Paragraph 17). O parágrafo 19 clama ainda, com grande preocupação à condição dos grupos vulneráveis, incluindo pessoas com deficiência, aos Estados Membros que ofereçam suporte apropriado ao Instituto Africano de Reabilitação sediado em Harare, Zimbábue. Por fim, ordena que os Estados Membros desenvolvam um Protocolo para a proteção dos direitos das pessoas com deficiência e dos idosos (AFRICAN UNION, 2003b, Paragraph 20).
Na ocasião do 25o Aniversário da Carta Africana, a UA adotou a Declaração de Banjul (AFRICAN UNION, 2006). Embora esse documento reafirme de maneira geral os esforços dos Estados ao respeito e proteção dos direitos previstos na Carta Africana, a Declaração não faz nenhuma referencia à deficiência.
Como acima citado, a Declaração de Kigali pediu aos Estados Membros que desenvolvam um Protocolo (para a Carta Africana) com o propósito de proteger os direitos das pessoas com deficiência e os idosos. (AFRICAN UNION, 2003b). Tal protocolo deve presumidamente exercer a(s) mesma(s) função(ões) doProtocolo da Mulher Africana. Por essa razão, a Comissão Africana nomeou um “Ponto Focal para os Diretos dos Idosos na África” em novembro de 2007. Entretanto, já que esse Foco incluía pessoas com deficiência, seu mandato foi em seguida ampliado quando foi transformado em um Grupo de Trabalho sobre os Direitos de Idosos e Pessoas com Deficiência na África em maio de 2009.19 Foi atribuído ao Grupo de Trabalho, entre outras coisas, a elaboração de um projeto a ser considerado pela Comissão Africana que serviria como base para a adoção de um Projeto de Protocolo sobre o Idoso e Pessoas com Deficiência (BIEGON; KILLANDER, 2010, p. 220). Um projeto para o Protocolo Africano sobre Deficientes foi produzido em novembro de 2009;20 na entrega desse artigo, esse Protocolo havia sido retirado da pauta e o Grupo de Trabalho está publicamente planejando futuras consultas sobre o assunto.
Determinar se esse Protocolo é aconselhável, dada a existência da CDPD e das limitações documentadas nos mecanismos de implementação do sistema africano de direitos humanos, vai além do escopo desse artigo. Por esse mesmo motivo, também nos abstemos em comentar o conteúdo do projeto de Protocolo de 2009. Basta dizer que existem questões urgentes relativas ao Protocolo que foi proposto, e estas devem ser debatidas extensivamente e de maneira esclarecida, com grupos africanos de pessoas com deficiência antes que a Comissão Africana chegue a uma decisão final.
Os mecanismos utilizados em todos os tratados regionais de direitos humanos (discutidos no parágrafo 2.3 a., acima) são aqueles previstos na Carta Africana. São os procedimentos de relatório do estado, o procedimento de comunicação (ou, em outra palavras, os “procedimentos de casos individuais”), e o procedimento judicial. No caso dos dois primeiros mecanismos, o relatório e a comunicação devem ser recebidos pela Comissão Africana. No último procedimento, a instituição é a Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos. Até hoje, essa corte julgou apenas um caso. Sob a Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança, o Comitê de Especialistas no Direito e Bem-Estar da Criança desempenha uma função adicional, vinculada a este tratado específico nos moldes da Comissão Africana. O comitê começou a funcionar apenas recentemente.
Tanto o procedimento de relatório do Estado quanto o procedimento de comunicação apresentam um histórico que varia entre a obsolência e a ineficácia ou desuso.21 Nesse sentido, os debates no âmbito do Protocolo sobre Deficiência na África, sobre a criação de outra instituição similar ao Comitê para Crianças na África deverão levar em consideração essas deficiências verificadas neste órgão.
Observando os instrumentos políticos e de direitos humanos examinados acima (tanto os vinculantes quanto os não vinculantes), podemos notar que há um certo progresso – desde o silêncio inicial sobre a questão da deficiência até a sua eventual inclusão nos instrumentos regionais de direitos humanos. Essa, entretanto, não é uma trajetória consistente: em 2004, por exemplo, a Assembleia de Chefes de Estado e Governo da UA adotou a Declaração Solene sobre Igualdade de Gênero na África, que não faz nenhuma referencia às mulheres com deficiência (AFRICAN UNION, 2004). Nós também mencionamos diversas oportunidades que poderiam ser utilizadas para incluir explicitamente o tema da deficiência na estrutura normativa do sistema regional africano.
Na análise desses documentos, uma segunda observação é que existem diversos instrumentos internacionais vinculantes e não vinculantes relativos especificamente a pessoas com deficiência adotados pela Assembleia Geral das Nações Unidas, suas agências especializadas e outras organizações internacionais antes de 2006 aos quais os documentos do sistema africano não fazem alusão.22
Já que a maioria dos Estados africanos já havia declarado independência quando os primeiros destes instrumentos foram adotados, é relativamente seguro assumir que esses estados apoiaram a adoção de tais instrumentos por serem membros da ONU e pelo fato de que os procedimentos de votação na Assembleia Geral da ONU são baseados em maioria simples. Concluir portanto que esses instrumentos não tiveram nenhum impacto nas políticas e leis dos Estados africanos seria infundado e injustificado.
Numa perspectiva formal, é de certa maneira desconcertante notar que a terminologia desses instrumentos varia entre “pessoas deficientes”, “incapacitados”, a “pessoas com deficiência”. É axiomático que essas terminologias possam mudar com o desenvolvimento da consciência política (tanto nacionalmente quanto internacionalmente). Não obstante, é importante para os instrumentos de direitos humanos, que são potencialmente poderosos em moldar a consciência pública, acompanhar, e refletir abordagens de direitos humanos que são embebidas no reconhecimento das capacidades, e não nas limitações das pessoas com deficiência (UNITED NATIONS, 2006, art. 8).
Finalmente, não há necessidade de afirmar que essa perspectiva apenas apresenta um lado da moeda, ex. incorporação da norma no âmbito regional (HEYNS; VILJOEN, 2004, p. 133). O outro lado da moeda é a execução da norma, um aspecto que tem afligido o sistema africano desde seu início.23
Estados africanos foram em geral bem representados e se envolveram ativamente no processo que levou ao estabelecimento do Comitê Ad Hoc para Elaboração da Convenção na Assembleia Geral da ONU, assim como na elaboração do texto da Convenção (KANTER, 2006-2007, p. 308; QUINN, 2009a, p. 256). Esse foi um afastamento de uma prática comum do passado onde Estados africanos, devido ao pouco envolvimento no nível global, preferiram estabelecer um tratado quase idêntico em âmbitoregional (VILJOEN, 1998, p. 205; KAIME, 2009, p. 55). Já se afirmou que a CDPD detém uma marca “africana” por sua ênfase nas conexões entre deficiência, pobreza e desenvolvimento. Até a data em que este artigo foi finalizado, 26 estados africanos já haviam ratificado a Convenção; 15 dos quais também já haviam ratificado seu Protocolo Opcional (UNITED NATIONS, 2011).
Apesar da impressão favorável criada pelas referências feitas acima sobre o status da CDPD não se deve perder de vista o fato de que várias atividades de “elaboração de leis” que ocorrem no sistema de direitos humanos regional africano (como discutido nos parágrafos 2.1 a 2.4) ocorreram em paralelo ao processo de negociação e adoção, assim como a entrada em vigor da CDPD. Essas atividades envolveram os mesmos Estados que ratificaram a CDPD. Em nosso ponto de vista, como agora está,não se pode classificar a CDPD como a “estrutura normativa” preferida entre os Estados africanos. Parece ser, no melhor caso, uma possível opção, dentre outras.
Com o risco de generalizar, outras possibilidades parecem incluir, em primeiro lugar, tentativas de otimizar o sistema africano existente por meio de reformas ad hoc de “soft laws” na forma de declarações; em segundo lugar, a adoção de um protocolo sobre deficiência na África à Carta Africana com ou sem seu próprio órgão de monitoramento de tratados; e em terceiro lugar, assumindo que as indicações gerais são entendidas adequadamente, a delimitação de padrões específicos para os direitos de pessoas com deficiência que perpassem o regime do tratado existente – possivelmente sob a orientação da CDPD.
A luta pelos direitos humanos será vencida ou perdida em nível nacional.
(OLOWU, 2009, p. 73)
Vamos agora para o próximo nível de nossa investigação, a “incorporação da norma” na esfera nacional. É digno de nota que no momento da elaboração deste artigo, aproximadamente metade dos 54 países da África havia ratificado a CDPD. O status atual de ratificações, em respeito à Convenção e seu Protocolo Opcional, dentre os quatro países examinados para os propósitos desse artigo estão demonstrados na Tabela 1 abaixo. Pode-se notar um aparente entusiasmo na incorporação das normas contidas na Convenção. A questão, entretanto, é a medida em que essa incorporação foi traduzida em implementação da norma.
O que pode ser esperado da CDPD no âmbito nacional? Stein e Lord identificam três áreas onde a CDPD deve ter um efeito nacional imediato: o valor simbólico atrelado ao reconhecimento de direitos humanos das pessoas com deficiência; o impacto em requerer que Estados Partes reflitam sobre e elaborem leis e políticas em âmbito doméstico voltadas a pessoas com deficiência; e avanços em integração social de pessoas com deficiência que serão facilitados através do mandato de desenvolvimento inclusivo emanado da CDPD (STEIN; LORD, 2009, p. 31). Dado o curto período desde a adoção dessa Convenção, esse artigo foca especificamente na segunda dessas áreas. (O que não significa no entanto que as outras duas áreas devam ser desconsideradas.)
Para o propósito dessa discussão, então, a questão é quais elementos devem ser levados em consideração quando determinamos a extensão da CDPD nas leis e políticas para pessoas com deficiência no âmbito interno. Analistas de legislação para pessoas com deficiência reportaram que existem inúmeras variações internacionais de sistemas legislativos, sem determinar “certo” ou “errado”; o importante é o impacto prático da legislação (KANTER, 2003, p. 249-252; HERR, 2001, p. 355).
Se a jurisdição em questão não promulgou legislação específica aos deficientes, a questão é se a deficiência está incluída pelo menos na legislação geral de anti-discriminação, por exemplo, emprego ou previdência social. O efeito a ser evitado é que deficiência, incluída em legislação genérica, torne-se invisível novamente.
Além da legislação focada em deficiência, outro ponto importante de discussão deve ser a constituição nacional, particularmente o rol de direitos que esta traz (LANDMINE SURVIVORS NETWORK, 2007, p. 15). O foco deve ser a cláusula anti-discriminação, assim como a questão de se a constituição prevê explicitamente que pessoas com deficiência constituem um grupo marginalizado.
Uma consideração importante é a escolha da abordagem de pessoas com deficiência na estrutura constitucional e legislativa, ex. se deve ser adotada uma abordagem paternalista de “bem-estar” (típica do chamado modelo médico), ou uma abordagem social e de direitos humanos que reconhece e encoraja autonomia e dignidade? A abordagem chamada de modelo médico normalmente entende pessoa com deficiência como um “objeto” de intervenção legal, enquanto a abordagem de direitos humanos implica entender pessoas com deficiência como pessoas agindo com independência – detentoras dos direitos.
Outra dimensão a ser incorporada na análise é a relação entre igualdade e direitos sociais e econômicos: foi identificado que o interesse das pessoas com deficiência é muitas vezes mais diretamente afetado na arena social e econômica; eles são mais vulneráveis nas áreas de emprego, saúde, educação e serviços sociais (BHABHA, 2009, p. 219). A constituição ou legislação requer que o Estado tome medidas positivas para avançar esses direitos para pessoas com deficiência?
Uma análise abrangente de cada sistema jurídico vai além do escopo desse artigo (as regras relativas a capacidade das pessoas com deficiência intelectual, por exemplo, pode ser complexa, especialmente quando incorporadas tanto no chamado direito costumeiro, quanto direito estatutário, como na África do Sul). Os autores reconhecem que uma análise comparativa e abrangente deve incluir uma análise muito mais detalhada do que aquela possível dentro do escopo (e objetivo) desse artigo exploratório. Por exemplo, com o propósito de entender as escolhas políticas que determinam todas as iniciativas de reforma legislativa – e concomitantemente os processos de sensibilização – teria sido necessário mergulhar muito mais fundo nas dinâmicas de poder que operam nos setores de deficiência / movimentos em nível nacional.24 Esse artigo é, portanto, limitado já que seu foco é “na raiz” dos dispositivos legislativos e políticos, e não em suas implementações práticas. Entretanto, ao ter os fatores acima mencionados em mente ao construir uma visão geral dos sistemas constitucional e legal, pode-se ter a impressão da extensão na qual um dado sistema começou a se alinhar com a CDPD.25
As maneiras de influência no âmbito nacional das normas e padrões da legislação de direitos humanos internacional (como o CDPD e sua interpretação) tradicionalmente dependeriam da relação entre o sistema legal internacional e um sistema nacional em particular, e mais especificamente, se o sistema jurídico nacional segue uma abordagem monista ou dualista na recepção de lei internacional (ADJAMI, 2002, p. 108; OPPONG, 2007, p. 297).26
Na abordagem monista, a legislação internacional e interna formam um sistema jurídico único, e a lei internacional é portanto diretamente aplicável no sistema jurídico interno – não há necessidade de nenhum ato de incorporação à legislação interna. A visão dualista, por outro lado, vê as legislações interna e internacional como sistemas independentes. Para que uma lei internacional seja aplicada no sistema interno, ela deve ser recebida através de medidas legislativas internas, o que transformará a regra internacional em interna. Apenas depois desse ato de transformação (ou incorporação interna)27que os indivíduos em um Estado podem se beneficiar de ou contar com a legislação internacional (agora interna). Entretanto, mesmo quando um instrumento internacional não foi incorporado, ele ainda serve como subsídio para a interpretação de legislação interna ou leis ordinárias, como será demonstrado abaixo (VILJOEN, 2007, p. 540).
Estados africanos em grande parte herdaram seus sistemas jurídicos (incluindo a abordagem frente as legislações internacionais) de seus predecessores coloniais. A maioria das antigas colônias francesas ou belgas adotou a abordagem monista, enquanto as antigas colônias britânicas adotaram a posição dualista, normalmente encontrada nos sistemas de “common law” (ADJAMI, 2002, p. 110). Além da estrutura fornecida pelos sistemas legais coloniais, os sistemas legais africanos também incorporaram o direito consuetudinário africano, assim como previsões de leis religiosas, como por exemplo, leis islâmicas.
Desde 1990, diversas constituições nacionais promulgadas na África colocaram as leis internacionais em uma posição mais proeminente do que teriam em um sistema tradicional dualista. As constituições da Namíbia, Malaui e África do Sul são exemplos desse caso (ADJAMI, 2002, p. 110-112). Por essa razão também é importante examinar as previsões (quando existirem) que descrevem a relação entre os sistemas jurídicos internacional e interno a fim de determinar a influência da CDPD em cada caso (LANDMINE SURVIVORS NETWORK, 2007, p. 21-22).
A Constituição sul-africana dispõe de uma cláusula de igualdade que contém uma lista proibitiva de discriminações, na qual consta explicitamente a deficiência (SOUTH AFRICA, 1996a, section 9(3)). A Carta de Direitos também estabelece o direito à dignidade (seção 10), segurança da pessoa, liberdade contra todas as formas de violência (seção 12), assim como o direito ao acesso à moradia adequada (seção 26). A seção 27 concede a todas as pessoas o direito de acesso à serviços de saúde, incluindo cuidados para reprodução, água e alimentação suficiente, assistência social apropriada. Nos termos da seção 29, todos têm o direito a educação básica, incluindo educação de adultos. Todos esses dispositivos legais são sustentados pela seção 7(2), que requer que o Estado “respeite, projeta, promova e cumpra” os direitos presentes na Carta de Direitos (Bill of Rights)”. Embora a língua de sinais não seja uma das línguas oficiais, a Constituição requer que esta seja divulgada e que condições para seu desenvolvimento e uso sejam criadas.
A Constituição é ainda mais abrangente ao definir a relação entre lei internacional e interna. Embora a seção 231 requeira um ato de incorporação pelo parlamento para que um acordo internacional (como o CDPD) seja incorporada como lei interna, a Constituição determina que lei internacional consuetudinária deve também integrar legislação interna da África do Sul, a não ser que seja inconsistente com a Constituição ou legislação nacional (seção 232). Importante, a Seção 39(1)(b) da Constituição requer que a corte considere a lei internacional quando interpretar a Carta de Direitos. Isso pode incluir tanto as fontes vinculantes (ex. Tratados e convenções ratificados pela África do Sul) como as não vinculantes (SOUTH AFRICA, S v Makwanyane, 1995). Além disso, a seção 233 da Constituição determina que todas as cortes, ao interpretar a legislação, devem preferir a interpretação de tal legislação que seja consistente com a lei internacional.
A África do Sul até hoje não tem uma legislação que abranja as pessoas com deficiência. A implementação dos direitos das pessoas com deficiência é tratada por uma legislação anti-discriminação “genérica” tal como o Ato de Promoção de Igualdade e Ato Prevenção de Discriminação Injusta (SOUTH AFRICA, 2000),28 dentre outros atos normativos (SOUTH AFRICA, 1996b, 1998, 2002, 2004, 2005).
Tendo em vista que as estruturas constitucional e legal da África do Sul são relativamente progressivas, é de certa forma surpreendente que não haja mais jurisprudência que trate de pessoas com deficiência – além de dois casos que tratam de leis trabalhistas (SOUTH AFRICA, Independent Municipal and Allied Trade Union v. City of Cape Town, 2005; Standard Bank v. Commission for Conciliation, Mediation and Arbitration, 2007) e um caso recente relativo ao direito à educação de crianças com deficiência intelectual severa e profunda (SOUTH AFRICA, Western Cape Forum on Intellectual Disability v. The Government of South Africa, 2010). Importante mencionar que a Corte Constitucional ainda não se posicionou sobre a interpretação de igualdade substantiva no contexto de deficiência.29
A Constituição da República Federal Democrática da Etiópia foi adotada em 1995, anos antes da CDPD.30 Entretanto, esta pode ser entendida como uma constituição africana da “nova geração”, já que discorre sobre o papel que a legislação internacional de direitos humanos deve desempenhar no âmbito legislativo interno. O Artigo 9.4, por exemplo, que trata da supremacia da Constituição, determina que um acordo internacional ratificado pela Etiópia “constitui parte integral da lei da nação”. Esse artigo coloca a Etiópia na categoria de “monista”. O Artigo 13.2 (que é parte da introdução do Capítulo 3, sobre direitos e liberdades fundamentais) determina que este Capítulo deve ser interpretado “de maneira consistente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pactos internacionais de direitos humanos e convenções ratificadas pela Etiópia” (FEDERAL DEMOCRATIC REPUBLIC OF ETHIOPIA, 1995).
Observadas as determinações do Capítulo 3, diversos direitos são especialmente importantes para pessoas com deficiência. O artigo 24.1 concede a todos o direito à dignidade, e o mesmo artigo também afirma que todos têm o direito de desenvolver sua personalidade livremente, respeitando o direito dos outros (FEDERAL DEMOCRATIC REPUBLIC OF ETHIOPIA, 1995, art. 24.2). A cláusula de igualdade apresenta uma lista proibitiva de discriminação por raça, nacionalidade, gênero, língua e religião… “ou outro status” (FEDERAL DEMOCRATIC REPUBLIC OF ETHIOPIA, 1995, art. 25). Deficiência não foi expressamente incluída.
O Artigo 41, que trata de direitos econômicos, sociais e culturais, determina que todos os etíopes têm direito de engajar em atividades econômicas e ganhar a vida através do trabalho que livremente escolherem (Artigo 41.1). Ainda determina que possuem o direito de escolher sua vocação, trabalho e profissão (Artigo 41.2). Todo cidadão etíope tem direito de acesso igualitário aos serviços sociais oferecidos com fundos governamentais (Artigo 41.3).
Esse Artigo também determina certas obrigações ao Estado etíope, além de descrever seus direitos. Em primeiro lugar afirma que o Estado deve “progressivamente” aumentar a quantidade de fundos com o propósito de promover o acesso à saúde, educação e outros serviços sociais (Artigo 41.4). O Estado deve ainda, dentro dos limites permitidos pela capacidade econômica do país, cuidar e reabilitar “os deficientes mentais e físicos, os idosos, e as crianças privadas de pais e responsáveis” (Artigo 41.5). Além disso, o Estado deve elaborar políticas designadas para criação de emprego aos pobres e desempregados, oferecer programas com o objetivo de abrir oportunidades de trabalho no setor público e “iniciar projetos” (Artigo 41.6) (FEDERAL DEMOCRATIC REPUBLIC OF ETHIOPIA, 1995).
Mesmo com a inclusão de uma Carta de Direitos na Constituição relativamente abrangente, na prática as cortes etíopes têm sido relutantes em desenvolver uma jurisprudência baseada nos direitos. As cortes na realidade, na maioria dos casos, não estão dispostas a interpretar a Constituição dessa forma – há uma convicção dentre os juízes que às cortes não se permite discutir os preceitos constitucionais quando estão julgando um caso específico (FESSHA, 2006, p. 79; YESHANEW, 2008, p. 279). A razão para esse posicionamento pode ser encontrado nos Artigos 83 e 84 da Constituição, que determinam que todas as “disputas constitucionais” devem ser decididas na Câmara Federal [House of Federation]31após a recomendação do Conselho Constitucional de Inquérito acerca da necessidade de nova interpretação à Constituição. Poucas disputas foram levadas a esta Câmara. A consequência dessa determinação é que as cortes decidem os direitos e obrigações em nível regulamentar (e não constitucional), e que questões chave relativas aos direitos previstos na Constituição não são esclarecidas (FESSHA, 2006, p. 80).
Em comparação, vários membros do judiciário acreditam que os direitos incluídos nos tratados internacionais ratificados que não estejam claramente previstos nas leis internas não são passíveis de demanda. (YESHANEW, 2008, p. 286). O resultado são tanto litigantes quanto cortes evitando fazer referência a instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados pela Etiópia, mesmo em casos onde são relevantes.
Assim como a África do Sul, a Etiópia também não adotou até hoje uma legislação geral sobre deficiência. Em 2008, no entanto, foi adotada uma nova legislação trabalhista relativa a pessoas com deficiência. A Proclamação sobre “O Direito das Pessoas com Deficiência ao Trabalho” claramente demonstra seus objetivos (FEDERAL DEMOCRATIC REPUBLIC OF ETHIOPIA, 2008, preamble). Ele infere que as percepções negativas de deficiência que estão enraizadas na sociedade afetam o direito das pessoas com deficiência ao trabalho e ao reservar vagas para pessoas com deficiência, legislação prévia sobre o direito de pessoas com deficiência ao trabalho criou a imagem de que essas pessoas eram consideradas incapazes de executar os trabalhos por mérito próprio –falhando portanto em garantir o direito à adaptação razoável e fornecer proteção razoável. Tornou-se necessário, portanto, elaborar nova legislação para estar de acordo com as políticas de oportunidades igualitárias de trabalho, prover adaptação razoável para pessoas com deficiência e também prover uma solução simplificada no caso de discriminação no mercado de trabalho.
A proclamação define “pessoas com deficiência” de acordo com a CDPD,32 e ainda apresenta descrição para “discriminação”,33 “adaptação razoável”34 e “ônus indevido”.35 Também proíbe discriminação contra pessoas com deficiência em práticas do mercado de trabalho e impõe responsabilidades concomitantes entre empregadores, incluindo ao estabelecer medidas que ofereçam treinamento, condições de trabalho e materiais para pessoas com deficiência, estabelecer adaptação razoável e ações afirmativas para mulheres com deficiência, levando em conta o ônus múltiplo que deriva de seu gênero e deficiência e provendo assistentes para permitir que pessoas com deficiência realizem seu trabalho e participem dos treinamentos. Ainda, a responsabilidade de proteger mulheres com deficiência de violência sexual no local de trabalho também é imposta aos empregadores.
A Constituição da Uganda foi adotada em 1995 e emendada em 2005. Ela inclui uma Carta de Direitos (parte do Capítulo Quatro) que contém disposições dedicadas aos direitos de grupos marginalizados, ex. mulheres, crianças e pessoas com deficiência (UGANDA, 1995, art. 32-35).
Além da Carta de Direitos, também é importante observar na introdução da Constituição o chamado “Objetivos Nacionais e Princípios Diretivos das Políticas do Estado”; esses princípios têm como objetivo guiar todos os órgãos e agências do Estado, cidadãos e outros órgãos e pessoas ao aplicar ou interpretar a Constituição ou qualquer outra lei e ao implementar decisões políticas. Sob o título “Objetivos econômicos e sociais”, os Princípios Diretivos estipulam que a sociedade e o Estado devem reconhecer o direito das pessoas com deficiência ao respeito e à dignidade humana (Principio XVI).36 De acordo com o Princípio XXIV, o Estado deve promover a linguagem de sinais para os Surdos. Os Princípios Diretivos fornecem apenas direção básica e não sob a alçada judicial.
O Capítulo 4 da Constituição contém a importante declaração de que os direitos e liberdades fundamentais ao indivíduo são inerentes – e não fornecidos pelo Estado (Artigo 20). Ordena a todos os órgãos e agências do governo (e a todas as pessoas) a respeitar, apoiar e promover os direitos e liberdades contidos no Capítulo. A cláusula de igualdade contém uma determinação anti-discriminação, que lista declaradamente deficiência como um dos fatores proibidos de discriminação (Artigo 21(2)). O Estado deve tomar ações afirmativas em favor dos grupos marginalizados com base no gênero, idade, deficiência, “ou qualquer outra razão criada pela história, tradição ou costumes”, com o propósito de corrigir os desiquilíbrios que existem contra eles (UGANDA, 1995, art. 32). O Parlamento deve elaborar leis relevantes para dar efeito a essas determinações.
Como mencionado acima, a Constituição determina que pessoas com deficiência têm direito ao respeito e dignidade humana, e o Estado e a sociedade devem tomar as medidas necessárias para assegurar que essas pessoas atinjam seu completo “potencial físico e mental” (UGANDA, 1995, art. 35). O Parlamento deve decretar leis “apropriadas para a proteção de pessoas com deficiência”.
A Constituição de Uganda ainda determina que o parlamento (em nível nacional) deve ser composto por uma mulher representando cada distrito, e representantes dos outros grupos marginalizados como determinado pelo parlamento (Artigo 78(1)). De acordo com estes dispositivos, seis assentos foram designados a pessoas com deficiência (cinco representando cada região e um representando nacionalmente mulheres com deficiência) (UGANDA, 1997; HUMAN RIGHTS WATCH, 2010, p. 65). O Artigo 180 da Constituição igualmente estipula que a composição dos conselhos dos governos locais devem realizar ações afirmativas para todos os grupos marginalizados, incluindo pessoas com deficiência.37
No que tange o ordenamento jurídico internacional, o sistema de Uganda é dualista, necessitando, portanto, de legislação interna a fim de incorporar tratados e acordos internacionais (MUJUZI, 2009, p. 580). Embora nem a Suprema Corte nem a Corte Constitucional de Uganda estejam expressamente autorizadas pela Constituição de Uganda a orientar a interpretação do direito internacional, ambas as cortes têm demonstrado disposição em fazê-lo em alguns casos.38
Contra esse histórico, o parlamento de Uganda promulgou em agosto de 2006 (UGANDA, 2006)39 o Ato sobre Pessoas com Deficiência (APDU). Embora o Ato seja prévio à adoção da CDPD, a essência da Convenção parece estar presente no texto. Por exemplo, os objetivos do Ato incluem inter alia a promoção da dignidade e oportunidades igualitárias a pessoas com deficiência, encorajando os cidadãos, todos os setores governamentais e a sociedade a reconhecer, respeitar e aceitar as diferenças e a deficiência como parte da humanidade e diversidade humana e promover uma atitude e imagem positiva frente às pessoas com deficiência como membros contribuintes e capazes da sociedade (Artigo 3). Esses objetivos convergem a um significado similar aos encontrados nos Artigos 3 e 8 da CDPD.
A APDU aborda uma ampla gama de áreas, incluindo educação (Artigos 5-6), serviços de saúde (Artigos 7-8), reabilitação (Artigo 10) e reabilitação vocacional (Artigo 11). Também aborda especificamente a prevenção de deficiência (Artigo 9). O Ato ainda contém alguns capítulos sobre trabalho (Artigos 12-18), acessibilidade (Artigos 19-24) e discriminação em relação a bens, serviços e instalações (Artigos 25-31).
A Parte VI do Ato é importante já que determina que o Governo deve tomar ações afirmativas em favor das pessoas com deficiência com o propósito de “corrigir os desequilíbrios” que possam existir entre eles (UGANDA, 2006, art. 33). Também proíbe que pessoas com deficiência sejam submetidas a tratamento cruel, desigual e degradante, incluindo práticas institucionais, também afirma que sua privacidade não pode receber interferência arbitrária ou ilegal (Artigo 35). Esse capítulo ainda determina os direitos das pessoas com deficiência a uma família e sua participação na vida pública e cultural (Artigos 36-37).
O Ato foi criticado por sua “abordagem cuidadosa” ao tema dos direitos de pessoas com deficiência, já que usa a linguagem de direitos humanos de maneira minimalista; por outro lado, impõe obrigações ao Estado que poderiam, quando lidas de maneira recíproca, implicar direitos às pessoas com deficiência (MBAZIRA, 2009, p. 45). Os princípios gerais que sustentam o Ato parecem estar de acordo com aqueles previstos na CDPD: autonomia, acessibilidade e dignidade.
Existe, no entanto, uma estranha exceção encontrada na definição de deficiência do Ato,40 que parece basear-se em amplas – e infundadas41 – categorias. É difícil ver como essas categorias podem ser justificadas, e acreditamos que essa é uma área que deve ser revisada com a finalidade de alinhar a APDU com a CDPD.42
Diversos problemas práticos emergiram desde a promulgação da APDU. O mais desconcertante foi a disputa entre o Ministro da Justiça e a União Nacional de Pessoas com Deficiência de Uganda (NUDIPU)43 acerca da exigibilidade dos direitos estabelecidos nesta legislação (HUMAN RIGHTS WATCH, 2010, p. 65). O Ministro defende que a linguagem do APDU é “aspiracional” e portanto não obrigatória. Já os portadores de deficiência, assim como a NUDIPU, discordam deste ponto de vista, e rejeitam a proposta do governo em sua tentativa de repelir esse Ato antes que nova legislação esteja pronta para adoção.
Um segundo problema que tange a implementação desse Ato (e qualquer legislação futura), é a capacidade do Conselho Nacional de Deficiência em agir frente as reclamações recebidas sobre violações de direitos das pessoas deficientes e, ainda, monitorar a implementação da CDPD (HUMAN RIGHTS WATCH, 2010, p. 66-67). Essa capacidade parece ser limitada.
O terceiro ponto de disputa está nos papéis respectivos do Conselho Nacional de Deficiência44 e a NUDIPU ao selecionar os representantes parlamentares referidos acima. Pesquisadores observaram de maneira correta que essas dificuldades de governança devem ser resolvidas antes que os direitos de pessoas com deficiência, seja sob a Constituição, legislação ou CDPD, possam ser efetivamente e em sua integralidade aplicados em Uganda (HUMAN RIGHTS WATCH, 2010, p. 67). Ao mesmo tempo, também foi destacado que sérias violações de direitos humanos, como a detenção contínua de prisioneiros com deficiências psicossociais, ainda não foram resolvidas.45
A República Unida da Tanzânia (RUT) é uma união política de duas entidades semiautônomas: a área principal da Tanzânia e as ilhas de Zanzibar. A Constituição da RUT foi promulgada em 1977 (UNITED REPUBLIC OF TANZANIA, 1977).46 A Parte III da Constituição determina uma série de direitos e deveres básicos. O Artigo 12 afirma que todas as pessoas nascem livres e iguais e todos possuem o direito de ter sua dignidade respeitada. A cláusula anti-discriminação concomitante não prevê deficiência expressamente; embora a lista não possua claramente um “final aberto” como nos outros exemplos já mencionados, a cláusula sem dúvida permite a “leitura” de itens adicionais.47
Vale notar que essa Constituição contém todos os direitos que são tradicionalmente referidos como direitos políticos e civis; dentre os normalmente chamados direitos socioeconômicos, apenas o direito ao trabalho e o direito à propriedade estão incluídos. A Constituição também lista diversas obrigações ao indivíduo.48
Assim como o documento de Uganda mencionado acima, a Constituição da RUT contém um número de “Objetivos Fundamentais e Princípios Diretivos das Políticas Estatais” (não passíveis de demanda judicial) (Parte II). Esses princípios devem ser reconhecidos e aplicados pelo Governo, todos os seus órgãos e todas as pessoas ou autoridades que exercem função executiva, legislativa ou judicial; entretanto, os princípios diretivos não são aplicáveis pelas cortes (Artigo 7). Os Princípios Diretivos incluem obrigações inter alia cabendo ao Governo, e suas agências, direcionar suas políticas e programas a fim de assegurar o respeito à dignidade humana e aos outros direitos humanos (Artigo 9).
Embora a Constituição da Tanzânia seja omissa na relação entre lei interna e internacional, o país geralmente se posiciona de maneira dualista. No que tange a orientação interpretativa oriunda da legislação internacional, a Suprema Corte da Tanzânia decidiu essa questão após a inclusão da Carta de Direitos na Constituição do país. Em um caso que tratava dos direitos de uma mulher à herança com base nas Leis Consuetudinárias de Haia, a Suprema Corte decidiu de maneira clara que considerava as leis internacionais de direitos humanos como um guia essencial em sua interpretação da Constituição, nesse caso, a cláusula de igualdade (UNITED REPUBLIC OF TANZANIA, Ephraim v Pastory, 1990).
A Tanzânia49 promulgou uma abrangente lei para deficientes em 2010 chamada de “Ato sobre Pessoas com Deficiência” (APDT) (UNITED REPUBLIC OF TANZANIA, 2010). Esse Ato, um ambicioso documento, foi claramente inspirado na CDPD: várias determinações são verbatim à Convenção (com variações interessantes).50 Como por exemplo, o Ato atribui ao Ministro diversas obrigações para efetivação dos direitos de pessoas com deficiência (Artigo 5); o texto desse artigo é bem parecido com o Artigo 4 da CDPD (que detalha as obrigações gerais dos Estados Partes).51 Também as determinações para conscientização (Artigo 7).
A TPDA faz determinações para os cuidados da saúde das pessoas com deficiência (Artigo 26), educação (Artigos 27-29), reabilitação e trabalho (Artigos 30-34), e vários aspectos de acessibilidade (Artigos 25-50). Trata da participação da vida política e pública (Artigos 51-54), e comunicação (Artigos 55-56). O Ato ainda determina o estabelecimento de um Conselho Consultivo Nacional para Pessoas com Deficiência (Artigos 8-14) e um Fundo Nacional para Pessoas com Deficiência (Artigos 57-58).
O capítulo intitulado “Integração das pessoas com deficiência” possui diversas determinações que valem ser mencionadas. Esse capítulo institui um princípio geral de que todas as pessoas com deficiência devem ser assistidas pelas autoridades governamentais locais, parentes, organizações para deficientes, sociedade civil ou qualquer outra pessoa para viver a forma mais independente possível e seja integrado à comunidade (Artigo 15). Uma pessoa com deficiência não deve ser forçada a viver em uma “instituição” ou em determinado tipo de acomodação. O Ministro responsável deve tomar as medidas necessárias para permitir e apoiar pessoas com deficiência a viver independentemente e serem totalmente integradas à comunidade.
Atenção específica deve ser dada às atribuições das autoridades governamentais locais, que devem prestar serviços de apoio às pessoas com deficiência. Em primeiro lugar, o Ato impõe um papel de “proteção e promoção de direitos e bem-estar” de pessoas com deficiência em uma jurisdição (Artigo 20). A autoridade local deve fornecer aconselhamento aos pais, responsáveis, parentes e às pessoas com deficiência com o propósito de reduzir ou acabar com o estigma que os acerca. O governo local também deve fornecer assistência às pessoas com deficiência, em sua jurisdição, a fim de permitir que desenvolvam seu “potencial, empoderamento e autoconfiança”.
O Artigo 21 impõe uma obrigação a qualquer membro da comunidade que possua “prova ou informação” de que o direito de uma criança com deficiência foi infringido, a reportar o caso às autoridades locais assim como qualquer outra autoridade relevante da região. Uma obrigação similar existe quando pais, responsáveis ou parentes de uma pessoa com deficiência “tendo a custodia” de uma pessoa com deficiência sejam capazes de, mas se recusem ou deixem de oferecer os direitos à recreação, cuidados médicos, lazer e educação.
Os Comissionados para o Bem Estar Social devem estabelecer e manter um registro das pessoas com deficiência e acordos (Artigo 23). Esse registro deve ser usado apenas para “propósitos de identificação e estatística”.
As quatro jurisdições examinadas nesse Artigo ilustram sistemas constitucionais e jurídicos distintos acerca da proteção e promoção dos direitos de pessoas com deficiência. Esses sistemas, por outro lado, formam um sistema regional africano amplo e ao final, uma estrutura recentemente estabelecida pela CDPD.
No caso da África do Sul, que possui um sistema “híbrido” (dualista, mas com claras determinações no que tangem as orientações interpretativas e a legislação internacional consuetudinária considerada parte da lei interna), a legislação geral existente não trata de certas áreas da vida como o trabalho. Entretanto, está claro que para incorporar totalmente a CDPD na legislação interna, passos adicionais provavelmente na forma de uma legislação geral para pessoas com deficiência devem ser considerados.
A posição da Etiópia é diferente quando comparada com a África do Sul, já que a primeira possui um sistema monista. Enquanto que determinados dispositivos constituticionais relativos a direitos sociais e econômicos das pessoas com deficiência sejam muito mais fracos do que aqueles previstos pela Constituição sul-africana, os dispositivos da CDPD já são parte efetiva das leis Etíopes. Entretanto, esse não é o fim da discussão, dada a dificuldade com as revisões constitucionais e a relutância das cortes na interpretação de dispositivos constitucionais e aplicação de acordos internacionais em matéria de direitos humanos que ainda não estejam previstos do estatuto. Intervenções adicionais ao estatuto, assim como as linhas de Proclamação examinadas aqui, são necessárias para assegurar a incorporação efetiva da Convenção.
Enquanto existem aspectos das leis para deficientes tanto em Uganda quanto na Tanzânia que são de alguma maneira preocupantes (no caso da última, por exemplo, a questão do registro de pessoas com deficiência), ambas constituem um grande passo no reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência e no cumprimento desses direitos, especialmente nas esferas socioeconômicas. É de certa forma desconcertante afirmar que a Uganda, por exemplo, está ficando para trás quando tratamos das questões de acessibilidade no ambiente construído, dada a forte ênfase dessa questão na APDU (MBAZIRA, 2009). Esse fato novamente confirma o ditado que diz que os direitos são apenas tão poderosos quanto sua implementação.
Nossa pesquisa sobre o sistema regional africano e as quatro legislações domésticas indicam que as estruturas normativas descritas na CDPD ainda não foram incorporadas com sucesso em nenhum nível. Embora não se deseje menosprezar os avanços que já foram feitos, por exemplo, na Tanzânia ao promulgar medidas legislativas inovadoras que esclarecem os deveres das autoridades locais, a realidade é que em muitas jurisdições a ratificação tem sido pouco mais do que uma promessa vazia. A história dos direitos dos deficientes no âmbito continental, como tentamos mostrar por meio desse breve artigo, foi no melhor caso uma “negligência benigna”.
Entretanto, o resultado em geral não aparenta ser totalmente desencorajador nem pífio. Como ilustrado, mudanças significativas já ocorreram, e a CDPD abriu as portas para oportunidades em ambos os sistemas interno e regional.
Por exemplo, o Artigo 43 da CDPD permite que “organizações de integração regional” submetam a Convenção à confirmação formal ou adesão.Enquanto essa opção não for possível para a UA, dada a definição específica de “organizações de integração regional” no Artigo 44, não há nada que impeça a UA de adotar uma Declaração ou Resolução que expresse seu apoio e comprometimento com os princípios da Convenção. Essa será uma forte demonstração pública de apoio à CDPD.
Ainda há muito para ser feito a fim de assegurar que os direitos dos deficientes sejam integrados ao trabalho das instituições da UA, incluindo a Comissão Africana. Uma proliferação de instrumentos não é necessariamente uma panaceia. Entretanto, no caso de ser essencial a elaboração de documentos adicionais de direitos humanos, nós propomos que dois aspectos sejam considerados proeminentes: importante trabalhar lado a lado com a comunidade africana de pessoas com deficiência, e assegurar que as terminologias sejam inclusivas e respeitosas.
Esses princípios também são aplicáveis em âmbito interno, onde temos, por exemplo, identificado a necessidade de um instrumento de incorporação no caso da África do Sul, e passos adicionais para assegurar que as cortes na Etiópia sejam menos relutantes em aplicar os direitos previstos na CDPD (mesmo que esses princípios já sejam parte da legislação interna). E nem é preciso mencionar, em respeito a todas as jurisdições consideradas aqui, que uma legislação interna bem elaborada facilitará a interpretação dos oficiais do direito que provavelmente nunca foram confrontados com “os direitos das pessoas com deficiência”.
Ademais, se uma legislação interna indica claramente a necessidade de mecanismos regulatórios adicionais, seus assuntos relativos facilitarão o exercício do poder discricionário por empregadores e administradores. Também permitirá um fácil desenvolvimento de indicadores para monitoramento e avaliação, que é exigido pela CDPD (UNITED NATIONS, 2006, art. 33).
O desafio para os defensores dos direitos das pessoas com deficiência na África está afinal em assegurar que o impacto da CDPD em âmbito nacional (e, nós defenderíamos, regional) atravessem todas as três áreas identificadas por Stein e Lord: o valor simbólico atrelado ao reconhecimento dos direitos humanos baseados na deficiência; requerer dos Estados Partes a elaboração de leis domésticas de deficiência; e, finalmente, progredir na integração social de pessoas com deficiência. A revolução esperada pela adoção da Convenção sobre deficiência ainda está incompleta, pelo menos no que tange à África.
1. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Adicional foram aprovados pela Assembleia Geral da ONU em 13 de dezembro de 2006 e entraram em vigor em 3 de maio de 2008.
2. Quatro jurisdições na região Sul e Leste da África foram selecionadas: África do Sul, Tanzânia, Uganda e Etiópia. Reconhecemos que essas jurisdições não são representativas da África como um todo (ou mesmo da África Anglo-saxônica ou dos países SADC mais a Etiópia). Com uma amostra de 4 dos 54 países, pouco mais do que uma discussão “qualitativa” será possível – tampouco é possível identificar a existência de tendências entre estes países.
3. Um debate similar pode existir a respeito dos direitos das mulheres. Essa situação, no entanto, foi tratada pelo Protocolo sobre a Mulher Africana adotado em 2003.
4. Esse artigo admite fazer uso de generalizações como “a abordagem africana” e “no contexto africano”, e ao mesmo tempo nega apoiar qualquer suposição de que exista uma “experiência africana” homogênea que possa ser aplicada a todas as pessoas com deficiência na região.
5. A natureza dos direitos humanos na África tem gerado grande debate na literatura, incluindo discussão entre universalistas e relativistas culturais (COBBAH, 1987, p. 320; ZELEZA, 2004, p. 13; IBHAWOH, 2004, p. 29; HEYNS; VILJOEN, 2004, p. 129; OLOWU, 2009, p. 51).
6. Esse artigo não tenta fazer uma análise abrangente da arquitetura regional africana. Existem, por exemplo, diversas iniciativas da União Africana, como a Novas Parcerias para o Desenvolvimento da África (NEPAD) e o Mecanismo de Revisão por Pares Africanos, que tivemos que omitir por questões de tamanho do artigo. O mesmo aplica aos programas da UA como o Diretório de Assuntos Sociais, que trata do tema de “deficiência”.
7. A Primeira Assembleia Geral Permanente do ECOSOCC foi eleita em 8 de setembro de 2008, em Dar es Salaam na República Unida da Tanzânia.
8. A Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governança foi adotada em 30 de janeiro de 2007; a Carta Africana da Juventude em 2 de julho de 200
7. Ambas exigem 15 ratificações para entrar em vigor. No momento de finalização desse artigo, 20 estados haviam ratificado a última carta.
9. Para facilitar a leitura, nos referimos ao documento como “a Carta Africana”.
10. Os documentos produzidos pela Comissão Africana não são legalmente vinculantes. Em 1998, o Protocolo da Carta Africana sobre o Estabelecimento de uma Corte Africana de Direitos Humanos e Direito dos Povos (“o Protocolo da Corte Africana”) foi aprovado; entretanto, devido à lenta ratificação por Estados Membros, esse Protocolo apenas entrou em vigor em 25 de janeiro de 2005. (Já o Protocolo sobre a Corte de Justiça da União Africana foi adotada em 11 de julho de 2003, e medidas foram tomadas para unificar essas cortes. A nova corte combinada será conhecida como Corte Africana de Justiça e Direitos Humanos.) Os primeiros onze juízes foram eleitos para a Corte Africana de Direitos Humanos e Direitos dos Povos em 2006, e até o momento de finalização desse artigo, a corte está em funcionamento. Ela pode receber casos de Estados Partes, da Comissão Africana, indivíduos e ONGs com status de observador na Comissão Africana, desde que o Estado Parte em questão tenha reconhecido a jurisdição da Corte no que diz respeito ao acesso da Corte por indivíduos e ONGs. (Artigos 5(3) e 34(6) do Protocolo da Corte Africana – acima).
11. A Declaração Americana contém diversos artigos detalhando os deveres dos cidadãos, incluindo o dever de ‘prover apoio, educar e proteger as crianças menores de idade’, de obter ‘pelo menos a educação básica’, de ‘obedecer a lei e outros comandos legítimos das autoridades’ e o dever de trabalhar (ORGANISATION OF AMERICAN STATES, 1948, art. XXIX – XXXVIII).
12. Essa é a única comunicação que trata de deficiência trazida perante a Comissão Africana.
13. O mandato do ARI, mesmo que ainda baseado nos princípios originais, foi adaptado para incluir novas demandas e desenvolvimento da sociedade, com o intuito de desenvolver a capacidade dos governos e levando em consideração as demandas de organizações de pessoas com deficiência. O mandato, portanto, inclui a promoção e encorajamento da implementação do Plano Continental da Década Africana sobre Pessoas com Deficiência, assim como as Normas Uniformes da ONU sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência dentre os Estados Membros da UA (Organização da Unidade Africana, 1985).
14. O órgão de monitoramento da Carta Africana sobre Crianças é o Comitê dos Direitos e Bem- Estar da Criança, que teve sua primeira reunião em 2002.
15. Para o propósito dessa Carta “menores” são as crianças entre 15 e 17 anos e ‘jovens’ ou pessoas jovens refere-se a todas as pessoas entre 15 e 35 anos.
16. Não há nenhuma referência à juventude com deficiência sensorial. Não há certeza se devem ser incluídos na descrição de “jovens com incapacidade física” ou “jovens com necessidades especiais”.
17. Nesse contexto, cabe ressaltar o papel importante do Conselho de Paz e Segurança da UA (estabelecido em 2002) em situação de pós-conflito. O Conselho deve, dentre outras coisas, assistir na acomodação e reintegração de refugiados e pessoas internamente deslocadas, em particular pessoas vulneráveis, incluindo crianças, idosos, mulheres e outros grupos traumatizados na sociedade. Ao elaborar medidas preventivas, o Conselho deve encorajar organizações não-governamentais, comunidades e outras organizações da sociedade civil, principalmente organizações de mulheres, a participar ativamente nos esforços que buscam promover paz, segurança e estabilidade na África.
18. Na linguagem da legislação internacional, tais Declarações constituem o denominado “soft law” e portanto não têm efeito vinculante.
19. O estabelecimento de grupos de trabalho tem sido um dos principais mecanismos que a Comissão Africana tem utilizado para lidar com temas específicos em direitos humanos.
20. Cópia em arquivo com autores.
21. As sérias implicações dessa situação foram sucintamente explicadas por Evans e Murray (2008, p. 63).
22. Instrumentos adotados pela Assembleia Geral da ONU incluem a Declaração sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência (UNITED NATIONS, 1975); O Programa Mundial de Ação sobre Pessoas com Deficiência (UNITED NATIONS, 1982); os Princípios para a Proteção de Pessoas com Doenças Mentais e a Melhora nos Cuidados da Saúde Mental (UNITED NATIONS, 1991); e as Normas Uniformes da ONU sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência (UNITED NATIONS, 1993). Instrumentos adotados pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT): a Recomendação sobre Reabilitação Vocacional dos Deficientes (INTERNATIONAL LABOUR ORGANISATION, 1955); a Convenção sobre Reabilitação Vocacional e Trabalho (Pessoas Deficientes), e a Recomendação sobre Reabilitação Vocacional e Trabalho (Pessoas Deficientes) (INTERNATIONAL LABOUR ORGANISATION, 1983b).
23. Esse assunto está além do escopo desse artigo.
24. Esse debate teria trazido inter alia uma perspectiva sobre o porquê certos grupos ou setores parecem ser ainda mais marginalizados, mesmo pertencendo ao setor já marginalizado das pessoas com deficiência, por exemplo, pessoas com albinismo na Tanzânia. Veja Parlamento Europeu (2008).
25. Um aspecto crucial na implementação da Convenção, que não foi considerado aqui, são os mecanismos de aplicação previstos no Artigo 33, como os pontos focais nacionais, mecanismos de coordenação, e mecanismos independentes.
26. Essa distinção binária tradicional não está imune a críticas; entretanto, é importante enfatizar as diferenças básicas entre os sistemas legislativos no que diz respeito à incorporação no âmbito nacional das obrigações dos tratados internacionais (LORD; STEIN, 2008, p. 451).
27. Esse processo é muitas vezes, de maneira errônea, intitulado “domesticação”.
28. O Ato lista formas específicas de discriminação com base na raça, gênero e deficiência. A seção 9 define que nenhuma pessoa deve ser injustamente discriminada por causa de sua deficiência, incluindo — (a) negar ou remover de qualquer pessoa com deficiência, qualquer ferramenta de apoio ou suporte necessária para sua participação na sociedade; (b) infringir o código de práticas ou regulamentos do Bureau de Padrões Sul Africano que dispõe sobre acessibilidade ambiental; (c) falhar na eliminação de obstáculos que limitam de maneira injusta ou restringem as pessoas com deficiência de aproveitar oportunidades iguais ou falhar em tomar medidas para acomodar de forma razoável as necessidades de tais pessoas.
29. Perante a Corte Constitucional, argumentouse que discriminação por causa do status de HIV deveria ser entendida como discriminação relacionada à deficiência; entretanto, a Corte recusou o pedido, e decidiu a questão exclusivamente como discriminação por HIV (SOUTH AFRICA, Hoffman v South African Airways, 2001).
30. A Constituição da República Federal Democrática da Etiópia foi adotada em 8 de dezembro de 1994 e entrou em vigor em agosto de 1995 (FEDERAL DEMOCRATIC REPUBLIC OF ETHIOPIA, 1995).
31. A Câmara Federal [“House of Federation”] pode ser entendida como a “Câmara Superior” ou “Segunda Câmera” do parlamento bicameral etíope (FEDDHA, 2006, p. 53). O Conselho de Inquérito Constitucional é um órgão composto por membros do judiciário, peritos legais indicados pelos Representantes da Camâra Popular e três de seus membros apontados pela Câmara Federal, para examinar questões constitucionais e submeter suas recomendações à Câmara Federal para uma decisão final.
32. “Pessoa com deficiência” diz respeito a um indivíduo cuja oportunidade de trabalho seja reduzida por resultado de uma diminuição em sua capacidade física, mental ou sensorial em relação à discriminação social, econômica e cultural.
33. “Discriminação” significa oferecer tratamento diferente em oportunidades de trabalho por causa da deficiência, entretanto, qualquer requerimento inerente do trabalho ou medidas de ação afirmativa não podem ser considerados discriminação.
34. “Adaptação razoável” significa uma adaptação ou acomodação com respeito aos equipamentos do ambiente de trabalho, requerimentos do trabalho, horas de trabalho, estrutura do negócio e ambiente de trabalho com vista a acomodar pessoas com deficiência.
35. “Ônus indevido” significa uma ação que concede ao empregador uma dificuldade ou despesa considerável para acomodar pessoas com deficiência quando considerado à luz da natureza do custo para as adaptações, o tamanho e a estrutura do negócio, o custo das operações e o número de empregados.
36. Diversos desses Princípios Diretivos têm um significado especial a pessoas com deficiência (como exemplo mencionamos o Principio Diretivo X, que requer que o Estado garanta equilíbrio de gênero e justa representação dos grupos marginalizados em todos os órgãos constitucionais e outros, e o Princípio Diretivo XI(i), que afirma que o Estado deve dar prioridade máxima no estabelecimento de legislação que conceda proteção e ampliação aos direitos das pessoas a oportunidades iguais de desenvolvimento). Entretanto o Princípio Diretivo XVI é o único que menciona especificamente pessoas com deficiência.
37. Foi observado que esse dispositivo tem, na prática, resultado em um significante aumento em representações de pessoas com deficiência nos governos locais de Uganda (LANDMINE SURVIVORS NETWORK, 2007, p. 20.)
38. Como exemplo, a Suprema Corte de Uganda se baseou em legislação internacional em seu julgamento sobre a pena de morte em (UGANDA, Attorney-General v Kigula and Others, 2009).
39. O Ato de 2006 precedeu o Ato sobre Deficiência do Conselho Nacional, que foi aprovado em 2003 (e ainda está em vigor). Esse Ato estabeleceu o Conselho Nacional para Deficiência, cujo mandato objetiva promover os direitos das pessoas com deficiência como descrito nas convenções internacionais e instrumentos legais, a Constituição e outras leis. O Conselho funciona como órgão pelo qual as necessidades e preocupações das pessoas com deficiência podem ser comunicadas ao Governo e suas agências a fim de que tomem as ações necessárias. Embora o Ato mencione as Normas Uniformes da ONU sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência e a Constituição como regras que devem guiar o Conselho, ele não define os direitos das pessoas com deficiência (MBAZIRA, 2009, p. 42).
40. A APDU define em seu texto “deficiência” e “pessoas com deficiência”. “Deficiência” é definida como “uma limitação funcional substancial das atividades cotidianas causadas por uma diminuição física, mental ou sensorial e barreiras ambientais resultando em uma participação limitada”; “pessoas com deficiência” é definido como “pessoa que tem limitação física, intelectual, sensorial ou mental com limitação substancial de uma ou mais atividades cotidianas essenciais”. O Ato então apresenta em seguida a “codificação de deficiência” na Tabela 1 que determina se o impedimento tem uma função limitadora substancial às atividades diárias, ou se o impedimento causa um impacto em longo prazo na pessoa (Artigo 4(1) e (2)). Além disso, um oficial médico e qualquer organização relevante de ou para pessoas com deficiência devem ser consultadas. A Tabela 1 consiste em uma lista ampla de “codificação de deficiência”. Por exemplo, sob o título de “doenças de pele”, podemos encontrar “doenças de pele e tecidos celulares”.
41. Por exemplo, em “distúrbios mentais” na Tabela 1, podemos encontrar as seguintes categoriais: “psiconeuroses (ex. ansiedade ou estado de histeria obsessivo (sic); outras doenças mentais e sub-normalidade mental). Além do fato destas “definições” serem cientificamente questionáveis, a terminologia empregada é infeliz. Veja também nossos comentários sobre terminologia na Seção 2.1.
42. A CRDP não tenta definir “deficiência”; ao invés, afirma que “pessoas com deficiência” incluem “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas” (Artigo 1).
43. A União Nacional para Pessoas com Deficiência em Uganda (NUDIPU), fundada em 1987, é um coalização de outras organizações de deficiência física, mental, intelectual e sensorial. Membros incluem organização de pessoas com deficiência e sindicatos distritais de pessoas com deficiência, incluindo organizações para surdos, cegos e pessoas om deficiência física, organização de pessoas com deficiência psicossocial, e organização de epiléticos. Mesmo sendo uma ONG, possui o papel, definido explicitamente no Ato de Governos Locais de 1997, de auxiliar em eleições parlamentares de representantes de pessoas com deficiência (HUMAN RIGHTS WATCH, 2010, p. 65, 250).
44. De acordo com o parágrafo 6 do Ato do Conselho Nacional de Deficiência de 2003, o Conselho deve auxiliar a comissão eleitoral em conduzir eleições para membros do parlamento que representem pessoas com deficiência.
45. Até a data de entrega desse artigo, a Human Rights Watch havia identificado 11 prisioneiros com deficiência psicossocial ou mental que foram considerados inocentes de crimes por razões de “insanidade”, mas retornaram ao presídio por ordem judicial, e foram colocados sob o status de “ordens do ministro” indefinidamente até que o ministro decida a ação mais apropriada. De acordo com a lei criminal em Uganda, uma vez que o juiz ordene que um indivíduo aguarde por ordens do ministro, este deve determinar se a pessoa deve ser solta ou colocada na “custódia apropriada.” Um detento estava esperando aguarda por 16 anos, e o outro por 10. Os outros nove presos estavam de 1 a 6 anos esperando (HUMAN RIGHTS WATCH, 2011).
46. Essa Constituição não continha uma Carta de Direitos quando entrou em vigor: esse Capítulo foi introduzido através da Quinta Emenda Constitucional.
47. O Artigo 13(5) diz: “Para o propósito desse Artigo a expressão “discriminação” significa satisfazer os direitos, necessidades ou outros requisitos de pessoas diferentes com base em sua nacionalidade, tribo, local de origem, opinião política, cor, religião ou estado na vida que possa ser entendida como fraca ou inferior e esteja sujeita a restrições ou condições onde pessoas sejam tratadas diferentemente ou concedidas oportunidades ou vantagens fora das condições específicas ou das qualificações descritas necessárias.” (UNITED REPUBLIC OF TANZANIA, 1977, grifo nosso).
48. Como exemplo mencionamos o Artigo 25, que afirma “o trabalho por si só cria a riqueza material em uma sociedade e é a fonte do bem estar das pessoas e a medida da dignidade humana. Portanto, todas as pessoas têm o dever de participar voluntariamente e honestamente em trabalho legítimo e produtivo; e observar a disciplina do trabalho e se esforçar para atingir os objetivos individuais e do grupo ou determinados em lei” (UNITED REPUBLIC OF TANZANIA, 1977).
49. Uma distinção deve ser feita entre a República Unida da Tanzânia (que inclui as ilhas de Zanzibar) e a Tanzânia “continental”, que possui capacidade legislativa autônima em certas esferas. O Ato que discutimos foi aprovado e se refere apenas à Tanzânia continental; portanto exclui Zanzibar.
50. Compare, por exemplo, o Artigo 4º, que apresenta uma série de princípios básicos ao Ato, com os princípios gerais da CDPD: o princípio do “respeito a diferenças e aceitação de pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e humanidade” como foi incluído no Artigo 3(d) da CDPD não aparece no Ato tanzaniano. O TPDA, em contrapartida adiciona um princípio que não aparece na CDPD, “prevê critérios básicos de moradia e proteção social” – Artigo 4(g). Outra área de comparação interessante está na cláusula de definição – veja exemplo da definição de “pessoa com deficiência” no TPDA, que difere significantemente da encontrada no CDPD.
51. Novamente, as diferenças no texto da Convenção requerem um exame minucioso, entretanto, uma discussão ampla vai além do escopo desse artigo.
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