Da coexistência ao consenso?
Ao proibir o uso da força, exceto em caso de legítima defesa contra ataque armado ou quando há autorização do Conselho de Segurança, a Carta das Nações Unidas surge como o auge do desenvolvimento de um sistema de ordem internacional baseado na doutrina da soberania do Estado. O resultado cumulativo de leis, omissões e declarações relacionadas ao direito internacional – desde o início do Governo Bush – pode ser interpretado como um desafio fundamental ao sistema do Estado soberano. A estratégia de segurança declarada pelo Governo Bush é uma das possíveis respostas a desafios que, incontestavelmente, põem em risco a segurança nacional e humana. Somente uma parceria institucionalizada entre os EUA e os Estados secundariamente poderosos seria dotada da legitimidade necessária para tratar de tais desafios com sucesso. Tal pacto ou parceria poderia ser organizada no âmbito das Nações Unidas, apesar da intensificação de seus elementos hierárquicos.
Desde que surgiu na mente das elites européias – há aproximadamente quatro séculos – até a última metade do Século XX, o direito internacional foi considerado um facilitador, uma vez que expressava os termos de coexistência entre comunidades politicamente organizadas, que não reconheciam qualquer autoridade superior.1 Gradativamente, o Direito Internacional emergiu da derrota das ambições imperiais dos Habsburgos e das reivindicações papais para reger as vidas espirituais e morais de todos os povos da cristandade. Em processo análogo ao desenvolvimento aluvial da ordem entre habitantes indígenas, de aldeias remotas sem instituições políticas formais, líderes das comunidades européias — independentes de facto uns dos outros, mas estreitamente relacionados cultural, histórica e valorativamente para se considerarem de espécies diferentes — desenvolveram inevitavelmente um entendimento comum da natureza de suas relações e o caminho certo para lidar com casos de sobreposição dos direitos de soberania ou de incerteza no locus ou nos indícios de soberania.
De um modo geral, os governantes podiam viver como proprietários de terra, com liberdade para fazer o que bem entendessem em suas respectivas propriedades. A Carta das Nações Unidas levou a lógica da igualdade de direitos e deveres ainda mais longe ao proibir o uso da força para privar os Estados de seus territórios e ao consolidar as atividades de elaboração e cumprimento das leis e de tomada de decisões autônomas contíguas à idéia de um Estado soberano.2
Ao longo de toda a Guerra Fria, essa proibição da Carta dominou o discurso sobre as obrigações dos Estados. Entretanto, durante o período de aproximadamente quatro décadas e meia – decorrido entre a fundação das Nações Unidas e o fim declarado da guerra – os Estados Unidos, por meio de forças regulares ou por “procuradores”, invadiram a Guatemala, Cuba, República Dominicana, Granada e Panamá; enquanto a União Soviética fez o mesmo na Hungria, Tchecoslováquia e Afeganistão. Além disso, ambos ignoraram os ostensivos direitos de soberania de outros Estados – a fim de manipular sua política interna – 3 ao adotarem uma série de meios ilícitos menos chamativos que a invasão. Quanto à desconsideração às restrições da Carta sobre a intervenção de um modo geral e o uso da força em particular, as superpotências, obviamente, não estavam sozinhas. A França, por exemplo, formou e desfez governos na África Ocidental de modo discricionário.
Algumas dessas delinqüências prima facie foram condenadas por grande parte dos acadêmicos do direito internacional e por extensas maiorias na Assembléia Geral das Nações Unidas e/ou organizações de tratados regionais,4 aparentemente determinados a manter, com raríssimas exceções, a posição de que os únicos usos legítimos da força nos termos da Carta referem-se à legítima defesa contra um ataque armado real ou iminente ou quando autorizado pelo Conselho de Segurança.5 No que se refere à antiquada agressão para o saque, a resposta final à invasão do Iraque no Kuwait em 1991 foi uma prova de força contínua do apoio coletivo à integridade das fronteiras na esteira dos acontecimentos da Guerra Fria. Entretanto, embora as Nações Unidas tenham aparentemente reafirmado as prerrogativas à soberania há tempos reconhecidas ao autorizarem a operação “Tempestade no Deserto”, acabaram de certa forma atenuando-as ao aprovarem a intervenção em países basicamente para proteger suas populações contra assassinatos e sofrimento, resultantes da queda da autoridade pública (Somália e Haiti 2) ou de abuso associado a terríveis conflitos civis (Serra Leoa e Libéria) ou de abuso após golpes de Estado (Haiti 1) ou de um conflito civil mortífero agravado por intervenção externa (Bósnia). A invasão não-autorizada do Iraque no ano passado, não tão distante da intervenção humanitária da OTAN na Sérvia referente à questão de Kosovo e considerada à luz de vários atos de delinqüência das superpotências durante a Guerra Fria e as diversas intervenções da França nos Estados supostamente independentes da África Ocidental, levaram alguns comentaristas a concluir que o direito internacional perdeu, ainda que temporariamente, a capacidade de atuar com o balizamento fundamental das relações internacionais.6 Tal questão deve ser investigada mais a fundo. É possível que sua incapacidade de conduzir a política externa americana esteja bem além dos padrões tradicionais.
Um sistema legal legítimo é muito mais do que um arquipélago de regimes funcionais. Por mais que uma mescla de regras e princípios, por vezes inseridos em instituições burocráticas formais possa, aparentemente, estabilizar o comportamento e as expectativas referentes a uma ampla gama de assuntos tão diversos quanto o uso dos mares e a proteção do mico-leão7, jamais consistirá em uma ordem legal a menos que vistas como instâncias de um sistema geral de autoridade que se aplique, com eficácia razoável, a todos os Estados e aborde questões existenciais de comunidades humanas que incluam, entre outras, a questão de quem pode fazer uso da força e em que circunstâncias. O sistema também deve conter uma regra amplamente aceita para identificar outras de natureza legal, no sentido de contarem com um respeito maior que todas as demais normas sociais, o que H. L. A Hart8 denominou “a regra do reconhecimento”.
O consenso entre as autoridades de Estado, seja declaradamente, em texto formal, ou por prática sistemática, permanece como a regra do reconhecimento do sistema internacional. Não vejo sinais de mudanças drásticas neste sentido, e sim um movimento gradativo em direção ao que poderia ser chamado de formulação e interpretação de leis por um “consenso suficiente”. Em nenhum lugar isto é mais evidente do que na área dos direitos humanos. Vinte e cinco anos atrás, quando seu comportamento relativo aos direitos humanos era posto em dúvida, um número significativo de países – inclusive potências como a República Popular da China — ainda invocava enfaticamente uma suposta imunidade soberana ao julgamento externo de práticas internas. Hoje em dia tal defesa é rara, senão inexistente.9 Os governos deixaram de invocar a defesa da soberania quando esta deixou de ter ressonância perante seus pares. De fato, admitiram que a norma da soberania havia se diluído, apesar de suas objeções.
Não quero exagerar este ponto. Os baluartes da soberania à moda antiga ainda se encontram extremamente fortalecidos. Ainda no ano passado, um grupo representativo dos membros da ONU impediu a aprovação de uma idéia, apoiada pelo Canadá e por outros defensores da intervenção humanitária, de que a soberania de um Estado depende do cumprimento de seu dever de proteger a segurança de seu povo.10 A tensão entre o valor anteriormente dominante de segurança do Estado e a necessidade cada vez maior de enfatizar a segurança humana (sendo a segurança do Estado uma pré-condição para tal fim)11 permanece forte e separa não apenas Estados democráticos ricos de muitos (na melhor das hipóteses) Estados semi-democráticos, menos desenvolvidos, mas também as elites de muitos Estados, inclusive os democráticos. Diante da incapacidade dos Estados Unidos de garantir uma maioria mínima de votos do Conselho de Segurança para sua proposta de mudança de regime no Iraque, país com um regime reconhecidamente monstruoso, ainda se pode sentir o apego das elites governantes às prerrogativas enfraquecidas da soberania do Estado.
Se é verdade (segundo o escritor neo-conservador Robert Kagan12) que os europeus (principalmente os alemães) personificam hoje a crença na solução legal de conflitos interestaduais por meios pacíficos, ao passo que os americanos vêem na força o árbitro inevitável, somos então testemunhas de algo próximo à inversão de papéis históricos. Durante a Conferência de Haia de 1898, convocada pelo czar russo para promover a paz mundial, o principal representante dos EUA se referiu à guerra como “um anacronismo, algo como o duelo ou a escravidão, simplesmente superado pela sociedade internacional”, e propôs um acordo estabelecendo uma arbitragem obrigatória nos casos de disputas interestaduais que não pudessem ser solucionadas diplomaticamente.13 Embora os EUA admitissem exceções para qualquer “diferença” “cujo caráter instigasse ou justificasse a guerra”, a delegação alemã rejeitou a proposta, argumentando que “qualquer tratado para limitar o uso de armas e fornecer uma arbitragem “neutra” de controvérsias acabaria por eliminar a vantagem estratégica mais importante [da Alemanha]: sua capacidade de mobilizar e atacar com mais rapidez e eficácia que qualquer outra nação”.14 De qualquer forma, argumentaram os alemães, a guerra (assim como seus fins e seus meios) é uma prerrogativa de soberania não sujeita ao julgamento de terceiros, visão não totalmente diferente da hostilidade violenta dos conservadores americanos à idéia de que uma guerra planejada pelos EUA possa ser sujeita a julgamento pelo novo Tribunal Criminal Internacional.15 Na realidade, no que tange aos fins, essa posição acaba repercutindo no ponto de vista de alguns acadêmicos respeitáveis contemporâneos.16
Naturalmente, a diferença entre a retórica americana, encharcada de legalismos, e as razões de Estado dos alemães acabou se atenuando quando as elites de ambos os Estados foram além das relações entre aquilo que o advogado-estadista americano Joseph Choate definiu como “as grandes nações do mundo”17 e dedicaram-se àquilo que o historiador americano John Fiske18 denominou de “raças bárbaras”.19 Na mesma linha, o influente intelectual da virada do século XX, Heinrich von Treitschke, referiu-se ao direito internacional como um mero conjunto de “frases, caso suas normas também se apliquem aos povos bárbaros”. “Para punir uma tribo de negros”, afirmou,“deve-se queimar as aldeias pois, se não dermos exemplos como esse, não haverá nada a conquistar. Se o Reich alemão aplicasse o direito internacional nesses casos, não seria um caso de humanidade ou justiça, mas sim de vergonha e fraqueza”.20
Não quero chamar atenção aqui para o paralelo entre a insistência alemã frente às prerrogativas da soberania (e a conseqüente legitimidade da força como instrumento governamental) e as reivindicações dos direitistas que hoje governam os Estados Unidos. Para começar, von Treitschke era contrário à idéia de limites legais, tanto para os meios quanto para os fins da guerra. Em contraste total, o governo Bush, ao realizar guerras (primeiro contra o Afeganistão e depois contra o Iraque) comemorou, na maior parte do tempo, sua rigorosa conformidade com as leis da guerra, chegando a ponto de proclamar uma nova era histórica na qual a tecnologia possibilitaria alvejar os governantes do mal, e não as sociedades por eles dominadas. Além disso, o governo tentou, em parte, justificar seu recurso à força com interpretações de regras legais e éticas amplamente reconhecidas, e não com reivindicações sobre as prerrogativas da soberania, não passíveis de revisão.21
A invocação do direito de legítima defesa, reconhecido pela Carta das Nações Unidas, contra um ataque armado de um governo de fato (o Talibã do Afeganistão), que fornece um porto seguro a uma organização terrorista bem organizada, que atacou várias vezes alvos americanos, provocou mais mortes que Pearl Harbor (quando o ataque dos japoneses justificou a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial). Essa invocação do direito de legítima defesa, que ameaça ataques contínuos, não seria, de um lado, uma extensão duvidosa da norma aplicável. Afinal, os Estados da OTAN, inclusive os menores países europeus que costumam ser os grandes defensores da Carta e do Estado de Direito em questões internacionais, consideraram os atentados terroristas de 11 de setembro em Nova York e Washington atos de guerra,22 assim como o próprio Conselho de Segurança, ao adotar uma resolução que reconhece a aplicabilidade do direito de legítima defesa nas circunstâncias geradas pelos atentados.23
De outro lado, o Iraque pode ter sido uma extensão,– argumentam os defensores do governo Bush – porém uma extensão não mais significativa que a promovida pela OTAN, ao bombear e colocar a Sérvia em submissão a Kosovo, ação considerada tecnicamente ilegal mas, ainda assim, ´´legítima´´ pela Comissão Internacional Independente de Kosovo, composta por progressistas cosmopolitas comprometidos com a minimização da força nas relações internacionais e com o reforço do direito e das instituições internacionais.24 No caso de Kosovo, o recurso à força foi analisado e finalmente aprovado por uma organização multilateral de democracias (OTAN) em resposta à ameaça de um crime contra a humanidade (limpeza étnica de massa), prestes a ser cometido por um regime recentemente envolvido em crimes semelhantes e em crimes de agressão (contra a Bósnia). No Iraque, os EUA — apoiados por um Membro Permanente do Conselho de Segurança e por uma mescla de mais ou menos trinta Estados — agiram no sentido de colocar em vigor as resoluções do Conselho de Segurança nos termos do Capítulo VII após várias apurações realizadas pelo Conselho de Segurança25 de violação relevante do acordo de cessar-fogo de 1991 pelo governo de Saddam Hussein, agressor reincidente (Kuwait em 1991, após o Irã em 1982). Além disso, na década anterior o Conselho havia consentido ou aprovado ações militares mais restritas dos EUA e do Reino Unido contra o Iraque, no caso de violação das condições do acordo de cessar-fogo de 1991, e para defender curdos e xiitas contra uma nova onda de violações brutais aos direitos humanos que, no primeiro caso, beiravam ao genocídio.26
Entretanto, o Iraque parece uma extensão meramente modesta apenas quando isolado dos atos e alegações que marcaram a política externa americana com a chegada do Governo Bush em janeiro de 2001. Ao ser analisado no contexto da Estratégia de Segurança Nacional emitida pela Casa Branca em 200227 e de outras declarações da Administração Bush,28 a invasão do Iraque assemelha-se muito mais a um desafio revolucionário ao sistema da Carta — e não apenas à sua restrição ao uso da força — uma vez que a Carta e as próprias Nações Unidas são apenas peças de uma estrutura maior, contida na primeira onda de reconstrução de instituições internacionais após a Segunda Guerra Mundial.
Os criadores das Nações Unidas, as instituições financeiras internacionais e o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) foram todos movidos pela crença de que o sistema de equilíbrio do poder marcado pelo compromisso das elites nacionais com o acúmulo e a exploração sempre competitiva do poder seria arriscado demais para persistir no futuro e incompatível com a demanda crescente de Estados voltados ao bem-estar, e não à guerra.29 Um sistema internacional de livre comércio, facilitado por moedas estáveis (o acordo do FMI) e a regra das nações mais favorecidas (GATT), disponibilizaria recursos naturais a todos os países, removendo assim um dos incentivos clássicos à agressão e fomentando a interdependência. Estas instituições políticas e econômicas foram os primeiros elementos de um sistema governativo da sociedade e economia globais que, esperançosamente, substituiria o sistema bélico mundial que, de 1914 a 1945, provocara matanças em escala planetária. Fora do Bloco Comunista, o sistema de comércio previsto e sua respectiva ordem financeira ganharam ímpeto, sendo então impulsionados por mudanças sísmicas nas tecnologias de informação, comunicações e transporte e, assim, sessenta anos após a Segunda Guerra Mundial, temos de fato o mundo interconectado vagamente imaginado pelos arquitetos de 1945. Temos aquilo que chamamos vagamente de “globalização”, embora esta resulte, em grande parte, da ação do setor privado, sem o desenvolvimento equivalente de instituições de administração pública, principalmente na esfera de relações políticas/militares, onde a Guerra Fria paralisou fortemente o Conselho de Segurança e restringiu a cooperação devido a um conflito catastrófico entre as superpotências.
O colapso do poder soviético em 1991 coincidiu, a grosso modo, com uma nova fase de vivacidade econômica e psicológica nos Estados Unidos para produzir um ambiente internacional semelhante ao que predominava em 1945, porém com diferenças cujos efeitos potenciais não ficaram claros logo de início. A semelhança consistia no alvorecer amplamente sentido, pelo menos nas sociedades politicamente organizadas do ocidente, de uma nova era com vasto potencial de cooperação entre os Estados líderes para aliviar a condição humana.30
A primeira diferença foi a natureza absolutamente inigualável do poder militar americano. O fator de equilíbrio soviético desaparecera, sem nenhum Estado ou coalizão de Estados no horizonte para substituí-lo. Pela primeira vez na história da humanidade, um país podia levar uma força convencional militarmente decisiva a qualquer canto do globo em poucas semanas, ou até mesmo dias, se fosse o caso. Tanto os entusiastas quanto críticos da pré-eminência americana começaram a se referir à “Mundo Unipolar” onipresente.31 A segunda diferença foi a realidade de uma interdependência e integração provavelmente jamais vislumbradas pelos arquitetos das instituições pós-Segunda Guerra Mundial. Não era apenas uma questão de comércio e fluxo de investimentos, mas sim de redes de produtos e serviços de integração transnacional e de sistemas de comunicação e de energia vulneráveis que culminaram nessa integração.
A terceira diferença entre as condições predominantes em 1945 e 1991 foi o efeito cumulativo da integração do mercado e da revolução dos transportes e comunicações na cultura tradicional e na conscientização política na periferia global, acompanhados de uma aceleração extraordinária no crescimento populacional. A explosão demográfica gerou um enorme desemprego na população rural; a revolução das comunicações e transportes deu a esses indivíduos a motivação e as condições necessárias para tentar a sorte na cidade, longe de suas fontes tradicionais de autoridade moral e da rotina segura da vida familiar no campo, onde formaram pólos socialmente combustíveis, principalmente nas sociedades mal-governadas da África e do Leste Asiático. Devido à abertura das fronteiras e à facilidade de movimentação, esses pólos têm atravessado as fronteiras entre o Ocidente e as demais regiões. Desses pólos, líderes movidos não pela pobreza, mas pelo desafio que uma cultura consumista e libertária impõe ao sentido de identidade e autoridade, e pelo sentimento de humilhação com a fraqueza política/militar de suas sociedades face ao poder cultural e militar do Ocidente, podem recrutar soldados para guerrilhas contra o Estados Unidos, seus aliados e colaboradores.
Considerando estas características tão marcantes do mundo pós-Guerra Fria em 1991, poderíamos razoavelmente ter recorrido aos líderes americanos para obter deles uma explosão de criatividade institucional e normativa semelhante a que tiveram após a Segunda Guerra Mundial. Se por um lado os Estados Unidos dispunham de um poder militar relativo muito mais forte e de um alcance econômico e cultural bem maior do que sessenta anos atrás, por outro lado enfrentavam uma série de ameaças interligadas à sua segurança nacional a longo-prazo e ao bem-estar de seu povo, comparável à ameaça imposta pelo poder soviético e pela ideologia marxista. No entanto, tais ameaças careciam de algo naquele momento, principalmente de um nome, de um rosto e um endereço que pudessem enquadrá-las nos moldes maniqueístas da cultura popular americana.
Nos anos que se seguiram à dissolução da União Soviética, Washington fez de fato insinuações retóricas de novas ambições para a ordem internacional, basicamente em termos de um compromisso com a disseminação dos livres mercados e da democracia liberal no planeta.32 E uma série de ações, como as intervenções – por mais relutantes que fossem – na Somália, no Haiti e nos Bálcãs, poderiam ser interpretadas como um compromisso seminal dos americanos com uma supervisão multilateral institucionalizada das condições existentes nas sociedades nacionais para garantir um nível mínimo de segurança para seus habitantes.
Entretanto, outros fatores sinalizavam um rumo totalmente distinto para a política externa americana. Um trabalho produzido pelos planejadores do Pentágono durante o governo do Presidente Bush (pai) e que acabou vazando para a imprensa33 defendia a preservação indefinida da dominância estratégica dos EUA, porém, curiosamente, evitando a exploração de tal dominância de maneiras consideradas ameaçadoras por outros Estados. O tom unilateralista do trabalho do Pentágono provocou uma repercussão bipartidária em um pronunciamento feito nos primeiros anos do Governo Clinton pela então Embaixadora das Nações Unidas, Madeleine Albright. Neste discurso, declarou que o governo Clinton faria uso de organizações internacionais única e exclusivamente para facilitar a proteção dos interesses dos EUA, e não hesitaria em ir em busca das metas americanas de forma unilateral.34 Ao mencionar como casos exemplares de ação unilateral a invasão da Ilha de Granada (Caribe), durante a era Reagan e a invasão de Bush (pai) no Panamá — aventuras militares consideradas ilegais pelo direito internacional — Albright parecia anunciar a independência dos EUA frente às normas centrais da ordem global, bem como de sua principal instituição: as Nações Unidas.
Mesmo assim, as políticas reais do governo Clinton incluíram tentativas para garantir a alocação de recursos no Congresso necessários para pagar os atrasos orçamentários dos EUA nas Nações Unidas, dar suporte a tratados ambientais internacionais e — bem ao final do mandato — possibilitar a assinatura do Estatuto do Tribunal Criminal Internacional, alvo simbólico da ira direitista desenfreada. Portanto, apesar de soarem ocasionalmente como seus críticos de direita, as políticas de Clinton não estavam desalinhadas do movimento geral — ou pelo menos da preferência abstrata — da política externa americana no século XX, favorável à expansão progressiva do direito internacional para regulamentar a estadística, e até mesmo do comportamento interno dos Estados na medida em que este chocasse a consciência do eleitorado americano. De qualquer forma, para quem estivesse esperando um salto para a frente, e não apenas um leve aumento no alcance do direito e das instituições internacionais, as políticas de Clinton seriam decepcionantes. Entre outras razões para tal cautela estava o desaparecimento, na arena da política externa, de uma certa disciplina imposta pelos altos interesses envolvidos no jogo soviético-americano durante a Guerra Fria. Uma vez removidos tais interesses, a arena da política externa tornou-se totalmente acessível aos antagonistas nas guerras culturais que fervilhavam nos EUA desde a era do Vietnã. Nesta esfera, a classe daqueles que definem descaradamente os interesses nacionais em termos brutalmente competitivos, como a elite alemã da virada do século (contrária à aplicação da lei nas relações internacionais), poderia formar uma coalizão com grupos religiosos de direita, simpatizantes do imaginário maniqueísta e, de forma oportunista, com libertários hostis à regulamentação e administração públicas, em âmbito nacional ou internacional (porém também duvidosos quanto a aventuras no exterior) e diásporas étnicas ansiosas em utilizar o poder americano para derrotar adversários de seus parentes no exterior, muito mais do que em administrar conflitos internacionais segundo as normas gerais de comportamento.35 Conforme indiquei anteriormente, um ponto comum entre esses grupos era a hostilidade às restrições à liberdade de ação nacional, aparentemente impostas por instituições internacionais, geralmente encapsuladas no âmbito das Nações Unidas e pelo direito internacional. Por razões demasiadamente complexas para serem resumidas aqui36 (e, neste sentido, não totalmente claras),37 essas posições tiveram uma influência cada vez maior no tom e no imaginário do discurso político nas duas décadas que antecederam à presidência de Clinton.
A disputada eleição presidencial de 2000 colocou esses antagonistas tão distintos do projeto de direito internacional e construção institucional no palco do poder mundial. O fraco incrementalismo de Clinton caíra por terra e fora substituído por um ataque feroz ao Tribunal Criminal Internacional, seguido rapidamente pela rejeição ao protocolo de cumprimento proposto à Convenção de Armas Biológicas, o abandono de esforços para aumentar a transparência do sistema financeiro global e reduzir sua cumplicidade na corrupção oficial, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro,38 e o repúdio (sem quaisquer alternativas) de restrições propostas a atividades que contribuem para o aquecimento global (por exemplo, o Protocolo de Kyoto), entre outros.
Estes e outros atos e omissões, por mais hostis que parecessem à visão dos fundadores do sistema da Carta das Nações Unidas, ainda não eram, em si, um desafio ao sistema. Tal desafio viria com o evento precipitador do ataque terrorista de 11 de setembro e a resultante declaração de um direito e de uma prontidão para travar uma guerra preventiva (erroneamente rotulada de “pré-emptiva”) contra qualquer Estado cujas ações ou atitudes fossem consideradas, pelo governo dos Estados Unidos, ameaça iminente (ou não) à segurança da nação. Mesmo em relação aos Estados—ao contrário de organizações terroristas sombrias, sem endereço fixo ou capital investido—o Governo Bush propôs eliminar e não conter, isto é, propôs iniciar guerras contra Estados que poderiam vir a tornar-se ameaças.39 Tal expansão do direto de legítima defesa é simplesmente incompatível com o sistema da Carta.
Como uma espécie de corolário à sua doutrina de guerra preventiva, o governo Bush anunciou a intenção de reiniciar o desenvolvimento de armas nucleares40 para criar ogivas de baixo potencial que poderiam ser utilizadas contra postos de comando e laboratórios subterrâneos.41 Desta forma, atacava-se outro pilar do sistema da ordem que evoluiria sob o guarda-chuva da Carta, principalmente a doutrina implícita de que, exceto na eventualidade de evitar uma derrota estratégica que realmente ameaçasse a nação, as armas nucleares seriam utilizadas apenas para impedir um ataque nuclear ou para mitigar as conseqüências de tal ataque e para retaliação. Ao mesmo tempo, violava o espírito do tratado de não-proliferação nuclear no qual os Estados não-nucleares renunciavam ao direito de adquirir tais armas em troca de uma promessa, por parte das potências nucleares, de reduzir seu estoque de armas nucleares e trabalhar em prol do desarmamento nuclear.42 Assim, o subtexto da declaração americana indica a intenção de se pautar na ameaça do uso do poder americano, muito mais do que em um regime multilateral para limitar a proliferação das armas nucleares.
A confirmação da imposição unilateral de um regime seletivo de não-proliferação desafiou não apenas a Carta, mas todo o sistema de quatro séculos de soberania do Estado com seu corolário de direitos legais igualitários. Há algo mais fundamental à idéia de soberania do que o arbítrio de determinar a melhor forma de defender a independência política e a integridade territorial de um Estado soberano? Uma coisa é os Estados abdicarem, através de um tratado, do direito de escolher sistemas de armas simplesmente para impedir um ataque. Contudo, o que restará do conceito de soberania se um único Estado, agindo unilateralmente, puder negar aos demais a única arma capaz de detê-lo de impor sua própria vontade em toda e qualquer questão?
Os custos cada vez maiores associados à ocupação do Iraque e à recusa, por parte de alguns Estados, de ajudar a arcar com as despesas sem que o Conselho de Segurança assuma um papel de destaque na supervisão da transição política naquele país, devem ser vistos como uma experiência de aprendizagem, por mais indesejáveis que sejam. Uma dessas lições é que o mundo, tanto desenvolvido como em desenvolvimento, apega-se a elementos essenciais do sistema da ordem estabelecida pelas leis adjetiva e substantiva da Carta. Acima de tudo, há ainda um apoio poderoso à invalidade presumida de qualquer intervenção armada de um estado em outro sem a autorização do Conselho de Segurança ou, pelo menos na África, sem a autorização de uma organização regional.
O Governo Bush não se mostrou contrário a este amplo consenso, favorável às restrições sobre o recurso unilateral à força, desde que as regras não se apliquem a ele. Não há nada de surpreendente nisso. Na perspectiva provinciana de uma unipotência, o mundo normativo mais feliz é aquele que, seja sozinho ou acompanhado de qualquer outro país escolhido por ele, a própria unipotência é o único autorizado ao uso da força para fins outros que os da legítima defesa contra um ataque real ou iminente. A maioria dos outros países, entretanto, não parece disposta a autorizar exceções a países que se consideram excepcionais. Portanto, estamos no momento diante de um impasse.
A dissonância normativa no reino da segurança central coexiste, obviamente, com a invocação diária de regras e princípios supostamente válidos em várias partes do arquipélago dos regimes transnacionais. Os governos processam pedidos de asilo e extradição, aplicam os regulamentos de pesca em zonas definidas pelo Tratado do Mar, tentam de certa forma proteger espécies ameaçadas de extinção, cumprem, em graus variados, as regras da Organização Mundial do Comércio, e assim por diante. A dinâmica da vida social transnacional gera expectativas e o poder da reciprocidade faz valer um grau razoável de respeito pelas normas, da mesma forma que a praticidade e a eficiência fomentam o apoio às instituições nas quais muitas delas são inseridas, elaboradas e postas em prática. Contudo, na ausência de uma experiência coletiva de participação em um sistema integral de ordem que reflita e proteja os valores mais profundos de seus indivíduos, o respeito pelas expectativas, a meu ver e para meu temor, restringe-se apenas a cálculos imediatos de utilidade. Esta é uma área delicada em épocas difíceis ou diante de questões que entram em conflito com grupos de interesses internos relevantes.
Uma redução generalizada na autoridade (e, conseqüentemente, em relação à conformidade) do direito internacional e das instituições multilaterais é apenas um dos custos possíveis resultantes da atual relutância dos Estados Unidos em acatar restrições normativas sobre suas próprias escolhas sobre os fins e os meios da estadística. Mais urgente ainda é seu impacto potencial nas normas e processos para limitar o uso da força e nos esforços para fortalecer as restrições sobre o desenvolvimento e uso futuro de armas de destruição em massa. Porém, provavelmente os efeitos colaterais mais graves resultantes da hostilidade do governo Bush ao projeto de construção institucional e direito internacional residem naquilo que os economistas chamam de “custos de oportunidade”.
Os Estados com capacidade coletiva de ação não estão lidando efetivamente com a miséria disseminada em grandes áreas do mundo ou com fontes não totalmente desassociadas de violência, tanto niilista quanto instrumental, que arruínam a vida humana e solapam as bases da segurança nacional. A difusão e os avanços inacreditáveis do conhecimento tecnológico e de seus produtos, aliados à explosão demográfica, urbanização, maiores pressões ambientais, desafios distorcidos aos sistemas tradicionais de crenças e identidades, e níveis inéditos de interpenetração política, econômica e social continuarão gerando ou intensificando patologias, inclusive desigualdades marcantes nas oportunidades de vida, que não cicatrizarão sozinhas. Com graus variados de cooperação e êxito, as elites nacionais deparam-se com certos sintomas—como redes terroristas transnacionais ou conflitos genocidas ou desnutrição, que chamam a atenção em uma determinada região miserável ao superarem enormemente a tragédia cotidiana da morte por fome—mas, quando muito, as elites apenas procuraram as raízes desses sintomas de forma inconsistente.
A busca por raízes requer níveis de recursos, humanos e materiais, que não podem ser fornecidos por nenhum Estado nem por todos os Estados da OTAN.43 Só um pacto que inclua os Estados mais importantes do não-ocidente teria a aura de legitimidade necessária e poder irresistível. De certo modo, tal pacto seria um projeto hegemônico multilateral. Porém neste caso a hegemonia seria constituída pelas elites governantes, em grande parte mas não sempre democrática, pela maioria dos povos do mundo, e por apenas uma pequena parcela de seus Estados nacionais.
Na ocasião de sua adoção, a Carta das Nações Unidas pretendia, embora sem sucesso, incorporar o compromisso das grandes potências à governança global, pelo menos na área fundamental da paz e segurança, uma vez que ambas as superpotências já se preparavam para a grande luta de poder tradicional, enquanto Estados mais fracos procuraram preservar os seu impérios. Embora o final da Guerra Fria parecesse fornecer uma nova oportunidade para substituir o tradicional sistema de Estados competitivos por outro, cooperativo e inédito na história, nem a unipotência nem importantes atores regionais, como China, Rússia e França estavam psicologicamente dispostos a transformar—ao contrário de ajustar consideravelmente—uma estrutura marcada pela cooperação limitada, geralmente negociada bilateralmente, caso a caso. A incapacidade da OTAN de manter a sanção do Conselho de Segurança para a intervenção em Kosovo enfatizou os limites. E logo em seguida, quando o atual governo americano substituiu o de Clinton, os Estados Unidos começaram a se retirar até mesmo do projeto incipiente de construção da ordem que havia avançado lenta e glacialmente durante a Guerra Fria e acelerado bem modestamente logo após seu fim, quando pequenos e médios Estados que compartilhavam dos mesmos ideais, liderados pelo Canadá e pela Noruega,44 tentavam promover a segurança humana através de um Tribunal Criminal Internacional, das Convenções sobre Crianças Militares e Minas Terrestres, e outras iniciativas refutadas por conservadores americanos.
O ataque terrorista de 11 de setembro não deixou espaço para nenhuma complacência com as condições do status quo global. Em vez de incentivar a busca renovada por uma ordem cooperativa, a princípio, o ataque fundamentou um projeto americano violento e, imperial, para reconstruir um mundo recalcitrante – a liberdade do Prometeu americano.45 Hoje, entretanto, após a caótica execução da primeira etapa necessária para atingir este fim, em meio a uma maré crescente de hostilidade popular, mesmo entre grupos políticos de aliados tradicionais (esqueça as sociedades islâmicas moderadas de hoje, como a Indonésia e a Malásia), os defensores de uma nova ordem imposta perderam a iniciativa.46
No entanto, tal perda poderia ser apenas temporária, à espera de uma nova catástrofe terrorista, pois os guerreiros da direita, ao contrário de muitos de seus dispersos adversários, reconhecem as condições voláteis e perigosas em que vivemos e oferecem uma visão de transformação. Um sistema anárquico de Estados soberanos é compatível com o americano e, na realidade, com a segurança humana –argumentam – somente quando unicamente composto por democracias capitalistas.47 Portanto, a superpotência americana, com o auxílio de seus simpatizantes, deve destruir a estrutura westfaliana e impor uma ordem não-igualitária, coagindo a soberania dos Estados considerados perigosos ou irresponsáveis e fomentar, ao longo do tempo – e pelos meios mais eficientes, de acordo com o caso – a remodelagem das nações autoritárias na imagem do capitalismo democrático.
Invocações icônicas das Nações Unidas como um meio alternativo de ordem não podem competir com este projeto pró-ativo. Em sua composição atual, a instituição, apesar de seu brilhante Secretário Geral, não tem o preparo necessário para reagir às ameaças, sejam imediatas ou mais profundas, postas pela ordem descrita acima. Invocá-la representaria nada mais que uma afirmação de incrementalismo indolente face aos riscos catastróficos. Pedidos de reforma institucional, principalmente do Conselho de Segurança, também possuem pouca “densidade” política, em particular dentro da unipotência, pelo menos e em parte porque as reformas imaginadas por si sós (ao adicionarem membros e, possivelmente, limitando o veto) parecem ser e são respostas muito formais a um desafio importante. Os conservadores mostram-se persuasivos quanto à proposta de que, no mundo de hoje, um sistema de ordem guiado e inspirado basicamente pela virtude negativa da tolerância mútua é um navio com muitos capitães – alguns até homicidas – que se agarram ao leme à medida que o iceberg se aproxima.
A alternativa multilateral ao projeto unilateralista deve ser compatível com a resposta visionária do último ao perigo atual e esperado. Para tanto, deveria ir além da anarquia westfaliana. A partida deveria ser, porém, muito menos abrupta e a ruptura, mais cautelosa. Afinal, desde o início o sistema da Carta apresentava elementos hierárquicos que coincidiam com sua purificação do paradigma westfaliano. De que outra forma poder-se-ia descrever a alocação de poderes de obrigatoriedade da Carta a um Conselho de Segurança composto por apenas quinze membros, dos quais cinco são permanentes, dotados de poder de veto e, de acordo com a estrutura original, com poder para dirigir as operações militares da ONU através de oficiais de suas respectivas forças armadas?48 Além disso, a Carta não submeteu à revisão da Corte Internacional de Justiça as decisões do Conselho de Segurança, concedendo ao Conselho de Segurança autoridade ilimitada para determinar não apenas a natureza e a duração de medidas executórias, mas também a existência das condições jurisdicionais– um requisito de “ameaça à paz” – para sua aplicação.
Na última década, aproximadamente, o Conselho autorizou o uso de coerção, sanções econômicas e da força na busca de fins que estavam bem além da prevenção, limitação ou término de conflitos interestaduais e de guerras civis em escala total que se espalhavam perigosamente pelas fronteiras e que constituíam o foco de atenção à época da adoção da Carta. Tal fato deu continuidade a um precedente dos anos 70, quando o governo de facto, branco e racista da Rodésia do Sul (atual Zimbábue) foi considerado uma ameaça à paz, embora enfrentasse na época pouca resistência interna e, portanto, não precisava perseguir seus dissidentes através de fronteiras vizinhas.49 O cerne da questão, portanto, é o fato de que um sistema de governança global caracterizado por uma forte cooperação entre os principais países de hoje no âmbito do Conselho de Segurança – por exemplo, para forçar o fim de um programa suspeito de desenvolvimento de armas de destruição em massa, solucionar um conflito étnico incipiente ou remover um governo que comete violações brutais aos direitos humanos ou para assumir o comando de um Estado em ruínas nas mãos de cleptocratas — não seria totalmente estranho ao paradigma da Carta, embora constituísse um grande salto à frente do status quo. Somente um salto dessa magnitude, entretanto, terá condições de vencer os desafios cada vez maiores de nossa era. Com exceção da Rodésia (um caso remanescente de descolonização) e da primeira intervenção no Haiti (onde, na realidade, a ONU endossava um julgamento da organização regional sobre quem constituía o governo legítimo de um país,50 o Conselho se preocupou com as condições internas dos Estados apenas em situações de crises humanitárias — fome, genocídio, chacinas — e, mesmo assim, de forma aleatória. Entretanto, jamais autorizou a intervenção para lidar com transgressores crônicas dos direitos humanos; regimes que sobrevivem a aplicações regulares de tortura, detenção arbitrária e assassinatos exemplares que acabam lhes parecendo normais, sem falar em regimes como o angolano, que tortura e lesa seus cidadãos indiretamente ao roubar o patrimônio nacional em vez de produzir bens públicos ou, como a Líbia, que se apropria de grande parte do patrimônio para dar suporte às fantasias de um ditador.
Até onde se sabe, nenhuma proposta de ameaça aos delinqüentes em qualquer um desses casos com despejo ou alocação transitória de suas políticas devastadas sob a tutela das Nações Unidas, possivelmente aliada a incentivos positivos aos vilões para uma reforma pré-emptiva, jamais foi considerada e muito menos colocada em pauta. E há pelo menos três razões para isso: uma refere-se à ausência anterior de interesse americano na reconstrução de Estados terríveis porém não totalmente fracassados. Outra é uma certa oposição dentro do Conselho, por parte de um ou mais membros permanentes e de representantes de países em desenvolvimento, que também contêm regimes como os descritos acima. A terceira razão foi a ausência de um mandato ou de um mecanismo para desenvolver planos abrangentes para a correção daquelas estruturas estatais que garantem a perpetuação da pobreza em massa, desemprego, analfabetismo funcional, doenças crônicas e acúmulo de alienação de uma nova ordem global. Pelo menos em relação ao Oriente Médio, a primeira dessas razões não prevalece mais, possivelmente aguardando o resultado e o custo final, tendo em vista a intervenção americana no Iraque. A segunda e terceira razões, sendo a última em grande parte determinada pela anterior, permanecem barreiras à ação.
Um projeto multilateral para concorrer politicamente com o unilateral, que predomina no atual governo presidencial dos Estados Unidos, deve contemplar uma estratégia para induzir sua remoção. O único meio concebível para atingir tal fim seria um compromisso histórico entre a unipotência americana e os Estados que estão no nível imediatamente inferior de poder. O primeiro, os Estados Unidos, reintegraria o grande projeto arquitetônico — iniciado com o apoio americano após a Segunda Guerra Mundial — para construir um sistema normativo e institucional suficiente para as tarefas de governança global. Tal reintegração exige que os Estados Unidos abdiquem de seu título de status excepcional e de sua indisposição de conciliar seus meios e objetivos preferenciais com os de outros Estados. Os segundos, Estados secundariamente poderosos, teriam que abraçar a idéia de que o principal objetivo da governança deve ser a ação positiva através de todos os meios necessários à proteção do bem comum, seja face a ameaças imediatas, seja face a ameaças que possam ser desenvolvidas contra a paz e a segurança. O princípio primordial de segurança seria declarado em prol dos seres humanos e não simplesmente de “Estados”, o que tem sido um eufemismo para qualquer elite em controle de um determinado território nacional. Tal pacto entre a hegemonia americana e a camada imediatamente inferior de Estados poderesos carregaria a semente de uma ordem legal real, abrangendo e revitalizando o atual arquipélago de regimes. As condições históricas nas quais as elites de pactos potenciais se encontram hoje lhes dão liberdade para localizar interesses comuns sem precedentes na história e, apesar disso, continuam se valendo basicamente do instrumento antiquado da diplomacia bilateral para coordenar a cooperação, onde houver disposição para tanto, e para evitar ou atenuar conflitos.
O movimento em direção à colaboração pode ser conquistado no âmbito das Nações Unidas e sem reforma do Conselho de Segurança. Assim como existe o Grupo dos Oito encarregados basicamente da ação de coordenação econômica, poderá haver um Grupo de Dez, Vinte ou Quinze com o objetivo mais amplo, aceitando responsabilidades maiores, reunindo-se regulamente a nível ministerial e até mesmo mais freqüentemente em níveis burocráticos mais altos para coordenar a política. Esse Grupo poderia ser apoiado por uma secretaria independente ou por outra criada especificamente para esses fins na própria ONU, recorrendo, em ambos os casos, a instituições nacionais e internacionais para obter inteligência e auxílio na identificação e no estabelecimento de prioridades e para desenvolver planos operacionais de ação coordenada através de todos os instrumentos da estadística. Uma vez aprovados pelos governos relevantes, onde a execução dos planos exigiria intervenção armada, seriam levados formalmente ao Conselho de Segurança para aprovação. Como, em primeira instância, o pacto certamente incluiria todos os membros permanentes além da Índia, do Japão, da Alemanha, do Brasil e, possivelmente, países emergentes como a África do Sul, a Turquia, a Indonésia e o México, pode-se prever que a aprovação venha mesmo de um Conselho não submetido à reforma.
O pacto estaria aberto a outros membros que compartilhassem dos mesmos compromissos (e que pudessem contribuir de forma significativa), ampliando assim os benefícios de uma economia globalmente integrada, atenuando os incidentes dolorosos do crescimento e da integração planetária, limitando a proliferação de armas de destruição em massa, combatendo grupos terroristas transnacionais e máfias comerciais, e detendo a força ilícita e os crimes contra a humanidade. Com base nesses princípios essenciais, um grupo de tal diversidade, porte e poder deveria ser capaz de prover decisões do Conselho de Segurança que reflitissem o consenso previamente negociado pelo Grupo com uma legitimidade maior do que as decisões usufruídas hoje, em parte porque o respaldo do pacto levaria à expectativa de uma obrigatoriedade efetiva.
Legitimidade é, obviamente, uma questão de grau. O mundo se depara com um conflito não de civilizações, mas de culturas: de um lado, o humanista e, de outro, o chauvinista — um conflito interno a cada civilização histórica. O pacto e seus objetivos são expressões e instrumentos do projeto humanista. Preocupa-se com a disseminação, a todos os povos, de tudo que há de bom no mundo e roga por cooperação e tolerância em todas as nações, religiões e etnias. Assim, é implicitamente hostil às visões mundiais de fanáticos nacionalistas e extremistas religiosos em todo o mundo, não apenas nos Estados Unidos.
O movimento em direção ao pacto descrito entre os principais Estados talvez ainda esteja à espera de desastres mais terríveis que os atentados de 11 de setembro, ou talvez seja motivado pelo acúmulo constante de custos à ordem e ao bem-estar, evidenciando de forma ainda mais nítida pela insuficiência da atual miscelânea de normas contestadas e de instituições descoordenadas e geralmente enfraquecidas. Ou talvez esse movimento jamais venha a existir. Independentemente das deficiências, a atual ordem das coisas, assim como a alocação atualmente estabelecida do poder, da autoridade e da riqueza, possui uma aura de inevitabilidade e está incrustada com acúmulos de interesse furiosamente resistentes à mudança. A resposta mais fácil a todos os tipos de trauma é supor que continuar agindo da mesma forma, desta vez porém com mais energia e recursos, prevenirá o surgimento de outros no futuro.
Assim como o homem com um martelo vê todos os seus problemas como pregos, os Estados Unidos, com sua potência militar hipertrofiada,51 tendem a ver nas ações militares a resposta para todos os seus problemas. Tal tendência é agravada pelo ataque ideológico extremamente eficaz no país à idéia da autoridade pública como um instrumento para tratar de desigualdades de riqueza e poder e também pelo apelo a modelos maniqueístas e apocalípticos para identificar ameaças e prescrever soluções.52
Ainda assim, Washington permanece a fonte mais plausível de iniciativas para produzir um pacto efetivo. Tal iniciativa poderia começar com um pedido enganosamente modesto de consultas regulares entre os Estados em questão, auxiliadas por uma secretaria de planejamento formada por especialistas aposentados e uma diretoria de altos funcionários, um de cada Estado e com acesso direto a seus respectivos chefes de governo. Teoricamente, é claro, um grupo de parceiros potenciais de Washington poderia elaborar tal proposta, fortalecendo assim a ação dos multilateralistas americanos. No entanto, devido à sua heterogeneidade, o hábito de lidar bilateralmente com os Estados Unidos e suas preocupações individuais, políticas e sociais (bem como a sensibilidade da maioria das elites nacionais não européias a medidas e precedentes que tendem a restringir suas próprias prerrogativas de soberania), um grupo de parceiros potenciais de Washington serão incentivadores improváveis de novas propostas arquitetônicas. E as propostas que surgirem unicamente dos europeus poderão não conter a representatividade necessária para garantir o interesse americano.
“Idéias antigas”, afirmou John Dewey quase um século atrás, “desaparecem lentamente, pois são mais do que formas e categorias lógicas e abstratas. São hábitos, predisposições, atitudes profundamente arraigadas de aversão e preferência”.53 A premissa realista de que a cooperação entre Estados poderosos nunca será mais do que uma questão de conveniência temporária, uma simples tática na imutável luta pelo poder, é uma antiga idéia alojada na consciência da maioria das elites governantes. Ainda assim, face às atuais e graves ameaças à segurança e à afluência dos poderosos, alguns realistas convictos estão começando a mudar para a visão construtivista, que considera identidades e interesses como elementos flexíveis. O ex-secretário de Estado Henry Kissinger,54 que já personificou a óptica realista nas relações públicas, defende o engajamento dos EUA com a China e rejeita o pedido de restrição nas relações econômicas para reduzir o ritmo do crescimento chinês.55 Uma ordem legal baseada em um pacto de Estados líderes será possível se a intuição construtivista conquistar convertidos semelhantes.
1. Apesar do uso geral, o termo “coexistência” pode ser um pouco ludibriante no sentido de que principalmente os maiores participantes da construção do direito internacional não concederam aos menores o direito de persistir. Ao mesmo tempo, os maiores não se abstiveram, por vários séculos, da apropriação forçada de uma parte do território e dos povos de outros. A coexistência não evitou, por exemplo, que a Polônia fosse divida três vezes por seus vizinhos mais poderosos – Rússia, Prússia e Áustria — entre 1764 e 1795. Ainda assim, embora um Estado pudesse ocasionalmente apoderar-se do território e dos povos de outro, até então não teria nenhum direito reconhecido quanto à forma como seu vizinho organizava sua sociedade e economia, legitimizava suas regras ou coagia sua população. Tais questões eram decididas a critério de vários reis e oligarcas. Portanto, poder-se-ia dizer, como outros já disseram, que a princípio o único valor comum – ou, digamos, constitucional – do sistema era a tolerância da diversidade.
2. T. Farer, “Law and War”, em C.E. Black and R.A. Falk (Eds.), The Future of the International Legal Order, Princeton: Princeton University Press, 1969.
3. S.C. Schlesinger & S. Kinzer, Bitter Fruit: The Story of the American Coup in Guatemala, Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999; M. Kinzer, All the Shah’s Men: An American Coup and the Roots of Middle East Terror, Hoboken, NJ: John Wiley & Sons, 2003.
4. T. Farer, ‘Panama: Beyond the Charter Frame’, American Journal of International Law, 1990, v. 84, pág. 503-515; ‘A Paradigm of Legitimate Intervention’, in L.F. Damrosch (Ed.), Enforcing Restraint: Collective Intervention in Internal Conflicts, New York: Council on Foreign Relations, 1993.
5. Para uma análise mais detalhada da prática dos Estados na interpretação das restrições da Carta quanto ao uso da força, ver T. Farer “Panama: Beyond the Charter Frame”, American Journal of International Law, 1990, v. 84, pág. 503-515; T. Farer, ‘A Paradigm of Legitimate Intervention’, in L.F. Damrosch (Ed.), Enforcing Restraint: Collective Intervention in Internal Conflicts, New York: Council on Foreign Relations, 1993; T. Farer, ‘Humanitarian Intervention Before and After 9/11: Legality and Legitimacy’, in J.L. Holzgrefe and R.O. Keohane (Eds.), Humanitarian Intervention: Ethical, Legal and Political Dilemmas,Cambridge, Cambridge University Press, 2002; T. Farer, ‘Beyond the Charter Frame: Unilateralism or Condominium?’ American Journal of International Law, 2002, v. 96, pp. 359-364; T. Farer, ‘The Prospect for International Law and Order in the Wake of Iraq’, American Journal of International Law, 2003 97, pp. 621-628. Ver também C. Joyner, ‘Reflections on the Lawfulness of Invasion’, American Journal of International Law, 1984, v. 78, pp. 131-144.
6. Glennon – em M. J.Glennon, ‘The New Interventionism’, Foreign Affairs, 1999, v. 78, May/June, pp. 2-7; Limits of Law, Prerogatives of Power: Interventionism after Kosovo, New York, Palgrave, 2001- analisa a exaustão do sistema de segurança coletiva da Carta. Embora discorde de praticamente todas as análises e conclusões de Glennon, Thomas Franck (T. M. Franck, ‘Break It, Don’t Fake It’, Foreign Affairs, 1999, v. 78, July/August, pp. 116-118) parece pôr um ponto final na conclusão de que o direito internacional encontra-se temporariamente obscurecido pela violenta reafirmação da raison d’etat e não vê perspectiva de retomada a curto-prazo.
7. Na formulação animada de Steven Krasner (S. Krasner, “Structural Causes and Regime Consequences: Regimes as Intervening Variables”, in S. Krasner (Ed.), International Regimes, Ithaca: Cornell University Press, 1983, pp. 1-21.), “regimes são princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, ‘implícitos ou explícitos’, para os quais convergem as expectativas dos atores em uma determinada área das relações internacionais”.
8. H.L.A. Hart, The Concept of Law, Oxford: Clarendon Press, 1961.
9. Tive a oportunidade de testemunhar este tipo de comportamento do Estado em primeira mão por ser membro (e presidente, em dois mandatos) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (1976-83).
10. Um relatório—‘The Responsibility to Protect’ (disponível online em <http://www.dfait-maeci.gc.ca/iciss-ciise/pdf/Commission-Report.pdf>) — foi comissionado pela Comissão Internacional de Intervenção e Soberania dos Estados, estabelecida pelo Ministro de Relações Exteriores do Canadá, Lloyd Axworthy, após pronunciamento polêmico de Kofi Annan na Assembléia Geral da ONU sobre soberania e intervenção em 1999. Apesar da alegação do Secretário-Geral de que o Conselho de Segurança da ONU havia “recebido favoravelmente” o Relatório, “os resultados concretos da assembléia não pareciam claros. Há pouco ânimo, por parte do Conselho, em comprometer-se com princípios envolvendo pressão”: S. N.MacFarlane, J. Welsh & C. Thielking, ‘The Responsibility to Protect: Assessing the Report of the International Commission on Intervention and State Sovereignty’, International Journal, 2003, v. 57, pp. 489-502.
11. Conforme a definição do Programa de Segurança Humana do Departamento de Relações Exteriores e Comércio Internacional do Canadá, “a Segurança Humana é uma abordagem à política externa centrada nos indivíduos, que admite que a estabilidade duradoura só será possível quando as pessoas estiverem protegidas das ameaças violentas a seus direitos,à sua segurança ou à sua vida”. Ver <http://www.humansecurity.gc.ca/psh_brief-en.as>.
12. R. Kagan, Of Paradise and Power: America and Europe in the New World Order, New York: Knopf, 2003.
13. P. H. Maguire, Law and War: An American Story, New York: Columbia University Press, 2000, p. 48.
14. Ibid., p. 48.
15. O governo Clinton se opôs à inclusão de crimes contra a paz (ex.: o recurso ilegal à força) entre os delitos sujeitos à alçada do Tribunal (ver Human Rights Watch, ‘Human Rights Watch Condemns United States’ Threat to Sabotage International Criminal Court’, Press Release, 1998, 9 July, disponível online em <http://www.hrw.org/press98/july/icc-us09.htm>.) Conservadores (como J. Bolton,‘The Global Prosecutors’, Foreign Affairs, 1999, v. 78, January/February, pp. 157-164.), opuseram-se a um Tribunal como tal em relação ao julgamento de qualquer americano mesmo acusado de genocídio ou de outros crimes contra a humanidade.
16. J. Yoo, ‘International Law and the War in Iraq’, American Journal of International Law, 2003, v. 97, pp. 11-23; cf. R. Wedgwood, ‘The Fall of Saddam Hussein: Security Council Mandates and Preemptive Self-Defense’, American Journal of International Law, 2003, v. 74, pp. 24-34; P. Zelikow, ‘The Transformation of National Security: Five Redefinitions’, National Interest, 2003, v. 71, pp. 17-28.
17. P. H. Maguire, Law and War: An American Story, New York: Columbia University Press, 2000, p. 69.
18. Cunhador do termo “Destino Manifesto”.
19. P. H. Maguire, Law and War: An American Story, New York: Columbia University Press, 2000, p. 50.
20. Ibid., p. 50.
21. W.H. Taft IV & T.F. Buchwald, ‘Preemption, Iraq, and International Law’, American Journal of International Law, 2003, v. 97, pp. 5-10.
22. Declaração do Conselho do Atlântico Norte, 12 de setembro de 2001 (Press Release (2001) 124; disponível online em <http://www.nato.int/docu/pr/2001/p01-124e.htm>).
23. Na Resolução 1368 (12 de setembro de 2001), e principalmente Resolução 1373 (28 de setembro de 2001).
24. A Comissão também foi endossada pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan. O relatório na íntegra está disponível em <http://www.reliefweb.int/library/documents/thekosovoreport.htm>.
25. Um panorama das Resoluções do Conselho de Segurança relevantes — e do “caso” geral promovido pelos EUA — pode ser encontrado no texto da minuta da resolução oferecida pelos EUA, Espanha e Reino Unido em 7 de março de 2003, disponível online em <http://www.casi.org.uk/info/undocs/scres/2003/20030307draft.pdf>.
26. W.H. Taft IV & T.F. Buchwald, ‘Preemption, Iraq, and International Law’, American Journal of International Law, 2003, v. 97, pp. 5-10.
27. Disponível online em <http://www.whitehouse.gov/nsc/nss.html>.
28. Por exemplo, o discurso de formatura proferido por Bush na Academia de West Point em junho de 2002, online em <http://www.whitehouse.gov/news/releases/2002/06/20020601-3.html>.
29. Segundo George e Sabelli (S. George & F. Sabelli, Faith and Credit: The World Bank’s Secular Empire, Boulder, CO: Westview Press, 1994.), “por repetidas vezes, os Anais de Bretton Woods salientam a obsessão prevalecente desses líderes por um mundo varrido pela guerra: nunca voltar a “depreciações monetárias competitivas, imposição de restrições cambiais, quotas de importação e outros dispositivos que envolvessem tudo, exceto a repressão do comércio” e mergulharam o planeta no conflito mais devastador de todos os tempos. Para saber mais sobre a influência da criação, principalmente do BIRD, de John Maynard Keynes, ver R. Skidelsky, John Maynard Keynes: Fighting for Freedom, 1937-1946, New York: Penguin, 2002.
30. Ver, por exemplo, a referência do então Presidente George H. W. Bush em 1991 a uma nova ordem mundial em seu Discurso do Estado da União ao Congresso americano: <http://www.presidency.ucsb.edu/site/docs/doc_sou.php?admin=41&doc=3>.
31. e.g. C. Krauthammer, “The Unipolar Moment”, Foreign Affairs, 1990, v. 70, January/February, pp. 23-33.
32. A. Lake, “Confronting Backlash States”, Foreign Affairs, 1994, v. 73, March/April, pp. 45-55.
33. P.E. Tyler, “U.S. strategy plan calls for insuring no rivals develop”, New York Times, 1992, 8 March, p. A1.
34. T.W. Lippman, “Clinton Struggles to Define World Vision”, Chicago Sun Times, 1993, 30 September, p. 30.
35. T. Farer, “The Interplay of Domestic Policy, Human Rights & U.S. Foreign Policy”, in T.G. Weiss, M.E. Crahan, and J. Boering (Eds.), Terrorism and the UN: Before and After September 11, London: Routledge, 2004 (disponível em breve).
36. Ibid.
37. Em uma crítica literária recente de livros sobre o governo Bush, o economista liberal Paul Krugman (P. Krugman, ‘Strictly Business’, New York Review of Books, 2003, 20 November, pp. 4-5.) escreve sobre o sucesso da direita no estabelecimento do tom e dos parâmetros do discurso público e, após tentar explicar seu sucesso, acaba admitindo uma certa perplexidade.
38. P. O’Neill, “Confronting OECD’s Notions on Taxation”, US Department of State Website <http://usinfo.state.gov/topical/econ/group8/summit01/wwwh01051001.html>, originalmente publicado em The Washington Times 10 May 2001.
39. Ver Capítulo V da Estratégia de Segurança Nacional da Casa Branca, disponível em <http://www.whitehouse.gov/nsc/nss5.html>.
40. A Câmara dos Deputados dos EUA recusou-se a financiar a iniciativa.Ver C. Hulse, ‘House Trims Bush Plan for Research on Weapons’ New York Times, 2003, 19 July, p. A9.
41. Idem, “House Retreats from Bush’s Nuclear Plan”, New York Times, 2003, 15 July, p. A18.
42. S. Weinberg, “What Price Glory”, New York Review of Books, 2003, 6 November, disponível online em <http://www.nybooks.com/articles/16733>.
43. Para dar uma idéia do fosso entre as necessidades e as respostas propostas a elas, destaco que os Estados Unidos se propõem a gastar até U$150 milhões (de dólares) em escolas na Indonésia que proporcionariam a crianças muçulmanas pobres uma alternativa às oferecidas pelos radicais islâmicos. Essas escolas radicalizadas preparam os alunos mais para o jihad do que para uma participação bem-sucedida na economia global. Cento e cinqüenta milhões de dólares correspondem a um pouco menos que o orçamento anual das escolas públicas da minha cidade natal (Littleton, Colorado), com população de 40.000 habitantes. A Indonésia possui 207 milhões de habitantes. O Paquistão, onde o efeito maligno de madrasas radicais é mais bem conhecido, tem 153 milhões de habitantes.
44. Estes formaram a “Rede de Segurança Humana”, surgida de um acordo bilateral — a Declaração Lysøen e a Agenda de Parcerias — entre a Noruega e o Canadá. Entre outros Estados destacam-se a Áustria, Grécia, Irlanda, Jordânia, Mali, Países Baixos, Eslovênia, Suíça, Tailândia e (como observadora) a África do Sul.
45. Charles Krauthammer é um expoente líder desta visão em “The Real New World Order: The American Empire and the Islamic Challenge”, The Weekly Standard, 2001, 12 November, p. 25; ‘A New Policy’, Townhall.com, 2003, 8 June, disponível online em <http://www.townhall.com/columnists/charleskrauthammer/ck20010608.shtml> ). Para uma visão mais sutil, ver S. Mallaby, “The Reluctant Imperialist: Terrorism, Failed States, and the Case for American Empire”, Foreign Affairs, 2002, v. 81, March/April, pp. 2-7. Para uma visão cética, ver J. Kurth, “Confronting the Unipolar Moment: The American Empire and Islamic Terrorism”, Current History, 2002, December, pp. 403-408.
46. Pew Research Center for the People and the Press, What the World Thinks in 2002, Washington DC, 2002, disponível online em <http://people-press.org/reports/pdf/165.pdf>.
47. Mesmo alguns pensadores até agora associados à política de centro ou até mesmo de centro-esquerda em sua disposição ideológica geral — por exemplo, M. Ignatieff, “The Burden”, New York Times Magazine, 2003, 5 January, pp. 22-27, 50-53 e o colunista Thomas Friedman do New York Times – são atraídos pela oportunidade percebida de realizar aquilo que denominamos “paz democrática” (ver M. Doyle, ‘Kant, Liberal Legacies, and Foreign Affairs’, Philosophy and Public Affairs, 1983,12, Summer, 205-235) através de um Império americano. Nos artigos publicados em sua coluna após 11 de setembro (com coletânea recentemente publicada em T. Friedman, Longitudes and Attitudes, New York: Anchor, 2003), Friedman, apesar de criticar muitos detalhes da implantação, argumenta que as metas do governo Bush são ousadamente idealistas e justas em termos dos interesses americano e humano.
48. Carta das Nações Unidas (59 Stat. 1031, T.S. 993, 3 Bevans 1153), Capítulo VII, Artigo 47.
49. M.S. McDougal & W.M. Reisman, “Rhodesia and the United Nations: The Lawfulness of International Concern”, American Journal of International Law, 1968, v. 62, pp. 1-19.
50. D. Malone, Decision-making in the UN Security Council: The Case of Haiti, 1990-1997, New York: Oxford University Press, 1998.
51. P. Kennedy, “The Perils of Empire; This Looks Like America’s Moment. History Should Give Us Pause”, Washington Post, 2003, 20 April, p. B1.
52. J. Didion, “Mr. Bush & the Divine”, New York Review of Books, 2003, 6 November, disponível online em <http://www.nybooks.com/articles/16749>.
53. R. Thomas Tripp, International Thesaurus of Quotations, New York: Penguin, 1970.
54. H. Kissinger, “Single-Issue Diplomacy Won’t Work”, Washington Post, 1999, 27 April, p. A-17.
55. J. Mearsheimer, The Tragedy of Great Power Politics, New York: W.W. Norton, 2001.