Ensaios

Guardas da terra, subordinação do Estado e direitos humanos em Gana

Linda Darkwa e Philip Attuquayefio

Matando para proteger?

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RESUMO

Desde o retorno do regime constitucional, Gana intensificou os esforços para a promoção dos direitos humanos. Entretanto, há muitos desafios em relação à defesa dos direitos de propriedade, especialmente quanto à posse da terra. Esse desafio, nascido das tensões entre o Estado moderno e o tradicional, é exacerbado pela pluralidade dos sistemas legais vigentes, bem como pelos desafios da rápida urbanização e do alto desemprego, especialmente na região da Grande Acra. O sistema liberal de mercado promovido pelo retorno de Gana ao regime constitucional levou a mais investimentos em terras e demanda por mais segurança nos títulos de propriedade. Isso levou a tentativas de realização de uma reforma agrária. Apesar delas, a incapacidade do Estado de fazer a lei ser respeitada significou que o mercado fundiário continua sendo um campo minado. A consequência foi o surgimento de provedores de serviços de segurança privada que empregam meios ilegais para proteger terras e propriedades fundiárias=. Conhecidos popularmente como guardas da terra (landguards), esses provedores de segurança são o pesadelo dos proprietários de terras na região da Grande Acra. Usando fontes primárias e secundárias, o presente estudo examina a lógica por trás da demanda e da oferta dos serviços dos guardas da terra e as implicações de tais serviços para o direito à propriedade em Gana. O texto conclui que a fraca capacidade de policiamento do Estado e a corrupção generalizada nas instituições de administração fundiária facilitam os conflitos nos mercados fundiários e incentivam a busca por mecanismos individuais de segurança. Argumentamos que, enquanto tais medidas ilícitas de segurança forem utilizadas, a autoridade do Estado e o seu monopólio do uso da força continuarão irrelevantes no setor fundiário.

Palavras-Chave

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1. Introdução

Vários indicadores apontam que Gana está no rumo do crescimento e do desenvolvimento. Foi sugerido que o país teria sido a economia de crescimento mais rápido na África Subsaariana, e, em 2011, Gana foi incluída entre os países de renda intermediária. Situada numa sub-região na qual muitos de seus vizinhos foram vítimas de violentos conflitos armados, Gana é celebrada como terra de paz. Sem dúvida, ao ser comparada com os vizinhos, Gana merece os elogios recebidos. Entretanto, as dinâmicas que caracterizam seu desenvolvimento também facilitaram o surgimento de uma série de desafios de segurança. Embora alguns desses desafios sejam relativamente novos, a maioria é antiga. Alguns dos desafios de segurança enfrentados são resultado da incapacidade do Estado moderno de facilitar um redesenho do sistema estatal tradicional para ajustá-lo às necessidades atuais da paisagem política, social e econômica do país sem alienar as estruturas tradicionais, especialmente tendo-se em vista que o Estado não tem a capacidade efetiva de impor sua autoridade por todo o país.

O retorno de Gana ao regime constitucional, em 1992, marcou o início de um período de otimismo. Por um lado, os direitos e liberdades dos cidadãos foram garantidos, e por outro, a nova configuração política incentivou um regime econômico liberal. Essa nova configuração política e econômica facilitou o desenvolvimento de instituições robustas que, por sua vez, incentivaram o investimento. Durante esse mesmo período, Gana teve um alto volume de migrações do meio rural ao urbano, um aumento acentuado na população das cidades e uma grande demanda por terras, tanto para fins residenciais quanto para o desenvolvimento industrial. A forte demanda por terras intensificou a comercialização dos terrenos, especialmente em Acra e arredores. O alto valor atribuído às terras teve implicações para a antiga política ao redor da propriedade, aquisição e transferência de terras. A oportunidade de ganhar dinheiro com a venda ou arrendamento das terras facilitou uma série de conflitos entre famílias, comunidades e indivíduos quanto à propriedade. Esses conflitos foram exacerbados pela complicada dinâmica de gestão fundiária ocasionada pelas distorções do regime colonial e dos regimes legais plurais que emergiram como consequência deste. Questões envolvendo a definição da propriedade e os direitos e deveres dos arrendadores ganharam destaque muito maior com o aumento da comoditização das terras após o retorno ao regime constitucional, em 1992. Tais desafios eram agravados pelos ineficazes processos de gestão fundiária disponíveis para a administração dos terrenos.

É importante destacar que os desafios enfrentados pelo setor fundiário não são necessariamente um fenômeno novo. Um texto de Pogucki escrito em 1955 indica que o aumento no preço da terra em Acra era o resultado do “rápido desenvolvimento residencial e do congestionamento das áreas comerciais e industriais” (POGUCKI, 1955, p. 10-11). Segundo ele, já em 1955 a demanda excedia a oferta, levando a um aumento no preço dos alimentos por causa da “diminuição das áreas cultivadas como resultado da extensão dos limites da cidade” provocada pelo crescimento populacional. O autor debate questões de propriedade e os direitos e obrigações impostos pelo direito consuetudinário àqueles encarregados da administração das terras no sistema tradicional de governança, e áreas de conflito. Seu trabalho traz análises úteis das estruturas tradicionais de gestão da terra no período anterior à independência. Embora Pogucki comente as dificuldades de definir o que é propriedade na gestão tradicional de terras, seu debate se limita à gama de direitos que um chefe político pode exercer em nome do grupo para o qual ele administra a terra. Assim, embora a disputa quanto ao direito de exercer certas medidas de autoridade contribua para a insegurança com a qual os proprietários de terra se deparam atualmente em Gana, ela não se aprofunda nas questões de venda múltipla e criminalidade enfrentadas hoje pela gestão fundiária.

Gough e Yankson (2000) reconhecem que os principais desafios subjacentes à gestão dos mercados fundiários nos países em desenvolvimento são os complexos relacionamentos entre as pessoas e a terra, os diferentes sistemas de posse que existem nas várias sociedades dentro dos Estados, a forma pela qual o Estado passou a exercer o controle sobre as terras no período posterior à independência e no sistema legal plural que contrapõe leis do sistema jurídico ocidental às leis consuetudinárias dessas várias sociedades. Por mais que esses desafios não sejam novos, questões contemporâneas, como o rápido crescimento das populações urbanas, resultaram em condições de superpopulação em muitas cidades dos países em desenvolvimento.

Amanor (1999) explica que a baixa atratividade da agricultura entre os jovens, por causa de seu baixo retorno financeiro e do alto nível de desemprego nas comunidades rurais, são fatores que facilitam a migração do meio rural ao urbano, cuja consequência é, sem dúvida, um aumento da população das cidades. Ele aponta a existência de uma “correlação entre a entrada do capital internacional, a reestruturação da economia, a economia política das formações sociais e de classe e as lutas locais de subsistência pelo acesso aos recursos” (AMANOR, 1999, p. 23). Ainda que o foco de sua obra seja o agronegócio, ele traz perspectivas úteis sobre os efeitos da expropriação de terras para a produção agrícola voltada para os mercados internacionais nos habitantes dessas comunidades.

Concentrando-se na gestão de terras em Acra, Gough e Yankson indicam que as condições de superpopulação resultaram no alto custo do aluguel na cidade e levaram à conversão de terras cultivadas em terrenos residenciais e comerciais. Segundo eles, as áreas periurbanas, que costumavam ter apenas assentamentos nativos e eram usadas para a agricultura de subsistência, foram convertidas em terrenos residenciais (GOUGH; YANKSON, 2000, p. 2.489). Isso levou a um aumento do preço da terra e precipitou sentimentos de alienação e desigualdade entre os habitantes nativos pobres, especialmente entre os jovens.

Muitas vezes, essa percepção coloca os jovens de certas comunidades contra seus governantes tradicionais, que eles acusam de vender terras comunitárias para ganho pessoal. Entretanto, Gough e Yankson explicam que, embora alguns líderes exerçam autoridade política e administrativa sobre parte das terras e da população, eles podem não ser os detentores dos títulos de propriedade absoluta, o que significa que não têm o poder de vender as terras. Como resultado, apesar de as terras poderem ser vendidas, a maior parte da renda obtida com tal transação pode não chegar à comunidade na qual o terreno está localizado. O trabalho deles revela que alguns dos desafios que surgiram envolvendo percepção dos jovens e dos líderes em relação à alienação das terras, falta de transparência, corrupção e desigualdade podem, na verdade, decorrer da falta de informação dos jovens quanto à propriedade de fato dessas terras.

Em sua obra Customary Land Law in the Ghanaian Courts, Woodman (1996) descreve as normas do direito consuetudinário sobre criação e transferência da terra e sobre quem pode ter ganhos fundiários. Sua obra traz definições de uma série de conceitos e entidades relativos à administração fundiária. Descreve também os parâmetros de autoridade atribuídos por vários grupos dentro do sistema tradicional (comunidades, famílias, clãs etc.) às pessoas encarregadas da administração de terras que não sejam sua propriedade pessoal. O texto sugere que as pessoas incumbidas de administrar terras em nome de grupos não podem tomar decisões de maneira unilateral em relação à alienação da terra sem consultar os membros principais do grupo. Woodman menciona o conflito entre algumas das regras do direito consuetudinário e as normas do sistema do Estado moderno. Seu trabalho revela as normas de jure cuidadosamente elaboradas para a administração fundiária em Gana e as tensões presentes na aplicação de facto das leis.

Apesar do grande número de obras que tratam do problema da administração fundiária em Gana, não encontramos nenhuma que abordasse o fenômeno dos “guardas da terra” e seu efeito na segurança do país. Embora haja tentativas de reformar a administração fundiária em Gana, o fenômeno de empregar grupos constituídos principalmente por jovens, que fazem uso ilegítimo da força para proteger terras e propriedades fundiárias em troca de remuneração em dinheiro ou espécie, tem crescido em Acra. Podemos dizer que isso decorre do desafio das vendas múltiplas de terras; dos longos processos legais envolvendo a solução de conflitos de terra nos tribunais; da falta de confiança na polícia e no Judiciário como resultado de sua aparente corrupção e parcialidade; e do policiamento fraco, que facilita a atividade de gangues no setor fundiário (DARKWA, 2012). Por mais que os guardas da terra procurem se apresentar como agentes de segurança privada, eles operam fora da estrutura estabelecida para os serviços particulares de segurança e utilizam a violência e/ou a ameaça de violência ao defenderem a segurança da terra e das propriedades fundiárias. Suas atividades são ilegais e constituem uma contravenção das leis existentes para o setor dos serviços particulares de segurança.1 O uso de guardas da terra para a solução dos conflitos agrários afeta o gozo dos direitos à propriedade, pois aqueles que não dispõem de recursos para contratá-los muitas vezes perdem seus terrenos para aqueles que podem pagar por tais serviços.

2. Metodologia

Ao utilizar entrevistas com três guardas da terra,2 que foram informantes-chave, além de um grupo focal com cinco guardas da terra,3 um policial aposentado,4 um policial em serviço,5 um empreiteiro que emprega os serviços dos guardas da terra6 e análise do conteúdo de artigos de jornais, o presente estudo busca analisar a natureza das atividades dos guardas da terra e demonstrar seu impacto negativo no respeito aos direitos à propriedade. É debatida a aparente corrupção envolvendo o aparato de segurança do Estado e criminosos no setor fundiário. Por fim, o estudo explica a resiliência dos guardas da terra por meio da teoria da escolha racional e conclui que, enquanto o Estado ganense não for capaz de reformar o setor fundiário de forma efetiva e garantir o respeito à lei, atacando também o problema do desemprego, os guardas da terra continuarão agindo. Apenas oito guardas foram entrevistados para o estudo por causa da dificuldade de fazer esses indivíduos debaterem suas atividades em decorrência da natureza ilegal de seu trabalho. Entretanto, as respostas obtidas podem ser generalizadas para o fenômeno na região da Grande Acra, pois as entrevistas chegaram a um ponto de saturação de dados a partir do qual nada de substancialmente novo foi descoberto.

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3. Guardas da terra como grupos de crime organizado: enquadrando a problemática

Os guardas da terra existem principalmente para suprir uma demanda por serviços de proteção de terrenos. Como foi mencionado, o fenômeno dos guardas da terra cresceu muito no período logo após o retorno de Gana ao regime constitucional, em 1992, período este que testemunhou a liberalização dos mercados e um aumento nas oportunidades de crescimento econômico e no acesso ao crédito.7 Tal desenvolvimento deu início a uma alta na aquisição de propriedades conforme investidores em potencial buscavam oportunidades no mercado imobiliário e cidadãos comuns se sentiam seguros o bastante para investir em terras. Esse aumento no interesse pela aquisição de terras levou ao aumento do preço dos terrenos, especialmente na capital do país, Acra. Entretanto, é importante notar que tais processos se desenvolveram no contexto de um governo de transição – de uma ditadura militar para uma democracia. Assim sendo, alguns dos processos, instituições e normas necessários para mediar os desafios emergentes das contestações envolvendo títulos de propriedade de terras eram inexistentes, ineficientes ou inadequados.

Para colocar o fenômeno dos guardas da terra em sua devida perspectiva, é imperativo proporcionar uma visão geral das questões que envolvem a posse da terra e a sua aquisição em Gana. No país, cerca de 80% da área total pertence a diferentes “banquetas” e “peles”, ou chefes tradicionais,8 indivíduos, famílias e clãs. Em grande medida, “as terras privadas são de propriedade comum, administradas para a comunidade ou para o grupo por um chefe como símbolo da autoridade tradicional, ou por uma família” (GHANA. Ministry of Lands and Forestry, 1999, p. 2).9Entretanto, a transformação da propriedade fundiária em commodity inverteu os valores tradicionalmente associados à terra como bem concedido de forma fiduciária para as comunidades e as gerações futuras. Em muitas instâncias, o aumento no valor econômico da terra levou a conflitos envolvendo seu controle e posse. Essas disputas trazem para o primeiro plano e provavelmente amplificam um desafio inerente ao sistema consuetudinário de posse das terras – a ambiguidade das fronteiras (KOM, 2003). O desafio emerge do fato de que, além das demarcações estabelecidas por árvores, rios e outros elementos naturais ou construídos pelo homem, pouco existia em termos de documentação confiável. Consequentemente, os conflitos em torno de tais fronteiras frequentemente exacerbaram-se. O desafio da ambiguidade nas demarcações e na definição dos limites entre terrenos não se restringe às disputas de terra entre comunidades, mas estende-se a terras de famílias e clãs. Assim sendo, há desafios envolvendo o estabelecimento do controle e da posse entre comunidades e também entre clãs e famílias dentro da mesma comunidade.

O desafio da posse e do controle cria outra dificuldade em termos de quem detém o locus standi, o direito de vender a terra dentro do contexto de uma família ou comunidade.. Isso está refletido na expressão latina Nemo dat quod non habet (“não é possível desfazer-se daquilo que não se possui”, tradução livre). A dificuldade reside essencialmente em definir quem, de fato, é o proprietário de um terreno – algo cuja verificação pode não ser simples para muitos membros não originais de uma comunidade. Essa incapacidade de verificar facilmente a propriedade do título levou a numerosos casos de venda múltipla do mesmo terreno por diferentes negociantes que se diziam legítimos donos das terras em questão. Assim sendo, para evitar que outros supostos proprietários vendam um terreno, o solicitante pode procurar os tribunais ou recorrer ao uso da força. Em certos casos, mesmo enquanto casos tramitam no tribunal, famílias podem empregar a força para evitar que um dos lados se aproprie de parte do terreno em disputa (KOM, 2003, p. 16).

De forma semelhante, a falta de informações facilmente acessíveis e verificáveis a respeito de qual membro de uma família, clã ou área tradicional (comunidade) detém o direito de vender as terras complica o problema da venda múltipla. As autoridades tradicionais contam com estruturas incumbidas de funções específicas para facilitar a administração de suas comunidades. Em geral há determinadas famílias, detentores de escrituras ou indivíduos designados pelo costume para a supervisão de todos os bens da comunidade; e que, mediante consulta com os chefes e anciãos, podem distribuir terras entre os membros da comunidade e alocar terrenos a compradores em potencial em nome da comunidade. Entretanto, nem sempre fica claro a quem pertence o direito de vender as terras da comunidade. Assim, alguns chefes que desempenharam essa função foram acusados de extrapolar sua alçada.10 Talvez ainda pior seja o fato de que, contrariando as constituições de suas comunidades, esses indivíduos tenham enriquecido com o dinheiro dessas vendas, sem proporcionar nenhum benefício à comunidade.

Levando-se em consideração tais desafios, muitos compradores se tornam vítimas de vendas múltiplas, recorrendo aos tribunais para reaver seu dinheiro ou garantir sua posse sobre o terreno recém-adquirido.11 Entretanto, o demorado e caro processo de acionar a Justiça, em geral, e dos litígios envolvendo propriedades fundiárias, em particular, costuma funcionar como fator de dissuasão para aqueles que pensam em recorrer aos processos formais do Judiciário. Mesmo nos casos em que os sistemas judiciários são acionados, ainda é imperativo deter e impedir contestações e, principalmente, a construção nas propriedades fundiárias por parte dos envolvidos no processo. Para isso, é necessária uma vigilância física.

Como resultado do contexto descrito acima, a propriedade de terras, sua transferência, venda e aquisição em Gana são repletas de desafios, exigindo vigilância e proteção física contra as invasões. Contudo, as forças policiais de Gana não oferecem serviços de vigilância para propriedades privadas individuais. Em geral, a polícia só intervém fisicamente quando há queixas de invasão, vandalismo de propriedade, ocupação ilegal ou quando há o enfrentamento entre facções que representam interesses opostos (DARKWA, 2010). Também se observa que provedores de segurança privada não costumam se ocupar da proteção à terra, o que provavelmente é resultado do alto risco envolvido. Consequentemente, as partes envolvidas em transações fundiárias sob disputa precisam garantir a segurança dos terrenos usando seus próprios meios. Isto leva ao caos e à anarquia, com a demolição e contra-demolição de estruturas para estabelecer a posse de um terreno. O surgimento dos guardas da terra foi, portanto, uma resposta à necessidade de proteção física dos interesses da propriedade privada. Apesar de seu emprego da força excessiva e até de força letal com armas ilícitas ser ilegal, seus serviços são muito solicitados por serem considerados a única opção viável para a proteção da terra (DARKWA, 2010).

Conforme o país aprofundou seus processos democráticos, foram feitas tentativas no sentido de desenvolver e reforçar as instituições do Estado. Como resultado, algumas reformas ocorreram no setor fundiário para aperfeiçoar a administração e a gestão das propriedades e fornecer mais garantias aos compradores de propriedades.12 A formalização sistemática dos títulos de propriedade e a sua digitalização tornaram possível verificar a legitimidade desses documentos mais rapidamente antes da compra.13 A pergunta que precisa ser respondida é: por que o fenômeno dos guardas da terra persiste, mesmo após a reforma no setor fundiário? De fato, informações de domínio público indicam que, em vez de se tornarem obsoletos, os guardas da terra se tornaram mais ousados e violentos. A resposta para a pergunta é composta por três partes. Primeiro, os incentivos para tornar-se um guarda da terra são suficientemente atraentes a ponto de proporcionar um ímpeto para a contínua oferta de serviços de proteção às terras, apesar dos riscos inerentes associados a essa atividade.14 Em segundo lugar, apesar das reformas no setor fundiário, muitos dos desafios descritos – como a venda múltipla de uma mesma propriedade e a apropriação dos terrenos pelo uso da força – permanecem até hoje, levando à persistência de uma demanda elevada pelos serviços dos guardas da terra. Em terceiro, os diferentes papéis desempenhados pelos guardas da terra (facilitados por sua reputação de pessoas implacáveis) os mantêm em atividade, sendoeles contratados para diversas tarefas, incluindo a garantia da segurança pessoal de políticos e, em casos extremos, atuando como matadores profissionais.15 Assim, apesar de sua ilegalidade óbvia, os guardas da terra continuam em atividade porque (a) é grande a demanda por seus serviços, (b) levando-se em consideração os recursos e oportunidades disponíveis a eles no mercado legal, a aparente utilidade de suas ações ilegais é consideravelmente maior do que os benefícios proporcionados pelo envolvimento no mercado de trabalho regular, e (c) é muito difundida a percepção de que o risco de detenção, prisão e punição é mínimo.16

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4. Perfil dos guardas da terra

Para compreender a natureza dos entrevistados para o estudo é preciso ter em mente que há categorias diferentes de guardas da terra. Ainda que todos desempenhem a mesma função básica de proteger a terra e as propriedades fundiárias, sua motivação nem sempre é a mesma. Como mencionado anteriormente, a grande maioria das terras pertence a chefes tradicionais e/ou famílias. Essas terras são confiadas por toda a comunidade a administradores que atuam em nome de suas coletividades e das gerações futuras. Portanto, a responsabilidade de proteger o patrimônio comunitário é coletivamente partilhada. Qualquer percepção de exploração por meio da venda de terras comunais pode ser recebida com hostilidade. Nesse caso, os jovens de uma determinada comunidade podem se unir para evitar, ou ao menos frustrar, a venda de certas terras ou a construção nesses terrenos. Sua briga é geralmente com as autoridades tradicionais que se veem no direito de vender parte dessa terra. Esse tipo de contingente de guardas da terra costuma ser formado esporadicamente para lidar com um problema específico, e normalmente subsiste apenas durante o período da disputa. Não recebem remuneração, sendo recompensados apenas com a possibilidade de impedir a venda de sua terra comunal. Vamos nos referir a essa categoria de guardas da terra como “guardas da comunidade”.

A segunda categoria de guardas da terra pode ser descrita como “guardas da terra amadores”. Trata-se de grupos de jovens dentro das comunidades que se reúnem para explorar proprietários e empreiteiras. Depois que a terra é obtida, eles impõem uma taxa, conhecida como “imposto de escavação”, antes do início da construção. O não pagamento do “imposto de escavação” pode resultar em conflitos violentos entre os trabalhadores e esses grupos, às vezes envolvendo vandalismo.. Os membros dessa categoria podem ser descritos como chantagistas, embora muitas vezes aleguem que, como membros da comunidade, eles afastam os invasores da terra, aludindo, assim, a algo semelhante à proteção. Embora essas pessoas operem habitualmente dentro de suas próprias comunidades, alguns podem também se juntar a guardas da terra de outras partes.

A terceira categoria de guardas da terra envolve aqueles que trabalham com as autoridades tradicionais nas comunidades e que buscaram refúgio nas tradicionais instituições Asafo.17 Costumam acompanhar os que recebem das autoridades tradicionais a delegação para demarcar terras, e exigem também o pagamento de “impostos de escavação”. Dois dos guardas da terra entrevistados se declararam pertencentes a essa categoria. É interessante notar que nenhum dos dois faz parte das famílias para as quais afirmaram trabalhar. Portanto, como indicado nos parágrafos anteriores, fica evidente que não poderiam ser membros do grupo Asafo, evocando-o apenas como forma de legitimação.

A última categoria de guardas da terra é composta por jovens que trabalham dentro de hierarquias discerníveis oferecendo serviços de proteção a quem pagar o valor mais alto. Podem ser contratados para uma ampla gama de serviços, incluindo a proteção de terras e propriedades fundiárias, proteção de indivíduos importantes e também a eliminação de adversários e ameaças. Têm a reputação de serem implacáveis e costumam ser temidos. Não pertencem necessariamente a uma comunidade e trabalham em diferentes regiões do país.18 Embora sejam várias as categorias, existe fluidez no pertencimento a esses grupos. Isso significa que um mesmo indivíduo pode ser membro de todas as diferentes categorias.

A maioria dos guardas da terra desempenha diferentes funções, dependendo de suas “redes” para atuar nos diversos papéis que lhe cabem. Para maximizar seu tempo e lucro, os guardas da terra organizam turnos e revezamentos. Se cinco guardas da terra forem recrutados por cinco proprietários diferentes, por exemplo, para protegerem um determinado local, eles (os guardas) organizam entre si um sistema de turnos que lhes permite fazer uma rotação. Ou seja, todas as terras são protegidas por um ou dois guardas de cada vez. Este arranjo lhes dá mais tempo livre e permite que aceitem outras incumbências.

Os guardas da terra da primeira categoria (guardas da terra comunitária) não costumam exigir dinheiro dos possíveis compradores. Eles enxergam a si mesmos como “defensores da própria herança” e seu embate costuma ser com a autoridade tradicional vigente. Entretanto, aqueles pertencentes à segunda categoria exigem dinheiro por acreditarem que, como membros da comunidade, é seu direito fazê-lo. Às vezes, após a extorsão, eles oferecem serviços de proteção para os quais é necessário negociar termos em separado. A terceira categoria se apresenta como “guerreiros da terra” – Asafo. Apresentando-se como a unidade legítima de proteção da autoridade tradicional, o dinheiro que recebem é visto como pagamento em troca da proteção contra possíveis invasores. Como os membros da segunda categoria, estes também podem negociar separadamente contratos para prestar serviços adicionais de “vigilância”. A última categoria de guardas da terra oferece serviços para: clientes em conflito com outros clientes; clientes em conflito com comunidades; famílias em conflitos sobre a propriedade de terras e autoridades tradicionais em conflito umas com as outras em relação às fronteiras, à demarcação e ao controle das terras.

A maioria dos guardas da terra vive em comunidades de baixa renda, como Nima, Ashiaman, Adjiringano, Amasaman Zongo e Tudu, entre outras.19De acordo com os entrevistados, a maioria dos guardas da terra tem idade entre 17 e 40 anos, embora haja outros mais velhos que atuam como mobilizadores, coordenadores e comandantes. A maioria deles carece de qualificações mínimas para o emprego formal, mas um bom número chegou a iniciar o ensino médio.20 Embora pertençam a organizações diferentes, eles estabelecem amplas redes entre si, valendo-se de tecnologias de comunicação, como celulares, para gerir suas organizações. Trabalham sob pseudônimos e mantêm suas identidades em segredo, tendo por hábito negociar por meio de um intermediário de confiança. Evitam o contato cara a cara com seus clientes até terem certeza de que estes são legítimos. Além de se valerem da plataforma de uma rede mais ampla, o recurso às tecnologias modernas de comunicação é às vezes calculado para evitar prisões. Independentemente de seus motivos, todos os guardas da terra têm certas características em comum. São em geral jovens, desempregados e têm poucas habilidades, demasiadamente rudimentares (quando as têm), para disputar um emprego formal.

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5. Guardas da terra e violações dos direitos humanos: alguns estudos de caso

Os jornais estão repletos de reportagens relatando atividades dos guardas da terra que resultaram em ferimentos, prejuízos e, em alguns casos, mortes. São apresentados aqui exemplos que comprovam o impacto negativo das atividades dos guardas da terra sobre os direitos econômicos e sociais, bem como sobre o direito à vida. Em novembro de 1998, Richard Owusu Sekyere, conhecido popularmente como Kweku Ninja, oficial da Academia e Escola de Treinamento Policial, e Jerry Wornoo, também conhecido como Taller, da Unidade de Combate da Força Policial de Gana, foram mortos por guardas da terra ao supostamente tentar erguer pilares (que servem como fronteiras e também como indicadores de posse) em terrenos por eles comprados em Ablekuma, subúrbio de Acra (AWORTWI-MENSAH, 2001).

Em dezembro de 2005, surgiram relatos de que Godfrey Cobbinah, um dos principais administradores do Ministério da Fazenda, fora morto por guardas da terra em Achiaman, perto de Amasaman. Como Presidente da Comissão de Bem-Estar do Ministério da Fazenda, a vítima estava inspecionando terras compradas por membros do Ministério quando foi morta (LAND guards kill…, 2005). No dia 24 de setembro de 2010, foi relatado que os moradores de Oyibi, um subúrbio de Acra em desenvolvimento, havia sido alvo de ataques brutais por parte de guardas da terra e ameaçados de despejo (LAND guards brutalise, 2010). No dia 1º de agosto de 2011, o Daily Graphic informou que um empresário tinha sido aterrorizado por guardas da terra em sua casa. O ataque estava ligado à luta da empresa do executivo contra invasores de terras que a companhia havia adquirido para agricultura comercial (AZU, 2011).

Os exemplos citados são uma amostra de reportagens disponíveis em fontes públicas. Entretanto, deve-se registrar que muitos outros casos não foram relatados ou foram relatados de maneira equivocada.21 Por mais que tais casos sejam preocupantes, a forma pela qual as atrocidades são perpetradas é ainda mais alarmante. Em todos os casos mencionados anteriormente, os crimes ocorreram diante de testemunhas, indicando a falta de temor por parte dos guardas da terra. Os guardas da terra ameaçam, mutilam e matam suas vítimas, além de demolirem propriedades e impedirem o trabalho de operários. Tais atividades prejudicam investimentos e o desenvolvimento, constituindo sem dúvida uma afronta ao direito à vida e à ausência de temor, bem como aos direitos econômicos e sociais das vítimas.

6. Guardas da terra como grupos do crime organizado: estabelecendo o elo

Os guardas da terra são mais do que gangues de criminosos comuns. São parte de grupos do crime organizado. É imperativo oferecer uma classificação adequada a eles para compreendermos sua resiliência e, com isso, criarmos mecanismos apropriados para enfrentar os desafios que eles trazem para a segurança pessoal e estatal. Não existe consenso para a definição do crime organizado (ALBANESE, 2000; p. 410; HAGAN, 1983, p. 52). Entretanto, Albini apresenta uma definição útil para o estabelecimento do elo entre os guardas da terra e o crime organizado. Ele define genericamente o crime organizado como “toda a atividade criminosa envolvendo dois ou mais indivíduos, especializada ou não, incluindo alguma forma de estrutura social, com algum tipo de liderança, utilizando certas formas de operar, na qual o propósito final da organização é encontrado no empreendimento do grupo particular” (ALBINI, 1971, p. 37). Esta definição coloca o crime organizado em um continuum e prevê diferentes graus de organização, especialização e estrutura. Em seu “Modelo do Crime Organizado como Continuum”, Frank Hagan indica que, para que um grupo criminoso seja considerado organizado, é preciso que seja altamente organizado, apresentando uma hierarquia, uma participação restrita e um código comum de sigilo. Além disso, é preciso que use a violência e/ou a ameaça da violência, forneça bens ilícitos para satisfazer uma demanda pública e sejam orientados para o lucro. Por fim, o grupo precisa gozar de imunidade por meio do respeito às próprias regras e pode ser corrupto (HAGAN, 1983, p. 54).

Um perfil dos guardas da terra obtido por meio das entrevistas confirma a existência de diferentes graus de organização e estrutura. Nota-se que a maioria dos guardas da terra (i) faz parte de grupos estruturados existentes;22 (ii) tem líderes identificáveis que utilizam a violência e a ameaça da violência para atingir seus objetivos; e (iii) são motivados principalmente pela expectativa de remuneração (em dinheiro ou terras). Alguns desses grupos recebem o apoio de membros influentes em suas comunidades e/ou no nível nacional. Há uma fluidez geral no pertencimento a tais grupos, permitindo que seus membros tenham liberdade para integrá-los e abandoná-los. Há, no entanto, uma equipe central permanente em torno da qual os demais membros orbitam. Este último grupo tende a ocupar as posições mais altas, e a participação nele é restrita (ATTUQUAYEFIO, 2009).

7. A Resposta do Estado Ganense à Ameaça dos Guardas da Terra

Apesar dos esforços para enfrentar o desafio dos guardas da terra, nenhuma estratégia holística foi desenvolvida para lidar com a demanda e a oferta de suas atividades. Não existe uma resposta única e abrangente para a ameaça dos guardas da terra em Gana. Entretanto, há vários dispositivos legais contidos em diferentes instrumentos proibindo uma ou mais atividades dos guardas da terra. O direito de proteção à propriedade privada, incluindo a terra, é garantido, e a Seção 39 da Ata (Emenda) do Código Criminal de 2003 (Ata 646) descreve as situações nas quais a força pode ser usada para a proteção desse tipo de propriedade, assim como estipula o nível de força que pode ser usado. Inter alia, diz-se que,

(a)   uma pessoa de posse legítima de uma casa, terreno, veículo ou bens, seu empregado ou qualquer outra pessoa que tenha sua autorização pode usar a força considerada necessária para repelir alguém que tente forçar sua entrada na casa, terreno ou veículo, ou apoderar-se dos bens;

(b)  uma pessoa de posse legítima de uma casa, terreno ou veículo, seu empregado ou qualquer outra pessoa que tenha sua autorização pode usar a força considerada necessária para expulsar alguém que, estando na casa, terreno ou veículo, tendo sido legalmente solicitado a deixar o local, recuse-se a fazê-lo;

Embora a força possa ser utilizada, esta é limitada ao que se considera “necessário”. Isso significa que os proprietários de terras e os encarregados de tomar conta ou garantir a segurança dessas terras não têm o direito de usar força ilimitada para impedir que se apoderem da propriedade. Na prática, o uso de força excessiva, que por vezes resulta em perdas demasiadas, ferimentos ou morte, contraria a lei. Além disso, embora o uso da força seja permitido, este deve ser feito dentro do âmbito da lei, o que significa que as ferramentas empregadas no exercício da força devem ser legais. Na prática, se houver a necessidade de se recorrer a armas de fogo, sua posse e uso devem estar de acordo com a lei. Assim, o uso de armas ilícitas na defesa de terras é ilegal.

Apesar da limitação ao uso da força na proteção das propriedades, os guardas da terra continuam a empregar armas ilícitas para cometer violentas atrocidades – em nome da proteção. O contínuo caos provocado pelos guardas da terra levou a uma proibição explícita às suas atividades em 2004 por parte do Ministro do Interior (LAND guards banned…, 2004). Apesar da proibição, as atividades dos guardas da terra persistiram, levando à aprovação de uma segunda proibição por parte da força policial três anos mais tarde, em 2007 (LAND guards banned, 2007). Subsequentemente, foram muitas as diretivas de políticos instruindo a polícia a efetivamente lidar com os guardas da terra. Além das medidas já citadas, o Estado buscou combater a fonte da demanda pelos serviços dos guardas da terra – as disputas envolvendo propriedades agrárias – por meio da reforma dos processos de verificação de escrituras, obtenção de documentos e comprovação da propriedade de terrenos. Apesar de tais medidas, é preciso empreender esforços para minimizar os benefícios à indústria dos guardas da terra de modo a torná-la pouco atraente para os jovens.

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8. Explicando a resiliência dos guardas da terra por meio da Teoria da Escolha Racional

Apesar das iniciativas mencionadas anteriormente, o desafio representado pelos guardas da terra segue existindo. Portanto, é necessário compreender a lógica por trás da resistência desse grupo às reformas para que possamos elaborar respostas apropriadas. Usando ideias emprestadas de análises do crime e dos desvios sociais, do crime como modelo de trabalho e da teoria da escolha racional, oferecemos uma explicação para a persistência dos guardas da terra em Gana.

O pano de fundo de nossa análise é o individualismo metodológico da Teoria da Escolha Racional (TER), que explica fenômenos sociais a partir da perspectiva dos processos individuais de tomada de decisões. Tais processos são frequentemente caracterizados como eventos sociais interativos por meio dos quais os indivíduos agem racionalmente na tentativa de alcançar um equilíbrio benéfico entre custos e recompensas, envolvendo, assim, algum tipo de troca social feita entre as respectivas partes. Esses custos e benefícios podem se manifestar em termos econômicos ou extraeconômicos. Homans (1961), por exemplo, observa que “uma ação econômica envolve a troca de bens e serviços; a interação social inclui a troca de aprovação e outros comportamentos valorizados”. Em “Participation in illegitimate activities: a theoretical and empirical investigation”, Isaac Ehrlich também indica que a violação da lei ocorre como resultado dos incentivos aparentes, já que:

[t]oda violação da lei pode ser vista como algo que rende um potencial aumento na riqueza pecuniária do criminoso, seu bem-estar psíquico, ou ambas as coisas. Ao violar a lei, corre-se também o risco de uma redução na riqueza e no bem-estar individuais, pois a condenação implica num castigo (uma multa monetária, liberdade condicional, o ganho que deixa de ser obtido durante o tempo passado na prisão e as desvantagens psíquicas, após dedução dos eventuais benefícios recebidos), no vínculo a uma ficha criminal (que reduz as oportunidade de trabalho em atividades legítimas) e outras desvantagens.
(EHRLICH, 1973, p. 523).

Do ponto de vista da Escolha Racional, uma das motivações para a atividade dos guardas da terra é econômica. Os três guardas da terra entrevistados se mostraram convencidos de que seu trabalho trazia um benefício financeiro melhor do que suas profissões anteriores; Yao, que trabalhou em uma firma de segurança privada, é trabalhador da construção civil e boxeador amador; Mohammed A é motorista e Mohammed B trabalha na agricultura de subsistência. Os três se tornaram guardas da terra porque esta ocupação lhes oferecia uma recompensa melhor. Em outras palavras, aqueles que se envolvem com crime o enxergam como um trabalho propenso a oferecer um retorno superior àquele que poderia ser obtido no mercado de trabalho formal, legítimo e concorrido (WILLIAMS; SICKLES, 2002, p. 479). Os três trabalham como guardas da terra em período integral e pertencem a várias redes, o que lhes permite organizar turnos e, assim, aceitar mais de um trabalho por vez, aproveitando ao máximo seu tempo e as oportunidades de ganhar dinheiro. Ao menos três dos guardas da terra entrevistados tinham motivações econômicas. Em um caso específico, como membro de uma casa real, o entrevistado tinha testemunhado algum tipo de apropriação indébita por parte dos anciãos da Banqueta. Assim sendo, em sua opinião, a maneira de garantir que obtivesse aquilo que era seu por direito seria envolver-se diretamente com os compradores dos terrenos.

Além das motivações econômicas, o trabalho de campo revelou outra razão para os guardas da terra de acordo com uma perspectiva de troca social destacada pelos teóricos da Escolha Racional. Trata-se do elemento da aprovação. Ao narrar as condições de tais atribuições extraeconômicas, os guardas da terra destacaram a incidência com a qual os proprietários de direito das terras eram roubados de suas propriedades por indivíduos mais ricos ou donos de conexões políticas fortes. Eles indicaram que, em situações desse tipo, eles simplesmente intervêm para corrigir os males da sociedade. Destacaram que, por mais que as ofertas de dinheiro não sejam totalmente rejeitadas, a recompensa proporcionada por tais tarefas está mais ligada à aprovação que resulta da sensação de defender o lado menos privilegiado. Tal situação pode ter paralelos com a analogia de Scott (2000), segundo a qual “roubar um carro pode ser algo recompensador por causa dos prazeres de se pilotar um veículo roubado e do reconhecimento por parte dos colegas ladrões de carros”.

Na sua forma mais simples, a TER caracteriza os indivíduos como “sujeitos racionais que escolhem ações capazes de maximizar seus próprios interesses individuais – a satisfação de seus desejos e necessidades”. Assim sendo, os indivíduos se dedicam a atividades que prometam recompensas que excedam seu custo (INTERNATIONAL encyclopedia of the social sciences, 2nd ed., p. 74). Enquanto sujeito racional, espera-se do indivíduo que tome a decisão com base na análise de todas as informações disponíveis no momento da ação. Na prática, “uma pessoa comete uma infração se a utilidade observada nesta é vista como maior do que aquela proporcionada pelo investimento de seu tempo e recursos em outras atividades” (BECKER, 1968, p. 176). Nesse caso, a utilidade esperada deve ser calculada como o benefício desejado menos o possível custo (sendo que o custo inclui tanto elementos financeiros, como multas, quanto elementos não financeiros, como a detenção e a prisão). Isso significa, portanto, que o sujeito racional desistiria de cometer um crime se o custo aparente da conduta ilegal superasse o benefício esperado. Por outro lado, significa que o sujeito racional se envolveria com o crime se o benefício esperado superasse os custos envolvidos. Portanto, não surpreende que, apesar da existência dos desafios descritos anteriormente na era pré-1992, o desafio representado pelos guardas da terra era praticamente inexistente. Imagina-se que isso fosse resultado do fato de os militares estarem no governo.

A partir do exposto, é evidente que essas pessoas tomaram a decisão consciente de se tornarem guardas da terra por acreditarem que isso lhes seria mais vantajoso. Em outras palavras, depois de pesar seus recursos e habilidades pessoais diante das oportunidades disponíveis nos mercados de trabalho formais e no mercado ilegal, eles se convenceram de que a melhor escolha estaria no mercado ilegal dos guardas da terra. Embora as explicações anteriores elucidem os motivos pelos quais os indivíduos escolhem se tornar guardas da terra, elas não revelam as razões de sua permanência diante das consequências em potencial.

O principal motivo para a resistência dos guardas da terra como categoria de trabalho em Gana pode ser atribuído à fraqueza das capacidades de policiamento, à corrupção e à interferência nos processos de manutenção da lei. A resistência dos guardas da terra pode assim ser explicada pela TER. Os guardas da terra são sujeitos racionais. Em primeiro lugar, dados os desafios que continuam presentes na gestão das terras em Gana, há oportunidades de trabalho na oferta de serviços ilegais de segurança. Em segundo, os guardas da terra não precisam de capacidades especializadas para realizar suas operações e, portanto, não existe a necessidade de investir em ensino, tampouco em treinamento. Em terceiro, a capacidade de se fazer cumprir a lei em relação aos guardas da terra é fraca. Assim, eles não são dissuadidos pela possibilidade de prisão e detenção. Yao e Mohammed A indicaram que já tinham sido presos muitas vezes, mas nunca levados aos tribunais porque seus “empregadores” intercediam em seu favor. Da mesma maneira, Mohammed B – que estava numa cela policial durante a entrevista – demonstrou otimismo em relação à possibilidade de seu “patrão” ser capaz de “derrubar o inquérito”. Neste caso, a aparente ameaça de castigo é quase insignificante, pois sua experiência anterior tende a indicar que seus crimes não serão detectados, e, se forem, o castigo tende a ser mínimo em relação à gravidade do suposto crime.23

A interação entre diferentes fatores preserva, assim, as atividades dos guardas da terra, entre elas a demanda pelos seus serviços, a oportunidade de remuneração e a fraqueza das estruturas de policiamento, que torna improvável a detecção, a detenção e o castigo.

Para evitar a detecção e a prisão, os guardas da terra buscaram se converter nas estruturas legais de segurança do Estado ao explorar as lacunas legais entre o Estado tradicional e o Estado moderno, bem como a fraqueza na coordenação dentro do setor policial. Desde o início da promulgação de proibições e das iniciativas muito mais agressivas da polícia ganense para lidar com a situação, os guardas da terra buscaram integrar seus serviços às estruturas legítimas de segurança para evitar a prisão. Eles recorreram a três maneiras principais de se apresentarem como agentes legítimos de segurança, preenchendo a lacuna na oferta de serviços de segurança para propriedades privadas.

Atualmente, alguns dos guardas da terra se apresentam como membros dos grupos tradicionais Asafo24 e, assim sendo, como defensores legítimos de suas comunidades e das propriedades dessas comunidades. A referência aos grupos Asafo traz uma dinâmica interessante para o discurso, pois são feitas tentativas de evocar estruturas do Estado tradicional para legitimar atividades opostas ao Estado ganense moderno. As companhias Asafo do Estado tradicional eram compostas por pessoas de famílias específicas dentro da comunidade regidas por regras bem definidas de participação e normas claras para recrutamento, mobilização e envolvimento na guerra. Entretanto, houve uma corrupção desta estrutura, com pessoas de fora das famílias Asafo tradicionais sendo cooptadas (nem sempre pelas pessoas tradicionalmente incumbidas do recrutamento) para os chamados grupos Asafo modernos, usados na proteção à terra. Existe, assim, uma exploração das estruturas tradicionais de segurança para evitar a prisão.

Outros grupos de guardas da terra se apresentam como membros de comissões de vigilância. Em decorrência do baixo número de policiais e das limitações logísticas, alguns membros das comunidades se reúnem para oferecer um policiamento comunitário. Entretanto, os membros das comissões de vigilância precisam receber autorização do Departamento de Investigações Criminais (DIC) para prestar esse serviço. Em um país que dispõe de poucos dados sobre seus cidadãos,25 é difícil checar os antecedentes de cada um a partir de um ponto central. Em decorrência deste obstáculo, torna-se imperativo que as várias unidades de policiamento cooperem em tarefas como a checagem de antecedentes criminais, para que as agências de policiamento mais próximas das comunidades possam oferecer informações precisas. Todavia, as coisas nem sempre foram assim, e a agência central do Departamento de Investigações Criminais aprova listas de comissões de vigilância sem ter necessariamente conduzido a checagem de antecedentes dos solicitantes. Atualmente, há guardas da terra que obtiveram álibis legais apresentando-se como membros de comissões de vigilância.26

Uma terceira forma pela qual os guardas da terra se apresentam é como encarregados de tomar conta das propriedades, de quem se espera que o recurso ao uso da força se dê em situações de autodefesa. Yao, um dos guardas da terra entrevistados, apresentou uma carta dos representantes legais de seu empregador, nomeando-o como encarregado de cuidar de um terreno. De acordo com ele, a carta de nomeação lhe dava o direito de estar na propriedade e de interrogar e afastar outras pessoas, que ele descreveu como invasoras.

O desafio de segurança criado pelas atividades dos guardas da terra é exacerbado ainda mais pelas suas tentativas de explorar as estruturas legais de segurança para integrar seus serviços à economia legítima de Gana. Embora seus métodos de operação continuem os mesmos, os guardas da terra estão representando seus serviços como provedores de segurança para propriedades privadas, setor que não é coberto pela polícia. A exploração de estruturas legítimas de segurança para situar seus serviços dentro da economia legítima de Gana sem se adequarem às disposições legais cria um obstáculo para a segurança do Estado, prejudicando o governo e suas estruturas de segurança.

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9. A subordinação do Estado por meio das atividades dos guardas da terra: um prognóstico

Não há dúvida de que as atividades dos guardas da terra prejudicam o Estado de várias maneiras. Como foi demonstrado, os guardas da terra usam a força ilegitimamente para ameaçar, intimidar e, em casos extremos, matar suas vítimas. Além de desafiar o monopólio do Estado em relação ao uso da força, essas atividades também levam ao questionamento da capacidade do governo de oferecer e garantir a proteção ao povo. Apesar de os guardas da terra existirem por causa da insegurança envolvendo a propriedade da terra, sua existência e a incapacidade das agências de segurança do Estado de combater efetivamente a ameaça que eles representam também geram medo entre as pessoas. Na prática, os guardas da terra desafiam a eficácia do Estado na proteção aos cidadãos e às suas propriedades, minando assim a confiança das pessoas na capacidade do governo de proteger a elas e aos seus interesses. O sucesso de suas atividades amplia os desafios inerentes à aplicação da lei dentro do país e, portanto, desvia a confiança da população para longe das agências do governo e, consequentemente, para perto de si mesmos. Sob certo sentido, por mais que os guardas da terra não tenham uma pauta que busque deliberadamente suplantar as agências policiais do Estado, seu sucesso cria a aparência de eficácia e, com isso, mina as estruturas de segurança e os mecanismos oficiais de solução de conflitos no país.27

Ainda que isso seja relativamente sutil, parece haver certo nível de aliança entre alguns guardas da terra e as agências estatais de aplicação da lei. Conforme já indicado, alguns guardas da terra tentaram legitimar suas atividades ao disfarçarem-se como membros dos grupos Asafo tradicionais, de comissões de vigilância, como encarregados ou provedores de serviços de segurança privada. Por meio desses disfarces, eles puderam se refugiar sob o guarda-chuva protetor dessas agências e conseguiram evitar a detecção e a prisão, embora continuem a operar na ilegalidade. Para legitimar ainda mais suas atividades e provar que estariam apenas prestando serviços pontuais que a polícia não poderia oferecer, há tentativas de fazer uma diferenciação entre “guardas da terra justos” e “guardas da terra injustos”. De acordo com os três guardas da terra entrevistados, eles só aceitaram prestar serviços depois de terem verificado a autenticidade das alegações de seus clientes. Entretanto, eles afirmaram que outros grupos podem aceitar trabalhos simplesmente por causa do dinheiro envolvido. Assim, os “guardas da terra justos” trabalham ao lado da polícia para coibir os “guardas da terra injustos”. De acordo com Yao e Mohammed A, como eles têm encarregados, com frequência prendem guardas da terra e os entregam à polícia.28 Contudo, essa categorização não tem nenhum valor prático, já que todos os guardas da terra empregam o mesmo modus operandi na execução de suas tarefas – o uso ilegítimo da força. Assim sendo, a classificação serve apenas como forma de distinguir entre aqueles que trabalham com a polícia e aqueles que não o fazem.29

Em decorrência da indisponibilidade de informações, é impossível afirmar de maneira conclusiva que as agências estatais de policiamento sejam corrompidas pelos guardas da terra. Porém, há provas de que os empregadores dos guardas da terra muitas vezes pagam para que estes sejam libertados sob fiança quando são detidos e também para “derrubar” inquéritos.30 Ademais, afirmou-se que pessoas com influência política podem telefonar para as delegacias para exigir a libertação de certos guardas da terra mediante o pagamento de fiança.31Como mencionado anteriormente, alguns dos guardas da terra oferecem serviços de proteção para políticos durante campanhas eleitorais, recebendo garantias de emprego após a vitória destes. Ainda que a promessa de emprego raramente seja cumprida, os guardas da terra podem depender desses clientes quando precisarem se livrar de problemas com a lei.32

10. Combatendo o problema dos guardas da terra: algumas opções merecedoras de atenção

O desenvolvimento de respostas apropriadas para o desafio dos guardas da terra exige que sejam enfrentadas a demanda por tais serviços e a sua oferta. De acordo com Skaperdas, o crime organizado existe “por causa da existência de um vácuo de poder e da escassez ou ausência do policiamento máximo” (SKAPERDAS, 2001, p. 108). Esta formulação é válida para os serviços dos guardas da terra. Assim, a resposta à ameaça dos guardas da terra exige uma combinação de leis eficazes, mecanismos eficientes e acessíveis de policiamento e castigos efetivos que, espera-se, sirvam como fator de dissuasão.

Na busca por uma forma de avançar, há em primeiro lugar a necessidade de tornar mais populares e simples os processos de verificação da legitimidade das escrituras. Apesar da reforma na gestão fundiária, os processos são pouco conhecidos pela população em geral. Muitos ainda acreditam que as longas demoras associadas às tentativas de se obter informações da Comissão de Terras ainda existem. Consequentemente, os indivíduos continuam a propor a negociação de terras sem verificar a legitimidade das escrituras, e os compradores ainda são envolvidos em golpes de venda múltipla de um mesmo terreno.

Além disso, há a necessidade de intensificar a cultura do profissionalismo nas fileiras da polícia de Gana. Apesar dos esforços dessa força policial para combater o problema dos guardas da terra, ela ainda não obteve muito sucesso por causa da falta de coordenação, pesquisa eficaz e logística. O desafio ao enfrentar os guardas da terra não é diferente daquele envolvido no combate a outros crimes dentro do país. A falta de sistemas em rede significa que é grande a necessidade de coordenação entre as várias unidades do serviço policial para que seja possível estar à frente dos criminosos. Porém, existe muito pouca coordenação. Assim, o DIC, por exemplo, acaba liberando a atuação de comissões de vigilância sem consultar os departamentos policiais próximos às comunidades e, com isso, acaba legitimando guardas da terra disfarçados de membros das comissões de vigilância.

Além dos aspectos citados, é importante conferir à polícia tecnologias de vigilância que lhe permita rastrear as atividades dos guardas da terra em tempo real e, com isso, responder de maneira mais imediata. De acordo com o policial entrevistado, costuma ser difícil localizar os guardas da terra mesmo quando há informações sobre seu paradeiro, porque eles agem na mata sem usar estradas acessíveis. Assim, na ausência de veículos apropriados, é difícil circular por essas estradas, o que resulta na fuga dos guardas da terra diante do menor sinal da aproximação das agências de policiamento.

É igualmente importante oferecer à polícia um sistema eficiente de coleta de informações (QUANTSON, 2003, p. 45). Certo número de supostos assaltos a mão armada e assassinatos são obra dos guardas da terra. Mas o elo nem sempre é estabelecido. É interessante que, individualmente, os policiais disponham de informações consideráveis com base em pesquisas realizadas no decorrer de longos períodos. Entretanto, essas informações não estão disponíveis para o serviço policial enquanto organização.33

11. Conclusão

Neste estudo, debatemos a natureza da atividade dos guardas da terra e suas implicações para os direitos humanos. Examinamos também a lógica por trás da aparente resistência dos guardas da terra diante das tentativas de combater suas atividades. Notou-se que eles não são meros criminosos, mas sim membros de organizações criminosas que empregam meios ilegais, como o recurso à violência, como forma de alcançar seus objetivos. O perfil dos guardas da terra indica que são em geral jovens desempregados com pouca ou nenhuma educação formal, nem habilidades que possam lhes conferir acesso a empregos decentes. Concluímos que os guardas da terra são atores racionais que se aproveitam de oportunidades disponíveis na economia ilegal para obter sua renda. A resistência dos guardas da terra diante dos esforços do país para acabar com sua atividade é explicada pela Teoria da Escolha Racional: dados os seus recursos e habilidades, os benefícios esperados do trabalho como guarda da terra superam os benefícios que seriam obtidos se dedicassem a outras atividades tempo e energia equivalentes.

Apesar do relativo sucesso de Gana na defesa dos direitos humanos, as atividades dos guardas da terra sem dúvida inibem o progresso nessa seara. Embora não se possa generalizar e dizer que o Estado se vê subordinado às atividades dos guardas da terra, na medida em que as atividades desse grupo são conduzidas abertamente, muitas vezes cria-se a impressão de que o governo, por meio de suas agências de aplicação da lei, é incapaz de lidar com tais questões. O fato de os guardas da terra não considerarem a detecção, a detenção e o castigo como ameaças suficientes reforça a impressão de que o Estado é subordinado ou, no mínimo, tolerante em relação a grupos paraestatais envolvidos em atividades que afetam negativamente os direitos humanos das pessoas que vivem sob esse Estado. Isso é contraproducente para a proteção dos direitos humanos em Gana. Para que os avanços dos direitos humanos no país sejam sustentados, o governo precisa adorar uma posição mais proativa contra o fenômeno dos guardas da terra.

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Notas

1. De acordo com a seção 38 (2) da Lei de Regulamentação dos Serviços Policiais de 1970 (LI 1579), as organizações de segurança privada são descritas como “Qualquer organização que se dedique à investigação particular dos fatos ou do caráter de uma pessoa, ou que realize serviços de vigilância, proteção, patrulhamento ou transporte com o propósito de oferecer proteção contra o crime, excluindo a Força Policial, o Serviço Penitenciário e as Forças Armadas de Gana.”

2. A natureza ilegal da indústria dos guardas da terra traz como consequência o fato de aqueles que trabalham nela relutarem em admitir que o fazem. Como resultado da natureza ilícita do seu trabalho, a maioria deles se mostra hesitante em conceder entrevistas. Assim sendo, os três entrevistados foram identificados por meio da técnica de “amostragem em bola de neve” (segundo a qual os primeiros entrevistados selecionam os demais integrantes da amostra – Nota da editora). As tentativas de entrevistar outros guardas não deram resultado. Dois dos entrevistados, Yao e Mohammed A, trabalham principalmente em Amasaman, subúrbio de Acra que apresenta novos empreendimentos imobiliários. Mohammed B trabalha na região relativamente rica do Leste de Legon. No fim da entrevista, os três confessaram que os nomes que tinham apresentado eram pseudônimos.

3. O grupo focal foi realizado em Sapeiman no dia 26 de agosto de 2012. Entretanto, em decorrência do assassinato de um guarda da terra 17 dias antes da entrevista, nenhum dos participantes se dispôs a revelar seu nome.

4. Paul Avuyi é um policial aposentado que revelou alguns dos desafios enfrentados pela força policial de Gana na tentativa de lidar com a ameaça dos guardas da terra. Ele nos foi recomendado por um policial em serviço que não se dispôs a dar entrevista.

5. O policial em serviço trabalha em Amasaman, um dos subúrbios de Acra em desenvolvimento. A região em que ele atua registrou vários incidentes envolvendo a atividade dos guardas da terra. Entretanto, como policial em serviço, ele requisitou o anonimato.

6. Este empreiteiro do setor de construção emprega os serviços de Yao e Mohammed A. Foi ele que organizou o encontro para a entrevista, mas pediu que sua identidade não fosse revelada.

7. Tsikata indica que, apesar dos desafios enfrentados pela restauração da democracia, ela “teve um impacto positivo no investimento e no crescimento”. Para mais informações, ver: TSIKATA, Kwaku G. Challenges of economic growth in a liberal economy. In: BOAFO-ARTHUR, Kwame (Ed.). 2007. Ghana: one decade of the liberal state. Londres: Zed Books. p. 49 –85.

8. Em Gana, os chefes da região Sul ocupam banquetas, enquanto seus equivalentes no Norte ocupam peles. Durante a cerimônia de posse de um novo chefe, os encarregados da transferência da autoridade no Sul de Gana colocam o chefe na banqueta por três vezes durante a coroação. No Norte de Gana, o chefe é colocado três vezes numa pele. Assim, a banqueta (no Sul) e a pele (no Norte) são o símbolo da autoridade e da legitimidade do governo tradicional do país.

9. Em certos locais, a terra é administrada em nome do povo por um sacerdote que costuma ser ao mesmo tempo o líder secular e espiritual. A terra entre os Konkombas, por exemplo, no Norte de Gana, é administrada pelo tendana – o sacerdote da terra –, que é o encarregado de sua apropriação.

10. Recentemente, o Asantehene, um dos chefes mais destacados e respeitados de Gana, destituiu de poder alguns de seus subchefes por terem excedido suas autoridades em se tratando da venda de terras. Alguns desses chefes são o Atwimahene, destituído em novembro de 2009, e o Abrafohene, destituído em outubro de 2009. O gabinete do Asantehene mantém registros de tais destituições no endereço: http://www.manhyiaonline.org. Último acesso em: Nov. 2012.

11. O processo de verificação da escritura de propriedades agrárias foi um pouco simplificado graças à informatização do Registro de Terras, embora os funcionários do registro às vezes criem atrasos artificiais que lhes permitem cobrar propinas.

12. Em 1994, o governo de Gana deu início a um processo para o desenvolvimento de instrumentos administrativos necessários para a eficácia da administração e gestão das terras no país. Em 1999, uma Política Nacional de Terras foi adotada. Entre outras coisas, ela proporcionou o estabelecimento de um Projeto de Gestão de Terras que deve “melhorar os sistemas de registro de terras e concessão de escrituras de propriedade em termos de segurança e redução do intervalo necessário para a entrega do serviço”, entre outras expectativas. Para saber mais sobre o projeto, ver “Land Administration Project is on course”. Disponível em:  http://www.ghanalap.gov.gh/index1.php?linkid=239&archiveid=46&page=1&adate=01%2F08%2F2007 . Último acesso em: 26 Abr. 2012. Ver também: “Ghana: Land Administration Project 2”. Disponível em:  http://www.ghanalap.gov.gh/ . Último acesso em: 26 Abr. 2012.

13. Atualmente, a verificação de uma escritura de propriedade feita pelo Departamento de Terras leva aproximadamente uma semana. A Carta do Registro de Escrituras de Terras enuncia os requisitos para o registro de escrituras, realização de buscas oficiais, registro de hipotecas e regras de arbitragem para terrenos de propriedade contestada. A Nova Carta do Registro de Escrituras de Terras está disponível no endereço http://www.scribd.com/doc/18943433/Land-Title-Registry-Ghana. Último acesso em: 25 Abr. 2012.

14. De acordo com os guardas da terra, eles são pagos em dinheiro ou com partes de terrenos. A remuneração pode variar a partir de GHC 20,000 para um grupo de dez pessoas ou mais, dependendo das dimensões do terreno a ser defendido. Parece que o pagamento é calculado com base no tamanho do terreno a ser vigiado.

15. Entrevista com guardas da terra no dia 25 de março de 2009. Embora os dois tenham negado o envolvimento em assassinatos pagos, eles citaram exemplos nos quais os supostos assaltantes armados eram, na verdade, assassinos contratados.

16. A maioria dos guardas da terra é composta por jovens desempregados de pouca ou nenhuma escolaridade e que raramente puderam aprender habilidades profissionais, apresentando uma qualificação demasiadamente básica que corresponderia a uma renda baixíssima no mercado de trabalho formal. Os três entrevistados indicaram que são guardas da terra por causa da falta de outras oportunidades.

17. Isso se refere aos guerreiros de uma comunidade em particular. São normalmente formados pelos jovens de uma comunidade e servem em geral como protetores dessa comunidade.

18. Embora Yao e Mohammed tenham indicado que trabalham com os chefes da área Amasaman, eles também acrescentaram que atuam como cuidadores de terras pertencentes a indivíduos particulares fora da jurisdição dos chefes Amasaman e que tinham participado de “missões” em Aburi, Tarkwa e Aflao.

19. Estas são regiões de alta densidade demográfica pertencentes à Grande Acra, no Sul de Gana, vistas como algumas das principais origens de um número cada vez maior de jovens desempregados.

20. Yao indicou que recebera treinamento como operário da construção civil, fora boxeador amador e trabalhava também para uma firma de segurança privada. Ele deixou o emprego de construção porque não conseguia encontrar serviço e começou a trabalhar para a empresa de segurança privada, da qual se demitiu por causa do baixo salário que recebia. Mohammed A afirmou que recebera treinamento como motorista e que tinha se tornado guarda da terra por causa da dificuldade em encontrar serviço. Mohammed B disse que tinha voltado ao país depois de viver no exterior – fora deportado da Alemanha. Suas tentativas de voltar à Europa tinham fracassado e, por não ter recebido ensino formal nem capacitação profissional, não obtivera sucesso na busca por um emprego. Além de atuar como guarda da terra, ele afirmou ter uma roça de subsistência e manter algumas cabeças de gado.

21. O policial de Amasaman afirmou que alguns dos assassinatos ligados a disputas de terra tinham sido classificados equivocadamente como latrocínios.

22. Os entrevistados indicaram que havia um “Grupo da ONU”, o mais temido de todos: o Grupo de Ashiaman e o Grupo de Nima. A existência dos Grupos de Ashiaman e Nima é confirmada no GNA, “Police Arrest 23 Landguards”, 7 de outubro de 2004, disponível em:  http:// www.modernghana.com .

23. Um debate mais completo de como a percepção do risco pode dissuadir ou incentivar o criminoso é encontrado na obra de Ross L. Matsueda, Derek A. Kreager e David Huizinga, “Deterring Delinquents: A Rational Choice model of Theft and Violence”, publicado na American Sociological Review, vol. 71, No.1 (fev. 2006), pp. 95 – 122.

24. Os Grupos Asafo são os exércitos tradicionais do Estado tradicional. Na era pré-moderna de Gana, cada comunidade tinha sua própria Companhia Asafo, identificada por diferentes nomes. Seu dever era defender suas comunidades dos ataques. Hoje, são em boa medida meras relíquias simbólicas da velha ordem.

25. Gana deu início a um exercício de coleta de dados biométricos em 2011 para a emissão de Cartões Nacionais de Identificação. Antes disso, não havia banco de dados contendo endereços e formas únicas de identificação, como impressões digitais, para facilitar a detecção.

26. Entrevista com policial de Amasaman, Acra. Yao apresentou uma cópia do seu certificado de liberação para operar como membro de uma Comissão de Vigilância. O certificado teve a autenticidade confirmada pelo policial que acompanhou a equipe durante a entrevista.

27. De acordo com o policial entrevistado, a maioria daqueles que recrutam guardas da terra fazia alusão ao fato de recorrerem a eles por causa da falta de confiança no sistema policial. O empreiteiro imobiliário que emprega Yao e Mohammed A também confirmou que sua decisão de usar os guardas da terra derivava da natureza lenta e imprevisível do policiamento em Gana.

28. Yao tinha uma carta dos representantes legais de um cliente nomeando-o encarregado de cuidar de um terreno. Ainda que admitisse desempenhar as mesmas funções dos demais guardas da terra, ele não se considerava igual a estes no seu serviço a esse cliente por causa da carta de nomeação.

29. O policial de Amasaman confirmou que a polícia às vezes obtinha e usava informações concedidas por guardas da terra, embora hesitasse em confirmar que houvesse um conluio entre as agências policiais e os guardas da terra.

30. Mohammed B estava numa cela da delegacia de Legon Leste quando foi entrevistado. Ao ser questionado em relação ao seu destino, ele garantiu aos entrevistadores que tinha plena confiança na possibilidade de seu empregador assegurar sua libertação. Os três guardas da terra indicaram que tinham sido detidos várias vezes, mas jamais formalmente acusados nem condenados.

31. O policial de Amasaman afirmou que eles frequentemente recebem “ordens de superiores” para libertar alguns dos guardas da terra detidos. De acordo com ele, isso frustrava os esforços da polícia, especialmente diante do fato de o mesmo grupo de guardas da terra seguir operando impunemente.

32. Mohammed A afirmou que prestara serviços de guarda-costas para pessoas importantes tanto do partido do governo quanto da oposição. Entretanto, ele ainda não recebeu a oferta da nomeação prometida, mas tem as informações de contato de alguns dos políticos e confia neles para facilitarem o pagamento de sua fiança sempre que for preso.

33. Embora o policial tivesse uma série de informações documentais, ele indicou que suas tentativas de entregar tal material à polícia não eram bem-vindas.

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Referências

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Linda Darkwa

Linda Darkwa é doutora em Ciências Políticas pela Scuola Superiore Sant’Anna, de Pisa, Itália. É atualmente Pesquisadora Bolsista do Centro Legon para Assuntos Internacionais e Diplomacia (LECIAD) da Universidade de Gana, em Legon. Suas áreas de interesse são paz e segurança, com foco especial nas implicações dos paradigmas da segurança global nos processos locais e regionais de governança, direitos humanos, desenvolvimento e segurança.

E-mail: ldarkwa@ug.edu.gh; akua.darkwa@gmail.com

Original em inglês. Traduzido por Augusto Calil.

Recebido em novembro 2011. Aprovado em agosto 2012.

Philip Attuquayefio

Philip Attuquayefio é pesquisador bolsista do Centro Legon para Assuntos Internacionais e Diplomacia (LECIAD) da Universidade de Gana, em Legon. Possui doutorado em Ciências Políticas e mestrado em Assuntos Internacionais. Seus interesses de pesquisa são segurança humana, paz e gestão de conflitos.

E-mail: pattuquayefio@ug.edu.gh; pattuquayefio@gmail.com

Original em inglês. Traduzido por Augusto Calil.

Recebido em novembro 2011. Aprovado em agosto 2012.