um olhar a partir da região Andina e do Cone Sul
O movimento de direitos humanos e cidadania foi um ator-chave nos processos de consolidação democrática que ocorreram na Região Andina e no Cone Sul durante as últimas duas décadas. No entanto, as organizações da sociedade civil precisam modificar suas estratégias nas novas conjunturas pós-ditatoriais. Neste artigo, serão identificados alguns dos desafios centrais que essas organizações devem enfrentar.
O movimento de direitos humanos foi um ator-chave nos processos de consolidação democrática que ocorreram na Região Andina e no Cone Sul durante as últimas duas décadas. No Cone Sul, as demandas das vítimas de violações des direitos humanos para obter verdade e justiça constituiram um dos eixos em torno do qual giraram as transições pós-ditatoriais; na Região Andina, o papel das organizações da sociedade civil que denunciaram os crimes atrozes perpetrados ou avalizados por agentes do Estado também foi um componente central da agenda política da região. A partir desses primeiros passos, as organizações de direitos humanos estenderam sua esfera de influência original, participando de forma ativa em questões tão diversas e atuais quanto a luta contra a pobreza e a corrupção.
Esse protagonismo foi acompanhado por uma transformação das organizações voltadas para a proteção dos direitos, que deixaram de se dedicar fundamentalmente à denúncia de padrões de violações sistemáticas e aberrantes para se tornar um movimento muito mais diversificado em sua composição e seus fins. Durante seus primeiros anos, o movimento de direitos humanos foi constituído fundamentalmente por organizações de vítimas e familiares – especialmente nos países do Cone Sul – e por organizações de advogados que apoiavam as demandas desses grupos – com maior desenvolvimento na Região Andina.
A partir do restabelecimento da democracia nos países do Cone Sul e com os processos de maior conhecimento dos direitos que se desenvolveram na maioria dos países do continente, especialmente a partir dos anos 90, o universo de instituições da sociedade civil que se organizaram para exigir os direitos fundamentais se expandiu em diferentes direções.2 Ainda, começam a se organizar movimentos cívicos que apontam não somente para a defesa dos direitos à vida e à integridade física, mas para a consolidação de um sistema democrático que assegure a participação das grandes maiorias na agenda pública. Ao mesmo tempo, as organizações que defendem os direitos de algum grupo em particular, tais como as que reúnem as mulheres, os povos indígenas, as pessoas com deficiências, as minorias étnicas, raciais ou religiosas, bem como as minorias sexuais, entre outras, alcançam um novo grau de desenvolvimento. Muitas dessas organizações fazem parte de movimentos sociais que, em muitos casos, são anteriores à formação dos grupos de defesa dos direitos humanos (tais como aqueles vinculados aos povos indígenas); não obstante, a novidade dessas organizações durante as últimas décadas é que assumem também em seus princípios e sua ação uma perspectiva de direitos.
Paralelamente ao processo de diversificação que modificou o mapa das organizações da sociedade civil, o reconhecimento dos direitos humanos nas novas conjunturas pós-ditatoriais e, em geral, em todos os países da região, foi acompanhado de uma crescente “oficialização” desse trabalho: os próprios governos, antes inimigos declarados dos direitos humanos, começaram lenta, mas sistematicamente a promover a defesa desses princípios.3 Embora, em muitos casos, essa promoção seja fundamentalmente retórica, é indiscutível que essa nova situação é em si mesma um avanço e que obrigou as organizações da sociedade civil a modificar suas estratégias para ir mais além da defesa de um único valor (que aparece agora como socialmente compartilhado). Nesse cenário, as organizações de direitos humanos tiveram de revisar seu tradicional paradigma de trabalho, projetado para enfrentar crimes atrozes e aberrantes patrocinados por agentes do Estado que reprimiam os inimigos políticos dos governos autoritários. Deve-se destacar, em todo caso, que essa crise do paradigma tradicional que orientava o trabalho em direitos humanos não é um fenômeno limitado à América Latina; ao contrário, embora assuma as particularidades próprias da região, responde a uma conjuntura global. Essa situação, que foi qualificada de “crise de meia idade”,4 reflete os importantes desafios que o movimento de direitos humanos deve enfrentar para preservar os níveis de incidência e relevância que teve no passado.
Uma das conseqüências mais importantes dessa apropriação do discurso dos direitos humanos por parte dos governos democráticos foi abrir a oportunidade de trabalhar pela inclusão da perspectiva de direitos na formulação, no projeto e na aplicação de políticas públicas. No entanto, essa tarefa não está isenta de dificuldades. Uma conjuntura complexa e, em alguns casos, contraditória põe as organizações diante de uma realidade em que coexistem altos níveis de pobreza e exclusão social, a fragilidade da institucionalidade democrática e o crescente protagonismo de diferentes atores sociais que tomam as ruas para fazer política. Além disso, questões de índole interna, vinculadas à própria história e à situação atual das organizações da sociedade civil, representam também importantes desafios para alcançar seus objetivos. Essas questões promovem ainda um processo de reflexão sobre os objetivos, as prioridades e as responsabilidades das organizações de direitos humanos na Região Andina e no Cone Sul que possa dar conta desse novo cenário.5
Nessa linha, identificaremos neste artigo alguns dos desafios centrais que as organizações de direitos humanos e cidadania precisam enfrentar,6 como a questão da representatividade dessas organizações, sua relação com o Estado, a construção de alianças com outros atores nacionais e internacionais, o desenvolvimento de uma estratégia renovada de comunicação e a necessidade de estabelecer indicadores de impacto que permitam dar conta dos sucessos alcançados. Para abordar essas questões, o artigo foi estruturado em duas partes, além desta introdução: uma primeira parte é dedicada ao trabalho das organizações de direitos humanos e cidadania em políticas públicas; a segunda parte analisa os desafios que as organizações devem enfrentar para a realização dessas tarefas.
As organizações de direitos humanos e cidadania vêm trabalhando de forma cada vez mais sistemática em torno da incorporação da perspectiva de direitos nas políticas públicas, conscientes de que somente esse tipo de ação permitirá maximizar os resultados de seu esforço para alcançar um universo mais amplo e mais diverso da sociedade. Em alguns casos, esse trabalho pode ter um objetivo quantitativo: conseguir que os avanços alcançados para um setor minoritário ou em casos individuais cheguem a uma parte importante da sociedade (que alguns chamaram de “o desafio da quantidade”). Em outros, ao contrário, a meta é fazer com que grupos minoritários historicamente esquecidos tenham acesso aos benefícios da maioria.
Em busca desses objetivos, as instituições da sociedade civil organizaram seu trabalho em torno de quatro objetivos:
1. Revogar uma lei ou política pública. Tradicionalmente, o movimento de direitos humanos tentou deter o Estado no projeto e aplicação de políticas, práticas ou leis que têm como resultado direto a violação de direitos fundamentais. A ferramenta essencial para este tipo de ação é o litígio, alegando a inconstitucionalidade das leis ou das práticas.
2. Contribuir para o projeto de uma política pública. Em outros casos, as organizações da sociedade civil são convocadas pelo Executivo ou Legislativo para participar do projeto de uma política referente a questões de direitos humanos. Na maioria desses casos, a iniciativa de convocar as organizações da sociedade civil pertence ao governo ou ao Congresso, mas, em geral, a convocação acontece porque as organizações fizeram chegar previamente suas propostas e enviaram a mensagem de que têm “algo a dizer”. Em muitas oportunidades, uma etapa anterior desse trabalho são as campanhas de conscientização sobre um tema em particular, com o objetivo de que seja devidamente tutelado por uma adequada política oficial. Nesses casos, se poderia dizer que as organizações ajudam a criar a vontade política necessária para a formulação de uma política pública, mas o projeto em si dessa política constitui necessariamente uma tarefa conjunta (quando as autoridades se decidem a convocar quem promoveu a questão). É necessário destacar, de todo modo, que este é o caso em que a relação entre Estado e sociedade civil é mais amistosa, no sentido de que parecem perseguir o mesmo objetivo. De fato, nessa situação é muito raro que se realizem avanços através do caminho do litígio (que é uma via de natureza confrontacional). Uma situação parcialmente distinta ocorre quando as organizações promovem a aprovação de um tratado internacional de direitos humanos. Nesses casos, as organizações contribuem para o projeto de uma norma internacional que eventualmente será implementada como uma política interna dos Estados.
3. Promover a revisão ou correção de uma lei ou prática. Talvez se possa incluir nesse item a maior parte das ações das organizações da sociedade civil em torno das políticas públicas. Trata-se daqueles casos em que uma política pública não é per se violadora dos direitos humanos ou da cidadania (como pode ser o caso das leis de impunidade). Ao enfrentar problemas dessa índole, as ações da sociedade civil costumam ser muito variadas, por exemplo, realizando uma campanha comunicacional que obrigue o Estado a revisar uma lei, ou coletando informações que demonstrem as conseqüências de uma determinada prática. As decisões de organismos supranacionais de proteção dos direitos humanos (tais como o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas ou a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos) também podem desempenhar um papel fundamental para obter este tipo de modificação. No caso do litígio, é interessante constatar que além dos exemplos de decisões judiciais que obrigam a revisar uma lei ou uma prática, alguns tribunais superiores estão tomando a iniciativa de promover “mesas de concertação” entre a sociedade civil e o Estado a partir da constatação de um “estado de coisas inconstitucional”.
4. Participar da implementação de uma política. Em alguns casos, agências do Estado convocam organizações da sociedade civil para participar da aplicação de uma determinada política pública. Nessas circunstâncias, pode ocorrer que a convocação seja para executar tarefas mais operativas como, por exemplo, colaborar na distribuição de um plano alimentar de modo a assegurar que chegue à maior quantidade possível de pessoas que necessitem de alimentos. É difícil considerar essas tarefas como similares às que foram analisadas nos itens anteriores, já que a contribuição das organizações não está necessariamente no nível das idéias, mas se limita a realizar atividades definidas pelas agências estatais. Não obstante, em muitos outros casos, a convocação não é para executar ações de caráter operativo, mas outras que terão um impacto direto na forma como as políticas serão postas em prática. Por exemplo, as atividades de capacitação dos funcionários que serão obrigados a cumprir uma determinada lei repercutirão, sem dúvida, diretamente na forma definitiva que adquirirá uma política pública. Quando é convocada para realizar o acompanhamento de uma determinada ação do Estado, uma instituição também contribui para assegurar a proteção dos direitos fundamentais. Em muitos casos, é impossível traçar uma linha divisória clara entre as atividades mais operativas e aquelas que têm um fim mais substantivo, posto que durante a formulação e aplicação de qualquer política, as organizações da sociedade civil deverão provavelmente realizar trabalhos de ambos os tipos.
Para alcançar essas metas, as organizações da sociedade civil promovem distintas ações e estratégias de “incidência”,7 como lobby, litígio e assistência legal, advocacia internacional, capacitação e educação, produção de informação, organização de alianças e comunicação. Essa lista de atividades e estratégias não exaure todas as ações que as organizações de direitos humanos e cidadania realizam, mas se limita apenas àquelas cujo objetivo último é a participação no desenvolvimento e na implementação de políticas públicas. Outros trabalhos fundamentais que essas organizações realizam, tais como a assistência psicológica a vítimas nos casos de tortura ou agressões sexuais, não foram incluídos nessa descrição, uma vez que não almejam (ao menos de imediato) modificar as políticas públicas, mas reparar (embora de forma parcial) o dano causado.8 É necessário ter presente que para a incidência em políticas públicas não basta realizar uma dessas atividades: é preciso combinar mais de uma delas e, com freqüência, será necessária uma estratégia que inclua todas ou, pelo menos, a maioria (na identificação dos exemplos de cada uma das descrições oferecidos mais adiante, a atribuição de um caso a uma ação ou outra é muitas vezes arbitrária, pois graças à multiplicidade de ações exigidas, o mesmo exemplo poderia ter sido incluído em outra categoria).
Em todo caso, optamos neste artigo por organizar a apresentação dessas atividades e estratégias em sete áreas:
1. Lobby: são as ações de incidência que envolvem essas organizações em um diálogo direto com as autoridades do Poder Executivo ou do Congresso. Nos primeiros anos de trabalho em direitos humanos, essa tarefa foi quase inexistente devido às políticas abertamente hostis dos governos autoritários contra esse setor; hoje, as organizações de direitos humanos e cidadania destinam uma importante quantidade de seus recursos humanos e econômicos para informar as autoridades a respeito das conseqüências positivas ou negativas que teria a eventual sanção de uma lei ou de um decreto, preparando, por exemplo, documentos para a discussão ou entrevistando diretamente os envolvidos.
2. Litígio estratégico e assessoria legal: o trabalho de litígio e assistência legal foi aquele que, em certa medida, deu origem ao movimento de direitos humanos na região na década dos 70 (junto com o de coleta de informação, que analisamos mais adiante). Desde um primeiro momento, muitas organizações de direitos humanos se dedicaram a assistir vítimas do terrorismo de Estado e, quando era possível, patrociná-las frente aos tribunais. Se, nos primeiros anos, a criação dessas organizações respondeu, em parte, a uma espécie de reação imediata de solidariedade com as vítimas e busca de justiça diante das atrocidades que eram cometidas, com o passar de tempo essa tarefa deu lugar a ações de assistência e litígio estratégico. Assim, hoje é possível verificar que o trabalho de assistência legal está mais voltado para salientar um padrão de violações ou para desenvolver experiências piloto que de, alguma maneira, possam servir de resposta à grave situação de falta de acesso à justiça existente em todos os países da região. Em muitos casos, o trabalho de assistência se converte no “fio terra”, na conexão com a realidade cotidiana de organizações que atuam em um nível mais superestrutural, ou na forma como se conseguem identificar casos exemplares que servem para questionar padrões de violações graves dos direitos humanos. No trabalho em litígio, inicialmente se patrocinava a maior quantidade de casos possíveis, entre outras razões para deixar documentadas as violações graves e sistemáticas dos direitos humanos que os agentes do Estado cometiam diariamente (ou com sua aquiescência); passou-se agora a uma política de patrocínio mais seletivo, em que a escolha de um caso para sua apresentação perante os tribunais responde a uma série de requisitos vinculados ao seu possível impacto social.9
3. Advocacia internacional: o trabalho das organizações locais ou nacionais com contrapartes internacionais também se situa na origem de muitas instituições. O movimento de direitos humanos na Região Andina e no Cone Sul se constituiu com base numa aliança fundamental com organizações internacionais, tais como Anistia Internacional ou Humam Rights Watch, buscando aproveitar ao máximo as instâncias internacionais de proteção dos direitos humanos em organismos internacionais pertencentes às Nações Unidas e à Organização dos Estados Americanos. Nesse contexto, as organizações nacionais procuraram no exterior a atenção e a proteção que não recebiam em seus próprios países.10 A partir desses antecedentes, as organizações de direitos humanos e cidadania adquiriram experiência e desenvolveram conhecimentos na matéria que são ainda um de seus grandes capitais, pois aproveitam a preocupação de seus governos em estabelecer uma imagem internacional favorável num cenário mundial cada vez mais interconectado.
4. Capacitação e educação: numerosas organizações de direitos humanos e cidadania realizam importantes tarefas de educação em direitos humanos, promovendo, por exemplo, a incorporação no currículo oficial das escolas públicas de módulos sobre a não-discriminação. Não obstante, neste parágrafo não abordaremos esse tipo de trabalho em educação, mas aquele que as organizações realizam com o fim imediato de participar da aplicação das políticas públicas. É o caso, por exemplo, das atividades de capacitação de juízes e fiscais que algumas organizações realizam com o propósito de fazer avançar a devida implementação de uma determinada legislação. As tarefas de capacitação e educação buscam assegurar a devida aplicação de uma lei e, desse modo, participar da execução de uma determinada política pública vinculada a questões de direitos humanos. Outros tipos de atividades de capacitação e educação associadas com este objetivo são aquelas dirigidas a jornalistas, por exemplo, para obter uma cobertura melhor em matéria de justiça, com o fim de assegurar uma opinião pública mais informada e provocar um debate melhor das políticas públicas.
5. Produção de informação: desde seus inícios, a produção de informação foi a ferramenta principal das organizações de direitos humanos.11 No caso de violações dos direitos humanos, mais do que em qualquer outro tipo de organização da sociedade civil, é apropriada a sentença de que “a informação é poder”. A partir dessa certeza, as organizações de direitos humanos e cidadania atribuem uma proporção importante de seus recursos à produção de relatórios e outros tipos de documentos que registram as violações dos direitos fundamentais. O exemplo mais notório dessa prática é a produção de relatórios anuais sobre a situação dos direitos humanos. Adicionalmente, são preparados relatórios anuais sobre questões específicas (isto é, sem a pretensão de abarcar todo o espectro). Além desses relatórios, as organizações da sociedade civil geram permanentemente informação, que nem sempre está projetada para uma difusão geral (ao menos no curto prazo). É indubitável que a tarefa de coleta de informação se tornou cada vez mais sofisticada e, portanto, as organizações da sociedade civil tiveram de recorrer com freqüência à assessoria de especialistas, uma tendência que ainda é incipiente e provavelmente ganhará mais força nos próximos anos.
6. Organização de alianças: uma das estratégias que gerou maiores benefícios para o trabalho em direitos humanos e cidadania foi a articulação com outros atores sociais. Durante seus primeiros anos, as poucas organizações existentes trabalhavam muito unidas e buscavam o apoio de outros atores no exterior ou em cada um dos países, de acordo com suas possibilidades. Foi o que aconteceu, por exemplo, no Chile, onde a Igreja Católica desempenhou um papel fundamental na denúncia das violações dos direitos humanos durante a ditadura militar12 (ao passo que, na Argentina, ela deu as costas aos clamores das vítimas, embora se tratasse de seus próprios membros).13 Mais recentemente, as organizações da sociedade civil buscaram outras formas de organização conjunta, assim como novos aliados. Uma alternativa é a constituição de uma rede formal, que pode até adotar a forma de uma nova organização. Entretanto, tais articulações não constituem instituições permanentes em todos os casos e, em muitas oportunidades, se trata de alianças específicas ou temporais para obter mudanças em alguma área em particular.
7. Comunicação: sem dúvida, a atividade comunicacional mais eficaz para influenciar as políticas públicas são as campanhas que as organizações ou suas alianças realizam para promover uma proposta de lei ou, mais amplamente, para chamar a atenção sobre a necessidade de modificar uma prática ou regulamentar um direito. Além dessas campanhas de massa, as organizações da sociedade civil, nos últimos anos, procuraram desenvolver uma capacidade maior de elaborar estratégias de comunicação mais sofisticadas a partir do reconhecimento da multiplicidade de públicos que devem atingir. Algumas organizações criam produtos comunicacionais cada vez mais diversificados, com o objeto de chamar a atenção de algum setor determinado. Com freqüência, as organizações incorporaram jornalistas profissionais em seu pessoal para se encarregar da política comunicacional em geral ou, em particular, da relação com os meios de massa, o que se reflete em uma maior cobertura jornalística de suas atividades.
Executar essas atividades e alcançar a meta de influir nas políticas públicas traz consigo novos desafios para as organizações que aspiram dar esse salto qualitativo em seu trabalho. Na medida em que a atividade em direitos humanos e cidadania se distancia da defesa humanitária para dedicar-se ao litígio estratégico e passa das iniciativas em favor de uma maior participação da cidadania para uma formulação mais democrática das políticas públicas, as organizações da sociedade civil precisam enfrentar uma série de novos problemas associados a este protagonismo renovado.
O percurso que vai do trabalho em nível local ou assistencial, por exemplo, à formulação e ao projeto de uma política pública significa, entre outras coisas, uma mudança de escala: as organizações que se envolvem nesse tipo de tarefa trabalham para modificar as condições de vida de uma fração importante da população. Nesse contexto, uma pergunta aparece com freqüência: quem representam essas organizações? E, vinculada à essa questão, que legitimidade têm para realizar esse tipo de trabalho? Embora, em muitos casos, esses questionamentos sejam feitos “de má fé”, por parte daqueles que estão interessados em calar essas organizações, a rigor são perguntas que merecem uma resposta, especialmente porque as organizações alegam trabalhar em favor de uma maior (ou melhor) democracia.14
Em seus inícios, as organizações de direitos humanos não tiveram de enfrentar esse tipo de questionamento. O fato de que, em muitos casos, se tratasse de organizações de vítimas ou daqueles que as representavam era suficiente para lhes outorgar uma legitimidade de “origem”, no sentido de que representavam um coletivo do qual faziam parte. Não obstante, o transcurso do tempo e, sobretudo, a ampliação da agenda provocaram necessariamente uma fissura nessa legitimidade histórica. Em especial, setores mais próximos dos partidos políticos costumam alegar que, enquanto deputados(as) ou senadores(as) são representantes legítimos dos interesses dos que votaram neles(as), as organizações da sociedade civil defendem interesses setoriais das minorias, contrários aos das maiorias. Em alguns países, o fato de as organizações da sociedade civil serem financiadas principalmente com subsídios da comunidade internacional acrescenta a esses questionamentos uma suposta defesa de interesses estranhos.
A esse respeito, em primeiro lugar é necessário destacar que, embora a legitimidade e a representatividade das organizações estejam com freqüência estreitamente vinculadas, se trata de duas questões que devem ser diferenciadas. Nesse sentido, o questionamento relacionado com a falta de um eleitorado que ofereça um suporte parece afirmar que a única legitimidade possível para os atores públicos é uma legitimidade democrática, isto é, pelo voto. Frente a esse tipo de crítica, as organizações costumam insistir na natureza especial das posições que defendem – a favor dos direitos humanos e da cidadania –, que não necessariamente precisam contar com o apoio da maioria da sociedade; ao contrário, trata-se, em geral, de valores que devem ser protegidos das maiorias ou seus representantes, que são justamente aqueles que podem pô-los em risco.
Associada a isso, outra possível resposta ao questionamento sobre a legitimidade está relacionada com a capacidade das organizações e seu demonstrado conhecimento nos assuntos em que intervêm. Nesse sentido, se trataria de uma legitimidade “adquirida” justamente pelo valor de suas intervenções – similar à que, por exemplo, teriam prestigiosos meios de comunicação cujas opiniões podem ser muito influentes, mesmo quando não “representam” nenhum setor em particular. Nesse caso, as organizações atuariam como “especialistas” que defendem valores reconhecidos universalmente (os direitos humanos e a cidadania).
Embora essas linhas de argumentação – pela qualidade do trabalho e a defesa de valores universais – respondam em larga medida aos questionamentos mencionados, não se deve depreender disso que as organizações de direitos humanos não tenham de se preocupar com sua legitimidade. Uma questão associada à sua legitimidade e que vem gerando uma crescente preocupação em anos recentes é a prestação de contas dessas instituições. Há alguns anos, as organizações da sociedade civil dispõem de um espaço privilegiado na arena pública e, em conseqüência, é natural que surjam demandas por melhores mecanismos de controle e que respondam perante certos setores determinados. Isso não significa que esses mecanismos devam ser similares aos que fiscalizam os organismos oficiais ou que os trabalhadores dessas organizações tenham de ser tratados como funcionários públicos, mas é evidente que a questão da responsabilidade dessas organizações (ou sua accountability, para utilizar um termo inglês sem tradução literal em português) vem adquirindo uma importância diretamente proporcional ao crescimento de sua influência, e se converte em um assunto central quando se trata de sua participação na gestação de políticas públicas (uma tarefa que está fundamentalmente em mãos dos representantes do povo).15
As formas que essa “prestação de contas” deve adotar ainda se encontram em discussão e é de se esperar que as próprias organizações sejam protagonistas desse projeto. De um lado, é preciso avançar na definição dos mecanismos de controle por parte do Estado que sejam apropriados para a atual relevância dessas organizações, mas que não imponham restrições arbitrárias ou desnecessárias ao seu funcionamento. Por outro, também parece necessário criar padrões de transparência razoáveis, de modo que qualquer pessoa legitimamente interessada possa ter acesso às informações relevante sobre a organização. Esses níveis de transparência, no entanto, devem estar adaptados às necessidades das organizações da sociedade civil, por exemplo, não pondo em risco seus representantes.16 Algumas organizações estão tomando a iniciativa de começar a criar critérios objetivos e transparentes para sua própria prestação de contas e os avanços que se obtenham nesse terreno no médio prazo serão cruciais para neutralizar os questionamentos que possam ser feitos.17
Outro desafio à legitimidade dessas organizações está relacionado com a ampliação da agenda do trabalho em direitos humanos e cidadania e a inclusão de novos grupos de vítimas de violações dos direitos humanos e de organizações de defesa de alguns direitos em particular. O crescente protagonismo dos movimentos que promovem os direitos de um setor determinado ou de um tipo de direito não somente amplia o horizonte do trabalho em direitos humanos para áreas inexploradas até este momento, como, ao mesmo tempo, questiona indiretamente as organizações tradicionais. Alguns dos novos atores sustentam que, embora suas demandas se circunscrevam a um grupo ou tema em particular, isso não é distinto do trabalho que realizaram os organismos históricos de direitos humanos em suas origens, já que esse estava centrado nas violações dos direitos humanos que atingiam apenas a um grupo reduzido da população – em comparação com outras práticas que afetavam, por exemplo, uma maioria indígena. Como sustenta uma reconhecida ativista dos direitos da mulher em relação à tendência de incorporar capítulos especiais (para mulheres, povos indígenas, minorias sexuais, pessoas com deficiências etc.) às declarações de direitos, o que essa necessidade de fazer acréscimos demonstra é que a declaração “universal” foi, na realidade, uma declaração de direitos do homem branco heterossexual e sem deficiências.18
Diante dessa situação, a legitimidade das organizações da sociedade civil que trabalham na defesa dos direitos humanos e na promoção da cidadania depende, em grande medida, da capacidade que tenham para se associar com outros atores e, dessa forma, assegurar uma verdadeira universalidade do trabalho em direitos humanos que incorpore todos os setores. A legitimidade do trabalho nessas questões está diretamente vinculada a sua representatividade: aqueles que almejam participar da formulação de políticas públicas que afetam determinados grupos não devem fazê-lo sem uma associação com os diretamente interessados. Isso significa, em especial para as organizações históricas, aprender a agir não como representantes de interesses próprios, mas como parte de uma aliança que precisa ser referendada pelos diretamente afetados na atividade cotidiana. É por esse motivo que essas organizações deverão desenvolver estratégias proativas para assegurar os mecanismos necessários que resguardem a vinculação estreita de seu trabalho com os interesses daqueles que aspiram representar.19
O trabalho em direitos humanos se iniciou nessa região para pôr freio aos crimes aberrantes que, durante as décadas dos 70 e 80, eram patrocinados pelos Estados (ditatoriais no Cone Sul e mais ou menos democráticos na Região Andina). Nesse cenário, especialmente nos países do Cone Sul, o conceito de Estado com que se trabalhou nos primeiros anos era, sem dúvida, o de Estado-inimigo.20
O restabelecimento da democracia no Cone Sul reabriu uma oportunidade para repensar esta relação; não obstante, o processo não foi simples, nem esteve isento de tensões. Desse modo, o enfrentamento entre os novos governos e as organizações de direitos humanos que ocorreu de forma quase imediata, a partir das políticas de verdade e justiça, foi um obstáculo insuperável para a aproximação de posições. Em geral, as políticas oficiais de reparação não satisfizeram as demandas das vítimas e das organizações que as representavam, fazendo com que as mudanças na percepção mútua fossem adiadas durante mais tempo do que o esperado. Muitas das organizações mais tradicionais de direitos humanos continuaram trabalhando com um conceito de Estado-inimigo, mesmo no contexto de governos democraticamente eleitos.21
Ao mesmo tempo, a natureza mesma da ação política supõe um trabalho de construção de acordos e compromissos mútuos que foi muitas vezes recusada pelas organizações da sociedade civil, provocando uma desconfiança em relação ao setor público que, em alguns casos, persiste até hoje. A transição chilena para a democracia é muito interessante também desse ponto de vista, já que no movimento de direitos humanos houve uma divisão de águas entre aqueles que, provindo de organizações de direitos humanos, passaram a fazer parte dos quadros do governo e negociaram politicamente a natureza das transformações democráticas, e aqueles que optaram por continuar nas organizações da sociedade civil e não participar dessas conversações.
Em todo caso, a maior aceitação dos direitos humanos em toda a região permitiu que as organizações da sociedade civil buscassem seu espaço em um continuum que vai do Estado-inimigo até o Estado-aliado ou, inclusive, “amigo”. Essa ampliação do território de ação fez com que distintas organizações, mais ou menos radicais, fossem encontrando seu próprio lugar nessa tensão. Nessa linha, é possível identificar organizações que ainda hoje concebem o Estado como uma espécie de Leviatã que é necessário enfrentar com todas suas forças. Embora seja, às vezes, difícil combinar esse ponto de partida com a necessidade de aprofundar a democracia, essas organizações assumem que cabe a elas a denúncia de uma institucionalidade governamental por natureza abusiva. No outro extremo, existem organizações que, a partir do reconhecimento do Estado como amigo, acabam por perder sua independência e ficam envoltas em uma confusão de papéis.
A reconfiguração dos Estados da região, especialmente a partir da década dos 90 (embora em alguns casos, como no Chile, comece antes, durante a ditadura do general Augusto Pinochet), também provocou uma sensível modificação do cenário. Com os processos de privatizações, a redução da influência e presença do Estado em numerosos setores e a globalização, o aparato burocrático perdeu terreno como ator excludente e, em troca, começa a ser percebido muitas vezes como um ente regulador que já não deve se preocupar somente com a legalidade de suas próprias ações, mas também com o controle de terceiros cada vez mais poderosos. É o caso, por exemplo, do papel do Estado como controlador das agências de segurança privada ou da proteção dos direitos dos menos favorecidos no fornecimento de serviços públicos essenciais (como a água potável). Outros atores, tais como empresas transnacionais e instituições financeiras internacionais, adquirem importância crescente e o dedo acusador das organizações de direitos humanos já não tem um único destinatário. Ao mesmo tempo, outros setores começam a fazer questionamentos sistêmicos do Estado, na medida em que dizem que ele não responde necessariamente aos interesses da sociedade em geral, mas que está controlado por um determinado grupo que não representa os excluídos. Movimentos reivindicatórios de tradições ancestrais indígenas, desde o zapatismo no México até as mobilizações no Equador e na Bolívia, põem em questão o Estado-nação tal como se conhecia na América Latina. O caso dos “piqueteros” na Argentina, especialmente em seus setores mais radicais no pior momento da crise de 2002, também marcha para esse tipo de posição a partir de uma prática que almeja se emancipar das políticas oficiais e construir sua própria comunidade – que inclui suas próprias escolas, hospitais, política de distribuição de renda etc. No âmbito rural, talvez o caso mais notório seja o do Movimento dos Sem Terra (MST) no Brasil.
Foi nesse cenário mutável que começou a se desenvolver com mais força entre as organizações da sociedade civil a necessidade de contribuir para o desenvolvimento de um Estado protetor dos direitos humanos. Durante os últimos anos, as crises pelas quais passaram numerosos governos da região, que incluíram a saída antecipada de presidentes eleitos democraticamente em vários países, acabaram por desenhar um novo panorama, em que as organizações de direitos humanos e cidadania se viram obrigadas a se comprometer mais vigorosamente com o fortalecimento da democracia. Nesse sentido, já são poucos os que negam a necessidade de trabalhar de forma articulada com o Estado; ao mesmo tempo, muitos desses governos, dadas as suas debilidades, causadas, entre outras razões, por uma crise de representatividade, começaram a convocar essas organizações para a formulação e implementação de políticas públicas de uma maneira bem mais sistemática que no passado.
Não obstante, ainda não existe a necessária clareza sobre o modo como o Estado e a sociedade civil devem se associar nessa matéria. Em conseqüência da ausência de um ideal de Estado no interior das organizações, assim como da ineficiência dos governos e da inexperiência de ambas as partes, as tentativas de trabalhar em conjunto nem sempre deram seus frutos. Essas dificuldades ficaram mais claras recentemente, com a subida ao poder de vários governos afins ao movimento de direitos humanos, que recrutaram para suas filas quadros importantes desse movimento e estabeleceram relações de trabalho mais sistemáticas com as organizações da sociedade civil.
Um desafio capital para a colaboração entre os governos e a sociedade civil em torno da construção de um Estado protetor dos direitos humanos é a ineficácia de muitas das administrações da região. Uma das graves falhas das democracias na Região Andina e no Cone Sul é sua incapacidade de prover seus habitantes dos bens e serviços essenciais. Por essa razão, a promoção de um Estado protetor dos direitos humanos se choca contra uma realidade de governos incapazes de alcançar as expectativas. Existem reiterados casos de administrações com um inquestionável compromisso com os direitos humanos (ao menos em algumas questões) que, no entanto, foram incapazes de impedir práticas aberrantes. O caso das torturas em delegacias é provavelmente um dos exemplos mais notórios desse fracasso, já que muitos governos, especialmente nacionais (ou federais), fizeram esforços para erradicar essa prática, mas a vontade política é insuficiente para desarmar burocracias treinadas para suportar esse embates isolados.22 No mesmo sentido, administrações (ou agências governamentais) que se propuseram a enfrentar a corrupção foram, na maioria dos casos, superadas por essas mesmas burocracias ou, inclusive, pelas estruturas de seus próprios partidos políticos.
O papel dos ativistas e intelectuais da sociedade civil na função pública é uma questão raramente estudada na América Latina. Essa falta de atenção se contrapõe ao fato de que essas experiências são de grande utilidade para refletir sobre a relação entre a sociedade civil e o Estado e a democratização do processo de definição de políticas públicas. Tais experiências põem em questão um dos principais motivos geralmente apresentados como obstáculo à participação das organizações da sociedade civil na formulação e implementação das políticas públicas: se reconhece que elas desenvolveram uma ampla trajetória de denúncia e acompanhamento, mas são criticadas por aqueles que crêem que elas carecem das credenciais necessárias para participar ativamente do processo de formulação das políticas.
Existem muitos líderes da sociedade civil que acumularam uma valiosa experiência na formulação e execução de políticas públicas, que está vinculada tanto a sua passagem pelo Estado como ao seu trabalho anterior em organizações não-governamentais.23 O aproveitamento desse conhecimento provavelmente será de grande valia no desenvolvimento da tecnologia necessária para fortalecer a relação entre o Estado e a sociedade civil.
Se analisarmos as distintas atividades e estratégias descritas mais acima, podemos ver que as organizações de direitos humanos fazem hoje mais ou menos o mesmo que faziam em suas origens: tratar de repercutir no governo, litigar, coletar informação e difundi-la, e mobilizar a comunidade internacional para que “ricocheteie” no âmbito interno. A diferença em suas tarefas não parece estribar então na natureza mesma das ações que realizam, mas na forma como são executadas.
Uma das diferenças na forma como se desenvolvem essas atividades é a possibilidade de construir alianças com outros atores sociais. O trabalho em direitos humanos começou como uma ação isolada para enfrentar governos autoritários, de tal modo que seu discurso estava destinado a uma marginalidade inevitável. Mas com o passar do tempo, as mudanças na conjuntura política e a crescente legitimidade que obtiveram as organizações de direitos humanos fizeram com que a situação variasse sensivelmente.
Não obstante, o isolamento forçoso das origens tem conseqüências até o presente: o movimento de direitos humanos constituiu-se em torno de um núcleo de organizações históricas orgulhosas de seu trabalho, que compõem um grupo seleto no qual é difícil entrar.24 Esse hermetismo das organizações também funciona em relação ao interior do movimento que, com freqüência, perde de vista outros atores e se concentra demais em suas próprias vicissitudes25 caindo, nos piores exemplos, em uma espécie de “autismo”. Tal atitude implicou, em muitos casos, que as organizações de direitos humanos perdessem oportunidades valiosas de progredir em seus objetivos fazendo alianças com setores mais amplos.
As organizações que promovem a participação cidadã, que não sofreram o mesmo isolamento que as organizações de direitos humanos mais tradicionais, desde o início se propuseram a trabalhar com um universo de atores mais diversificados. Não obstante, salvo algumas exceções, é possível verificar que mesmo nesses casos a articulação com outros protagonistas é limitada. Essas organizações têm uma maior capacidade para se articular entre elas e trabalhar conjuntamente; mas essas relações continuam sendo, em alguma medida, endogâmicas, no sentido de que se limitam a outras organizações da sociedade civil com características similares.
O trabalho de formulação e execução de políticas públicas, ao contrário, exige a articulação com outros atores diferentes dessas organizações. Nesse sentido, é notória a falta de exercício na negociação democrática por parte dos líderes da sociedade civil, que em muitos casos foi um obstáculo insuperável para essas organizações. As melhores experiências de participação em políticas públicas ocorreram no contexto de alianças entre distintas organizações da sociedade civil e outros atores fundamentais. Trabalhar com outras organizações e poder chegar a acordos com elas é o primeiro passo para causar um impacto em maior escala. Não obstante, a possibilidade de influir politicamente e ser persistente na consecução dos fins dependerá não somente dessa coordenação “interna” entre organizações da sociedade civil, mas deverá incluir a um grupo mais amplo de contrapartes.
Nesse sentido, se as organizações de direitos humanos e cidadania pretendem participar mais ativamente da formulação e execução de políticas públicas, é necessário desenvolver alianças estratégicas com, pelo menos, três setores (existem muitos outros atores com quem essas organizações deveriam formalizar alianças mais estáveis, como por exemplo o setor empresarial; no entanto, preferimos nestas páginas destacar três possíveis aliados que são fundamentais para a participação em políticas públicas):
1. Movimentos sociais e organizações de base. Na medida em que as organizações da sociedade civil já não representam interesses próprios, mas um interesse público e que, em muitos casos, suas ações estão diretamente vinculadas à situação de determinados setores, é fundamental assegurar canais de comunicação e instâncias de representação permanente com esses outros atores. Entre os movimentos sociais e as organizações de base é comum escutar críticas “às organizações não-governamentais”, com freqüência qualificadas de meras intermediárias ou não representativas. Tais críticas se acentuam quando se agregam à relação questões étnicas ou raciais. Tanto entre os povos indígenas como entre os afro-latinos é comum se afirmar que somente poderão construir alianças de médio e longo prazo com as organizações de direitos humanos quando estas incluírem representantes de seus povos em suas equipes e nas estruturas de direção.
2. Universidades e centros de estudo. Considerando-se que a participação no desenvolvimento de políticas públicas exige um nível de conhecimento que as organizações da sociedade civil em geral carecem, a realização de alianças com esse setor tem um caráter estratégico. Não obstante, é possível verificar que essas relações ainda são bastante precárias. Com efeito, em muitos casos são as próprias universidades que se envolvem no trabalho em políticas públicas, sem firmarem um vínculo estável com as organizações da sociedade civil; em outros, os centros de estudos ficam à margem da discussão de políticas públicas. Nenhuma dessas situações é ideal, posto que, no primeiro caso, a colaboração direta das universidades na formulação das políticas públicas pode transformar o debate em um diálogo tecnocrático ou de especialistas, e inclusive conspirar contra a participação das organizações da sociedade civil; no segundo caso, ao contrário, se desperdiça um conhecimento que é imprescindível para assegurar a eventual realização dos objetivos buscados.
3. Partidos políticos. A relação das organizações de direitos humanos e cidadania com os partidos políticos é de “amor e ódio”. Às vezes, os partidos políticos são erroneamente assimilados ao aparato do Estado e, portanto, as tensões entre esses dois setores têm relativamente as mesmas características que as descritas no parágrafo anterior. Em outros casos, as preocupações das organizações da sociedade civil quanto aos partidos políticos se reduzem a duas: o risco de cooptação e o sonho do partido próprio. Por um lado, as organizações costumam estar alertas frente a qualquer possível interesse dos partidos políticos de incorporá-las a suas fileiras e desse modo torná-las inofensivas. Embora seja ingênuo descartar essa motivação em muitas aproximações, chama a atenção que se trate de um risco imobilizador. De outro, frente à crise de representatividade desses partidos, algumas organizações pensaram na possibilidade de criar seu próprio espaço de participação política mediante a criação de uma alternativa eleitoral. Experiências como a do Partido dos Trabalhadores, que chegou ao governo no Brasil, alimentam essas expectativas. Embora a possibilidade de formar um partido político que convoque alguns setores da sociedade civil organizada sempre apareça como uma opção atraente, é preocupante que as organizações não possam sair desse binômio que limita suas possíveis alianças com um ator fundamental para a construção de uma democracia sólida.
Uma das alianças essenciais que as organizações de direitos humanos construíram desde o momento mesmo de sua criação foi com as organizações internacionais e organismos supranacionais de proteção de direitos humanos. Essa comunidade internacional continua sendo fundamental para as organizações locais. Não obstante, depois de mais de três décadas de vinculação, parece ser necessária uma reinvenção dessa cooperação, produto das mudanças que ocorreram em nível nacional e internacional, tanto no que se refere à aceitação do discurso dos direitos humanos, como na diversidade e no maior desenvolvimento dos atores-chave nesse campo.
Para uma melhor compreensão dessas mudanças, talvez seja conveniente examinar as relações entre as organizações internacionais e as nacionais nos gráficos 1 e 2, que descrevem esses vínculos no passado e no presente, respectivamente.
Observamos nesse gráfico o que provavelmente é uma descrição muito próxima da forma como as organizações internacionais e as organizações nacionais de direitos humanos se relacionavam durante as décadas dos 70 e 80: as organizações de direitos humanos que trabalhavam em nível nacional coletavam informações que as organizações não-governamentais internacionais utilizavam para fazer incidência nas organizações governamentais internacionais (tais como Nações Unidas ou a Organização dos Estados Americanos) e perante os governos de outros países que defendiam as causas de direitos humanos, os quais oportunamente exerciam pressão sobre o governo questionado.
Esse sistema ainda é utilizado em muitos casos e, especialmente, em relação a alguns (poucos) governos da região que ainda hoje ignoram as demandas de direitos humanos em nível local, mas que escutam com mais atenção os questionamentos da comunidade internacional. Nesse sentido, tal forma de interação não somente ainda é vigente como, às vezes, continua sendo muito eficaz.
Não obstante, se observarmos o gráfico seguinte, que tenta refletir a natureza atual das relações entre as organizações de direitos humanos nacionais e internacionais, é possível apreciar que esse tipo de interação está muito longe de ser a única forma de trabalho de colaboração entre ambas.
Como podemos observar no Gráfico 2, as relações entre os organismos nacionais e internacionais de direitos humanos são muito mais intrincadas na atualidade. Temos várias formas de interação, representadas pelas linhas no gráfico. As linhas simples descrevem as clássicas relações unidirecionais em que um ator aspira influir no outro. As linhas duplas, por sua vez, descrevem canais de comunicação de “mão dupla” ou bidirecionais, em que as duas partes dão e recebem. Finalmente, as linhas segmentadas destacam uma forma nova de aliança, que vem se desenvolvendo nos últimos anos e que se examinará mais adiante.
Ao contrário do Gráfico 1, a relação entre as organizações internacionais e as nacionais é atualmente bidirecional. Isso significa que, mesmo quando as organizações que trabalham em nível nacional continuam fornecendo informações às organizações internacionais, existem também outros tipos de intercâmbios, nos quais, por exemplo, as organizações nacionais proporcionam também conhecimento, tentam formular conjuntamente as estratégias de incidência e, inclusive, aspiram influir nas agendas das organizações internacionais.
A relação entre as organizações nacionais e internacionais está se aproximando muito mais de um intercâmbio entre “iguais” – mesmo que algumas organizações internacionais ainda não tenham percebido a situação. Embora ainda existam enormes diferenças entre as organizações nacionais e internacionais (entre as mais significativas, as de níveis de financiamento), ao menos entre algumas organizações que realizam trabalhos semelhantes existe uma relação muito mais equilibrada. Uma das razões para essa nivelação é que as organizações nacionais, com freqüência, já não precisam das organizações internacionais para serem ouvidas por seus próprios governos. Tal como vimos, as organizações de direitos humanos que trabalham em nível local conseguiram durante o último decênio um grau de exposição e influência inédita que faz com que seus governos não possam (ou não queiram) continuar ignorando suas demandas.
Além disso, algumas vezes as organizações não-governamentais que trabalham em nível global tampouco necessitam das organizações nacionais, nem das organizações governamentais internacionais para influir em determinados países. Para citar somente um exemplo, o protagonismo que a Humam Rights Watch ou a Anistia Internacional conseguiram na Colômbia como atores no processo interno é qualitativamente distinto do papel tradicional das organizações internacionais como “processadoras” da informação coletada por terceiros.
Nesse cenário mais complexo, é comum encontrar alguns paradoxos. Por exemplo, no caso da campanha para a ratificação do Tribunal Penal Internacional por parte dos Estados, foi muito difícil envolver ativamente organizações que trabalham no nível local durante os primeiros anos, embora os principais benefícios de um tribunal desse tipo fossem, sem dúvida, causar um impacto direto em suas situações nacionais. Nessa primeira etapa, foram as organizações internacionais que trabalharam arduamente para a criação desse tribunal, enquanto as nacionais tinham outras prioridades, associadas a suas urgências cotidianas e conjunturas prementes. O que faz com que esse caso seja particularmente interessante é que, pelo lado dos governos, também se observou uma situação incomum, já que alguns governos do Sul que, em épocas passadas, teriam se oposto tenazmente a uma iniciativa desse tipo, foram aliados fundamentais das organizações não-governamentais internacionais; contudo, essas organizações tiveram de enfrentar a oposição de um tradicional aliado como os Estados Unidos.
Outra característica relevante do novo esquema de relações entre organizações nacionais e internacionais é a aparição de outros atores. Embora todos eles tenham sido incluídos no segundo gráfico em conjunto, sob uma única categoria de “Outras organizações da sociedade civil” – que as diferencia das organizações tradicionais de direitos humanos –, elas representam uma grande diversidade de novos atores. Temos o caso das organizações de desenvolvimento que trabalham em nível local ou internacional, bem como o movimento antiglobalização, para mencionar somente um par de exemplos. Entre as organizações internacionais governamentais, o crescente protagonismo das instituições financeiras internacionais também modifica sensivelmente os distintos níveis de influência de algumas instituições tradicionalmente associadas aos assuntos de direitos humanos. Nesse novo contexto, existem muito mais oportunidades para a articulação de alianças e a identificação de sócios estratégicos em determinadas questões. De fato, em meados dos anos 90, quando muitas organizações nacionais quiseram promover mais ativamente a defesa dos direitos econômicos e sociais, diante da escassa receptividade que encontraram nas organizações internacionais de direitos humanos, optaram por associar-se com outros tipos de atores internacionais.
Entre estas novas alianças possíveis presentes no Gráfico 2 destacam-se especialmente (com as linhas segmentadas) certas formas de colaboração Sul-Sul, em que organizações que trabalham em nível nacional se associam com seus próprios governos para promover iniciativas que, com freqüência, sofrem a resistência de governos historicamente amigos das organizações de direitos humanos (e inclusive de algumas organizações não-governamentais internacionais). Essa é a situação que tivemos, por exemplo, nas negociações em torno da Organização Mundial de Comércio (OMC), em que organizações de direitos humanos e governos do Sul promoveram uma agenda comum em questões tais como barreiras comerciais e direitos de propriedade intelectual.
Diante dessa nova situação, é possível inferir algumas conclusões preliminares:
• As agendas das organizações nacionais e internacionais são cada vez mais diferentes. Isso não significa em nenhum caso que a agenda de umas seja melhor que a de outras, mas que é razoável prever mais tensões nas relações entre ambas. A construção de uma agenda internacional que represente todos os atores envolvidos será provavelmente um processo cada vez mais complexo se quiser ampliar os níveis de participação de atores tradicionalmente secundários. Não obstante, isso não dependerá somente da atitude que as organizações internacionais assumam para favorecer a participação de outros atores, mas também, tal como ocorreu no mencionado caso do processo de debate para a aprovação do Tribunal Penal Internacional por parte dos Estados, da capacidade das organizações que atuam em nível nacional de desenvolver uma agenda própria de trabalho em nível internacional – ainda no contexto de cenários nacionais complexos. A capacidade das organizações que atuam no plano nacional de se articular com outras organizações similares em outros países será determinante para aumentar sua capacidade de influência no nível internacional.
• O cada vez maior protagonismo das organizações locais significará uma relativa perda de relevância em nível nacional dos atores internacionais tradicionais, que em muitos casos deverão acompanhar as iniciativas de suas contrapartes nacionais e, em outros, preencher alguns vazios que os atores locais tenham deixado.27 Do mesmo modo, as organizações não-governamentais que atuam em nível global provavelmente continuarão sua paulatina mudança de foco, afastando-se do trabalho sobre a situação em outros países, para concentrar-se nos assuntos estritamente internacionais (tais como o fortalecimento das instituições internacionais governamentais) e nas políticas exteriores em matéria de direitos humanos dos países desenvolvidos. Em nível nacional, podemos esperar que as organizações não-governamentais internacionais continuem desempenhando um papel-chave naqueles casos em que ainda não existem organizações fortes no terreno local (situação que ocorre em uns poucos países da América Latina) e nos casos em que não existam condições para que essas organizações realizem suas atividades. Um caso parcialmente distinto é o das organizações internacionais que se especializaram em uma área de trabalho em particular, como por exemplo, o Centro Internacional para a Justiça Transicional (ICTJ, em sua sigla em inglês). O papel em nível local desse tipo de organização especializada continuará sendo de especial relevância no que se refere à construção de capacidades nacionais em suas áreas de conhecimento.
Comunicar a mensagem a favor do respeito e vigência dos direitos humanos foi um dos objetivos centrais do movimento. Na medida em que tornar visível uma violação dos direitos humanos é o primeiro passo para remediá-la, as organizações da sociedade civil concentraram grande parte de seu esforço nessa direção. Com efeito, a fórmula “naming and shaming”29 foi e continua sendo uma das ferramentas mais poderosas para o trabalho em direitos humanos.
Entretanto, na medida em que as ações em defesa dos direitos humanos se tornam mais complexas, a simples identificação de responsabilidades é insuficiente para alcançar os novos objetivos, já que em muitos casos atuais de violações estruturais dos direitos humanos, a forma de reverter essa situação não é simples. Se quando foi criada a Anistia Internacional era óbvio que o problema dos presos de consciência terminava com a liberação do detido, a medida necessária para remediar a falta de acesso à saúde ou, inclusive, a brutalidade policial, é bastante mais complexa, uma vez que as responsabilidades são mais difusas, as injustiças habitualmente têm uma origem endêmica e a solução implica numerosas variáveis.
Nesse contexto, embora a tarefa das organizações de realizar um acompanhamento da situação dos direitos humanos e expor as violações mais graves, por exemplo, em relatórios anuais, seja ainda uma atividade fundamental, existe um forte consenso de que isso não permite alcançar o objetivo de reverter a situação. Apesar desse reconhecimento, a atenção que o movimento de direitos humanos dispensou a esse problema é ainda díspar. Enquanto algumas dessas instituições realizam um excelente trabalho nessa área e conseguiram se posicionar muito fortemente nos meios de comunicação de massa ou desenvolveram excelentes ferramentas próprias de difusão, muitas outras têm hoje dificuldades maiores para fazer chegar sua mensagem do que tinham em conjunturas bastante adversas sob as ditaduras ou governos autoritários.
Essas dificuldades, em todo caso, aumentam quando se trata de influir nas políticas públicas. Para alcançar esse objetivo, não é suficiente desenvolver um trabalho sistemático de disseminação, mas é necessário contar com uma comunicação estratégica que “livre o caminho” dos obstáculos que existam para a formulação de políticas respeitosas aos direitos humanos. Uma estratégia desse tipo deve partir de uma avaliação do contexto em que se quer influir, incluindo uma análise que identifique possíveis aliados, adversários a neutralizar e cenários possíveis. Somente a partir de uma análise desse tipo será possível identificar o público que é necessário sensibilizar e desenvolver a mensagem apropriada para chegar a cada uma delas. O último passo, nesse esquema, será concretizar as atividades de difusão necessárias, através dos canais mais pertinentes.
Não obstante, é possível verificar que as organizações da sociedade civil estão, em geral, longe de um esquema de trabalho similar ao proposto. A estratégia nessa área de muitas organizações da sociedade civil depende, em grande medida, de vontades individuais e intuições pessoais de alguns de seus membros. Embora, em muitos casos, o “olfato” dos que se encarregam desses assuntos seja acertado, seria conveniente desenvolver capacidades institucionais mais sólidas se se pretende participar de forma mais ativa do debate sobre políticas públicas.
Com efeito, muitas organizações da sociedade civil têm dificuldades para distinguir os públicos-chave: responsáveis pelas decisões políticas, opinião pública, outras organizações da sociedade civil que estão trabalhando na questão e outros grupos sociais diretamente envolvidos (incluindo, de acordo com o tema de que se trate, por exemplo, sindicatos, organizações de base, setores empresariais, grupos étnicos ou raciais, outras minorias etc.); e, entre todos esses, diferenciar os possíveis aliados dos adversários. Em geral, as organizações da sociedade civil têm enormes dificuldades para desenvolver materiais comunicativos apropriados para cada um desses públicos. Embora esses problemas sejam compreensíveis pela falta de recursos humanos e econômicos, continuam sendo uma grande desvantagem para as organizações que preparam suas peças de difusão identificando setores aos quais pretendem dirigir-se, ou priorizando uns sobre outros.
Outro desafio para a participação das organizações de direitos humanos na formulação de políticas públicas é preparar a mensagem apropriada. Na medida em que não é suficiente identificar a situação violadora dos direitos humanos, essas organizações devem desenvolver as capacidades institucionais necessárias para apresentar um discurso que, junto com a denúncia, inclua a proposta das ações que poderiam modificar a situação. A participação das organizações em tarefas desse tipo requer uma maior e melhor capacidade de comunicar também os caminhos para a solução dos problemas denunciados.
Finalmente, é importante também que as organizações, no momento de planejar as ações de disseminação, criem estratégias para trabalhar com os distintos meios de comunicação, sem ignorar as vantagens e as desvantagens que cada um deles representa. É possível verificar que muitas organizações priorizam de forma quase excludente o trabalho com os meios de comunicação de massa.30 Embora seja indiscutível que o acesso à essa mídia é uma ferramenta fundamental para a discussão de políticas públicas e que, além disso, levar e manter o debate nessa arena garante um nível razoável de transparência, essa estratégia também pode implicar importantes custos. Por um lado, dessa forma a mensagem das organizações chega aos que formulam as políticas públicas “mediatizada”; por outro, as regras do debate político na opinião pública são distintas das que regem a discussão entre as autoridades políticas e, nesse contexto, o discurso dos meios de comunicação tem, em geral, uma bipolaridade que não facilita a construção de acordos.
Considerando-se então as limitações dos meios de comunicação de massa para participar na formulação de políticas públicas, as organizações da sociedade civil deveriam explorar, por exemplo, o desenvolvimento de ferramentas de comunicação destinadas especialmente ao setor político, para conseguir acesso a ele por vias alternativas e com um menor grau de intermediação das mensagens. No mesmo sentido, a focalização do trabalho em comunicações nos meios de comunicação comerciais tampouco é necessariamente suficiente para chegar aos outros públicos identificados mais acima como fundamentais para a discussão de políticas públicas.
“Há poucas tarefas mais importantes, e poucas mais difíceis do que medir adequadamente os avanços no campo dos direitos humanos e avaliar o impacto das organizações de direitos humanos.”31 O caráter humanitário do trabalho em direitos humanos significa, em muitos casos, que o resultado pode ser medido pelo número de vidas salvas. No entanto, esse tipo de indicador é insuficiente para avaliar a situação geral dos direitos humanos no contexto das atuais democracias na América Latina.
Essa dificuldade para medir a vigência atual dos direitos fundamentais adquiriu relevância crescente nos últimos anos. Por um lado, são cada vez mais numerosos os casos em que o diagnóstico que as organizações da sociedade civil fazem sobre a situação dos direitos humanos em um país determinado é contestado pelas autoridades governamentais. Ao contrário do que ocorria durante o regime de governos autoritários, que questionavam a “ideologia” dos defensores de direitos humanos (aos quais acusavam de inventar seus registros), hoje os governos questionam a metodologia utilizada pelas organizações e dizem que os números não representam a realidade. O caso colombiano, onde existe uma virtual “guerra de estatísticas” entre as autoridades estatais e as organizações não-governamentais é o exemplo mais claro dessa tendência.
Mas, além disso, a necessidade de criar mecanismos apropriados para medir os avanços na situação dos direitos humanos é também fundamental para avaliar o impacto das organizações da sociedade civil. No parágrafo que tratou da legitimidade das organizações de direitos humanos e cidadania, destacamos que uma das respostas possível para os crescentes questionamentos está vinculada à qualidade do trabalho realizado. Nesse sentido, contar com ferramentas para a medição de resultados é, sem dúvida, de grande valia para ratificar a importância do trabalho desenvolvido por essas organizações.32
Entre as organizações da sociedade civil, as referências à necessidade de avaliação do impacto geram muitas dúvidas. Inseridas em uma dinâmica de trabalho cotidiano muito exigente, numerosas organizações resistem a realizar a tarefa de fazer um “inventário de resultados”. A cooperação internacional nessa questão foi uma parte do problema, uma vez que existem antecedentes de iniciativas frustradas por parte das agências de cooperação, as quais promoveram o uso de uma série de indicadores (em sua maioria quantitativos) que muito dificilmente se adaptavam às necessidades da sociedade civil.
Uma das razões que apresentam as organizações de direitos humanos e cidadania para explicar as dificuldades que precisam enfrentar para efetuar essas medições é que uma conjuntura muito mutável impede a realização de processos profundos de planejamento que, no momento em que terminam, já ficaram desatualizados. Isso constitui, sem dúvida, um grande desafio para as organizações da sociedade civil, especialmente no contexto de instabilidade política que persiste na região. Um planejamento muito prolixo, por exemplo, poderia conspirar contra o aproveitamento de oportunidades inesperadas, que são, com freqüência, a única forma que as organizações têm de participar do processo de definição de políticas. A conjuntura mutável e a falta de uma discussão racional entre os atores envolvidos, que podem tomar suas decisões motivados por pressões setoriais ou frente à necessidade de dar respostas rápidas, faz com que a formulação das políticas públicas seja um processo às vezes aleatório e, às vezes, heterônomo.33 Nesse contexto, se argumenta, a identificação de metas e indicadores pode ser mais uma desvantagem do que uma ferramenta.
De uma forma que contradiz parcialmente isso, outro dos obstáculos reiteradamente apontados para uma medição adequada de impacto é que o resultado do trabalho em direitos humanos só pode ser observado no longo prazo e que desejar indicadores de êxito em um par de anos pode ser contraproducente porque obriga a buscar sucessos imediatos que, por sua natureza, são mais difíceis de sustentar no tempo. Nessa linha de argumentação, o trabalho em direitos humanos e cidadania almeja, em última instância, uma mudança cultural que, como tal, precisa de várias gerações para ser alcançada. Os avanços no curto prazo devem ser entendidos somente como pequenos passos em um caminho mais longo e, portanto, seu impacto imediato deve ser relativizado.
Essa relação entre o curto e o longo prazo é fundamental para a avaliação do trabalho em políticas públicas. Com efeito, estar alerta para aproveitar as oportunidades que a conjuntura oferece é indispensável, se se quer avançar na proteção dos direitos, e verificar que esses sucessos se preservem no tempo é algo que somente se pode avaliar no longo prazo. Essa interação e contradição parcial entre ambos os níveis de trabalho requer uma abordagem complexa que, com freqüência, supera as experiências das organizações envolvidas. Em especial, no contexto de instabilidade que predomina na cena política de vários países da região, a aleatoriedade do processo de formulação de políticas públicas faz com que essas decisões sejam frágeis e que as políticas possam ser revisadas – e inclusive revertidas – com relativa facilidade. É justamente por isso que se faz necessário diferenciar com mais clareza o trabalho sobre a conjuntura daquele sobre as causas estruturais das violações dos direitos humanos. Somente na medida em que as oportunidades esporádicas forem aproveitadas para avançar em objetivos de longo prazo é que se poderá obter resultados que perdurem no tempo.
Talvez o processo que melhor exemplifique um trabalho sobre a conjuntura combinado com a busca de objetivos de longo prazo é a atividade das organizações históricas de direitos humanos na busca de verdade e justiça pelas violações dos direitos humanos cometidas durante as ditaduras militares. Nesse caso, as organizações de direitos humanos aproveitaram cada oportunidade que lhes deu a conjuntura, inclusive no contexto adverso dos regimes militares, não somente para salvar a vida de pessoas em risco, como também para evitar que se consolidasse a impunidade por esses graves crimes. Ao longo de trinta anos de luta, ao mesmo tempo em que se perseguiam resultados imediatos (com freqüência para responder a problemas urgentes), formularam-se estratégias que não necessariamente iam provocar avanços no curto prazo, tais como os processos judiciais iniciados durante as ditaduras e que deviam ser decididos por juízes que, na maioria dos casos, estavam associados aos regimes de fato (e que em muitos casos só agora começam a dar seus frutos).34
Outro desafio adicional para a avaliação do trabalho em direitos humanos e cidadania é a falta de indicadores confiáveis, que não somente dificulta a medição dos resultados, como também pode ser um obstáculo adicional para avaliar a situação dos direitos humanos. Ao ampliar o trabalho para áreas tais como os direitos sociais, as organizações precisam outros instrumentos de medição, já que a descrição da situação com base em casos exemplares nem sempre é a melhor fórmula. O desenvolvimento de indicadores em direitos humanos não somente ajudaria a medir o impacto das organizações, como também serviria como uma poderosa ferramenta de pressão sobre os governos e outros possíveis responsáveis por ação ou omissão.
Em um mundo em que há cada vez mais dados para medir a situação social e política, com novos indicadores que medem a distribuição de renda (como o índice Gini) ou a qualidade da democracia,35 para citar somente dois exemplos, o trabalho em direitos humanos aparece ainda demasiado apegado a um acompanhamento com base em casos e padrões que é claramente insuficiente para avaliar a muito mais complexa natureza das violações dos direitos que hoje se procuram reverter.
Em todo caso, não se devem subestimar as dificuldades associadas a esse desafio. O fato de que para a realização de estas tarefas seja necessária uma qualificação e um treinamento especial constitui um dado relevante. Poucas questões confrontaram tanto as “velhas” e as “novas” gerações de defensores de direitos humanos quanto a da medição do impacto. Muitos dos ativistas que iniciaram o trabalho acreditam que o desenvolvimento de indicadores é uma questão técnico-burocrática que não justifica sua atenção. Essa postura se explica porque, em seus inícios, o trabalho em direitos humanos tinha objetivos imediatos muito claros cuja consecução era facilmente verificável. Em um contexto em que se tratava de salvar vidas e deter as atrocidades que eram cometidas diariamente, os resultados estavam “à vista”. Mais recentemente, na medida em que o campo dos direitos humanos se torna mais complexo ao incorporar novos temas e padrões de violação dos direitos humanos, que não se devem somente à vontade estatal, uma nova geração de profissionais incorporou novas ferramentas de trabalho, tais como o planejamento estratégico e o desenvolvimento de esquemas de fortalezas, oportunidades, fraquezas e ameaças (FOFA), que enfrentam muitas vezes forte resistência por parte de seus antecessores.
Essas diferenças, que se explicam pela formação que receberam e a experiência de trabalho no campo, se traduzem muitas vezes em um enfrentamento entre um setor mais “político”, integrado por quem criou as organizações e outros líderes que, sendo mais jovens, também tiveram uma trajetória pessoal desse tipo, e outro mais técnico, formado pelos “profissionais das organizações não-governamentais”. De um lado, então, estariam aqueles que não perdem de vista seus objetivos fundacionais e sabem como alcançá-los sem necessidade de “marcos lógicos” (e que, de fato, com freqüência foram altamente eficazes); do outro, profissionais que manejam uma sofisticada variedade de ferramentas que, no entanto, os distanciam às vezes da arena política.
O cenário parece indicar a presença de uma encruzilhada na qual é necessário decidir-se por uma das duas opções, que se enfrentam em vez de complementar-se: ativistas e estrategas versus profissionais e managers. Construir alternativas entre essas duas possibilidades é fundamental para o movimento de direitos humanos na região, se é que pretende manter os níveis de incidência histórica. No contexto de uma ampliação do campo de trabalho, que o torna muito mais complexo, somente o desenvolvimento de lideranças com as capacidades técnicas necessárias, mas que contem também com a qualidade de desenvolver estratégias eficazes, assegura as capacidades necessárias para conduzir essas organizações ao grau da mudança sistêmica e a obtenção de resultados em uma escala maior.
Para analisar o papel das organizações na formulação de políticas públicas, a medição do impacto pode ser efetuada em dois níveis: de um lado, avaliar se a participação dessas organizações conseguiu ou não mudar uma determinada política pública (em qualquer das quatro formas descritas anteriormente: revogar uma lei ou política pública, contribuir para a formulação de uma política, promover a revisão de uma lei ou prática e participar na implementação); e, por outro, demonstrar os efeitos que essas transformações tiveram no nível de proteção dos direitos. Deve-se destacar que a mudança de uma política pode significar um avanço em si mesmo para a proteção dos direitos. Essa seria a situação, por exemplo, de uma lei que reconheça mecanismos para o exercício do direito de acesso à informação. Além dos eventuais problemas que possam existir na aplicação dessa norma, sua simples sanção implica um avanço.
No primeiro nível – se a participação dessas organizações conseguiu ou não mudar uma determinada política pública –, o manual Advocacy Funding36 identifica três formas clássicas de medir o êxito das iniciativas dessa natureza. A primeira e mais básica é a avaliação do processo, que deve determinar se a campanha de incidência resultou nas atividades e nos produtos planejados. Uma segunda maneira é a avaliação do resultado (outcome), que busca avaliar o efeito que a campanha teve nos destinatários identificados. A terceira alternativa é mais ambiciosa e se refere à medição do impacto, isto é, determinar que efeitos essas atividades causaram no processo de formulação de políticas.
A distinção entre avanços no processo e a medição dos resultados, no entanto, gerou certas confusões. Entre as organizações da sociedade civil é comum ouvir que é conveniente concentrar os esforços na avaliação do processo, já que isso permitiria uma análise qualitativa (que incluiria, por exemplo, níveis crescentes de associatividade entre as organizações), enquanto que a medição dos resultados seria mais limitada por incluir uma perspectiva quantitativa. Por sua vez, há quem destaque que a avaliação do processo indica como se protegem os direitos, enquanto que a medição dos resultados reflete os níveis de proteção efetiva desses direitos (Hines, 2005) –37 critério que, aplicado ao trabalho em políticas públicas, significaria que a medição do impacto das organizações na mudança de uma política pública seria a avaliação do processo, enquanto que os efeitos dessa política na população afetada seria a avaliação do resultado.
A necessidade de fortalecer as capacidades para a medição do impacto do trabalho em direitos humanos e cidadania, no entanto, não significa tratar de reproduzir ou replicar formas de avaliação importadas de outras áreas. A identificação dos resultados a medir, do aporte realizado38 ou do tipo de indicador a utilizar, deve responder necessariamente às características especiais desse trabalho. A título ilustrativo, algumas das perguntas que as organizações deveriam se fazer poderiam incluir: devemos medir o resultado nos casos defendidos ou na situação geral? É possível que a melhora em uma área de trabalho signifique a piora em outra? É mais importante um avanço menor em uma área prioritária ou um avanço maior em uma questão secundária?
Como dissemos, muitas organizações se sentem incomodadas com o uso de indicadores quantitativos e preferem utilizar mecanismos qualitativos. Embora qualquer avaliação sistêmica do impacto deva incluir ambos os tipos de análise, não cabem dúvidas de que os indicadores qualitativos podem ser uma ferramenta muito útil para a medição dos resultados; no entanto, é necessário que aqueles que trabalham em direitos humanos e promoção da cidadania organizem de forma mais sistemática essa informação, de modo a poder depreender dela algumas conclusões mais gerais.
Em todo caso, sem objetivos e metas claramente definidas,39 nem uma teoria coerente da mudança social que vincule ambos os níveis de trabalho, as ações das organizações da sociedade civil dificilmente provocarão uma melhora sensível na proteção dos direitos, e embora seja possível que obtenham certos avanços, será difícil sustentá-los no tempo. A distinção entre o trabalho de curto e longo prazo é a única forma de poder avaliar tanto os avanços no processo como a consecução dos resultados e poder verificar se existem diferenças entre ambos os níveis de análise.
Em síntese, na medida em que o protagonismo das organizações de direitos humanos e cidadania continue crescendo e que estas participem mais ativamente da formulação de políticas públicas, a medição do impacto será cada vez mais relevante. Entre outros motivos, porque a demonstração dos resultados de seu trabalho será a melhor defesa contra os ataques que já estão sofrendo por uma suposta falta de legitimidade e representatividade. Em alguns casos, a medição do impacto permitirá apresentar de forma menos discutível os avanços obtidos e, ao mesmo tempo, favorecerá o reconhecimento dos governos verdadeiramente aliados dessa causa; em outros, a comprovação de que nada melhorou ou de que a situação piorou significará que as organizações devem radicalizar suas críticas e, em alguns casos, revisar sua ação. Tal como destacamos, há muitas boas razões e possíveis ganhos para que o movimento de direitos humanos crie esses indicadores de êxito, mas para isso é fundamental que abandone a posição “defensiva” nessa esfera e adote uma postura proativa para conseguir avanços na questão.40 Em todo caso, as organizações devem estar conscientes de que, se não assumirem o desafio de medir seu impacto, outros tomarão a iniciativa.
1. Agradeço muito especialmente a todos os meus colegas no Escritório da Fundação Ford para a Região Andina e o Cone Sul por seus valiosos comentários a versões anteriores deste artigo. As sugestões de Alex Wilde e Michael Shifter também foram extremadamente úteis.
Este artigo foi originalmente publicado em VARA, A., et al. The citizen proposal. A new civil society-State relationship . Santiago, Chile: Catalonia, 2005.
2. Saba, R. “El movimiento de derechos humanos, las organizaciones de participación ciudadana y el proceso de construcción de la sociedad civil y el estado de derecho en Argentina”. In: Panfichi, A. (coord.). Sociedad civil, esfera pública y democratización en América Latina: Andes y Cono Sur. México – D. F.: Pontificia Universidad Católica del Perú, Fondo de Cultura Económica, 2002.
3. Ignatieff, M. “Human Rights: the Midlife Crisis”. The New York Review of Books, 20 de maio de 1999.
4. Ibid.
5. Algumas das conclusões dessas reflexões podem ser lidas em Basombrío, C. ¿… Y Ahora Qué? Desafíos para el trabajo por los derechos humanos en América Latina. Lima:Diakonía Acción Ecuménica Sueca, 1996; Zalaquett, J. (coordenador de conteúdos). Temas de derechos humanos en debate. Grupo de reflexión regional. Lima: Instituto de Defensa Legal, Centro de Derechos Humanos, Facultad de Derecho, Universidad de Chile, 2004; e Yamin, A. Facing the 21 st Century: Challenges and Strategies for the Latin American Human Rigths Community , a rapporteur’s report based on July 1999 Conference Organized by The Washington Office on Latin America and the Instituto de Defensa Legal, WOLA.
6. Varias pessoas que leram uma versão preliminar deste texto insistiram na necessidade de destacar que as organizações de direitos humanos e as organizações de cidadania “não são a mesma coisa”. Com efeito, ao menos na Região Andina e no Cone Sul, existe uma forte linha divisória entre as identidades desses grupos. Tal como se destacou no texto principal, as organizações de direitos humanos foram criadas com anterioridade, são lideradas pelas vítimas ou seus representantes, costumam ser mais intransigentes e concentram seus esforços na denúncia dos abusos estatais. Por sua vez, as organizações de cidadania têm uma visada mais ampla sobre o interesse público, podem ter um conhecimento técnico ou profissional maior, foram criadas no contexto de governos democráticos e apostam mais na proposta do que na denúncia. Não obstante, a divisão entre ambos os grupos continua sendo um tanto caprichosa. De um lado, é provável que nenhuma organização de direitos humanos ou de cidadania se sinta inteiramente cômoda com a descrição feita aqui e provavelmente diria que “fazem um pouco de ambos”; por outro, essa distinção que parece tão “óbvia” nessa região, é dificilmente compreensível em outras regiões do mundo. Neste artigo, não negamos a existência de diferenças importantes entre as organizações de direitos humanos e as de cidadania; no entanto, as semelhanças entre as duas são também consideráveis, especialmente no que se refere à participação na formulação de políticas públicas, e, em conseqüência, umas e outras podem ser assimiladas na análise.
7. A palavra “incidência” em espanhol tem vários significados. Maria Moliner a define como “ação de incidir: chocar uma coisa com outra à qual é dirigida” (Diccionario de uso del español, Editorial Gredos, Madri, 20ª. reimpressão, 1997), significado semelhante ao encontrado no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: ato ou efeito de recair, de pesar sobre ou de acometer ou atingir (algo ou alguém). Já a Real Academia Espanhola sustenta em sua primeira acepção que é um “acontecimento que sobrevém no curso de um assunto ou negócio e tem com ele alguma conexão” (http://www.rae.es/). Entretanto, vem se generalizando entre as organizações da sociedade civil uma acepção distinta de todas essas. Assim, um manual sobre o tema explica que “a incidência política são os esforços da cidadania organizada para influir na formulação e implementação das políticas e programas públicos, através da persuasão e a pressão sobre autoridades estatais, organismos financeiros internacionais e outras instituições de poder. São as atividades dirigidas para obter acesso e influência sobre as pessoas que têm poder de decisão em assuntos de importância para um grupo em particular ou para a sociedade em geral”.
WOLA e CEDPA. Manual para la facilitación de procesos de incidencia política, Oficina en Washington para Asuntos Latinoamericanos (WOLA) e Centro para el Desarrollo de Actividades de Población (CEDPA), março de 2005, p. 21. Disponível em: <http://www.wola.org/publications/atp_manual_para_facilitacion_jun_05.pdf>. Último acesso em 1º de abril de 2008.
8. Para uma descrição de muitas outras valiosíssimas atividades que as organizações de direitos humanos realizam e realizaram cotidianamente, ver Garcés, M. e Nicholls, N. Para una Historia de los DD.HH. en Chile. Historia Institucional de la Fundación de Ayuda Social de las Iglesias Cristianas FASIC 1975 – 1991. Santiago: LOM Ediciones, Ciencias Humanas, 2005.
9. Fundación Ford . Rompiendo la indiferencia. Acciones ciudadanas en defensa del interés público, Fundación Ford, LOM Ediciones, Santiago, 2000; Idem, Caminando hacia la justicia. El trabajo en el área del derecho de los donatarios de la Fundación Ford en el mundo, Fundación Ford, Alfabeta Artes Gráficas, Santiago, 2001; González, F. (ed.). “Litigio y Políticas Públicas en Derechos Humanos”. Cuadernos de Análisis Jurídico, Santiago, Serie Publicaciones Especiales 14 Escuela de Derecho, Universidad Diego Portales, 2002; González, F. e Viveros, F . (eds.). “Defensa jurídica del interés público. Enseñanza, estrategias, experiencias”. Cuadernos de Análisis Jurídico, Santiago, Serie Publicaciones Especiales n. 9, Escuela de Derecho, Universidad Diego Portales, 1999.
10. Keck, M. e Sikkink, K. Ativists Beyond Borders: Transnational Advocacy Networks in International Politics. Nova York: Cornell University Press, Ithaca, 227 p., 1998.
11. Ignatieff, M. Human Rights and the Measurement Revolution, documento de trabalho apresentado na conferência Measuring Progress, Assessing Impact, Cambridge, Mass., Maio 2005. Cohen, S. Human Rights Violations: Communicating The Information, Discussion Paper From am International Workshop Oxford 1995 and Related Papers, London, 1995.
12. Lowden, P. Moral Opposition to Authoritarian Rule in Chile, 1973-90. Nova York: St. Martin´s Press, 216 p., 1996.
13. Mignone, E. F. Iglesia y dictadura. Buenos Aires: Ediciones Colihue, reedição, 272 p., 2006. Verbitsky, H. El silencio. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 256 p., 2005.
14. Peruzzotti escreveu uma análise muito interessante sobre a relevância, mas também os mal-entendidos que explicam muitos desses questionamentos. Peruzzotti , E. (no prelo). “Civil Society, Representation and Accountability: Restating Current Debates on the Representativeness and Accountability of Civic Associations”. In: Jordan, L. e Van Tuijl, P. (eds.).NGOs rights and Responsibilities. Londres: Erthscan, 2006.
15. Peruzzotti, no prelo, op. cit.
16. Raine, F. (no prelo). “The Measurement Challenge in Human Rights”. Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos, n° 4, ano 3, São Paulo, 2006.
17. A Corporación Transparencia por Colombia e a Comisión Colombiana de Juristas têm promovido uma reflexão entre as organizações da sociedade preocupadas em assegurar sua legitimidade. Entre as várias atividades que podem ser mencionadas como passos na direção correta estão a produção em forma mais sistemática de informação sobre suas atividades (por exemplo, através de informes anuais distribuídos entre diversos públicos) ou tornar públicas as fontes de financiamento e estados contábeis na página da Web das organizações.
18. Vásquez, 2005, op. cit.
19. O tema da representação de interesses alheios é especialmente sensível no caso do trabalho em litígio estratégico. Para um debate sobre a necessidade, por parte dos que realizam este tipo de litígio, de respeitar e saber acompanhar a liderança dos diretamente afetados, ver Abramovich, V. “La enseñanza del derecho en las Clínicas Legales del Interés Público. Materiales para una agenda temática”. In: González, F. e Viveros, F. (eds.). “Defensa jurídica del interés público. Enseñanza, estrategias, experiencias”. Cuadernos de Análisis Jurídico, Santiago, Escuela de Derecho, Universidad Diego Portales, Serie Publicaciones Especiales nº 9, 1999.
20. Tiscornia, S. “Límites al poder de policía. El activismo internacional de los derechos humanos y el caso Walter Bulacio ante la Corte Interamericana de Derechos Humanos”. In: Tiscornia, S. e Pita, M. V. (eds.). Derechos humanos, tribunales y policías en Argentina y Brasil. Buenos Aires: Estudios de Antropología Jurídica, Colección de Antropología Social, Facultad de Filosofía y Letras, 2006.
21. Para uma experiência das dificuldades que as organizações tradicionais de direitos humanos enfrentavam para modificar sua relação com o Estado ainda em meados dos anos 90, ver Abregú, M. Democratizando la lucha por los derechos humanos. Buenos Aires: mimeo, apresentação na LASA, 1996.
22. Soares, L. E. “La experiencia de la inadecuación: contradicciones y complementariedad entre academia, activismo cívico y militancia política”. In: Basombrío I., C. (ed.). Activistas e intelectuales de sociedad civil en la función pública en América Latina. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2005.
23. Basombrío I., C. (ed.). Activistas e intelectuales de sociedad civil en la función pública en América Latina. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2005.
24. Durante muitos anos, foi habitual entre as organizações históricas de direitos humanos interpelar outras organizações da sociedade civil com o slogan: “E onde estavam vocês durante os anos difíceis?”. Trata-se de uma pergunta repetida sistematicamente, inclusive hoje, nas tentativas de diálogo entre o movimento de direitos humanos e o movimento feminista no Peru (Vásquez , R. Los un@s y las otr@s: feminismos y derechos humanos. Filosofazer, ano XIV, nº. 26, Brasil, Instituto Superior de Filosofia Bertier, 2005).
A relação entre as organizações de direitos humanos e as organizações que são chamadas neste artigo “de cidadania” também foi marcada em seu início por esse tipo de questionamento.
25. Ignatieff, 2005, op. cit.
26. Keck e Sikkink, 1998, op. cit., p. 13.
27. Esses vazios estão, em geral, relacionados com certas “invisibilidades” ou, mesmo preconceitos históricos em um país determinado que se reproduzem no interior das organizações da sociedade civil. Por exemplo, o trabalho das organizações internacionais foi fundamental para promover a inclusão na agenda de direitos humanos das questões de gênero, bem como étnicos e raciais.
28. Agradeço especialmente a Alex Wilde por seus incisivos comentários a uma primeira versão dessa seção, sem prejuízo de que o texto é da exclusiva responsabilidade do autor.
29. Esta expressão, que literalmente significa “nomeando e envergonhando”, é utilizada para referir-se à estratégia das organizações de direitos humanos de identificar o país ou indivíduo violador dos direitos humanos e expô-lo perante a opinião pública para obrigá-lo a modificar seu comportamento.
30. Com efeito, em muitos casos se menciona os meios de comunicação como um dos setores com que as organizações da sociedade civil devem estabelecer alianças estratégicas. Neste artigo, preferimos não incluí-los como possível contraparte e considerá-los somente como um canal para disseminar seu trabalho. Essa aproximação evita considerar os meios de comunicação um aliado porque isso significa atribuir-lhes uma entidade corporativa que somente existe em torno de alguns temas em particular (como a liberdade de expressão ou o acesso à informação).
31. Ignatieff, 2005, op. cit., p. 1.
32. Raine, 2006 (no prelo), op. cit.
33. Há muito poucos trabalhos que analisam o contexto em que as organizações da sociedade civil tentam influir em políticas públicas. Um estudo recente sobre o trabalho dos “centros de pensamento” (think tanks) em nível regional lança certa luz a esse respeito ( Braun, M., Chudnovsky, M., Ducoté, N. e Weyrauch, V. A Comparative Study of Thinks Thanks in Latin America, Asia and Africa (Working Paper da segunda fase do projeto Global Development Network’s Bridging Research and Policy). Center for the Implementation of Policies Promoting Equity and Growth – CIPPEC, 2005.); não obstante, se trata ainda de informação insuficiente e que aborda essa questão de maneira incidental e não central. Lamentavelmente, este artigo sofre do mesmo déficit.
34. Abregú, M. “Apostillas a un fallo histórico”. Cuadernos de Jurisprudencia y Doctrina, Buenos Aires, ano IX, n. 16, Editorial Ad-Hoc, 2003, p. 39 e seguintes.
35. Vargas Cullell, J.; Villarreal , E. e Gutiérrez, M. “Auditorías ciudadanas sobre la calidad de la democracia: una herramienta para la identificación de desafíos democráticos”. In: O’Donnell, G.; Iazzetta, O. e Vargas Cullell, J. Democracia, desarrollo humano y ciudadanía. Reflexiones sobre la calidad de la democracia en América Latina. Santa Fe-Argentina: HomoSapiens Ediciones, Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo, Dirección Regional para América Latina y el Caribe, 2003.
36. Grantcraft. Advocacy Funding. The Philantropy of Changing Minds. GrantCraft Pratical Wisdom for Grantmakers, 2005. Disponível em: . Último acesso em: 31 de março de 2008.
37. Hines, A. What Human Rights Indicators Should Measure. Measurement and Human Rights: Tracking Progress, Assessing Impact. (working paper) A Carr Center Project Report. Summer 2005. Disponível em: <www.hks.harvard.edu/cchrp/pdf/Measurement_2005Report.pdf>.
38. Os avanços em qualquer área do trabalho em direitos humanos muito dificilmente podem ser produto da ação de uma determinada organização e, portanto, o nível de contribuição em um contexto com muitos atores pode ser um elemento de complexidade adicional na medição do impacto. Por esta razão foi proposto privilegiar o impacto do campo em vez de o impacto de uma organização em particular.
39. Não se desconhece aqui que os conceitos de “objetivos”, “metas” e “resultados” não são unívocos e que muitas vezes a tradução do inglês dos conceitos associados (goals, benchmarks, outcomes) foi também causa de confusão. Não é este o lugar para adentrar nessa discussão. Essas afirmações são válidas em geral com qualquer das acepções que foram atribuídas a esses termos entre as organizações da sociedade civil e as agências de cooperação.
40. Raine, 2006 (no prelo), op. cit.