Contra o pano de fundo de críticas sobre a ausência de um verdadeiro diálogo entre direitos humanos e desenvolvimento e sobre a fraca cooperação substantiva entre os atores de ambas as disciplinas, o presente artigo expõe a forma pela qual uma categoria de atores de direitos humanos tenta concretamente se envolver com a agenda de desenvolvimento. O estudo analisa as contribuições de diversos detentores de mandato dos procedimentos especiais das Nações Unidas (ONU), particularmente aqueles com mandatos relacionados aos direitos econômicos, sociais e culturais (ESC), ao trazer princípios fundamentais específicos dos direitos humanos para o núcleo do marco do desenvolvimento, com um foco específico nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) da ONU. Ao concentrar-se na não-discriminação, na participação e na accountability, no uso de indicadores e nas obrigações surgidas no âmbito da assistência e da cooperação internacionais, argumenta-se que os relatores especiais e especialistas independentes da ONU começaram a pavimentar o caminho para a convergência substantiva dos direitos humanos e dos paradigmas de desenvolvimento.
Os atores dos campos dos direitos humanos e do desenvolvimento reconhecem igualmente o fato de que os direitos humanos desempenham um papel essencial na esfera do desenvolvimento e amplamente concordam em que há sinergias entre as pautas dos direitos humanos e as do desenvolvimento. Apesar deste reconhecimento crescente, parece haver significativo ceticismo quando se trata de desenvolver estratégias construtivas e operacionais ligando os dois paradigmas. A comunidade dos defensores de direitos humanos criticou severamente os marcos do desenvolvimento, tais como o projeto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), por negligenciar os direitos humanos, enquanto a comunidade do desenvolvimento apontou para um baixo nível geral de engajamento substantivo por parte dos atores de direitos humanos (ALSTON, 2005; DOYLE, 2009). Este artigo argumenta que os detentores de mandato relativo aos procedimentos especiais das Nações Unidas assumiram o desafio de contribuir, de forma substancial e concreta, tanto para o esclarecimento da natureza da relação entre o desenvolvimento e os direitos humanos, como para a integração de uma perspectiva de direitos humanos em suas áreas específicas de concentração.
Partindo de exemplos concretos a partir do trabalho dos detentores de mandato relativo aos procedimentos especiais, e utilizando os ODMs como uma lente sobre o assunto, este artigo se propõe a avaliar a forma pela qual eles têm se relacionado com a pauta do desenvolvimento. Este artigo fornece uma visão geral do projeto ODM (parte I), seguida de uma análise de sua relação com os direitos humanos (parte II), e esboça os contornos de um diálogo entre as pautas dos direitos humanos e dos ODM (parte III). A parte IV analisa as abordagens adotadas pelos detentores de mandato relativo aos procedimentos especiais em seus esforços para conectar o discurso do desenvolvimento e perspectivas de direitos humanos. A parte V aborda como os detentores de mandato relativo aos procedimentos especiais começaram a lidar com a agenda de desenvolvimento global para o período pós-2015.
Dentre os diferentes níveis de sistemas de política de desenvolvimento, o artigo centra-se nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), uma vez que dominaram a última década como a iniciativa mais proeminente na agenda de desenvolvimento internacional. A Cúpula do Milênio das Nações Unidas (ONU), de onde surgiram os ODM, foi um acontecimento sem precedentes em que 198 líderes mundiais assinaram a Declaração do Milênio, comprometendo suas nações a combater “as condições abjetas e desumanas da pobreza extrema” e “fazer do direito ao desenvolvimento uma realidade para todos” (UNITED NATIONS, 2000). Na prática, os ODMs são um conjunto de metas quantificáveis a serem alcançadas até 2015. Os oito ODMs foram projetados para: erradicar a pobreza extrema e a fome (ODM 1); atingir o ensino básico universal (ODM 2); promover a igualdade entre os sexos e a valorização das mulheres (ODM 3); reduzir a mortalidade infantil (ODM 4); melhorar a saúde materna (ODM 5); combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças (ODM 6); garantir a sustentabilidade ambiental (ODM 7); e desenvolver uma parceria mundial para o desenvolvimento (ODM 8). A fim de definir os objetivos com maior precisão e tornar a sua realização quantificável, um conjunto de metas e indicadores correspondentes foram inseridos em cada Objetivo.
A menos de três anos do prazo estipulado pelos ODMs, o quadro esboçado a partir dos relatórios disponíveis pode ser considerado tudo, menos homogêneo. Enquanto houve progresso em alguns dos objetivos, contratempos puderam ser identificados em outros deles (UNITED NATIONS, 2012a). De acordo com o mais recente Relatório dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, avanços podem ser observados em várias metas relacionadas à saúde: em relação à tuberculose, as projeções sugerem que a taxa de mortalidade da doença, comparada à de 1990, será reduzida pela metade até 2015, e em relação à malária, as mortes diminuíram globalmente (UNITED NATIONS, 2012a, p. 44, 42). Novas infecções por HIV seguem diminuindo e o acesso ao tratamento para pessoas vivendo com o vírus aumentou em todas as regiões, embora a meta de 2010 de acesso universal não tenha sido alcançada (UNITED NATIONS, 2012a, p. 38-42). Contudo, os progressos em matéria de igualdade de gênero ainda podem ser considerados bastante modestos, com contínua discriminação em relação ao acesso à educação, ao trabalho e aos bens econômicos e em relação à participação no governo (UNITED NATIONS, 2012a, p. 20-25). Embora a pobreza tenha diminuído em termos de renda, a luta contra a fome estagnou-se, com lento progresso na redução da desnutrição infantil (UNITED NATIONS, 2012a, p. 72). Quase metade da população nas regiões em desenvolvimento ainda não tem acesso a esgoto, e até 2015 o mundo terá atingido apenas 67 por cento de cobertura, que fica aquém dos 75 por cento necessários para atingir a meta dos ODMs (UNITED NATIONS, 2012a, p. 52-57).
O foco escolhido é sobre a iniciativa dos ODMs, já que estes oferecem uma lente através da qual podemos avaliar a situação do debate sobre direitos humanos e desenvolvimento. Um volume considerável de literatura tem se dedicado, ao longo da última década, a identificar as sobreposições e complementaridades entre os direitos humanos, os ODM e o discurso de desenvolvimento em geral. Em seu cerne, os direitos humanos e o desenvolvimento humano compartilham o objetivo final de promover o bem-estar humano e as raízes filosóficas de ambos residem na ideia de desenvolver capacidades que permitam aos indivíduos levar uma vida livre e digna (UNITED NATIONS, 2007a). Além disso, a maioria dos ODMs poderia ser reformulada em termos de normas internacionais de direitos humanos sobre os direitos econômicos, sociais e culturais (ESC) consagrados no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Em 2001, o Secretário-Geral da ONU declarou explicitamente que “os direitos econômicos, sociais e culturais estão no centro de todos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (UNITED NATIONS, 2001). Estes podem ser identificados como o direito à saúde, o direito à educação, o direito à alimentação, o direito à moradia, o direito à água e ao saneamento, bem como o direito a um padrão de vida adequado. Se tomarmos o direito à saúde como exemplo, é possível notar que quase a metade dos ODMs relacionados à saúde toca em aspectos fundamentais do direito à saúde (especificamente, os ODMs 4, 5 e 6). Além disso, a maior parte dos outros ODMs aborda os chamados “fatores determinantes subjacentes” de saúde, como a pobreza e a fome, a educação, a igualdade de gênero, o empoderamento das mulheres e o acesso à água potável e ao saneamento (ZAIDI, 2010, p. 122).
O Objetivo 1, sobre a erradicação da pobreza extrema e as metas a ela relacionadas, pode ser percebido como um reflexo do direito a um padrão de vida adequado, do direito à segurança social, do direito ao trabalho e do direito à alimentação. A relevância do direito à educação é evidente no Objetivo 2, como é o direito à água e ao saneamento na Meta 7C e o direito à habitação adequada na Meta 7D.1 Paralelos também foram traçados entre o ODM 8, que prevê a criação de uma parceria mundial para o desenvolvimento, e as obrigações de assistência e cooperação internacionais previstas pelo artigo Artigo 2 (1) do PIDESC (SEPULVEDA and NYST, 2012; SEPULVEDA, 2009). A sobreposição precedente foi definida na literatura relevante como convergência factual, como se a interseção dos dois paradigmas não implicasse automaticamente que as metas dos ODM se alinham, em nível essencial, com as correspondentes obrigações de direitos humanos (MCINERNEY-LANKFORD, 2009, p. 52-53). Nas palavras de outro estudioso, entender o multifacetado relacionamento entre o desenvolvimento e os direitos humanos requer mais do que simplesmente afirmar que um “automaticamente implica, equivale ou inclui o outro” (UVIN, 2002, p. 3).
Apesar de elementos de convergência factual, a convergência prática tem demorado para acontecer (ALSTON, 2005, p. 762). Do ponto de vista da comunidade dos direitos humanos, vários motivos foram apresentados no decorrer da última década para explicar este grau de separação. Entre as preocupações ventiladas mais frequentemente estão:
A natureza tecnocrática e reducionista dos ODMs, sua falta de ambição, sua incapacidade de resolver as causas mais profundas da pobreza, sua incapacidade de levar em consideração as obrigações legais relativas aos direitos sociais, sua cegueira quanto a questões de gênero, sua omissão em relação à pobreza nos países ricos, seus fracos mecanismos de responsabilização […], o caráter potencialmente deturpador de decisões políticas tomadas em função de metas e a propensão dos ODM para ‘desviar’ a atenção de importantes questões que não figuram na lista global de objetivos.
(DARROW, 2012, p. 60. Ver também: UNITED NATIONS, 2010a; YAMIN, 2010; SAITH, 2006; AMNESTY INTERNATIONAL, 2010; CLEMENS et al., 2004; LANGFORD, SUMNER and YAMIN, 2010; POGGE, 2004; MCINERNEY-LANKFORD, 2009; LANGFORD et al., 2012).
Outros críticos apontam que os direitos civis e políticos parecem estar sendo desconsiderados (ALSTON, 2005), que as metas são concebidas e implementadas de cima para baixo(YAMIN, 2012) e que os dados agregados e as médias que são empregadas pelos ODMs, na verdade, escondem – e, portanto, podem reforçar – desigualdades (UNITED NATIONS, 2010a).
Uma das críticas mais amplamente reconhecidas contra a iniciativa dos ODM é a de que o projeto em grande parte ignorou os direitos humanos desde o início, tanto na conceitualização, quanto na articulação dos objetivos: os ODM não se referem explicitamente aos direitos humanos, nem aos tratados internacionais de direitos humanos. Embora a Declaração do Milênio, documento formal sobre o qual foram construídos os ODM, faça referências substanciais aos direitos humanos e inclua o compromisso de respeitar “todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos e as liberdades fundamentais, incluindo o direito ao desenvolvimento” (UNITED NATIONS, 2000), os ODMs não estão expressos na linguagem usada pelos direitos humanos e não defendem uma abordagem do desenvolvimento baseada em direitos (rights-based approach to development) (ALSTON, 2005; LANGFORD, 2010). A conclusão a que se parece ter chegado é a de que a convergência, tanto factual como prática, é, em última instância, limitante se permanecer confinada a um nível superficial, retórico ou se não estiver ancorada em padrões normativos e executáveis que gerem obrigações (MCINERNEY-LANKFORD, 2009, p. 54).
Em resposta a essas críticas, um grande volume de literatura tem surgido nos últimos anos sobre a importância de garantir que os esforços de desenvolvimento como os ODMs sejam implementados de uma forma que respeite os direitos humanos, e sobre a importância de usar as obrigações e técnicas dos direitos humanos como instrumentos legais concretos para o alcance dos objetivos (SANO, 2007; KURUVILLA et al., 2012). Em particular, tem-se argumentado que os direitos humanos, e em particular os direitos econômicos, sociais e culturais, fornecem não apenas sólidos “princípios orientadores”, mas também “estratégias operacionais” concretas para resolver os problemas que se encontram no cerne das questões de desenvolvimento: a pobreza, a fome, as favelas, a falta de educação, a desigualdade de gênero e o desempoderamento das mulheres, a mortalidade infantil, os problemas de saúde materna, água potável e a necessidade de sustentabilidade ambiental (UNITED NATIONS, 2002; UNITED NATIONS, 2008a).
Não obstante as críticas expressas por defensores dos direitos humanos, é preciso reconhecer que, pelo menos no papel, os resultados da Cúpula dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em 2010 marcaram uma mudança significativa em termos de vocabulário. O Documento Final contém um reconhecimento explícito de que “o respeito por todos os direitos humanos” é um pré-requisito essencial para a realização dos ODM, bem como ao desenvolvimento em geral (UNITED NATIONS, 2010a). O documento reafirma o compromisso de Estados-Membros da ONU de “continuarem a ser guiados pelos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas e com pleno respeito pelo direito internacional e seus princípios” (UNITED NATIONS, 2010a). Tais compromissos aparecem na introdução do documento e são repetidos ao longo do texto.
Apesar da inserção formal de compromissos com os direitos humanos, ainda pode ser questionado se isso representa um verdadeiro passo rumo à convergência substantiva ou se a adesão permanece no plano meramente retórico. Se considerarmos que o prazo final de 2015 se aproxima, a falta de ação prática para realmente situar os ODM em um quadro de direitos humanos e dar a esses direitos um significado operacional e concreto aponta para um cenário de oportunidades perdidas. Os direitos humanos parecem ser parte da “narrativa geral de políticas” em vez de obrigações legais específicas decorrentes de instrumentos internacionais vinculantes (MCINERNEY-LANKFORD, 2009, p. 59) Em conclusão, enquanto a metáfora de Philip Alston de “navios que se cruzam de noite” pode, lamentavelmente, ainda ser uma descrição apropriada geral para o diálogo entre os direitos humanos e o desenvolvimento (ALSTON, 2005), uma série de formas de avançar em termos de reforço mútuo pode ser identificada no âmbito das competências dos atores dos direitos humanos. Neste sentido, a próxima seção revela a contribuição dos detentores de mandato relativo aos procedimentos especiais da ONU para integrar compromissos de direitos humanos ao núcleo do desenvolvimento.
Os detentores de mandato relativo aos procedimentos especiais da ONU sobre direitos humanos são especialistas independentes encarregados pelo Conselho de Direitos Humanos de promover e proteger tais direitos. Eles incluem relatores especiais, especialistas independentes, representantes especiais do Secretário-Geral e grupos de trabalho. Seus mandatos podem ser temáticos – por exemplo, sobre a tortura ou o direito à alimentação – ou cobrir todos os direitos humanos em um país específico.
Os primeiros procedimentos especiais foram criados nas décadas de 1970 e 1980 pela Comissão das Nações Unidas sobre Direitos Humanos para promover e proteger os direitos civis e políticos (NIFOSI, 2005, p. 16). Em 2006, o Conselho de Direitos Humanos substituiu a Comissão de Direitos Humanos, com a responsabilidade de reforçar a proteção e a promoção de todos os direitos humanos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, incluindo o direito ao desenvolvimento. O mandato do Conselho de Direitos Humanos foi baseado no reconhecimento de que “o desenvolvimento e os direitos humanos são os pilares do sistema das Nações Unidas, e […] que os direitos ao desenvolvimento, à paz e à segurança e os direitos humanos estão interligados e se reforçam mutuamente” (UNITED NATIONS, 2006).
O Conselho de Direitos Humanos manteve o sistema de procedimentos especiais, e atualmente, dos 35 detentores de mandato relativo aos procedimentos especiais temáticos existentes, oito lidam especificamente com os direitos ESC e assuntos relacionados: o Relator Especial (RE) sobre o direito à educação (1998), o RE sobre a pobreza extrema e direitos humanos (1998), o RE sobre o direito à moradia adequada (2000), o RE sobre o direito à alimentação (2000), o Especialista Independente sobre os efeitos da dívida externa (2000), o RE sobre o direito à saúde (2002), o RE sobre os direitos à água e ao saneamento (2008) e o Especialista Independente no campo dos direitos culturais (2009). Além disso, alguns procedimentos especiais têm um mandato transversal que envolve a proteção dos direitos ESC.2
Diversas tipologias foram propostas para descrever os métodos utilizados pelos relatores especiais e especialistas independentes em seu trabalho. Em 2005, o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) listou as seguintes atividades: visitas aos países ou missões de investigação; envio de comunicações aos governos; elaboração de estudos temáticos; e recomendação de programas de cooperação técnica e interação com os meios de comunicação (UNITED NATIONS, 2005a). Em artigos recentes, suas atividades têm sido descritas em termos de promoção e proteção dos direitos humanos e de missões a países (GOLAY; MAHON and CISMAS, 2011; PICCONE, 2012). A abordagem não confrontacional que orienta as atividades dos relatores e especialistas pode colocá-los na posição privilegiada de se encontrar no meio do caminho entre o discurso dos direitos humanos, com seu conteúdo normativo juridicamente vinculativo, e o discurso do desenvolvimento, com ênfase na assistência e na cooperação internacionais. A combinação de conhecimentos jurídicos e diplomáticos fornece aos relatores e especialistas a flexibilidade necessária para dialogar sobre os programas de desenvolvimento e os ODM com uma variedade de partes interessadas, tanto na esfera pública quanto na privada (DOMÍNGUEZ REDONDO, 2009, p. 38)
Se nos voltarmos para o tema em análise, os relatores especiais, especialistas independentes e outros detentores de mandato relacionado aos procedimentos especiais da ONU podem ser apontados, dentre os atores da ONU em direitos humanos, como os mais ativos na redução das distâncias conceituais e práticas que separam os direitos humanos e os ODM. Eles têm desempenhado um papel importante tanto ao tornar mais clara a relação entre os direitos humanos e os ODM em suas áreas de foco específico, quanto ao propor formas concretas por meio das quais uma abordagem de direitos humanos pode trazer benefícios tangíveis a esforços de desenvolvimento. Uma década atrás, os relatores e especialistas deram boas-vindas formalmente aos esforços da ONU para pôr em prática os ODM e expressaram sua disposição a contribuir para o processo por meios de seus mandatos (UNITED NATIONS, 2002). Naquela época, entretanto, seus mandatos não incluíam competência explícita para analisar a relação entre os direitos humanos e o desenvolvimento. Apenas o primeiro RE sobre o direito à saúde, P. Hunt, documentou em 2004, e por sua própria iniciativa, a relação entre o direito à saúde e os respectivos ODMs (UNITED NATIONS, 2004a). A ausência de um mandato claro pode ser uma das razões subjacentes às observações feitas por P. Alston, que observou com pesar que, na época, o discurso dos ODMs foi “pouco visível” no trabalho dos relatores especiais e especialistas independentes e que nenhuma análise aprofundada dos ODM havia sido realizada.
Nos últimos anos, o Conselho de Direitos Humanos complementou os mandatos de alguns relatores e especialistas com a competência para fazer recomendações sobre estratégias para alcançar os ODMs.3 Uma revisão de relatórios apresentada por alguns dos relatores e especialistas revela um cenário bastante mudado em relação ao apresentado por Alston: hoje, pode-se afirmar que os ODMs e as considerações mais amplas sobre o desenvolvimento não são mais apenas mencionadas ou inseridas como observações superficiais, já que análises substanciais foram promovidas e o tema tem sido submetido a profunda análise. Isto pode ser visto como uma trajetória bem-vinda, especialmente se colocada contra o pano de fundo de contínuas exortações sobre a necessidade de “integração, mainstreaming, colaboração e análise” entre os dois campos (UVIN, 2002, p. 1) e a falta de um diálogo real como descrito anteriormente.
A análise realizada pelos relatores e especialistas depende da convicção de que as medidas tomadas para alcançar os ODMs se beneficiariam se estivessem firmemente embutidas em marcos legais e institucionais dos direitos humanos. Dentro desses marcos, os beneficiários das medidas que abordam os ODM se tornam titulares de direitos, enquanto os Estados e outros atores do desenvolvimento carregam a responsabilidade de alocar recursos de forma respeitosa aos direitos humanos (UNITED NATIONS, 2010b, para. 69). Em artigo publicado pelo The Guardian em 21 de setembro de 2010, quando líderes mundiais reuniam-se em Nova York na Cúpula dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, o RE sobre o direito à alimentação, O. de Schutter, comentou que uma “grande deficiência dos ODM é sua falha em reconhecer os direitos humanos como essenciais para qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável”. Para o Relator Especial da ONU:
O um bilhão de pessoas famintas no mundo não merece caridade: eles têm o direito humano à alimentação adequada e os governos têm deveres neste sentido, que estão consagrados na legislação internacional dos direitos humanos. Os governos com intenções sérias de obter progredir em relação aos Objetivos de Desenvolvimento devem ser convidados a adotar um marco legal para a realização dos direitos econômicos e sociais, tais como o direito à alimentação ou o direito à saúde.
(DE SCHUTTER, 2010).
Outros exemplos deste compromisso central podem ser encontrados nos relatórios de dos relatores especiais sobre saúde, educação, direitos humanos e pobreza extrema. O RE sobre o direito à saúde, A. Grover, defendeu uma abordagem de “reivindicações e não de caridade” em relação ao desenvolvimento e explicou que, ao se reenquadrarem questões ligadas ao desenvolvimento por meio da incorporação de um marco de direitos humanos, ocorre uma mudança na direção de uma “abordagem mais sustentável que imbui as metas anteriores de desenvolvimento de genuína capacidade de agência”, o que permite a realização de todo um conjunto de direitos anteriormente considerados “secundários, ou menos realizáveis” (UNITED NATIONS, 2010b, para. 71). Ao compartilhar essa visão, o RE sobre direitos humanos e pobreza extrema usou um exemplo prático: se os Estados estão preocupados apenas com a realização do Objetivo 2, ou seja, o ensino básico universal, então as políticas destinadas a aumentar o número de crianças matriculadas na escola, à primeira vista, seriam suficientes para atingir os objetivos definidos (UNITED NATIONS, 2010b, para. 71). No entanto, a negligência em se considerar a qualidade e a igualdade de acesso à educação constitui um dos principais contratempos dessas políticas. Se, ao contrário, as políticas de Estado abordassem as circunstâncias que impedem as crianças de acessarem serviços educacionais, tais como práticas discriminatórias, a pobreza ou a falta de infraestrutura, os Estados não só alcançariam a meta em questão, com também melhorariam substancialmente o bem-estar das pessoas envolvidas e avançaria em relação à realização dos seus compromissos de direitos humanos (UNITED NATIONS, 2010b, para. 71).
Na sua Declaração Conjunta de 2002 sobre os ODM, os relatores e especialistas trabalhando com direitos econômicos, sociais e culturais e o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais concordaram que o papel central a ser desempenhado pelos direitos humanos nos esforços de desenvolvimento tem características diversas: fornecer um marco normativo forte, reforçado por obrigações legais, aumentando o nível de empoderamento e participação dos indivíduos; garantir a não-discriminação e a atenção a grupos vulneráveis??; proporcionar meios para monitorar e responsabilizar das várias partes interessadas envolvidas no processo de desenvolvimento por meio de mecanismos independentes; e reforçar aquilo a que eles se referem como os “princípios gêmeos” da equidade global e da responsabilidade compartilhada (UNITED NATIONS, 2002). Uma análise dos relatórios que tratam dos ODMs e do desenvolvimento revela que os parâmetros utilizados pelos relatores especiais como seus receptáculos conceituais refletem os princípios anteriormente referidos, com foco na não-discriminação, na accountability e na participação. Como se verá nas seções subsequentes (5.2.1, 5.2.2 e 5.2.3), esses três princípios fundamentais são eficazes se orientarem todas as fases do processo do desenho de programas, desde a avaliação e a análise até o desenho, o planejamento (incluindo a definição de metas, objetivos e estratégias), a implementação, o monitoramento e a avaliação de políticas e programas (UNITED NATIONS, 2003a).
É necessário salientar que os ODMs são objetivos a serem alcançados progressivamente ao longo do tempo. A legislação de direitos humanos, especialmente no que se refere aos direitos econômicos, sociais e culturais, também acomoda o princípio de realização progressiva desses direitos. No entanto, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que é o órgão encarregado de interpretar e monitorar a implementação do PIDESC, afirmou que certas obrigações deste Pacto são de aplicação imediata. Assim, na aplicação das políticas e programas em relação aos ODMs, os Estados e os atores do desenvolvimento precisam estar atentos para não enfraquecer a realização das obrigações de direitos humanos de natureza imediata, tampouco adiar injustificadamente a realização de obrigações de natureza progressiva (UNITED NATIONS, 2011a, para. 19). Em seu trabalho em relação aos ODMs, os relatores e especialistas muitas vezes defendem o uso de indicadores para acompanhar essa implementação progressiva, e insistem na necessidade de melhorar a eficácia da cooperação e da assistência internacionais (veja as subseções 5.2.4 e 5.2.5).
Conforme mencionado anteriormente, um dos problemas mais frequentemente citados em relação aos ODMs é sua formulação agregada, que esconde as preocupações específicas de grupos ou indivíduos predispostos a discriminação, marginalização, exclusão ou vulnerabilidade. Salvo no Objetivo 3, sobre a promoção da igualdade de gênero, o texto dos ODMs em geral falha em abordar discriminação social e exclusão de minorias e grupos marginalizados (UNITED NATIONS, 2007b, para. 59), a despeito de seu reconhecimento na Declaração do Milênio (UNITED NATIONS, 2000). Quando o presente artigo foi escrito (julho de 2012), o único relatório de ODM do Secretário-Geral no tocante à concretização dos ODMs em respeito às minorias e aos povos indígenas era de 2005. Nesse relatório, uma referência é feita de passagem no contexto do Objetivo 2, na qual ele aponta que uma maior proporção de crianças pertencentes a minorias ou povos indígenas não está matriculada na escola (UNITED NATIONS, 2005b). Essa referência é genérica e não contém nenhuma indicação mais aprofundada quanto aos grupos particulares em questão. Por essa razão, ao desenhar políticas de desenvolvimento, os atores dessa área precisam identificar e lidar com bolsões de marginalização e exclusão. Assegurar que essas pessoas sejam consideradas detentoras de direitos nas políticas de desenvolvimento pode contribuir para quebrar padrões de discriminação enfrentados por muitos deles.
A partir de uma perspectiva de direitos humanos, um comprometimento genuíno com a não-discriminação requer que a coleta de dados seja subdividida de acordo com as categorias protegidas de discriminação. O desenho de programas de desenvolvimento também deveria considerar o emprego desses dados, os quais podem contribuir para a identificação dos grupos ou indivíduos que são marginalizados e daqueles que são mais vulneráveis. Deixar de usar essa abordagem pode contribuir para manter as categorias supracitadas invisíveis e para ampliar a distância entre indivíduos que vivendo na extrema pobreza e aqueles vivendo próximos à linha da pobreza (UNITED NATIONS, 2010c, para. 36; UNITED NATIONS, 2007b, para. 22). Se nos voltarmos a um exemplo de trabalho dos relatores, o RE sobre o direito à moradia adequada notou com preocupação que a discriminação parece ter um impacto considerável em casos de despejos forçados, uma vez que minorias étnicas, religiosas, raciais e outras, assim como povos indígenas, estão muito mais propensas a serem despejadas do que outros indivíduos (UNITED NATIONS, 2004b, para. 39). Além disso, as repercussões dos despejos forçados são especialmente severas para mulheres pertencentes a grupos minoritários. Essas consequências se refletem não apenas na perda dos lares, mas também na ruptura de “meios de subsistência, relacionamentos e redes de apoio às quais estavam acostumadas, quebra de laços familiares, traumas físicos e psicológicos, e até mesmo aumento de doenças e mortalidade” (KOTHARI, 2006). Os relatórios relativos aos ODMs refletem uma forte preocupação com a análise de disparidades entre regiões urbanas e rurais, mas é necessário fazer mais do que isso, pois as categorias de gênero, raça, deficiência, credos político e religioso e idade precisam ser incorporadas em qualquer análise séria de práticas discriminatórias. Nessa linha, o RE sobre o direito à água e ao saneamento identificou, em relação à meta 7.C (reduzir pela metade, até 2015, a proporção de pessoas sem acesso sustentável a água potável e saneamento), certos grupos que podem ser potencialmente mais vulneráveis ou marginalizados:
Mulheres, crianças, habitantes de áreas rurais e urbanas carentes, assim como pessoas pobres, comunidades de nômades e viajantes, refugiados, migrantes, pessoas pertencentes a minorias étnicas ou raciais, pessoas idosas, grupos indígenas, pessoas com deficiências, pessoas vivendo em regiões com escassez de água e pessoas vivendo com HIV/AIDS.
(UNITED NATIONS, 2010c, para. 38).
Da mesma maneira, o primeiro RE sobre o direito à alimentação, J. Ziegler, colocou considerável ênfase na necessidade de proteger os grupos mais vulneráveis em muitos de seus relatórios. Dentre outros, ele se concentrou em desenvolver o marco legal do direito à alimentação em no que diz respeito a mulheres, crianças, povos indígenas, agricultores e camponeses, pescadores e refugiados da fome (ZIEGLER et al., 2011, p. 23-67).
Além disso, as múltiplas formas de discriminação que afetam mulheres precisam ser enfrentadas, assim como as relações assimétricas de poder nas esferas pública e privada. A implementação dos programas de desenvolvimento precisa, portanto, ser precedida por uma análise de gênero abrangente, utilizando dados desagregados, que avalie as vulnerabilidades de mulheres, meninas, meninos e homens. A sensibilização em relação às questões de gênero no desenho de programas para a conquista dos ODMs contribui não apenas para o alcance dos Objetivos específicos, mas também para a mitigação das causas dos fenômenos abordados pelos objetivos, tais como extrema pobreza, analfabetismo, mortalidade infantil ou desigualdades entre homens e mulheres. Para ilustrar a ênfase dada pelos relatores e especialistas à importância da análise de gênero, é válido mencionar o apelo do RE sobre a extrema pobreza e os direitos humanos para que seja dada maior visibilidade às questões específicas de gênero e para que a igualdade de gênero seja um objetivo do desenvolvimento.
Os esforços para lançar luz sobre a condição de grupos desfavorecidos, marginalizados ou discriminados não deveriam se limitar a tratar dos casos de discriminação direta. Os relatores especiais e especialistas independentes da ONU pedem redobrada atenção à tarefa de assegurar igualdade substancial no gozo e na concretização dos direitos humanos para todos. Práticas sociais, estereótipos ou medidas legislativas ou políticas que possam criar obstáculos ao gozo dos direitos humanos por certos indivíduos e grupos precisam ser enfrentados. Quanto a isso, o RE sobre extrema pobreza e direitos humanos documentou as dificuldades de minorias ou pessoas vivendo na extrema pobreza para acessar programas de proteção social devido à exigência de documentos de identidade caros ou certidões de nascimento em áreas onde o registro de nascimentos não é praticado (UNITED NATIONS, 2010b, para. 77). Este exemplo reforça a importância de se analisar as implicações dos programas de desenvolvimento para comunidades locais e a necessidade de se integrar os direitos humanos na elaboração de medidas de implementação de tais programas.
A accountability é, sem dúvida, uma das pedras angulares, ou a raison d’être, da abordagem do desenvolvimento baseada nos direitos humanos (rights-based approach to development) (UNITED NATIONS, 2008a, p. 15), e já foi argumentado que este é o elemento que “fornece [seu] valor agregado mais claro” (GREADY, 2009, p. 388). Previsivelmente, a maioria dos relatores especiais e especialistas independentes tem enfrentado essa questão ao lidar com os ODMs. Está fora do escopo do artigo mergulhar nos múltiplos níveis e meios para a accountability em um contexto de direitos humanos. Entretanto, em sua forma mais simples, a responsabilização, de um ponto de vista baseado em direitos, dá ênfase a obrigações legais e “exige que todos os detentores de deveres sejam responsabilizados por sua conduta” (UNITED NATIONS, 2004a, para. 36). Uma abordagem baseada em direitos leva em conta os deveres de “todos os atores relevantes, inclusive indivíduos, Estados, organizações e autoridades locais, companhias privadas, doadores e instituições internacionais” (DARROW; TOMAS, 2005, p. 511).
Se novamente retornarmos às características dos ODMs que fazem com que o projeto não se coadune com os direitos humanos, a crítica da “brecha de responsabilização” está bem no alto da lista, e alguns dos revezes ou falhas no progresso nos ODMs têm sido atribuídos a esta lacuna. O sistema de monitoramento d os ODMs é primariamente constituído por um esquema de relatórios voluntários, que tem mais relação com o fornecimento de informações e “advocacy para a conscientização” do que com fazer com que os Estados e outros atores relevantes se responsabilizem. Além disso, reconhece-se cada vez mais que será difícil alcançar as metas dos ODM sem mecanismos fortes o suficiente para responsabilizar as partes responsáveis pelo seu desempenho (ou falta de) em relação com os objetivos, posto que a “resposabilização sem consequências não é responsabilização em absoluto” (OHCHR; CESR, 2011, p. 3). Mais uma vez, ao menos formalmente, esse enorme obstáculo foi reconhecido, conforme afirma a declaração, em 2010, do Secretário-Geral da ONU: “Chegou o momento de desenvolver um mecanismo de responsabilização entre países desenvolvidos e em desenvolvimento […] e entre governos e seus cidadãos, para assegurar que os compromissos dos ODMs sejam honrados.” (UNITED NATIONS, 2010a, para. 97).
Por essas razões, os relatores especiais comumente concordam em que mecanismos de direitos humanos possam acomodar os requisitos para fortalecer a responsabilização em relação aos ODMs. O RE sobre o direito à saúde observou que os mecanismos de responsabilização de direitos humanos existentes poderiam não apenas examinar as ações dos Estados na implementação dos ODM, mas também constituir um “constante lembrete da crucial importância da responsabilização em relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (UNITED NATIONS, 2004a, pars. 40-41). Pode ser detectada uma concordância geral entre os relatores e especialistas da ONU no sentido de que a implementação de programas relacionados aos ODMs que falham em respeitar os direitos humanos de beneficiários precisa ser submetida ao escrutínio independente e efetivo de mecanismos judiciais, quase-judiciais ou administrativos. A disponibilidade de tais mecanismos e sua acessibilidade por todos os membros da sociedade implica que todos os indivíduos são atores iguais no desenvolvimento, e que eles têm direito a reparação quando seus direitos são violados. Os mecanismos de responsabilização precisam satisfazer certos requisitos técnicos, especialmente para assegurar que os indivíduos mais desfavorecidos e desempoderados possam acessá-los. Tais mecanismos incluem “garantir a confidencialidade, permitir denúncias individuais e coletivas, terem recursos suficientes, serem independente de interferência política, e serem culturalmente apropriados e sensíveis a questões de ao gênero” (UNITED NATIONS, 2010b, para. 91). Segundo o RE sobre água e saneamento, tribunais domésticos, instituições nacionais de direitos humanos, análises de gastos públicos, ou avaliações de impacto quanto aos direitos humanos, assim como os órgãos de monitoramento dos tratados e os procedimentos especiais da ONU, podem injetar no sistema existente de monitoramento de ODMs dimensões de responsabilização cruciais. (UNITED NATIONS, 2010c, para. 54; UNITED NATIONS, 2004a, pars. 37-41).
Dimensões que transcendem as fronteiras domésticas também foram enfrentadas no que diz respeito à responsabilização. P. Hunt, por exemplo, notou com preocupação que a responsabilização é especialmente fraca em relação ao Objetivo 8 (uma parceria global para o desenvolvimento), posto que o esquema de monitoração de ODMs existente parece estar desbalanceado, pendendo para o escrutínio dos países em desenvolvimento, enquanto os países desenvolvidos escapam da responsabilização quando deixam de cumprir seus compromissos internacionais (UNITED NATIONS, 2004a, para. 43).
A conclusão que pode ser tirada a partir da discussão mencionada anteriormente é um claro convite dos relatores especiais e especialistas independentes da ONU para que mais atenção seja dada ao desenvolvimento de um marco adequado, efetiva e acessível de responsabilização, na ausência do qual as chances de se alcançarem objetivos de desenvolvimento são severamente reduzidas.
Outra exigência central da abordagem baseada em direitos repousa em processos participatórios genuínos que incluam todas as partes envolvidas nos programas e estratégias de desenvolvimento e que sejam afetadas por eles. Os relatores especiais têm não somente notado que os programas de desenvolvimento podem apresentar dimensões participativas, como também têm sinalizado que comunidades locais estão sendo engajadas de forma inconsistente, dentro de relações de poder desequilibradas (UNITED NATIONS, 2011a, para. 51). Essa descoberta pode também ser derivada de uma leitura do Documento Final de 2010, que mantém a incerteza sobre a participação ser vista apenas em termos de privilégio em programas de desenvolvimento ou como um direito humano pleno.
O RE sobre o direito à saúde declarou que a participação contribui para a apropriação do programa pelos membros da comunidade pertencentes tanto aos grupos majoritários quanto minoritários, marginalizados ou vulneráveis (UNITED NATIONS, 2011a, para. 51). No mesmo tom, o Especialista Independente sobre Questões de Minorias advogou pelo estabelecimento de um diálogo significativo com representantes de comunidades minoritárias no contexto de comitês consultivos ou outros órgãos consultivos similares (UNITED NATIONS, 2007b, paras. 85, 104). Assim, a participação nem está confinada a consultas, nem a assegurar a mera presença de pessoas sofrendo discriminação, marginalização ou exclusão nos organismos tomadores de decisão. Arranjos participatórios efetivos precisam ser integrados nas estruturas locais de tomada de decisão (UNITED NATIONS, 2004a, para. 25) e precisam ser apoiados pela transparência e pelo acesso imediato a informação (UNITED NATIONS, 2011a, para. 18h). Portanto, a participação desempenha um papel essencial na garantia de que todas as iniciativas para fazer cumprir os ODMs sejam “empoderadoras e transformadoras, em vez de serem o resultado de políticas estatais tecnocráticas de cima para baixo” (UNITED NATIONS, 2010b, para. 89).
Além disso, os planejadores de programas de desenvolvimento também precisam integrar métodos participativos sensíveis a questões de gênero. A real e significativa participação das mulheres na concepção de programas e medidas para o desenvolvimento, assim como em estruturas de tomada de decisão em nível comunitário, regional ou nacional, é essencial para corrigir situações recorrentes de discriminação, concretizar os direitos da mulher e alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento conforme prescrito no Objetivo 3. Os relatores especiais e especialistas independentes da ONU clamam pela conscientização sobre os desafios enfrentados pelas mulheres para se tornarem atores efetivos nos processos de desenvolvimento. O RE sobre água e saneamento acrescentou que uma:
Análise das causas políticas, econômicas, culturais e sociais da exclusão é exigida como parte de qualquer esforço sério para promover processos genuinamente participativos, inclusive com um foco nos níveis de letramento, limitações linguísticas, barreiras culturais e obstáculos físicos
(UNITED NATIONS, 2010c, para 47).
Monitoramento e avaliação efetivos são outra marca característica da abordagem do desenvolvimento baseada em direitos, e esforços nesse sentido deveriam estar solidamente ancorados nos princípios dos direitos humanos. Para coletar e interpretar corretamente dados desagregados, o processo de estabelecer indicadores adequados é crucial, não apenas no estágio preliminar de programas de desenvolvimento em que as necessidades são avaliadas, mas também no estágio de monitoramento e implementação dos projetos em questão. Recentes avanços nos indicadores de direitos humanos, conduzidos sob os auspícios do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, podem fornecer bases sólidas e uma fonte de inspiração, assim como um forte marco conceitual, para fins de monitoramento (OHCHR; CESR, 2011, p. 67). Diversos RE, tais como P. Hunt, C. de Albuquerque e K. Singh, têm contribuído significativamente para o desenvolvimento de indicadores associados aos direitos relativos a seus mandatos.
Em conexão com os ODMs, o RE sobre o direito à moradia adequada enfatizou que indicadores vinculados ao monitoramento da implementação dos ODMs não deveriam estar confinados às metas estabelecidas pelos objetivos, mas deveriam, em vez disso, “capturar o conteúdo normativo” dos direitos (UNITED NATIONS, 2003b, para. 53). O RE sobre água e saneamento enfatizou que os indicadores usados para monitorar o progresso realizado na obtenção da meta 7.C eram insuficientes para refletir a dimensão completa do conteúdo normativo dos direitos humanos relativos à disponibilidade, aceitabilidade, acessibilidade, poder de aquisição e qualidade. Quando esse marco é aplicado aos indicadores dos ODMs, nos termos do RE sobre água e saneamento, “emerge um quadro muito mais desolador” (UNITED NATIONS, 2010c, para. 32). Para focar em um exemplo, o acesso a água potável e saneamento pode ser visto meramente como o acesso físico, mas, reformulando para os termos dos direitos humanos, a acessibilidade física é somente uma das facetas da questão. O acesso físico perde o sentido se as pessoas não puderem pagar pelos serviços de água e saneamento, ou se as mulheres não puderem utilizá-los por não serem separados por sexo ou por sua privacidade não ser assegurada (UNITED NATIONS, 2010c, para. 27). Além disso, o Especialista Independente sobre questões de minorias descobriu que a coleta de dados sobre pobreza com foco individual ou familiar é insuficiente para capturar as dimensões de grupo ou sociais de pobreza. A dinâmica da pobreza entre diferentes grupos não fica bem ilustrada em análises de desigualdades verticais (UNITED NATIONS, 2007b, para. 39).
Os relatores especiais e especialistas independentes também estão cientes das dificuldades em se obter os dados correspondentes aos referenciais e indicadores estabelecidos. De acordo com o RE sobre água e saneamento, pessoas vivendo em instalações informais, pessoas deslocadas internamente, certas minorias étnicas, migrantes e pessoas com deficiências podem não estar adequadamente refletidos nos censos, registros administrativos ou pesquisas domiciliares nacionais (UNITED NATIONS, 2010c, para. 39). A coleta de dados desagregados pode requerer métodos que usem tato, de acordo com o grau de sensibilidade de cada situação, no que diz respeito a solicitar aos indivíduos que assumam publicamente sua etnia, religião ou língua materna, especialmente em áreas onde tais elementos têm sido objeto de práticas discriminatórias ou mesmo de violência (UNITED NATIONS, 2007b, para. 68). Situações de emergência e conflitos também reduzem a capacidade de coletar dados e obscurecem a avaliação da ajuda humanitária requerida (UNITED NATIONS, 2011b, para. 89). Mesmo assim, onde os dados são coletados, o processo precisa envolver os membros da comunidade com métodos e indicadores que sejam relevantes para os indivíduos em questão. Assim sendo, os critérios relacionados a direitos humanos fornecem uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de “indicadores mais específicos e contextualmente apropriados” (UNITED NATIONS, 2010c, para. 33), metas e referenciais que assegurem que objetivos de desenvolvimento sejam alcançados na prática.
A implementação de direitos humanos e dos ODMs está condicionada ao fornecimento dos recursos adequados. Neste sentido, o PIDESC estabelece obrigações referentes à cooperação e à assistência internacional, enquanto os ODMs, particularmente o Objetivo 8, visam o estabelecimento de parcerias globais para o desenvolvimento. A preocupação comum a ambos os marcos em assegurar o acesso aos recursos consolida a visão de que somente por meio de esforços coletivos as injustiças sociais que afetam indivíduos do mundo inteiro podem ser efetivamente combatidas. O RE sobre água e saneamento observou que não apenas certos aspectos da concretização do direito à água permanecem dependentes dos recursos fornecidos através de cooperação internacional, mas também que a concretização da meta 7.C ficará para trás enquanto não receber recursos adequadamente (UNITED NATIONS, 2010c, para. 20).
Uma preocupação similar é compartilhada pelo RE sobre o direito à educação, que reconhece o fato de que limitações de recursos são um dos fatores que impedem a concretização plena do direito à educação e do progresso na conquista dos Objetivos 2 e 3 (UNITED NATIONS, 2011b, paras. 4-6). O RE acrescentou que o direito à educação, conforme estipulado no PIDESC e na formulação do Objetivo 2 e em suas metas e referenciais relacionados, não deixa dúvidas de que todos os custos diretos ou indiretos que impeçam sua concretização precisam ser removidos (UNITED NATIONS, 2011b, para. 20). Somado a isso, o RE ressaltou que a necessidade de se assegurar paridade de gênero tem que ser levada em conta no fornecimento de recursos financeiros.
O RE sobre extrema pobreza e direitos humanos comentou ainda que Estados doadores têm a obrigação de assegurar coordenação, previsibilidade e uma perspectiva de longo prazo no fornecimento de assistência (UNITED NATIONS, 2010b, para. 96), enquanto os Estados receptores devem utilizar os recursos de forma eficiente e otimizada (UNITED NATIONS, 2011b, para. 44) e distribui-los da mesma forma, levando em conta disparidades socioeconômicas regionais (UNITED NATIONS, 2011b, para. 46) e situações emergenciais (UNITED NATIONS, 2011b, para. 60). O Especialista Independente sobre dívida externa especificou que somente as abordagens de programas de auxílio baseadas em direitos humanos fornecem garantias suficientes para enfrentar os desafios de desenvolvimento nos países receptores e concomitantemente atuar na defesa dos direitos humanos dos indivíduos naqueles países (UNITED NATIONS, 2011c, para. 93). O uso de abordagens de direitos humanos nos programas de auxílio pode contribuir para alcançar os ODMs e, ao mesmo tempo, combater as raízes da pobreza, da desigualdade, da discriminação, da exclusão e do desempoderamento (UNITED NATIONS, 2011c, para. 93). As recomendações do Especialista Independente para os Estados doadores concentram-se na condução de avaliações de impacto sobre a garantia dos direitos humanos para informar o desenho, a implementação, o monitoramento e a avaliação de seu progresso em direção ao desenvolvimento (UNITED NATIONS, 2011c, para. 95). O RE sobre água e saneamento e o RE sobre o direito à saúde também concordam em que as obrigações advindas do sistema de cooperação internacional não são limitadas à assistência financeira ou técnica, mas, ao contrário, deveriam ser canalizadas na direção de criar um ambiente propício ao alívio de restrições de recursos (UNITED NATIONS, 2004a, para. 32).
Tendo examinado os princípios que fornecem as bases conceituais e normativas para as análises dos relatores especiais e especialistas independentes da ONU, esta seção explora os métodos empregados para realizar tais análises. A avaliação pelos relatores e especialistas do relacionamento entre direitos humanos e os ODMs é fruto de iniciativas individuais, mas também revela abordagens comuns quanto à estrutura dos relatórios temáticos, o desenvolvimento de argumentos, os resultados e as metodologias.
Para explorar a relação entre os direitos humanos e os ODM, os relatores especiais e especialistas independentes já recorreram a diversos métodos. Em relação às visitas aos países, o Especialista Independente sobre os efeitos da dívida externa realizou visitas à Austrália e às Ilhas Salomão em 2011 (UNITED NATIONS, 2011c) e a Burkina Faso em 2008 (UNITED NATIONS, 2008b), nas quais o objetivo primário era avaliar os programas domésticos de desenvolvimento e as políticas de implementação dos ODMs quanto à concretização dos direitos ESC.
Os diálogos iniciados pelos relatores e especialistas em nível nacional, aliados às recomendações resultantes das missões aos países, são extremamente valiosos, por serem específicos a cada contexto e fornecerem às autoridades nacionais, às organizações da sociedade civil e a outros organismos regionais e internacionais um entendimento quanto a se os processos realizados estão integrando adequadamente os direitos humanos e buscando igualmente a realização dos direitos humanos e de progressos na consecução dos ODMs. Essas recomendações podem também constituir um ponto de partida para novas políticas de advocacy, assim como medidas legislativas, políticas, administrativas e outras.
Os relatores especiais e especialistas independentes têm também envolvido diversas partes interessadas nas discussões a respeito de direitos humanos e ODMs por meio da participação em seminários, fóruns, consultas em níveis doméstico, regional e internacional e diálogos com agências da ONU, programas e fundos, assim como o ACNUDH e outros órgãos de monitoramento de tratados. Nesse sentido, o RE sobre o direito à água e ao saneamento trabalhou de perto com o Programa de Monitoramento Conjunto de Abastecimento de Água e Saneamento da OMS/UNICEF, o principal mecanismo da ONU para avaliar o progresso quanto ao Objetivo 7, sobre como incorporar critérios de direitos humanos quando desempenhasse suas funções de monitoramento, dando particular atenção à medição de poder de aquisição, qualidade da água, acessibilidade, e não-discriminação, para que se assegure que o monitoramento do ODM avalie o cumprimento das dimensões normativas das obrigações dos direitos humanos. Relata-se que esse esforço também começou a abrir o caminho para a elaboração de novos objetivos e metas em relação à agenda do desenvolvimento pós-2015 (OHCHR; CESR, 2011).
Os relatórios temáticos dos relatores especiais e especialistas independentes também são informados por pesquisas e consultas com atores domésticos. A Especialista Independente sobre questões de minorias baseou sua análise e suas recomendações no que diz respeito a atender os desafios enfrentados por grupos minoritários no processo de implementação dos ODMs em um abrangente estudo de 50 Relatórios Nacionais sobre ODMs e diversos Documentos Estratégicos de Redução da Pobreza (UNITED NATIONS, 2007c). Outro método para obtenção de informações concretas em nível nacional sobre a implementação dos ODMs envolveu o envio de questionários para autoridades nacionais. Este método foi usado pelo RE sobre extrema pobreza e direitos humanos e pela Especialista Independente sobre questões de minorias (UNITED NATIONS, 2010b, para. 5; UNITED NATIONS, 2007b, para. 13). Eles solicitaram informações sobre legislação, políticas e práticas para a identificação dos grupos mais vulneráveis e iniciativas específicas tomadas para responder às necessidades identificadas com vistas a assegurar a participação e accountability no contexto de seu interesse temático.
Alguns REs têm se engajado ativamente em negociações para integrar abordagens baseadas em direitos humanos na implementação dos ODM e nos programas de desenvolvimento em geral. Desde o início de seu mandato, em maio de 2008, o RE sobre o direito à alimentação, O. De Schutter, tem instado Estados e organizações internacionais a integrar o direito à alimentação adequada em suas respostas à crise global de alimento que ameaça seriamente a conquista do ODM 1 (UNITED NATIONS, 2008c; UNITED NATIONS, 2009a). Em maio de 2008, ele persuadiu o Conselho de Direitos Humanos a organizar uma sessão especial sobre o direito à alimentação e a crise global de alimentos, na qual os Estados-Membros adotaram uma resolução por unanimidade, clamando por uma abordagem baseada em direitos na luta contra a fome (UNITED NATIONS, 2008d; UNITED NATIONS 2008e). Poucos meses depois, em 27 de janeiro de 2009, em encontro de alta cúpula sobre segurança alimentar sediado em Madri, o Secretário-Geral da ONU propôs adicionar o direito à alimentação como uma “terceira via” na estratégia para combater a insegurança alimentar e a desnutrição.
Os relatores especiais e especialistas independentes também têm demonstrado uma disposição para se engajar com a agenda de desenvolvimento pós-2015 e para, fornecer uma dimensão de direitos humanos à formulação de novos objetivos, metas e indicadores de desenvolvimento humano. Para além das iniciativas conduzidas individualmente, um grupo de relatores especiais e especialistas independentes foi formado tendo em vista a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Conferência Rio+20), ocorrida em junho de 2012. Os relatores e especialistas esboçaram uma Carta Aberta discorrendo a respeito da integração prática dos direitos humanos em um marco de desenvolvimento sustentável (UNITED NATIONS, 2012b). Suas contribuições foram inspiradas no entendimento de que políticas que almejam a realização plena dos direitos humanos, particularmente os direitos ESC, também promovem a conquista dos objetivos de desenvolvimento. No documento, eles clamam pela integração no Documento Final da Rio+20 de todos os direitos humanos, indo além, portanto, de uma abordagem temática específica para cada direito. Os relatores e especialistas ressaltam que a implementação dos compromissos emanados a partir da Conferência Rio+20 precisa ser realizada “por meio de um processo inclusivo, transparente e que envolva em participação todas as partes interessadas relevantes, inclusive a sociedade civil” (UNITED NATIONS, 2012b). Além disso, eles propõem diversas recomendações práticas, inclusive o estabelecimento de mecanismos de accountability tanto no nível internacional quanto no nacional para o monitoramento dos objetivos acordados durante a Conferência Rio+20.
Em nível internacional, os relatores e especialistas defendem o estabelecimento de um “Conselho de Desenvolvimento Sustentável” modelado na Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos, para monitorar o progresso em direção à conquista dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), os quais, no momento em que este artigo foi escrito, estavam sendo discutidos. Da mesma forma, em nível nacional, os detentores de mandato relativo aos procedimentos especiais recomendam o estabelecimento de mecanismos participativos de responsabilização “por meio dos quais a voz do povo possa ser refletida e um monitoramento independente possa ser conduzido” (UNITED NATIONS, 2012b). Para reforçar sua posição comum, os relatores especiais O. De Schutter e C. de Albuquerque enviaram propostas específicas visando assegurar a coerência dos compromissos da Rio+20 com aqueles dos direitos à alimentação adequada e à água potável e ao saneamento (UNITED NATIONS, 2012c; UNITED NATIONS, 2012d). M. Sepulveda também contribuiu com uma nota sobre o papel de uma abrangente proteção social baseada em direitos na promoção de um desenvolvimento equitativo e sustentável (UNITED NATIONS, 2012e).
A contribuição conjunta dos relatores especiais e especialistas independentes às negociações mantidas durante a Conferência Rio+20 deu voz às preocupações de defensores dos direitos humanos no âmbito de um fórum que abrangia Estados-Membros da ONU, agências da ONU, representantes de negócios e da indústria, crianças e jovens, agricultores, povos indígenas, ONGs nacionais e autoridades locais.
Reconhece-se amplamente que os relatores especiais, especialistas independentes e outros detentores de mandato relativo aos procedimentos especiais da ONU desempenham um papel crítico na formação do conteúdo normativo dos direitos humanos, enquanto simultaneamente avaliam de que forma os Estados se adequam a tais direitos na prática e propõem medidas concretas para aprimorar o respeito a eles (PICCONE, 2012). Esse papel fornece aos relatores e especialistas uma oportunidade bastante singular de construir pontes entre o trabalho normativo e os aspectos práticos e operacionais relativos à implementação dos direitos humanos “no campo”. Por sua vez, isso coloca os relatores e especialistas em uma posição ideal para analisar a intersecção entre direitos humanos e desenvolvimento.
O que emergiu de nossa pesquisa é uma gradual, embora intensa, disposição por parte dos relatores e especialistas de lidar, ainda que em diferentes níveis, com o desenvolvimento pelo ponto de vista dos direitos humanos. Particularmente, o que apareceu na análise é um compromisso por parte dos relatores e especialistas de fortalecer o papel dos direitos humanos no processo de implementação dos ODM. Isso tem produzido muitos resultados positivos, dentre os quais podemos destacar o delineamento de um marco normativo baseado em direitos humanos para lidar com os ODMs e outras atividades de promoção do desenvolvimento, a identificação de diferentes desafios e obstáculos, o levantamento das melhores práticas e o reconhecimento de oportunidades para colaboração mais próxima entre os relatores e especialistas responsáveis por diferentes temas. Como uma consideração geral, em suas análises, a maioria dos relatores e especialistas procuraram ativamente remover os direitos “das alturas de declaração abstrata” e conduzi-los às “linhas de frente de aplicação” (GREADY, 2009, p. 385).
Ao responder às críticas a respeito da ausência de um diálogo significativo entre direitos humanos e desenvolvimento e da falta de cooperação prática por parte dos atores de ambos os lados do abismo disciplinar, o presente artigo delineou de que forma uma categoria de atores dos direitos humanos tentou transcender as discussões retóricas e se engajar concretamente na agenda do desenvolvimento. Em nível mais geral, o artigo traçou uma abordagem preliminar para a busca de meios concretos por meio dos quais os atores na área de direitos humanos podem atuar nas iniciativas de desenvolvimento e abrir caminho para colaborações significativas, com a esperança de que os atores do desenvolvimento irão, por sua vez, se engajar nos mecanismos existentes fornecidos pela arquitetura internacional de direitos humanos. A discussão ardorosa em curso sobre os potenciais sucessores dos ODM no cenário pós-2015 e sobre como moldar um novo paradigma de desenvolvimento fornece uma nova oportunidade para o genuíno engajamento mútuo e para que os direitos humanos sejam colocados no centro da futura agenda global de desenvolvimento.
* Nota do tradutor: “Navios que se cruzam de noite” é uma expressão idiomática da língua inglesa comumente usada para referir-se a encontros efêmeros entre duas ou mais pessoas – algo como “fogo de palha” em português. O jurista Philip Alston utilizou essa expressão para dar título a um artigo sobre a relação entre direitos humanos e ODMs publicado em 2005 na revista acadêmica Human Rights Quarterly.
1. O Objetivo 7.C quer reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população sem acesso sustentável à água potável e ao saneamento básico, enquanto o 7.D. pretende, até 2020, ter alcançado uma melhora significativa nas vidas de pelo menos 100 milhões de moradores de favelas.
2. Uma apresentação de seus mandatos está disponível no site do EACDHC (OHCHR): http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/SP. Último acesso em: Jul.2012
3. Conselho de Direitos Humanos, Resolução 8/11, que estabelece o mandato do especialista independente sobre a extrema pobreza e os direitos humanos, 18 de junho de 2008, para. 2 (d); Resolução 6/2, que estabelece o mandato do relator especial sobre o direito à alimentação, 27 de Setembro de 2007, para. 2 (e); Resolução 6/29, que estabelece o mandato do relator especial sobre o direito à saúde, 14 de dezembro de 2007, para. 2 (h).
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