Ensaios

Do “boom” do cuidado ao exercício de direitos

Laura Pautassi

Direito de cuidar e ser cuidado já é reconhecido, mas ainda deve ser traduzido em políticas transversais, com abordagem de gênero

Stefan Georgi

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RESUMO

O artigo analisa como, na última década, houve uma espécie de “explosão” do cuidado, que não se traduziu necessariamente em maior institucionalidade e efetivação de direitos. Em seguida, resume os acordos regionais alcançados e o processo de definição e reconhecimento do cuidado como direito humano, identificando padrões inevitáveis para sua realização. Culmina em alguns pontos a considerar na implementação das políticas públicas, que devem necessariamente ser transversais e ter abordagem de gênero.

Palavras-Chave

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1. “Care boom” ou como o cuidado explode

Existe uma tradição de avaliar os processos sociais por décadas na América Latina, cada uma representando um marco. As últimas décadas do século 20, denominadas “as perdidas”,11. Foi a denominação utilizada para os anos 1980, “a primeira metade da década de 1980 foi perdida para o desenvolvimento”, afirmou o então secretário-executivo da Cepal, Norberto González (1986), e em seguida completou ao denominá-la década perdida, e reafirmou isso, dadas as características que adotaram as políticas neoliberais, para os anos 1990. foram caracterizadas pela substituição sistemática de governos democráticos por ditaduras militares sangrentas que perpetraram violações de direitos humanos e uma retração das instituições que anteriormente distribuíam bem-estar, com significativas transformações no campo “do público”, tanto a partir das relações sociais como na institucionalidade estatal. Apesar da esperança renovadora das transições democráticas, a virada em direção às políticas de ajuste estrutural dos anos 1990, longe de “disseminar” melhores condições e oportunidades de desenvolvimento, concentrou renda, pobreza e desigualdade, ao mesmo tempo em que restringiu direitos adquiridos a partir de reformas normativas e políticas claramente regressivas e violatórias do princípio de progressividade em matéria de direitos humanos.

O panorama do fim de século foi contrastado com um ar renovado trazido pelo novo milênio, especialmente pelas mãos de novas coalizões governantes mais progressistas e, em alguns países, governos de esquerda, que tornaram a primeira década do século 21 a “década dos direitos” – com um efeito retórico importante, pois os direitos foram mais declarativos do que efetivamente implementados. E a segunda, que estamos vivendo no momento atual (2010-2020), podemos denominá-la a “década do cuidado”.

Na verdade, embora a questão do cuidado tenha desde 2005 começado a ganhar maior visibilidade, isso não ocorreu a partir da denúncia da injusta divisão sexual do trabalho observada em nossas sociedades, onde as mulheres têm assumido todas as tarefas de cuidado a partir de uma “naturalização” de sua capacidade de cuidar, que continua sendo reforçada e adquire novos contornos e manifestações que estão longe de questionar essa ordem de estruturação de poder.

O care boom é produzido pelo esgotamento das estratégias familiares para apoiar e concentrar o trabalho nas mãos das mulheres, pondo fim aos frágeis arranjos onde elas sustentavam vários âmbitos de trabalho e os homens quase não assumiam as responsabilidades pelo cuidado. Por outro lado, o acelerado processo de transição demográfica vivido pela região destacou a falta de políticas públicas e infraestrutura para satisfazer as múltiplas demandas de cuidado intensivo de idosos, pessoas com deficiência e enfermas e, claro, do cuidado de crianças e adolescentes (CA).

Em outras palavras, o efeito que se evidencia a partir dessa frágil distribuição social do cuidado está vinculado principalmente à falta de infraestrutura ou de tempo para assumir as múltiplas situações de cuidado, e não a uma condenação da divisão sexual do trabalho, como expressão das relações de gênero no mundo do trabalho, que organizou e consolidou as relações de subordinação das mulheres, cuja manifestação é a concentração delas nas responsabilidades do cuidado e uma menor e desigual participação no mercado de trabalho.22. Laura Pautassi, ¡Cuánto Trabajo mujer! El género y las relaciones laborales (Buenos Aires: Capital Intelectual, 2007).

Essas preocupações percorrem este artigo, que começa analisando as diversas manifestações da explosão do cuidado como tema de agenda e de reivindicações e, em seguida, analisa o seu reconhecimento como direito. Termina identificando uma série de particularidades que uma década conduzida pelo cuidado deve contemplar, apresentando recomendações por meio de uma abordagem que inclui uma proposta teórico-metodológica baseada em estudos feministas e na abordagem dos direitos, especificando as responsabilidades dos agentes públicos e privados nas responsabilidades solidárias do cuidado.

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2. Necessidades e direitos

Como indiquei, a questão do cuidado explode na região tornando visíveis as tensões, mas invisíveis as cargas envolvidas nas responsabilidades associadas ao cuidado, assim como a restrição ao exercício de autonomia que isto traz para cada mulher. Essa explosão se vincula ao impacto que os limites da tentativa de resolver essa questão de modo estratificado têm sobre a vida cotidiana dos lares. Muitas famílias que utilizavam soluções mercantilizadas para o cuidado – em especial a figura de uma trabalhadora doméstica remunerada – não são capazes de sustentar-se no médio prazo. Empregadores privados também não têm fornecido respostas. E os Estados, com algumas exceções, estão fornecendo soluções parciais em termos de propostas legislativas e, em alguns casos, maior infraestrutura, mas com diferenças nos destinatários: em princípio, as respostas são encaminhadas com maior intensidade para crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência – nessa ordem de prioridades – e, muito marginalmente, às pessoas com doenças de tratamento longo.33. Um estudo recente cobre as várias iniciativas de cuidado aplicadas na América Latina (María Nieves Rico e Claudia Robles, Políticas de cuidado en América Latina. Forjando la igualdad, (Santiago de Chile: CEPAL, 2016). (Serie Asuntos de Género, no. 154)). Destaca-se o caso do Uruguai com a definição do sistema nacional de cuidados, e da mesma forma para o caso de CA da Costa Rica.

Entre várias outras interpretações, tem sido dito que a América Latina está enfrentando uma “crise de cuidado”, entendida como “um momento histórico em que se reorganiza simultaneamente o trabalho remunerado e o doméstico não remunerado, ao passo que persiste uma rígida divisão sexual do trabalho nos lares e a segmentação de gênero no mercado de trabalho”.44. Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL), Panorama social de América Latina (Santiago de Chile: CEPAL, 2009), 173. A partir de distintas correntes do feminismo, o tema do cuidado tem sido associado à dominação patriarcal, pois o patriarcado abrange uma forma institucionalizada de dominação masculina em todas as esferas, tanto públicas como privadas, e as múltiplas arestas que apresenta. Autoras como Walby55. Silvia Walby, Theorizing Patriarchy (Oxford: Blackwell, 1990), citado e operacionalizado para o caso latino-americano por Martínez Franzoni e Voorend (Juliana Martínez Franzoni e Koen Voorend “Desigualdades de género en los regímenes de bienestar latinoamericanos: mercado, política social y organización familiar de los cuidados,” em Las fronteras del cuidado. Agenda, derechos e infraestructura, coords. Laura Pautassi, e Carla Zibecchi (Buenos Aires: Editorial Biblos, 2013): 59-98). argumentam que a interpretação não deve se concentrar em uma única dimensão analítica do âmbito doméstico, mas que se deve analisar simultaneamente o trabalho remunerado, a produção doméstica, a sexualidade, a violência, as instituições culturais e a política pública. Todas essas esferas passam por diversos dilemas, pensando nos estudos clássicos de Nancy Fraser,66. Nancy Fraser, “Social Justice in the Age of Identify Politics: Redistribution, Recognition, and Participation,” em Redistribution or Recognition? A Political-Philosophical Exchange, Nancy Fraser e Axel Honneth (London: Verso, 2003): capítulo 1. e, no caso latino-americano, apresentam particularidades ligadas a âmbitos distintos, inclusive o comunitário, como provedores de instâncias de cuidado.77. Os trabalhos incluídos em Pautassi e Zibecchi (Las fronteras) contemplam o panorama regional. As outras linhas interpretativas estão ligadas aos arranjos institucionais refletidos nos regimes de bem-estar, onde o cuidado foi considerado a principal responsabilidade dos lares (e, dentro deles, das mulheres) e a participação do Estado, reservada a aspectos muito específicos (como a educação escolar) ou como complemento dos lares quando as situações assim o exigem (por exemplo, no caso dos lares em situação de vulnerabilidade econômica e social). Esses arranjos acabaram moldando modelos de desestímulo à renda assalariada formal das mulheres no mercado de trabalho e, portanto, de estímulo à sua permanência em casa como principais responsáveis e fornecedoras dos “cuidados”.88. Entre outros, Lewis (Jane Lewis, Women and Social Policies in Europe: Work, Family and the State (Aldershot: Edward Elgar, 1993)); Razavi (Shahra Razavi, The Political and Social Economy of Care in a Development Context: Conceptual Issues, Research Questions and Policy Options (Geneva: UNRISD, 2007)) e para o caso argentino, Rodríguez Enriquez e Pautassi (Corina Rodríguez Enriquez y Laura Pautassi, La organización social del cuidado en niños y niñas. Elementos para la construcción de una agenda de cuidados en Argentina (Buenos Aires: ADC-CIEPP-ELA, 2014)).

Em suma, apesar da abundante produção teórica e acadêmica e dos compromissos, pactos e tratados internacionais – desde a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW, em sua sigla em inglês) e o Protocolo Facultativo até a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, a “Convenção de Belém do Pará”, a Plataforma de Ação de Pequim (1995) e a atribuição de responsabilidades de cuidado de crianças a ambos os progenitores definida pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança – e de terem ocorrido avanços significativos na efetivação das obrigações incorporadas, a heterogeneidade entre os países e dentro de cada um deles é notória, tendo limitado e restringido a consolidação das transformações estruturais necessárias.

Assim, o maior impacto dos pactos e dos tratados internacionais pode ser detectado em processos de reforma legislativa que adotam medidas de combate à discriminação altamente inovadoras e de alto impacto, e em um impulso às políticas públicas para a igualdade de gênero. Nesse sentido, em cada um dos países, foram criados mecanismos para o avanço da mulher (MAM) e promovidas – sempre de forma heterogênea – reformas em muitas das instituições políticas e sociais. Ao mesmo tempo, ocorreram choques entre resistências políticas e culturais à igualdade de gênero, os orçamentos e a alocação de recursos para o tema foram limitados, assim como os avanços em torno da paridade de gênero na tomada de decisões e permaneceu a invisibilidade estatística – tudo isso coexistindo com a evidência contrafactual da persistência da violência contra as mulheres.

Como tema de agenda pública, o caminho percorrido pelo cuidado tem sido similar. Por um lado, podemos identificar uma entrada na Agenda Regional de Gênero construída nas Conferências Regionais sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, em particular se analisarmos os últimos três consensos alcançados: o Consenso de Quito (2007), o de Brasília (2010) e o de Santo Domingo (2013).99. A Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, composta por todos os Estados-Membros, cuja secretaria técnica é da Divisão de Assuntos de Gênero da Cepal e que se reúne há 40 anos de forma permanente de 3 em 3 anos, constituindo assim, um órgão de acordos políticos sobre temas de igualdade de gênero, sendo, desse modo, única em seu tipo. Em outubro de 2016 será realizada a XII Conferência em Montevideo, Uruguai, http://conferenciamujer.cepal.org/. Foi justamente nesse quadro de agendas e consensos que o cuidado entrou não como necessidade de provisão externa nem como denúncia, mas como direito.

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3. O desembarque dos direitos

É importante sinalizar que a entrada do cuidado na agenda regional se deu a partir de seu reconhecimento como direito, marcando um cenário de exigibilidade completamente diferente. Assim, na 10ª Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, realizada em Quito em 2007, foi apresentada a abordagem do cuidado a partir de uma perspectiva de direitos,1010. A proposta foi desenvolvida no documento: Laura Pautassi, El cuidado como cuestión social desde el enfoque de derechos (Santiago de Chile: CEPAL, 2007). (Serie Mujer y Desarrollo, no. 87). que significa que toda pessoa tem o direito de “cuidar, ser cuidado e cuidar-se (autocuidado)”. Isso não só situa e empodera de modo distinto cada um dos titulares, mas também desvincula o exercício do direito da condição ou cargo ocupado – por exemplo, independente de se fazer parte de um regime de trabalho assalariado formal. Além disso, o reconhecimento do cuidado como direito implica a incorporação de padrões e princípios na atuação por parte dos Estados em situações concretas – como a obrigação de garantir o conteúdo mínimo dos direitos, a universalidade, a proibição aos Estados de aplicar políticas regressivas e a consequente obrigação de implementar apenas medidas progressivas, o dever de garantir a participação cidadã e o princípio de igualdade e não discriminação, acesso à justiça, acesso à informação pública e garantias de participação cidadã. Esses padrões passam a integrar uma matriz comum aplicável à definição das políticas e estratégias de intervenção tanto dos Estados como dos atores sociais, bem como a concepção de ações de fiscalização e avaliação de políticas públicas, e também a realização de políticas e práticas equitativas, ao fornecer indicadores para a verificação de seu cumprimento, que cobram uma centralidade indiscutível à garantia dos direitos de cada pessoa que precisa cuidar de alguém para que, por sua vez, ela também possa cuidar de si, além dos daqueles que precisam de cuidados.

Um exemplo é o fato de que o Estado não só não deve impedir que uma mãe amamente seu filho ou sua filha, mas também deve proporcionar as condições necessárias para tanto. No caso de ela trabalhar no setor produtivo, seja público ou privado, é necessário que lhe seja concedida uma licença ou um espaço físico para amamentar, e também os pais devem poder tirar uma licença para que assumam a responsabilidade pelo cuidado e desenvolvimento de cada criança e adolescente. A obrigação positiva do Estado envolve a imposição a terceiros de determinadas e certas obrigações, como, nesse caso, a obrigação de que os empregadores privados efetivamente forneçam a infraestrutura de cuidados ou licenças legalmente especificadas. Estritamente falando, trata-se de garantir o direito ao cuidado, tanto o direito universal como o direito próprio de cada pessoa.

Seguindo a argumentação principal dessa abordagem, segundo a qual o empoderamento dos/das destinatários/as de políticas públicas deve ser um de seus principais efeitos, eles/as são titulares de direitos que geram obrigações para o Estado, e não simples “beneficiários/as” de políticas estatais. Por outro lado, esse enfoque não fornece um marco de maiores garantias para que as mulheres possam cuidar “amparadas”, mas, ao contrário, busca reverter a injusta divisão sexual do trabalho.

Em consequência, a titularidade de direitos visa a desafiar a relação passiva entre o sujeito titular dos direitos e a discricionariedade da administração pública para garanti-los, ou, em termos da relação do cuidado, procura romper a lógica binária de atividade/passividade entre o fornecedor e o receptor de cuidado, que inclui não só a prática interpessoal de cuidar do outro, mas que exige um conjunto integrado de ações transversais nesse sentido. Esse percurso tem demandado que se torne visível o cuidado, aplicando a abordagem baseada em direitos para demonstrar que é reconhecido como tal. Já há, inclusive, um instrumento internacional que o reconhece explicitamente: a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas, sancionada em 2015, que, no entanto, ainda requer mais medidas para ser efetivada.

O aspecto notável é que todo esse processo não é simétrico em relação às obrigações exigidas das mulheres. Assim, elas são convidadas a se tornar “boas cuidadoras” voluntárias, eficientes e que oferecem afetividade em seu trabalho de cuidado, – chegando-se ao extremo, em muitos casos nos quais essa situação não é produzida, de que isso converta-se em uma fonte de violência contra mulheres tanto no âmbito das relações amorosas, quanto intrafamiliares e institucionais. Essas últimas incluem desde os maus-tratos que, por exemplo, recebe uma mulher na área da saúde quando não leva seus filhos a uma consulta e é acusada de negligência para com eles, muitas vezes chegando a ter suspensas suas transferências condicionadas à renda (PTC) por não atender a esses controles, falha que, paradoxalmente, muitas vezes não é uma responsabilidade da mulher, mas do próprio sistema, por encontrar-se sobrecarregado de demandas ou, em outros casos, por não garantir meios de transporte público adequados.1111. Diego Hernández e Cecilia Rossel, “Cuidado infantil, tiempo y espacio: el transporte y la frontera del acceso,” em Las fronteras del cuidado. Agenda, derechos e infraestructura, coords. Laura Pautassi, e Carla Zibecchi (Buenos Aires: Editorial Biblos, 2013). Isto é, o reconhecimento do direito não tem necessariamente contribuído para que possa ser exercido.

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4. O pleno exercício do direito ao cuidado

Considerar o cuidado um direito universal que inclua todos e todas, em seu poder de reivindicar o direito de ser cuidado, de cuidar e de cuidar-se (autocuidado), não se trata apenas de promover ações que aumentem a oferta de serviços reprodutivos (educativos, da primeira infância, de saúde, culturais, de seguridade social), – que são fundamentais, sem dúvida-, mas também que abordem transversalmente as responsabilidades, as autorizações legais, os arranjos familiares e societais: é necessário investimento, mas também reconhecimento.

Ao mesmo tempo, exige-se que não sejam reproduzidos os preconceitos de gênero observados nas normalizações trabalhistas – como o fato de que os empregadores são obrigados a oferecer creche ou pagar uma compensação ao ter certo número de funcionárias, presumindo que só se deve garantir tais serviços para mulheres, e não para os funcionários do sexo masculino. Esse é apenas um exemplo dos inúmeros preconceitos reproduzidos inclusive em projetos de reforma legislativa que almejam ser igualitários.

A tarefa urgente de aplicar o enfoque de direitos ao cuidado significa transformar a lógica atual de tratamento do cuidado, passando a considerar que cada pessoa, autônoma, detentora de direitos, pode e deve exigir a satisfação de suas demandas de cuidados, independentemente de sua situação de vulnerabilidade ou dependência. O dever de prestar de cuidados que o direito confere não se baseia na necessidade, mas na condição de pessoa do beneficiário. Ou seja, não se deve argumentar que alguém necessita de cuidado por ser uma criança ou um paciente cuja situação o exige, mas sim que o Estado e os demais sujeitos que possuem obrigações – tais como empregadores, ou ambos os progenitores em relação a seus filhos – devem provê-lo independentemente de sua situação, apenas porque é uma pessoa. É a única maneira de recuperar o exercício da autonomia em toda a sua amplitude, já que o sujeito titular do direito ao cuidado pode exigir e decidir entre opções de cuidado independentemente de seus arranjos familiares e salariais.

O primeiro passo inevitável, em qualquer agenda de transformação, é questionar a divisão sexual do trabalho e, portanto, buscar a melhor maneira de redistribuir as obrigações de cuidar, reconhecendo os direitos daqueles que precisam ser cuidados e daqueles que, de uma forma ou de outra, têm de proporcionar os cuidados a eles.

Laura Pautassi - Argentina

Pesquisadora independente do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (CONICET) e do Instituto de Pesquisas Jurídicas e Sociais A. Gioja, Faculdade de Direito, Universidade de Buenos Aires, Argentina. Membro da Equipe Latino-Americana de Justiça e Gênero (ELA). Diretora do Grupo de Trabalho Direitos Sociais e Políticas Públicas (www.dspp.com.ar).

Recebido em outubro de 2016.

Original em espanhol. Traduzido por Evandro Lisboa Freire.