Ensaios

As tensões da dignidade humana

Viviana Bohórquez Monsalve e Javier Aguirre Román

Conceituação e aplicação no direito internacional dos direitos humanos

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RESUMO

Este artigo é resultado da pesquisa “Dignidade Humana: conceituação filosófica e aplicação jurídica” apresentada pelo Grupo de Pesquisa POLITEIA da Escola de Filosofia da Universidade Industrial de Santander, classificado na categoria B por COLCIENCIAS. Neste texto, fazemos uma reconstrução conceitual de três tensões do conceito de dignidade humana: i) a tensão entre seu caráter natural e seu caráter artificial (ou consensual ou positivo); ii) a tensão entre seu caráter abstrato e seu caráter concreto e iii) a tensão entre seu caráter universal e seu caráter particular. Em um primeiro momento, expomos os principais elementos teóricos das tensões. Posteriormente, as tensões são ilustradas mediante quatro Instrumentos de Direito Internacional dos Direitos Humanos e cinco sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos. No final, apresentamos conclusões.

Palavras-Chave

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1. Introdução

É difícil negar a importância teórica e prática do conceito de “dignidade humana”. Além disso, trata-se de uma noção que pode ser abordada a partir de uma grande variedade de perspectivas e disciplinas, pois é uma ideia que tem aplicações em diversas esferas da vida humana. Daí que seja necessário deixar claro que neste artigo o conceito de dignidade humanaserá abordado de uma perspectiva jusfilosófica aplicada ao Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Como conceito filosófico, é possível realizar um rastreamento histórico até situá-lo no pensamento estoico e seguir de perto seus desenvolvimentos medievais a partir da teoria do Direito Natural do pensador cristão Tomás de Aquino (LEE, 2008). Não obstante, apesar das milenares raízes históricas, antropológicas e religiosas que o conceito de dignidade humana possui, sua história como um dos valores universais sobre os quais se baseiam os direitos humanos é relativamente recente.

Essa história recente, por sua vez, foi dominada por um grande paradoxo: apesar de existir um consenso quase absoluto em torno da dignidade humana como ideia fundadora dos direitos humanos, o significado e alcance concreto dessa ideia apresenta, ao contrário, um desacordo generalizado e amplo (BOBBIO, 1991, p. 35). Esse desacordo ocorre até mesmo no interior das próprias sociedades ocidentais e se radicaliza, quando comparamos as concepções de dignidade dos povos ocidentais com as dos povos orientais. O pesquisador oriental Karen Lee, reconhece isso ao dizer que,

“Apesar de seu status preeminente no Direito Internacional e em uma grande quantidade de Constituições Políticas, a dignidade não possui ainda um significado concreto ou uma   definição consistente. Essa falta de precisão costuma levar os juízes a pôr seus próprios padrões morais em meio de demandas opostas de direitos que têm possibilidades de ser consideradas como violações da dignidade. A natureza ambígua da dignidade humana se torna ainda mais problemática quando considerada de forma intercultural”
(LEE, 2008, p. 1, tradução dos autores).

Uma revisão geral das diferentes abordagens teóricas da dignidade humana permite evidenciar que toda a sua conceituação enfrenta, ao menos, três aparentes problemas ou contradições (TORRALBA, 2005). Essas contradições podem ser formuladas por meio de perguntas: i) a dignidade humana é um aspecto natural dos seres humanos ou é, ao contrário, um aspecto consensual criado pela vontade política e legislativa dos Estados? ii) a dignidade humana é um valor abstrato ou, ao contrário, é possível defini-la em relação a aspectos concretos da vida humana? iii) a dignidade humana é um valor absoluto e universal ou, ao contrário, é um valor particular dependente de contextos históricos, culturais e até mesmo individuais?

Contudo, para evitar cair em possíveis falsos dilemas, é mais conveniente reformular a problemática concreta dessa investigação como uma reconstrução conceitual de três tensões em torno do conceito de dignidade humana, a saber, i) a tensão entre seu caráter natural e seu caráter artificial; ii) a tensão entre seu caráter abstrato e seu caráter concreto e iii) a tensão entre seu caráter universal e seu caráter particular.

Essa reconstrução será realizada em três momentos. Primeiro, cada uma das três tensões será exposta de um modo teórico. Posteriormente, as três tensões serão identificadas no Direito Internacional dos Direitos Humanos, para obter uma maior ilustração e também demonstrar sua existência; para isso, utilizaremos como material de estudo quatro Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos que contêm alusões explícitas à ideia de dignidade humana, a saber, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra A Mulher (Convenção de Belém do Pará). Depois disso, faremos uma análise de cinco sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos, com o objetivo de mostrar como as tensões apontadas podem ser encontradas em violações concretas de direitos humanos. Finalmente, na terceira e última seção do texto, apresentaremos algumas conclusões.

Porém, antes de desenvolver o tema, é conveniente estabelecer algumas precisões sobre a natureza e o alcance deste texto. Em primeiro lugar, devemos advertir que se trata de um ensaio exploratório sobre o tema da dignidade humana no contexto dos tratados internacionais de direitos humanos e sua interpretação jurisprudencial na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em consequência, uma série importante de perguntas ficará sem resposta. Estas incluem perguntas realizadas, por exemplo, de pontos de vista históricos, políticos, retórico-discursivos e sociológicos que, sem dúvida, ampliariam a análise. Esperamos, no entanto, que apesar das limitações, este texto contribua para o debate sobre o papel que a dignidade humana desempenhou (e pode desempenhar) na interpretação a favor dos direitos humanos.

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2. Tensões conceituais da dignidade humana

Na explicação das três tensões identificadas neste estudo em torno do conceito de dignidade humana adotaremos a seguinte estratégia de exposição. Em primeiro lugar, apresentaremos um dos polos de cada tensão, seguido de um aspecto problemático; a partir disso, realizaremos o mesmo procedimento com o segundo polo de cada tensão para, finalmente, apresentar uma síntese.

2.1 A tensão entre o caráter natural ou consensual da dignidade

A primeira dessas tensões se refere à ideia, enunciada em diversos documentos do âmbito internacional dos direitos humanos e das constituições modernas, de que a dignidade é uma característica “natural” com a qual nascem todos os seres humanos. Assim, todo ser humano, pelo simples fato de sê-lo, está naturalmente dotado de um atributo chamado “dignidade”, assim como se encontra dotado de razão. Dessa maneira, a dignidade aparece como o elemento definidor da ideia de natureza humana, a qual, em princípio, caracterizaria essencialmente todo ser que faça parte da espécie humana, sem importar traços acidentais, tais como seu lugar de nascimento, sua origem étnica, sua posição social, seu gênero etc. Dessa perspectiva, é a natureza mesma, ou Deus, que confere a todo indivíduo pertencente à espécie humana esse atributo essencial chamado “dignidade” (SOULEN; WOODHEAD, 2006, p. 8). Atributo que, portanto, estaria presente nele desde o momento mesmo da concepção. Daí que, ao indivíduo, por um lado, não lhe resta outro remédio senão aceitar tal atributo, pois pertence a seu ser de uma forma muito mais intensa do que suas pernas, seus braços etc.; e, por outro lado, a seus demais congêneres e ao Estado tampouco restaria outra opção senão reconhecer sua dignidade, pois não são eles que a conferem.

A carga metafísica dessa ideia é tão evidente quanto problemática, especialmente em sociedades complexas e plurais como as atuais, onde a ideia de “uma única natureza humana” parece insustentável. Assim, por exemplo, pergunta Mary Ann Glendon: “ A ideia de direitos universais está baseada simplesmente em um ato de fé? Embora “defender a dignidade humana” apareça como um objetivo admirável em todo debate político, ainda existem perguntas abertas sobre o significado do “direito à igual dignidade”. Não está claro, por exemplo, em que medida a dignidade pode servir como base para fundamentar direitos em meio de visões diferentes e opostas da dignidade humana em relação à busca de uma vida boa” (GLENDON, 1999, p. 3, tradução dos autores).

Do mesmo modo, Serena Parekh lembra como essas dúvidas sobre uma “dignidade natural” apareceram no interior da comissão redatora da Declaração Universal de Direitos Humanos:

“A pergunta sobre se os direitos humanos deveriam estar fundamentados em algo considerado como ‘natural’ ou essencial aos seres humanos esteve no coração do debate sobre o primeiro documento internacional de direitos humanos: a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH). A tensão entre, de um lado, o desejo de uma teoria realmente universal e, de outro, o temor de basear-se em conceitos metafísicos pode ser visto nesses debates.”
(PAREKH, 2007, p. 763, tradução dos autores).

A primeira tensão conceitual fica evidente ao se afirmar, ao contrário, que a ideia de dignidade humana é uma característica artificial atribuída de forma consensual a todos os seres humanos, tendo em vista sua utilidade, mas que, não obstante, não possui nenhuma correspondência com uma suposta realidade da natureza humana, porquanto a existência dessa última é posta em dúvida. Dessa maneira, não é verdade que os seres humanos nascem com dignidade, como se se tratasse de um atributo natural ou essencial; ela é antes uma ficção moral, política e, em especial, jurídica que se predica de todos os membros da espécie humana. Assim, são os Estados, em particular os constitucionais respeitosos dos direitos e das liberdades, que criam o princípio jurídico–político da dignidade humana. Essa criação se faz, em grande medida, como uma maneira de tentar garantir a paz e a convivência humana pacífica (HOERSTER, 1992). Nesse polo da tensão, a fragilidade da argumentação é que se revela problemática e evidente, pois, em última instância, seria possível usar o princípio utilitarista para justificar qualquer coisa, como, por exemplo, que a própria paz e a convivência humana pedem que, temporariamente, não se considere alguns membros da espécie como portadores dessa ficção chamada “dignidade”.

Em síntese, essa tensão aponta para a fundamentação mesma da dignidade humana e se encontra intimamente relacionada com os debates entre o jusnaturalismo e o juspositivismorelativos às bases conceituais dos direitos humanos.

2.2 A tensão entre o caráter abstrato ou concreto da dignidade

A segunda tensão se refere ao grau de abstração ou, ao contrário, de concreção que possui a ideia de dignidade humana (ASÍS, 2001, p. 37). Em princípio, desde o projeto da Ilustração liderado pela filosofia prática kantiana, a dignidade humana foi concebida como um imperativo geral segundo o qual cada ser humano é um fim em si mesmo que, por conseguinte, não pode ser instrumentalizado para nenhum outro fim. Isso se traduz em uma máxima moral segundo a qual cada ser humano racional deve tratar a si e a todos os seres humanos que compartilham tal “atributo” como um fim em si mesmo e nunca como um meio. Kant, como é sabido, pretendeu desenvolver uma alternativa às éticas utilitaristas, baseada na ideia de que todo ser humano se encontra dotado de uma habilidade “autolegisladora” em virtude de sua liberdade inata, assim como de sua racionalidade e de certo sentido de dever para com toda a humanidade. Desse modo, para Kant, todo ser humano que possui razão e liberdade para seguir os imperativos morais está dotado, por isso mesmo, de uma dignidade humana universal (KANT, 2002).

Um dos problemas que possui esse nível de conceituação vem do fato de que dificilmente se pode estar em contradição com ela. Contudo, esse caráter de verdade inquestionável pode ser explicado pelo fato de se tratar de uma definição completamente vazia. Em outras palavras, a ideia abstrata de dignidade corre o risco de carecer de conteúdo prático. É por isso que os desacordos começam a aparecer quando essa ideia é traduzida em aspectos mais concretos da vida social e política como, por exemplo, ter certa classe de direitos e possibilidades (certos trabalhos, certo nível educativo, certas relações sociais etc.).

O polo oposto dessa segunda tensão, além de aceitar alguma noção abstrata do que é a dignidade humana, enfatiza a necessidade segundo a qual a dignidade requer aspectos mais concretos que tenham um maior grau de verificação. Entre esses aspectos estariam a liberdade de escolher uma profissão, mas também a garantia de receber uma remuneração justa por ela; a possibilidade de ter acesso à educação, mas também a liberdade de escolher o tipo de educação; o gozo de certos direitos fundamentais e definidores do que é um ser humano, como, por exemplo, a propriedade privada, mas também o desfrute dos meios materiais indispensáveis para uma vida valiosa etc. (PECES-BARBA, 2003, p. 77). Isso permite ver que, efetivamente, por trás da ideia de dignidade humana está a ideia de “bem viver”; ideia que ninguém aceitaria que fosse definida unicamente em termos formais e abstratos.

A segunda tensão, por conseguinte, consiste na necessidade de que toda definição de dignidade humana possa ser relacionada claramente com aspectos concretos da própria vida humana. Nesse sentido, se definimos a dignidade humana, por exemplo, como “ser tratado sempre como um fim e não como um meio”, tal definição parece precisar de esclarecimentos a respeito de que casos são do primeiro tipo (ser tratado como fim) e quais são do segundo tipo (ser tratado como meio). Não obstante, o risco que se corre por esse caminho é o de desfigurar a tal ponto a própria ideia de dignidade, de tal forma que ficaria reduzida a questões determinadas, pontuais, cotidianas e até irrelevantes. De certa maneira, essa é a crítica que Hannah Arendt já formulou há vários anos. Segundo ela, as confusões conceituais subjacentes à Declaração Universal de Direitos Humanos levariam logo a “ demandas filosoficamente absurdas e politicamente irrealistas, tais como que todo ser humano nasce com o direito inalienável a um seguro desemprego ou a uma pensão de velhice” (ARENDT, 1949, p. 34, tradução dos autores).

Em síntese, nessa segunda tensão, evidencia-se que, além de uma definição, todo conceito de dignidade humana parece exigir, por si mesmo, uns “lugares” e uns “modos” privilegiados para exercê-la.

2.3 A tensão entre o caráter universal ou particular da dignidade

Neste terceiro caso, o primeiro polo da tensão se baseia na existência de um valor absoluto e universal como o seria a dignidade humana, o qual deveria ser predicado de todo ser humano em qualquer tempo e lugar. Nesse sentido, a dignidade humana seria uma única, aplicável a todos os indivíduos da espécie humana (PICO DELLA MIRANDOLA, 1984, p. 50).

Esse caráter é, no entanto, altamente problemático, pois na medida em que a dignidade se relaciona com a ideia de um bem viver, é pouco verossímil afirmar que isso possa ocorrer de forma absolutamente universal. Ao contrário, parece ter maior aceitação a noção de que cada cultura desenvolveu, em diferentes tempos e lugares, uma ideia do “viver bem” e, portanto, uma ideia da dignidade. Nesse sentido, segundo Karen Lee,

“A dignidade humana se torna um valor subjacente a diferentes formas de vida ao passo em que as sociedades descrevem suas próprias concepções sobre como os seres humanos devem relacionar-se entre si. Assim como os povos das democracias ocidentais vêem no liberalismo um eixo central de toda existência humana valiosa, em uma grande quantidade de culturas asiáticas, os direitos e liberdades individuais são combinados com deveres e papéis respectivos determinados pela religião ou pelo costume”
(LEE, 2008, p. 30, tradução dos autores).

É por isso que o polo oposto dessa terceira tensão, a saber, o caráter particular da dignidade, refere-se ao fato de que, mais do que uma “dignidade humana”, o que realmente existe é uma multiplicidade de ideias de várias dignidades, cada uma predicada concretamente de grupos sociais cultural e historicamente determinados. Assim, seria possível falar da dignidade do ser humano enquanto Latino-americano, ou enquanto Oriental, ou enquanto Mulher, ou enquanto Indígena etc. (FERN áNDEZ, 2001, p. 53).

Trata-se da possibilidade mesma da existência de um discurso universal que realmente englobe todos os seres humanos sem nenhuma outra distinção; pretensão que corre o risco de constituir-se em um discurso vazio, como ocorria na tensão anterior, pois parece claro que o ser humano sofre e tem necessidades, não enquanto ser humano em geral, mas enquanto trabalhador explorado, ou enquanto mulher, ou enquanto indígena etc. Porém, o risco no polo oposto dessa tensão é o de desintegrar por completo a ideia de “dignidade humana” em uma variedade infinita de dignidades particulares.

Com respeito à primeira tensão, a terceira parece reviver aqueles elementos que foram considerados anteriormente “acidentais” (a origem étnica, o gênero etc.) para situá-los como essenciais enquanto definidores da dignidade particular dos membros de tal etnia, gênero etc. Com isso, queremos apontar que, em última instância, as três tensões estão intimamente relacionadas.

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3. A dignidade humana no Direito Internacional dos Direitos Humanos

Nesta segunda parte, faremos uma análise de quatro Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos em relação às tensões identificadas do conceito de dignidade humana. Na medida em que nos interessa estudar e identificar como se traduziram as tensões teóricas sobre a dignidade humana na prática do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, posteriormente realizaremos um estudo da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos relacionada às violações de direitos humanos e da aplicação feita do princípio da dignidade humana.

3.1 A dignidade humana nos Instrumentos Internacionais

a. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem

Na Declaração Americana, encontram-se três alusões explícitas ao conceito de “dignidade humana”. A primeira aparece no primeiro considerando do documento segundo o qual “os povos americanos dignificaram a pessoa humana”. De acordo com o resto deste considerando, os povos da América reconheceram em suas Constituições que as instituições jurídico-políticas estabelecidas para reger a vida em sociedade têm como principal finalidade proteger os direitos dos seres humanos e criar para eles circunstâncias que permitam o progresso espiritual e material, assim como o alcance da felicidade. A segunda alusão se encontra no Preâmbulo da Declaração, quando declara que “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

Essas duas referências ilustram a primeira das três tensões em torno da dignidade, a saber, seu caráter jusnaturalista-essencialista versus seu caráter consensual ou político-positivo.1 O primeiro deles se encontra na citação do Preâmbulo, onde a dignidade está situada no próprio nascimento de todo ser humano, como se se tratasse de uma característica definidora de sua natureza ou essência. O segundo caráter aparece na citação do considerando, segundo a qual são os povos da América que, em consequência de sua atuação jurídico-política manifestada em suas constituições “puseram” no ser humano de forma convencional uma característica de grande utilidade e relevância, mas não por isso natural, a saber, a dignidade humana. Na medida em que não tem sentido dignificar o que desde sempre teve dignidade, tal “dignificação” se obtém de forma histórica e mediante o processo político-jurídico desenvolvido pela vontade e pelo consenso dos Estados.

A terceira referência explícita se encontra no artigo 23 da Declaração, que consagra o direito à propriedade privada. Diz ele: “Toda pessoa tem direito à propriedade particular correspondente às necessidades essenciais de uma vida decente, e que contribua para manter a dignidade da pessoa e do lar”. Essa alusão ilustra a segunda das tensões identificadas, isto é, o caráter abstrato da dignidade frente a suas manifestações concretas. Não se deve menosprezar o fato de que em toda a lista de direitos da Declaração Americana o conceito de dignidade só apareça explicitamente relacionado com um dos direitos contidos nela, a saber, o direito à propriedade privada. A ideia de dignidade que expressa aquilo que é e define todo ser humano, seja de forma natural ou de forma positiva, é limitada na medida em que aparece apenas como dependente do direito à propriedade privada e não de outros direitos como a igualdade, a liberdade, a livre expressão, a educação etc. Assim, ter uma existência humana valiosa, que é o que em última instância expressa a ideia da “dignidade humana”, esgotaria-se com o gozo e desfrute do direito à propriedade privada e não, por exemplo, com a participação ativa na vida pública e política do Estado.

É verdade que à luz da Declaração Americana pode-se desenvolver uma concepção mais ampla do que é a dignidade humana. Uma interpretação sistemática de toda a Declaração (em especial de seus Deveres) poderia oferecer resultados nesse sentido. Lembramos que as reflexões mencionadas devem ser entendidas no marco da ilustração das tensões existentes em torno da compreensão e do desenvolvimento normativo e jurisprudencial do conceito de “dignidade humana”. Nesse sentido, é paradigmático o fato de que a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948, diferentemente de outros instrumentos internacionais posteriores, só relacione explicitamente a dignidade humana com o direito à propriedade.

b. A Declaração Universal dos Direitos Humanos

Na Declaração Universal encontram-se cinco referências explícitas à ideia de dignidade humana; duas delas no Preâmbulo e as três restantes nos artigos.

Na primeira das referências do Preâmbulo, a Declaração parece se comprometer com uma concepção naturalista da dignidade humana, pois a cataloga como “inerente” a todo ser humano. Nesse sentido, a dignidade, como característica intrínseca de todo ser humano, preexiste a todo ato jurídico político. Por conseguinte, as ações político-jurídicas não podem “dignificar” o ser humano, uma vez que a dignidade se encontra já em toda pessoa de forma inerente; a única coisa que tais ações podem fazer é reconhecer essa dignidade, o que, segundo a Declaração, é necessário para materializar os princípios políticos e sociais da liberdade, da justiça e da paz mundial.

Coerentemente, o quinto considerando do Preâmbulo declara que os povos das Nações Unidas reafirmaram sua “fé” na dignidade da pessoa humana, o que pode ser entendido como uma concessão à ideia naturalista e, se quisermos, metafísica da dignidade como atributo essencial de todo ser humano; ideia que por carecer de uma demonstração irrefutável, só pode ser professada e aceita com o compromisso de “promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla”.

Por outro lado, o artigo 1º. da Declaração Universal reproduz de forma quase exata o primeiro item do Preâmbulo da Declaração Americana citado anteriormente ao afirmar: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Uma vez mais a dignidade é predicada do fato mesmo do nascimento biológico de todo ser humano, como se se tratasse de uma característica definidora de sua natureza.

No entanto, as alusões explícita restantes à dignidade que aparecem nos artigos 222 e 233 marcam uma diferença considerável com respeito à Declaração Americana, na medida em que a dignidade não aparece relacionada de forma direta com o direito à propriedade, mas com os direitos à segurança social e ao trabalho. O que permite pensar que neste instrumento internacional, a ideia abstrata de dignidade adquire maior concreção nos direitos citados.

Uma explicação histórica dessa diferença indicaria que essa divergência se deve à influência norte-americana na primeira Declaração, em contraste com a presença dos países do bloco socialista participantes da segunda. Não obstante, sem pretender negar o valor e a veracidade de explicações desenvolvidas a partir dessa perspectiva, na medida em que nossa investigação tem um marco teórico e uma metodologia jusfilosófica e não histórica, o que nos interessa é evidenciar a tensão conceitual que existe ao se considerar que a dignidade humana está, por assim dizer, mais próxima do direito à propriedade do que de outros direitos de talhe social ou político, como a segurança social ou o trabalho. Em todo caso, as explicações de corte histórico constituem de fato uma grande ajuda para o propósito enunciado, na medida em que auxiliam a compreender que a ideia daquilo que é próprio de um ser humano ou, em outras palavras, daquilo que dá valor à existência humana, se constrói, em última instância, de forma dependente de circunstâncias políticas, sociais, culturais, históricas etc. Dependência que de imediato evoca a terceira das tensões conceituais identificadas em torno da dignidade humana, isto é, seu aludido caráter universal frente a sua realidade histórica e particular.

É claro que aquilo que uma perspectiva socialista concebe como valioso e desejável para todo ser humano diferirá enormemente do que se concebe de uma perspectiva liberal ou capitalista. Não obstante, a ideia mesma de dignidade pede sempre um distanciamento e uma abstração dessas circunstâncias particulares e concretas que lhe dão origem, pois ela exige aplicação em qualquer tempo e lugar. Com isso fica evidenciada a terceira das tensões que foram identificadas em torno da ideia de dignidade humana, a saber, a tensão entre seu universalismo versus seu particularismo. Essa tensão poderá ser encontrada de forma mais clara no quarto instrumento internacional analisado, a saber, a Convenção de Belém do Pará.

c. Convenção Americana sobre Direitos Humanos

Na Convenção Americana encontram-se três referências explícitas à ideia de dignidade humana, todas elas, em artigos da Convenção. Do mesmo modo, o Preâmbulo da Convenção está permeado de alusões diretas que a comprometem com certa ideia naturalista da dignidade humana, na medida em que os direitos são constantemente definidos como “direitos essenciais do homem que se fundamentam nos atributos da pessoa humana”.

O artigo 5 da Convenção vincula de forma direta a dignidade com o direito à integridade pessoal, porquanto estabelece, em seu segundo parágrafo, que “Ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.

Por sua vez, o artigo 6 relaciona a dignidade com a proibição da escravidão e servidão ao estabelecer em seu segundo parágrafo que “O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso”.

Uma vez mais se poderia apresentar uma explicação que vinculasse causalmente esta relação direta da dignidade e dos direitos antes apontados com as experiências das ditaduras latino-americanas do século XX, que cometeram grande parte de suas limitações e violações em maciças privações da liberdade. Mas como dissemos anteriormente, para os objetivos desta investigação, essas explicações, provavelmente certas, somente têm interesse enquanto iluminam as tensões internas sobre as quais se construiu o conceito da dignidade humana. Assim, apesar da reiteração realizada no Preâmbulo da Convenção Americana, segundo a qual o ideal do ser humano livre somente pode ser realizado “se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como de seus direitos civis e políticos”; e, apesar também do artigo 26 da mesma Convenção,4 a ideia explícita de dignidade que se tem nesse instrumento internacional não aparece vinculada aos direitos econômicos, sociais e culturais, mas aos direitos mencionados anteriormente que fazem parte da chamada tradição de direitos de primeira geração.

Assim, é perfeitamente coerente com isso o fato de que no artigo 11 da Convenção se estabeleça uma proteção explícita à dignidade; no entanto, essa proteção aparece relacionada de forma direta à honra. O que implica que, embora a dignidade não apareça vinculada unicamente à propriedade privada, como acontecia no caso da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, ela continua sendo concebida como algo que se esgota meramente na esfera do privado, tal e como o estabelece o segundo parágrafo do mencionado artigo: “Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicilio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais a sua honra ou reputação”.

d. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará”

Nas alusões explícitas da Convenção de Belém do Pará sobre a dignidade, aparecem novamente as três tensões identificadas. Com efeito, o artigo 4 da Convenção declara que toda mulher tem o “ direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa”. O mesmo artigo 4 também destaca que os direitos da mulher incluem o da proteção de sua família. Portanto, seguindo a mesma linha argumentativa desenvolvida nos três instrumentos internacionais anteriores, um leitor dessa Convenção poderia interessar-se pelas razões que levaram a que a expressão “a dignidade inerente à pessoa da mulher” viesse acompanhada de forma conjunta e imediata da ideia de família. Uma vez mais, o “lugar” concreto que ocupa a referência à dignidade não pode ser tomado de forma inocente e carente de significado, assim como não o foi no caso dos instrumentos analisados anteriormente, nos quais a dignidade aparecia relacionada de forma direta com alguns direitos, mas não com outros. Por conseguinte, seria possível suspeitar que apesar dos grandes avanços que se fizeram no mundo a partir dessa Convenção, ela parece incluir a ideia tradicional de que o lugar privilegiado da dignidade da mulher (aquele onde essa dignidade se torna mais concreta) se encontra na família.

A Convenção de Belém do Pará também permite ver a terceira das tensões identificadas, a saber, o caráter universalista ou particularista da dignidade. Nesse caso, essa tensão assume uma forma diferente das identificadas anteriormente. De um lado, tem-se a afirmação feita na introdução da Convenção segundo a qual “a violência contra a mulher constitui ofensa contra a dignidade humana”. Essa proposição, como se vê, sugere uma ideia abstrata e universal de uma única dignidade humana que se vê contrariada e atacada por qualquer fato de violência contra a mulher. Observe-se que isso pode implicar tanto uma ofensa contra a dignidade da mulher que sofre o ato de violência, como também uma ofensa contra a ideia ainda mais abstrata de dignidade humana enquanto dignidade da espécie humana como um todo. Ou seja, dessa última perspectiva, todo ato de violência contra a mulher é uma ofensa direta à dignidade da humanidade, composta por todos os seres humanos, homens, mulheres etc., na medida em que esse fato estaria baseado em certa ideia de superioridade dos homens frente às mulheres; ideia que resultaria inadmissível em relação ao ideal de uma humanidade composta por seres livres e iguais cuja existência tem um valor em si mesma em cada individuo pertencente à espécie humana.

Por outro lado, a Convenção, em seu artigo 8, também faz uma alusão direta à ideia da dignidade, mas dessa vez entendida não como um predicado de toda a espécie humana, mas como um predicado particular de toda mulher. Com efeito, no inciso g) do citado artigo se estabelece que os Estados Partes devem adotar, em forma progressiva, medidas e programas para “ incentivar os meios de comunicação a que formulem diretrizes adequadas de divulgação, que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher em todas as suas formas e enalteçam o respeito pela dignidade da mulher”. Por conseguinte, a Convenção apresenta uma ideia de dignidade particular, por assim dizer, que se origina e ao mesmo tempo corresponde ao fato mesmo de ser mulher. Isso quer dizer que não somente existiria uma dignidade geral do ser humano, mas também uma dignidade particular da parte do ser humano chamada mulher; uma dignidade concreta, diferente e própria, originada a partir do “ser mulher”. Essa perspectiva parece basear-se naqueles enfoques críticos que apontam que por trás da suposta universalidade dos direitos humanos se esconde, na verdade, uma ideia particular e determinada de ser humano, a saber, a ideia de homem, burguês, ocidental, cristão, heterossexual, branco etc. Assim, essa ideia de dignidade dominante que se pretende impor de forma universal seria contrária, ou ao menos diferente, de outras ideias de dignidade (dignidade das mulheres, dos indígenas, dos afrodescendentes, das pessoas homossexuais etc.) que apareceriam como particulares tão somente na medida em que se opõem a ela. Mas essa oposição não as elimina, nem o seu direito de existir. Não obstante, também se poderia pensar que não se trata de uma relação de oposição entre duas ideias particulares de dignidade (uma das quais aparece falsamente como geral), mas antes de uma relação de complementaridade entre uma ideia efetivamente geral de dignidade humana e uma ideia particular de dignidade, por exemplo, da mulher. Em todo caso, a tensão entre o suposto universalismo versus o alegado particularismo da ideia de dignidade fica evidenciada pela referência analisada dessa Convenção.

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3.2 A dignidade humana na jurisprudência da Corte Interamericana

O estudo da jurisprudência interamericana permite ilustrar o modo como os postulados teóricos e filosóficos dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos se materializam em direitos exigíveis em casos concretos. Assim, os juízes têm a tarefa de determinar o alcance do direito e o âmbito de proteção em práticas contrárias aos postulados internacionais.

A seguir, estudamos cinco sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) nas quais se invocou a proteção da dignidade humana reconhecida nos instrumentos interamericanos de proteção. As sentenças estudadas correspondem a diferentes períodos de publicação, o que permitirá observar a evolução das decisões do Tribunal Interamericano e sua linha de interpretação em relação à dignidade humana frente às diferentes violações de direitos humanos alegadas pelas partes.

a. Caso Velázquez Rodríguez contra Honduras

Os fatos do caso têm a ver com o desaparecimento forçado de Manfredo Velásquez por parte das Forças Armadas hondurenhas. A Corte IDH estudou as violações de direitos humanos derivadas do desaparecimento forçado e o papel do Estado como garantidor. Nesse sentido, a Corte IDH afirmou:

“Está fora de qualquer dúvida que o Estado tem o direito e o dever de garantir sua própria segurança. Tampouco se pode discutir que toda sociedade padece pelas infrações de sua ordem jurídica. Por mais graves que possam ser certas ações e por culpáveis que possam ser os réus de determinados delitos, não cabe admitir que o poder possa ser exercido sem limite algum ou que o Estado se possa valer de qualquer procedimento para alcançar seus objetivos, sem sujeitar-se ao direito ou à moral. Nenhuma atividade do Estado pode fundar-se sobre o desprezo à dignidade humana”
(Corte IDH, Velásquez Rodríguez vs. Honduras, 1988, par. 154).

Além disso, a Corte IDH enfatizou a violação dos direitos das pessoas detidas ilegalmente:

“Ademais, o isolamento prolongado e a incomunicação coativa à que vítima se vê submetida representam, por si mesmos, formas de tratamento cruel e desumano, lesivas da liberdade psíquica e moral da pessoa e do direito de todo detido ao respeito devido à dignidade inerente ao ser humano, o que constitui, por sua vez, violação das disposições do artigo 5 da Convenção que reconhecem o direito à integridade pessoal”
(Corte IDH, Velásquez Rodríguez vs. Honduras, 1988, par. 156).

O alcance da dignidade humana e o papel garantidor do Estado apontados anteriormente são reforçados pela Corte ao lembrar que: “A primeira obrigação assumida pelos Estados Partes, nos termos do citado artigo, é a de ‘respeitar os direitos e liberdades’ reconhecidos na Convenção. O exercício da função pública tem alguns limites que derivam de que os direitos humanos são atributos inerentes à dignidade humana e, em consequência, superiores ao poder do Estado. Como a Corte já havia dito em outra ocasião, a proteção dos direitos humanos, em especial dos direitos civis e políticos acolhidos na Convenção, parte da afirmação da existência de certos atributos invioláveis da pessoa humana que não podem ser legitimamente desprezados pelo exercício do poder público. Trata-se de esferas individuais que o Estado não pode violar ou nas quais pode penetrar somente de forma limitada” (Corte IDH, Velásquez Rodríguez vs. Honduras, 1988, par. 165). Do mesmo modo, a Corte IDH reitera na sentença de fundo o alcance dos direitos violados por tratar-se de pessoas desaparecidas:

“A prática de desaparecimentos, além de violar diretamente numerosas disposições da Convenção, como as apontadas, significa uma ruptura radical deste tratado, enquanto implica o crasso abandono dos valores que emanam da dignidade humana e dos princípios que mais profundamente fundamentam o sistema interamericano e a mesma Convenção”
(Corte IDH, Velásquez Rodríguez vs. Honduras, 1988, par. 158).

O caso Velázquez Rodríguez constitui um valioso referente para evidenciar toda a força argumentativa que advém de considerar a dignidade humana como algo inerente à natureza mesma de todo ser humano, como o expressa a mesma Corte IDH. Com efeito, dessa perspectiva fica claro que, como mostra a decisão da Corte, a responsabilidade que alguma pessoa possa ter por haver cometido algum crime grave contra a segurança do Estado não pode implicar, de nenhuma maneira, que esse Estado realize atos violadores da dignidade dessa ou de outras pessoas. A natureza humana não muda pelo fato de ter cometido algum crime; o que significa que até os piores delinquentes continuam sendo seres humanos com dignidade e, por conseguinte, devem ser assim tratados pelos Estados democráticos. Poderíamos ter uma conclusão diferente se considerássemos que a dignidade humana é um princípio que se origina de um consenso social e político, pois, desse ponto de vista, parece justificável que os indivíduos que por suas ações rejeitam esse consenso não tenham direito aos benefícios que derivam dele. Essa ideia, com efeito, parece ser a que se quer impor nos discursos dominantes contemporâneos acerca da luta contra o terrorismo.

Em segundo lugar, a Corte IDH manifesta que nas detenções ilegais ou nos desaparecimentos forçados de pessoas surge um risco verdadeiro de que se violem outros direitos, como o direito à integridade física e o direito a ser tratado com dignidade. Logo, com isso se estabelece uma presunção de risco frente a uma prática específica violadora dos direitos humanos, o que se traduz em uma medida que particulariza o alcance da dignidade humana. Nesse sentido, a Corte torna concreta a ideia abstrata da dignidade ao destacar que o isolamento prolongado e a incomunicação coativa representam, por si mesmos, formas de tratamento cruel e desumano que contradizem a dignidade. Dessa forma, fica claro que a tensão entre o caráter abstrato e o caráter concreto da dignidade humana encontra sua resolução nos tribunais de justiça, na medida em que faz parte do trabalho deles determinar, nos casos que examinam, o significado preciso do que é uma “violação da dignidade humana”.

b. Caso Caballero Delgado e Carmen Santana contra a Colômbia

Os peticionários alegaram que Caballero Delgado e Carmen Santana, no momento de seu desaparecimento, foram torturados e algumas testemunhas declararam que Carmen Santana foi vista sem roupa, o que se alegou ser uma violação do direito à dignidade humana e à integridade pessoal.

Diante dos relatos de algumas testemunhas sobre a nudez de Carmen Santana, a. Corte indicou que:

“Este Tribunal não considera que existam elementos suficientes para demonstrar que Isidro Caballero e Maria del Carmen Santana tenham sido objeto de torturas e maus tratos durante sua detenção, já que esse fato se apoia somente nos testemunhos imprecisos neste aspecto de Elida González Vergel e de Gonzalo Arias Arturo, que não foram confirmados pelas declarações das testemunhas restantes”
(Corte IDH, Caballero Delgado y Santana vs. Colombia, 1995b, par. 53).

Em consequência, por uma controvertida avaliação das provas, deixou-se sem determinar se a nudez forçada a que foi submetida Carmen Santana, segundo relatos de duas testemunhas, no momento da detenção por membros do Exército é um fato que atenta contra a dignidade humana e, em especial, contra os direitos humanos das mulheres.

Sobre esse ponto, vale destacar que o juiz Máximo Pacheco Gómez apresentou voto dissidente em relação ao anteriormente questionado. Segundo o juiz: “(…) 2. Com as declarações das testemunhas Elida González e Gonzalo Arias Arturo ficou provado fidedignamente que Isidro Caballero Delgado e Maria del Carmen Santana não foram tratados com o respeito devido a sua dignidade como pessoas humanas” (Corte IDH, Caballero Delgado y Santana vs. Colombia, 1995b, Voto dissidente Juiz Máximo Pacheco Gómez).

Em virtude disso, a posição majoritária provoca a seguinte inquietação em relação à concepção natural com que a Corte vinha entendendo a dignidade desde o caso anterior. Com efeito, se a dignidade humana se origina realmente na natureza mesma da pessoa, parece discordante acreditar que sua violação seja algo sujeito a provas rígidas. Ao contrário, essa naturalidade pareceria exigir a existência de presunções a favor de sua potencial vulnerabilidade. Do mesmo modo, seria possível pensar que o fato de ser mulher reforça a ideia de que a dignidade deve ser particularizada e entendida de forma diferente no caso de sujeitos especialmente discriminados ou vulneráveis. Não obstante, é preciso levar em conta também que naquele momento esses pontos não estavam tão claros para a Corte IDH, pois se trata de uma sentença de 1995, ano em que acabava de entrar em vigência a Convenção de Belém do Pará.

c. Caso Neira Alegría e outros vs. Peru

Trata-se do debate sobre a responsabilidade do Estado pelo desaparecimento de Víctor Neira Alegría, Edgar Zenteno Escobar e William Zenteno Escobar. Essas pessoas se encontravam detidas no estabelecimento penal, na qualidade de processados, como supostos autores do delito de terrorismo, e desapareceram a partir do momento em que as Forças Armadas assumiram o controle dos estabelecimentos penais. Por esse motivo, a Comissão Interamericana alega violação do artigo 5.2 da Convenção, relativo à integridade pessoal e à dignidade humana.

Ao estudar os fatos, as provas e a eventual violação dos direitos alegados, a Corte expressa o seguinte:

“Este Tribunal considera que neste caso o Governo não infringiu o artigo 5 da Convenção, pois embora se pudesse entender que quando se priva uma pessoa da vida, também se lesa sua integridade pessoal, não é este o sentido do citado preceito da Convenção que se refere, em essência, a que ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes, e que toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. Não está demonstrado que as três pessoas a que se refere este assunto tenham sido objeto de maus-tratos ou que sua dignidade tivesse sido lesada pelas autoridades peruanas durante o tempo em que estiveram detidas no Presídio San Juan Bautista (…)”.
(Corte IDH, Neira Alegría y otros vs. Perú, 1995a, par. 86).

Essa curta referência feita pela Corte IDH é útil em relação às tensões da dignidade humana, na medida em que esclarece que, apesar de a dignidade ser entendida como algo inerente à natureza mesma dos seres humanos, não é possível identificá-la de forma absoluta com o fato mesmo da vida, pois, como destacou a Corte, a dignidade humana possui uma esfera de significado autônoma e diferente. Por isso, embora nesse, como em quase todos os demais casos, a Corte não desenvolva de forma profunda um conceito próprio do que se deve entender no Sistema Interamericano por dignidade humana, essa referência, junto com as demais, vai criando um significado que se manifesta ao longo de todos os casos. Esse significado, como observamos antes, é o que torna realmente concreto, ao menos em termos jurídicos, o significado abstrato que por si mesmo possui o conceito de dignidade humana.

d. Caso dos “Meninos da Rua” (Villagrán Morales e outros) vs. Guatemala

Na sentença de fundo do caso Villagrán Morales e outros, conhecida como Meninos de Rua contra Guatemala, discute-se o sequestro, a tortura e o assassinato de cinco jovens que viviam nas ruas, dois deles menores de idade. Nesse caso, debate-se se existiu omissão por parte dos mecanismos do Estado para enfrentar judicialmente essas violações e condenar os responsáveis. O processo demonstrou que quatro das vítimas foram enfiadas no porta-malas de um veículo; diante disso, a Corte declarou que: “ainda que não houvesse existido outros maus-tratos físicos ou de outra índole, essa ação por si só deve ser considerada claramente contrária ao respeito devido à dignidade inerente ao ser humano” (Corte IDH, “Niños de la Calle” – Villagrán Morales y otros vs. Guatemala, 1999, par. 164).

O Tribunal Interamericano, no que diz respeito às pessoas ilegalmente detidas, lembrou que “uma pessoa ilegalmente detida se encontra em uma situação agravada de vulnerabilidade, na qual é presente o risco de que outros direitos sejam violados, como o direito à integridade física e a ser tratado com dignidade” (Corte IDH, “Niños de la Calle” – Villagrán Morales y otros vs. Guatemala, 1999, par. 166).

Em linhas gerais, nesse caso a Corte IDH estabeleceu dois elementos para identificar e definir a violação da dignidade humana: 1) as condições de especial vulnerabilidade das pessoas e 2) o contexto em que acontecem os fatos violadores. Assim, frente aos problemas probatórios que se haviam apresentado nos casos Caballero Delgado e Santana vs. Colômbia e Neira Alegría e outros vs. Peru, nesta oportunidade as tensões foram resolvidas pondo-se a favor na balança os elementos tendentes a concretizar e particularizar a dignidade humana das vítimas em termos de um atributo inerente ao ser humano.

Por sua vez, o voto convergente da sentença, de estudo conjunto dos juízes A .A. Cançado Trindade e A. Abreu Burelli, lembra que:

“O dever do Estado de tomar medidas positivas se acentua precisamente em relação à proteção da vida de pessoas vulneráveis e indefesas, em situação de risco, como são as crianças na rua. A privação arbitrária da vida não se limita, pois, ao ilícito do homicídio; se estende igualmente à privação do direito de viver com dignidade”.
(Corte IDH, “Niños de la Calle” – Villagrán Morales y otros vs. Guatemala, 1999, Voto convergente conjunto dos juízes A .A. Cançado Trindade e A. Abreu Burelli, par. 4).

Adicionalmente, o voto convergente adverte para as delimitações que devem ser levadas em conta por se tratar de crianças e de sua especial vulnerabilidade: “As necessidades de proteção dos mais fracos, como as crianças de rua, exigem finalmente uma interpretação do direito à vida que abranja as condições mínimas de uma vida digna” (Corte IDH, “Niños de la Calle” – Villagrán Morales y otros vs. Guatemala, 1999, Voto convergente conjunto dos juízes A .A. Cançado Trindade e A. Abreu Burelli, par. 7).

A importância desses votos convergentes é muito grande, pois neles se volta a ligar a dignidade humana à vida, mas, dessa vez, os juízes indicam que a dignidade não pode ser apenas um instrumento que se aplica unicamente para limitar eventuais abusos do poder estatal em relação, por exemplo, à propriedade privada, à vida, à integridade pessoal etc. Com efeito, embora não se possa dizer que façam parte da decisão majoritária, os votos convergentes abrem espaço para mostrar que a dignidade humana não se esgota unicamente na proteção dos mencionados direitos, mas que se relaciona também com o desfrute de algumas condições mínimas de “vida digna”. Dessa maneira, a faina interpretativa da Corte IDH continua, mesmo que seja nos votos convergentes, concretizando o significado abstrato da dignidade humana ao estendê-lo “ao domínio dos direitos econômicos, sociais e culturais, ilustrando assim a inter-relação e a indivisibilidade de todos os direitos humanos” (Corte IDH, “Niños de la Calle” – Villagrán Morales y otros vs. Guatemala, 1999, Voto convergente conjunto dos juízes A .A. Cançado Trindade e A. Abreu Burelli, par. 4).

e. Caso do Presídio Miguel Castro Castro contra o Peru

A CIDH submeteu à Corte uma demanda a fim de que o tribunal declarasse o Estado peruano responsável pela violação dos direitos humanos em prejuízo de 42 detentos que faleceram, 175 detentos que ficaram feridos e 322 detentos que foram submetidos a trato cruel, desumano e degradante.A Corte IDH, ao analisar o alcance das violações derivadas da situação a que foram submetidas as reclusas durante prolongado período de nudez forçada, destaca que:

“(…) é preciso enfatizar que se pode provar que essa nudez forçada teve características especialmente graves para as seis mulheres reclusas que foram submetidas a esse tratamento. Desse modo, durante todo o tempo em que permaneceram neste lugar, as reclusas não tiveram permissão para assear-se e, em alguns casos, para utilizar os serviços sanitários, quando deviam fazê-lo acompanhadas de um guarda armado que não lhes permitia fechar a porta e lhes apontava uma arma enquanto faziam suas necessidades fisiológicas (supra par. 197.49). O Tribunal estima que essas mulheres, além de receberem um tratamento violador de sua dignidade pessoal, também foram vítimas de violência sexual, já que estavam desnudas e cobertas com apenas um lençol, estando rodeadas de homens armados, que aparentemente eram membros das forças de segurança do Estado. O que qualifica este tratamento de violência sexual é que as mulheres foram constantemente observadas por homens”
(Corte IDH, Penal Castro Castro vs. Perú, 2006, par. 306).

Nesse caso, os elementos determinantes para configurar a violação da dignidade humana estavam fundados pelas circunstâncias em que se desenrolaram os fatos, ou seja, não somente a privação de liberdade, mas o fato de serem submetidas à nudez, de serem observadas, entre outras considerações que a Corte qualificou como degradantes levando em conta obviamente que se tratava de mulheres.

Segundo o critério do Tribunal Interamericano, com fundamento na Convenção de Belém do Pará, são inadmissíveis e especialmente graves certas violações contra as mulheres, na medida em que são pessoas especialmente vulneráveis e discriminadas em vários âmbitos. Logo, a dignidade não é a mesma para todas as pessoas, pois se reitera com este caso a ideia segundo a qual, se os sujeitos são especialmente vulneráveis, a proteção da dignidade deve ser reforçada. Ou seja, no caso de mulheres, crianças e indígenas, o conceito de dignidade denota outras obrigações para os Estados.

05

4. Conclusões

De um ponto de vista teórico, as três tensões conceituais expostas em torno da dignidade humana parecem irresolúveis, tendo em vista o alto grau de problematicidade que apresentam. Com efeito, ou a dignidade é algo natural no ser humano que, por conseguinte, preexiste a todo ato social, jurídico ou político ou, ao contrário, é um atributo criado pela dinâmica dos sistemas político-jurídicos das sociedades modernas. De outro lado, ou a dignidade humana é um valor abstrato definido em termos formais e, por conseguinte, ambíguos ou, por outro lado, é um valor concreto que se encarna em diferentes esferas da vida humana, tais como o direito à propriedade, à integridade pessoal, à segurança social etc. Finalmente, ou existe somente uma única noção de dignidade humana aplicável a toda pessoa, sem distinção de cultura, classe social, gênero e demais atributos “acidentais” ou, ao contrário, a dignidade humana é um conceito que necessariamente se encontra qualificado por essas pertenças particulares a diversos grupos sociais.

Por outro lado, uma leitura sistemática dos diversos Tratados Internacionais de Direitos Humanos não parece projetar uma resposta às perguntas anteriores, pois essa leitura evidencia a existência mesma dessas tensões no interior dos documentos internacionais. Nesse sentido, o problema teórico persiste e até se torna mais agudo, na medida em que a cada dia aparecem novos documentos internacionais (resoluções, tratados, convenções, declarações etc.) que pretendem reconhecer o valor de certos grupos sociais que, de uma forma ou outra, estavam invisibilizados nas generalidades dos documentos existentes até este momento. Os recentes casos dos direitos dos indígenas e, também, dos grupos religiosos ilustram essa afirmação.

Ora, em meio a essas indefinições conceituais, existe algo certo e constante: a decisão judicial. Com efeito, não importa o grau de dificuldade de um caso, nem tampouco se existem ou não dúvidas teóricas sobre o alcance de certos conceitos, como por exemplo, a dignidade humana: o juiz sempre tem a obrigação absoluta de tomar uma decisão, seja no sentido que for. Daí que, como se mostrou, as jurisprudências analisadas participem em outro nível do debate teórico sobre as tensões da dignidade humana. O principal valor das sentenças judiciais consiste em que por meio delas, de forma implícita ou explícita, os juízes vão definindo o alcance e o significado de certos termos e, em especial, vão tornando concreto o que, em princípio, parece irremediavelmente abstrato.

Dessa forma, as jurisprudências estudadas da Corte IDH e os precedentes interamericanos em relação ao alcance e proteção do direito à dignidade humana têm lugares comuns sobre sua aplicação em situações determinadas.

Como primeira sentença, o caso Velázquez Rodríguez marca a linha interpretativa da Corte em relação ao direito à dignidade humana e à caracterização especial por tratar de práticas de desaparecimento forçado, e isso se dá em parte, como resposta à grave situação de muitos países da América Latina, decorrente das ditaduras militares e das graves práticas violadoras dos direitos humanos.

Não obstante, a jurisprudência da Corte IDH mostra várias ambivalências no momento de materializar a dignidade humana, em parte, é preciso reconhecer, por tratar-se de violações difíceis de provar, por problemas de antiguidade dos fatos. Assim, a Corte IDH prefere, em alguns casos, apelar para a falta de provas a fim de evitar um pronunciamento de fundo demasiado problemático. Em outros casos, a Corte IDH alega a falta de colaboração das autoridades nacionais e avalia o contexto do momento em que sucederam os fatos ou opta por presumir e condenar o Estado por omissão de seu dever de respeito e garantia dos direitos humanos.

Diante dos problemas probatórios de falta de clareza frente aos fatos que configuram a violação dos tratados internacionais, diferentes tribunais, tanto internacionais como nacionais, se defrontaram com a tarefa de ampliar as perspectivas de interpretação e para isso utilizaram diferentes critérios de decisão: pró homine, pró operário, pró diversidade,pró infante, posição preferencial, especial vulnerabilidade etc. Esses critérios buscam proteger a dignidade humana das pessoas ameaçadas e vulneráveis de diferentes formas. A esse respeito, a juíza Cecilia Medina adverte:

“se levarmos em conta que um dos elementos para interpretar a norma internacional é a consideração do objeto e fim do tratado, e que ambos apontam para a proteção dos direitos humanos, não se pode concluir senão que a interpretação deve ser sempre a favor do indivíduo (interpretação pró pessoa). Sendo assim, a formulação e o alcance dos direitos devem ser interpretados de uma maneira ampla, enquanto que as restrições aos mesmos exigem uma interpretação restritiva (…) A interpretação pró pessoa é, assim, uma característica importante da interpretação das normas sobre direitos humanos, que constitui o norte que deve guiar o intérprete em todo momento”
(MEDINA, 2003, p. 9).

Em consequência, a dignidade aparece não somente como um direito ou um princípio reconhecido nos tratados internacionais, mas também renasce como critério de interpretação a favor do sentido mais amplo dos direitos humanos. Em linhas gerais, é inegável que os postulados gerais e abstratos dos tratados internacionais de proteção que resguardam a dignidade humana de todas as pessoas têm uma gama de cores quando se trata de aplicá-los em casos concretos. Não obstante, para além das tensões apresentadas, apelar ao respeito da dignidade humana na atualidade constitui uma saída positiva a favor dos direitos humanos.

Não obstante, e como observamos no início deste ensaio, ainda restam muitas perguntas por resolver. Em nível teórico, por exemplo, parece necessário desenvolver uma reconstrução histórica e sociopolítica que complemente e ajude a explicar de uma melhor forma as três tensões identificadas da dignidade humana. Esse tipo de análise permitiria, entre outras coisas, desenvolver uma compreensão melhor das funções discursivas dessas três tensões, em especial, com respeito ao discurso dos Direitos Humanos. No mesmo sentido, dessa perspectiva mais ampla certamente se poderia realizar uma avaliação crítica da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos que levasse em conta não somente aquelas instâncias em que a Corte explicitamente usou o conceito de “dignidade”, mas também todas aquelas em que, tendo podido utilizá-lo, optou (consciente ou inconscientemente) por não fazê-lo. Dessa perspectiva, seria desejável incluir também na análise o papel da Comissão Interamericana. Em suma, como observamos também no início de nosso ensaio, o debate está aberto, e não é pouco o que está em jogo.

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Notas

1. Neste texto, tomamos como sinônimos os adjetivos “artificial”, “consensual” e “positivo”. Entendemos que isso não tem necessariamente de ser assim. Não obstante, tomamos em todos eles o aspecto que nos interessa no contexto deste artigo, a saber, seu contraste com a ideia de que a dignidade humana é algo “natural”.

2. “Artigo 22. Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.”

3. “Artigo 23. 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.”

4. “Artigo 26. Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.”

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Referências

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Viviana Bohórquez Monsalve

Advogada da Universidade Autônoma de Bucaramanga, com diploma de pós graduação em Direitos Humanos e Processos de Democratização da Universidade do Chile. Diretora do Centro de Direitos Humanos e Litígio Internacional. Coautora do livro: Desplazamiento Forzado en Colombia: derechos, acceso a la justicia y reparaciones, entre outras publicações.

Email: vivianabm83@gmail.com

Original em Espanhol. Traduzido por Pedro Maia Soares.

Recebido em junho de 2009. Aceito em dezembro de 2009.

Javier Aguirre Román

Filósofo e advogado da Universidade Industrial de Santander-UIS. Professor da Escola de Filosofia da UIS, cursando doutorado em Filosofia na State University of New York. Coautor dos livros: La relación Lenguaje-Derecho: Habermas y el debate iusfilosófico, Justicia y Derechos en la convivencia escolar, entre outros.

Email: javierorlandoaguirre@gmail.com

Original em Espanhol. Traduzido por Pedro Maia Soares.

Recebido em junho de 2009. Aceito em dezembro de 2009.