Aspectos jurídicos e políticos da implementação de decisões internacionais
Este artigo pretende discutir dois argumentos principais. O primeiro é o de que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) proporciona as bases institucionais para a construção de uma esfera pública transnacional que pode contribuir para a democracia brasileira. Assuntos que não encontram espaço na agenda política nacional podem ser tematizados nesses espaços transnacionais. No entanto, para que o SIDH funcione como esfera pública transnacional, é preciso que seus órgãos gozem de credibilidade e que suas determinações sejam atendidas pelos Estados. O segundo argumento deste artigo é o de que um dos desafios à credibilidade do SIDH é a resistência da comunidade jurídica nacional a incorporar o Direito Internacional dos Direitos Humanos em sua prática. Referimo-nos aqui tanto à implementação das decisões internacionais contra o Brasil quanto ao chamado controle de convencionalidade. Existe um dever jurídico de nos conformarmos internamente aos padrões internacionais de proteção aos direitos humanos que vem sendo negligenciado.
Dentre as muitas conquistas alcançadas pelo Brasil desde a transição democrática, podemos destacar a crescente inserção do país no regime internacional de direitos humanos, ratificando e aderindo a tratados, tanto no âmbito universal da Organização das Nações Unidas (ONU), quanto no âmbito regional da Organização dos Estados Americanos (OEA). Regionalmente, o país aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) em 1992, e reconheceu a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) em 1998. Desde 1989, ratificamos e ou aderimos a diversos outros instrumentos regionais de proteção aos direitos humanos, como a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (em 1989), a Convenção para a Prevenção, Punição e Erradicação da Violência contra a Mulher (em 1995), o Protocolo de São Salvador e o Protocolo da Convenção Americana de Direitos Humanos para Abolição da Pena de morte (em 1996) e a Convenção Interamericana para Eliminação de Toda Forma de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência (em 2001).
Ao mesmo tempo em que tal processo de ratificação e adesão a tratados internacionais de direitos humanos constitui uma decisão de política externa, em atenção ao princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais estabelecido pelo artigo 4, inciso II, da Constituição Federal de 1988, a compreensão mais profunda do que esses compromissos internacionais significam internamente ainda representa um desafio. Por um lado, há no país um consenso formal em torno da ideia de direitos humanos, tornado evidente pela promulgação de nossa constituição cidadã e pelos diferentes tratados internacionais de que fazemos parte, por outro lado, rotineiras práticas de agentes estatais e de particulares, tanto interna quanto internacionalmente, contradizem esse consenso.
Este artigo pretende discutir avanços e obstáculos brasileiros para a implementação de nossas obrigações internacionais relativas aos direitos humanos, focando principalmente no Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH). Tais obstáculos são de natureza político-jurídica e têm raízes em uma visão de Estado nacionalista e paroquial, associada a práticas políticas privatistas e não-inclusivas ainda remanescentes tanto no Estado quanto na sociedade civil. Os avanços, a seu turno, dizem respeito à eficiente utilização do sistema interamericano por setores democráticos do Estado e da Sociedade Civil como espaço para a desconstrução dessas práticas e fortalecimento de uma cultura inclusiva e democrática.
Sustentamos, assim, dois argumentos principais, um de cunho primordialmente político e outro de cunho primordialmente jurídico. O primeiro argumento é o de que o SIDH proporciona as bases institucionais para a construção de uma esfera pública transnacional que pode contribuir para a ampliação da democracia brasileira. Podemos entender preliminarmente o conceito de esfera pública como loci não-estatais de deliberação, onde são possíveis a formação coletiva da vontade, a justificação de decisões previamente acertadas, e o forjamento de novas identidades. Essa vontade política discursivamente formada pode influenciar os processos formais de tomada de decisão do Estado, contribuindo para políticas públicas mais benéficas a grupos sociais mais vulneráveis. No entanto, por vezes estruturas nacionais não permitem que certos temas cheguem à esfera pública, ou se chegam, que sejam convertidos em políticas públicas oficiais, seja porque atendem a grupos sociais invisibilizados, ou porque desafiam grandes interesses econômicos ou por qualquer outro motivo. Nesses momentos, esferas públicas transnacionais podem ser determinantes. Assuntos que não encontram espaço na agenda política nacional podem ser tematizados nesses espaços transnacionais e, depois, serem incluídos de volta na pauta política doméstica em uma nova configuração de poder. No entanto, para que o SIDH como esfera pública transnacional produza os efeitos políticos mencionados é preciso que seus órgãos gozem de credibilidade e que suas determinações sejam atendidas pelos Estados.
O segundo argumento que pretendemos avançar é o de que um dos grandes desafios à efetividade das decisões dos órgãos do SIDH no Brasil é justamente a resistência da comunidade jurídica nacional a incorporar o Direito Internacional dos Direitos Humanos na sua rotina. Referimo-nos aqui tanto à implementação das decisões contra o Brasil emitidas por órgãos internacionais quanto, e principalmente, ao chamado “controle de convencionalidade” que deve ser exercido pelas autoridades brasileiras, ao lado dos já conhecidos controles de legalidade e de constitucionalidade, evitando a violação das convenções internacionais de proteção aos direitos humanos. Existe um dever jurídico de nos conformarmos internamente aos padrões internacionais de proteção aos direitos humanos que vem sendo negligenciado pelos atores jurídicos nacionais e essa realidade coloca em risco a legitimidade do Sistema Interamericano.
Na seção 2 deste artigo, abordaremos alguns processos brasileiros pós-transição democrática e também aspectos do contexto internacional recente que são indispensáveis para a compreensão do SIDH como base institucional para uma esfera pública transnacional. Infelizmente, nos estreitos limites deste trabalho, não poderemos trazer a discussão conceitual sobre esfera pública, e nos concentraremos nos processos que permitem afirmar a formação de esferas públicas transnacionais, bem como na inserção brasileira nesses processos. Na seção 3, continuamos esse argumento através de uma análise da participação cada vez mais intensa do Brasil no SIDH, destacando os grandes obstáculos ainda a serem superados. O conceito de reparação no direito internacional dos direitos humanos é lato, e as decisões internacionais, como veremos, estabelecem medidas indenizatórias, medidas simbólicas e medidas de não-repetição da violação constatada. Dentre essas ultimas medidas, destacamos a obrigação de investigar diligentemente o crime alegado, processar e, possivelmente, punir os responsáveis pelos atos que caracterizam a violação de direitos. Na seção 4, afirmaremos o cumprimento de sentença internacional como uma obrigação jurídica das autoridades brasileiras, e em seguida, na seção 5, focaremos na análise da obrigação de devida diligência, cujo descumprimento é razão da maior parte das sentenças contra o Brasil, e que tocam diretamente na competência de atores jurídicos tradicionais.
O Brasil hoje faz parte dos principais tratados internacionais de direitos humanos. No entanto, há muitos céticos com relação à efetividade desses instrumentos normativos. Com efeito, a questão acerca do poder de conformação do direito, invocada a todo momento por aqueles que entendem o direito como um instrumento de transformação social, é ainda mais aguda no caso do direito internacional do que em outros ramos do direito. Qual a relevância da norma internacional que cria deveres para o Estado já que, em última instância, a capacidade de implementação das obrigações internacionais depende do próprio Estado, e não existe nenhum poder hierarquicamente superior que pudesse coercitivamente afirmar a sua obrigatoriedade? Como o processo gradual de inserção brasileira no regime internacional de direitos humanos pode ser entendido dentro do contexto brasileiro e internacional do final do século passado e início do século XXI?
Segundo a visão realista hegemônica na teoria das relações internacionais, associada ao modelo hobbesiano de Vestf ália ,1 Estados conformam-se às normas internacionais quando percebem, através de um cálculo estratégico, que isto seria conveniente ao interesse nacional. O móbil da sua ação é sempre a maximização do seu interesse e a luta por poder. Da mesma forma, descumprem as normas internacionais igualmente por razões estratégicas, ainda que encontrem uma roupagem jurídica para justificar sua ação. Soberania nacional seria o conceito jurídico que traduziria essa visão política centrada na razão de Estado e permitia isolar aquilo que seria de interesse exclusivamente interno daquilo que seria internacional.
Como questão relativa à raison d’État , os órgãos de política externa brasileiros percebiam nos anos 90a adesão ao Direito Internacional dos Direitos Humanos como conectada às questões do multilateralismo e da ampliação da autonomia internacional brasileira, prioridades da nossa política externa.2 Com efeito, o governo queria dar credibilidade ao país, provando à comunidade internacional que havia completado a transição da ditadura para a democracia e que tinha iniciado um novo estágio econômico, social e político em sua história. A ratificação de tratados de direitos humanos era considerada um sinal eloquente dessa nova fase.3 No mesmo sentido, no mundo pós-Guerra Fria, o multilateralismo era percebido como permitindo um papel mais ativo aos países periféricos em decisões de relevância global, que, de outra forma, estariam fora de seu alcance. Pensava-se que a participação brasileira nas estruturas de regulação internacionais preservaria e aumentaria a sua autonomia. Novamente, sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos fortalecidos eram um importante passo nessa direção (PINHEIRO, 2004, p. 58-62).
Mas a explicação realista não consegue dar conta de todo o cenário internacional da era pós-Guerra Fria ou tampouco do contexto nacional de transição democrática. Segundo Anne-Marie Slaughter, o “desafio” realista ao direito internacional e ao poder conformador das normas jurídicas internacionais pode ser vencido se trocarmos as lentes da soberania absoluta, usadas há duzentos anos para entender as relações internacionais, por outras, fornecidas pela perspectiva liberal-construtivista, que enxergam novos atores relevantes internacionalmente, além do Estado, que atuam seguindo outra lógica (SLAUGHTER, 1993) .
De acordo com essa visão, a soberania estatal, que era absoluta e unitária na visão vestfaliana, desagregou-se devido aos processos de globalização e de multiculturalismo. Por “cima” e por “baixo”, tais processos implodiram o princípio da territorialidade como critério definidor dos assuntos internos, de ingerência exclusiva dos Estados soberanos, e dos assuntos internacionais, objeto da negociação entre Estados (GOMEZ, 1998) . A desagregação da soberania permite vislumbrar-se a atuação de novos atores nas relações internacionais que se articulam em redes transnacionais em torno de diferentes temas, superando a velha dicotomia acima mencionada. De fato, assuntos da maior relevância contemporânea, tais como meio ambiente, saúde, direitos humanos, segurança e economia demandam arranjos que perpassam diferentes níveis de governança, do local ao global.4 Assim, a soberania no mundo contemporâneo não é absoluta e nem tampouco flexibilizada, mas sim desagregada.
Slaughter afirma que redes de organizações da sociedade civil e de movimentos sociais, além de redes de agentes estatais (associações internacionais de prefeitos, de juízes, e de parlamentares, dentre outras), geraram dinâmicas nas relações internacionais que não são explicáveis exclusivamente a partir da ótica realista do equilíbrio de poder entre nações (SLAUGHTER, 1993). Margaret Keck e Katryn Sikkink destacam que as redes internacionais de direitos humanos envolvem desde organizações de base até partes da burocracia de Organizações Internacionais (tais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo) e dos Estados (como a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República), passando por organizações não-governamentais (ONGs) internacionais (KECK; SIKKINK, 1998). Essas redes têm sido eficientes na criação de soft law , tais como relatórios, códigos de conduta, diretrizes, manifestos de princípios. Também têm sido eficientes em pressionar organismos internacionais e Estados para adoção de práticas e de normas mais próximas a esses códigos que criam.
Na perspectiva liberal-construtivista, ressalta-se ainda a importância das organizações internacionais que se estruturaram após a Segunda Guerra Mundial, como a Organização das Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos, a União Europeia e, mais recentemente, a Organização Mundial do Comércio. Tais organizações, além de sujeitos de direito internacional com personalidade jurídica própria, são também espaços de deliberação e de negociação. Nesse sentido, são certamente arenas de luta por poder, como diria o realismo, mas são também loci onde valores são construídos e disseminados, práticas tradicionais enraizadas são questionadas e ressignificadas e repertórios de ação são construídos e ampliados. Essas instituições fornecem a base para fóruns deliberativos onde interesses e pontos de vista são apresentados e, quem sabe, alterados no curso da negociação: “Estados podem não saber o que querem quando começam a negociar sobre temas complexos dentro de marcos institucionais complexos, ou podem mudar suas ideias durante o processo, levando à revisão do entendimento sobre seu interesse nacional” (HURRELL, 2001, p. 37).
Segundo Andrew Hurrell, para ilustrar esse argumento, “instituições internacionais podem ser o local onde agentes estatais brasileiros e argentinos, por exemplo, são expostos a novas normas” (HURRELL, 2001).
Tais organizações integram regimes internacionais que podem impactar o equilíbrio de poder entre as nações e entre Estado e grupos de indivíduos na medida em que criam uma espécie de legalidade internacional. Atores internacionais considerados mais fracos podem aumentar suas chances de participação, de acordo com a sua “habilidade de usar as plataformas internacionais e de explorar padrões argumentativos já estabelecidos para promover novas e mais inclusivas regras e instituições” (HURREL 2001, p. 38) .
Essas novas lentes da soberania desagregada e das redes temáticas nos permitem uma avaliação mais adequadas das dinâmicas em torno do regime internacional de direitos humanos. Voltando ao exemplo brasileiro, de fato, a “prevalência dos direitos humanos” nas relações internacionais, de que fala a Constituição em vigor, constituiu um projeto de longa e gradual implantação, envolvendo não apenas o Estado, mas também setores da sociedade civil. Tal envolvimento intensificou-se a partir de 1993, quando o então Ministério das Relações Exteriores convocou um encontro nacional sobre direitos humanos com o fim de produzir um diagnóstico da situação brasileira para ser apresentado na Conferência de Direitos Humanos da ONU em Viena. Depois da Conferência, uma série de encontros foram realizados em capitais brasileiras, nos quais a pressão pela ratificação dos tratados de direitos humanos era constante e foi decisiva. A partir desses encontros, foi elaborado o primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos, em 1996, com as metas a serem priorizadas pelo Poder Executivo em todas as suas áreas de atuação.5
A afirmação do compromisso interno com os direitos humanos e a adesão aos instrumentos internacionais permitiram o recurso a instancias internacionais de monitoramento como mais uma ferramenta para a consolidação de uma cultura de respeito a direitos. Como veremos a seguir, diferentes organizações da sociedade civil e diferentes movimentos sociais gradativamente formaram redes em torno do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) e de outros fóruns supranacionais e, com isto, conseguiram em diversas ocasiões fazer com que o Estado brasileiro desse uma resposta mais adequada a denúncias de violação de direitos humanos que até então eram ignoradas.
Com efeito, o envolvimento de atores brasileiros com o SIDH criou uma dinâmica interessante envolvendo Estado, organizações da sociedade civil e os órgãos do sistema. Decerto que a relação entre esses entes não é costumeiramente pacífica e harmoniosa, mas ainda assim pode proporcionar avanços interessantes na promoção dos direitos humanos, dependendo da configuração de poder do momento. Cavallaro e Schaffer explicam o caráter dialético dessa relação:
A sociedade civil pode procurar a efetivação de direitos individuais através do recurso aos mecanismos de proteção aos direitos humanos do Sistema Interamericano de Proteção aos direitos humanos; a seu turno, o sistema precisa do apoio da sociedade civil para sua legitimidade. Governos fornecem os recursos necessários para manter o sistema interamericano funcionando e elegem os indivíduos que vão servir como comissionados ou juízes nos seus órgãos de monitoramento; mas essas instituições também dependem da aceitação voluntária da sua autoridade e participação com boa-fé nas regras de engajamento estabelecidas para que serem efetivas. E essas instituições que compõem o sistema têm a autoridade para resolver demandas e emitir decisões requerendo a ação tanto dos governos quanto de atores da sociedade civil; mas essa autoridade depende da percepção desse último grupo de que ela é exercida de modo razoável e apropriado.
(CAVALLARO; SCHAFFER 2004, p. 220-221).
Não há dúvidas entre os que militam no SIDH de que ele constitui já hoje uma ferramenta importante para promoção de direitos humanos. Tanto é assim que diversas organizações da sociedade civil vêm incorporando o litígio no SIDH às suas estratégias e outras são criados com a expertise de levar casos às instâncias supranacionais. O input desses atores, por sua vez, afeta o modo como esses órgãos internacionais funcionam e forçam Estados a negociarem com quem antes não queriam ouvir. Ao longo do contencioso internacional e das muitas trocas entre atores estatais e da sociedade civil de diferentes nacionalidades, determinadas práticas são criticadas, novos repertórios de ação são adquiridos e a assimetria de poder entre Estado e indivíduo pode ser mitigada. Tais efeitos podem resultar de genuínos processos de aprendizado e consolidação democrática, que podemos chamar de processos de desenvolvimento de consciência ( awareness raising ) ou de estratégias de pressão política, criando-se constrangimentos para Estados que se dizem democráticos ( embarassement power ).
No entanto, ainda é preciso avançar muito no sentido de dar efetividade às determinações jurídicas dos órgãos do sistema, seja com relação ao cumprimento das determinações de órgãos internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e, principalmente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), seja através da utilização desses parâmetros diretamente pelo Judiciário nacional. Com efeito, autoridades nacionais não observam plena e espontaneamente as obrigações internacionais e o descumprimento reiterado de tais determinações pode causar a perda da legitimidade e credibilidade do SIDH diante das vítimas de violações de direitos humanos e das organizações da sociedade civil que as representam. Os efeitos positivos dos processos descritos acima para a construção de uma cultura democrática podem ser perdidos. Vejamos o caso brasileiro no SIDH.
O Estado Brasileiro, na fase posterior à adesão aos principais instrumentos internacionais de direitos humanos, resistia à real integração ao regime internacional de direitos humanos, atribuindo pouca relevância ao contencioso supranacional. Especialmente na primeira década depois da transição, o Estado deixava de responder adequadamente às solicitações da CIDH, descumpria prazos e respondia petições que descreviam em detalhes graves violações de direitos humanos com manifestações genéricas de poucos parágrafos (CAVALLARO, 2002, p. 482). Recomendações de órgãos do SIDH eram frequentemente desconsideradas por autoridades, especialmente no nível estadual, que as julgavam intervenções indevidas em assunto de soberania nacional. Mesmo nos dias de hoje, o Estado brasileiro mostra-se refratário ao escrutínio das políticas públicas por órgãos internacionais, como se pode verificar da recente reação do Estado brasileiro à concessão pela CIDH de medida cautelar para suspender as obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, devido a supostas falhas no processo de licenciamento que resultariam na violação de direitos de povos indígenas daquela região.6
As organizações da sociedade civil brasileira, a seu turno, também foram inicialmente tímidas em recorrer às instâncias internacionais. Talvez em função da demora brasileira em participar mais plenamente do regime internacional de direitos humanos, o litígio supranacional não fazia parte do repertório de ações dos ativistas de direitos humanos no país na década passada. ONGs internacionais adotaram como parte da sua missão a divulgação do SIDH como um recurso para a promoção interna dos direitos humanos. Elas sabiam que:
Trazer a sociedade civil para o sistema iria enfraquecer as tentativas do Estado brasileiro de classificar o litígio como um tipo de intervenção imperialista contra o sistema. Finalmente, expandindo-se a gama de litigantes expandia-se necessariamente a exigência de um maior envolvimento do Estado no sistema interamericano.
(CAVALLARO, 2002, p. 484).
A empreitada de chamar atenção das organizações brasileiras para essa estratégia foi difícil. De fato, até maio de 1994, dentre as centenas de casos pendentes na CIDH e das milhares de petições encaminhadas por ativistas no continente, apenas dez se referiam ao Brasil (CAVALLARO, 2002, p. 483). Isso em parte se justifica pelo atraso brasileiro em ratificar a CADH, em 1992, e em reconhecer a competência da Corte IDH, apenas em 1998, dando finalmente efetividade ao artigo 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Em 1998, aliás, apenas cerca de 3% dos casos pendentes na CIDH eram contra o Brasil (CAVALLARO, 2002, p. 483).
No entanto, ainda que com dificuldade, os esforços de poucas ONGs internacionais e nacionais pioneiras no Brasil no uso do mecanismo de peticionamento individual começou a frutificar. Em 2005, os casos contra o Brasil na CIDH chegaram a 90, e no relatório de 2004 desse órgão o país figurava como terceiro Estado em número de petições e de casos pendentes (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2004, cap. III, seção A).7 Hoje, de acordo com o relatório de 2010 da CIDH, são 97 casos pendentes contra o Brasil, que ficou em quinto lugar em número de casos, depois do Peru (349 casos), Argentina (209 casos), Colômbia (183 casos) e Equador (133 casos).8
O número de casos contra o Brasil julgados pela Corte IDH permanece baixo, se comparado a outros países da América Latina, como Peru, México ou Honduras. Até hoje foram julgados cinco casos contra o Brasil, com quatro sentenças declarando responsabilidade do país e estabelecendo recomendações cujas implementações ainda estão sendo acompanhadas (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Ximenes Lopes v. Brasil, 2006; Escher e outros v. Brasil , 2009a; Garibaldi v. Brasil,2009b;Julia Gomes Lund e outros v. Brasil , 2011b), e um arquivamento (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Nogueira de Carvalho e outro v. Brasil , 2006c). Além das sentenças, diversas medidas provisórias foram concedidas contra o Brasil em cinco casos (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Penitenciária Urso Branco , 2002; Unidade de Internação Sócio-Educativa, 2011a;Penitenciária Dr. Sebastião Martins , 2006b ; Complexo do Tatuapé da Febem,2005) e houve indeferimento de medida provisória em um caso (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Julia Gomes Lund e outros v. Brasil , 2011b). Não há nenhum caso contra o Brasil para julgamento na pauta da Corte no momento.
Como reação ao crescente número de petições enviadas ao SIDH, o Estado Brasileiro passou a demonstrar também um maior comprometimento com os direitos humanos durante o litígio. Em 1995, criou-se uma Divisão de Direitos Humanos no Ministério das Relações Exteriores especializada nos sistemas da ONU e da OEA, que passa a ser o órgão que formalmente representa o Brasil nos assuntos de direitos humanos, recebendo todas as comunicações oriundas daquelas organizações internacionais. A Secretaria de Direitos Humanos, que em 2003 alcançou o status de Ministério e vinculou-se diretamente à Presidência da República, também integra a delegação responsável pelas manifestações do Estado Brasileiro diante da CIDH e da Corte IDH. Apesar de ter sido criada em 1977, apenas na década de 90 essa secretaria assume algum protagonismo nas questões relativas ao contencioso internacional em direitos humanos, tanto no que diz respeito ao litígio propriamente dito, quanto na negociação com os demais órgãos internos com competência para tratar dos temas sendo discutidos internacionalmente. Recentemente, a Advocacia Geral da União também passou a desempenhar um papel na representação brasileira, ficando responsável pela resposta aos argumentos relativos à admissibilidade dos casos, em especial, questões relativas ao esgotamento dos recursos internos.
Podemos perceber, assim, uma evolução no Poder Executivo federal com relação à resposta brasileira às demandas internacionais relativas a direitos humanos. Saímos de um estágio de grande desconhecimento em relação ao SIDH, para a criação de uma equipe especializada que passa a responder de forma mais adequada às solicitações. Depois de 2000, o Estado vem tentando uma postura mais proativa e, ao invés de apenas reagir às solicitações jurídicas e políticas, busca criar condições para aplicação do artigo 48 (b), da CADH que determina o arquivamento do caso quando os fundamentos da demanda deixam de existir. Esse movimento, no entanto, não é linear. O exemplo acima mencionado, referente às medidas cautelares deferidas pela CIDH no caso Belo Monte, parece um retorno à posição anterior com relação ao SIDH.
Para sucesso dessa estratégia, os órgãos responsáveis pela representação brasileira precisam negociar com as autoridades estaduais e municipais, que em geral são as que têm competência constitucional para examinar e resolver a maior parte das violações de direitos humanos alegadas. De fato, nosso pacto federativo, quando cotejado com os artigos 2 º (dever de adotar disposições de direito interno compatíveis com o tratado), 28 (cláusula federal) e 68.1 (obriga o Estado-parte a cumprir a sentença da corte em todo caso em que for parte) da CADH, cria uma situação paradoxal: a União Federal responde internacionalmente por atos sobre os quais tem controle limitado e não pode alegar essa circunstância para se eximir da responsabilidade internacional.
Além de lidar com as autoridades estaduais e municipais, esses órgãos do Poder Executivo federal enfrentam o desafio de envolver o Legislativo e Judiciário com o SIDH. Muitas das recomendações da CIDH e das sentenças da Corte IDH implicam mudanças legislativas difíceis de serem aprovadas. Da mesma forma, o Judiciário brasileiro ainda não tem exercido o mencionado “controle de convencionalidade”, e não ad é qua suas decisões aos standards desenvolvidos no âmbito do SIDH, apesar de a CADH ter formalmente ingressado no direito interno através do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992.
Tampouco resolvemos sobre a necessidade ou não de um procedimento interno especial para execução das sentenças da Corte IDH, principalmente no tocante ao pagamento de indenizações. O artigo 63.1 da CADH autoriza a Corte a determinar “medidas reparatórias que tendem a fazer desaparecer os efeitos das violações cometidas. Esse artigo assegura o direito, e se for o caso, prover as reparações necessárias assim como estabelecer as indenizações compensatórias à parte lesada” (KRSTICEVIC, 2007, p. 24). Com relação às indenizações, o artigo 68.2 da CADH dispõe que o pagamento deve ser feito de acordo com o procedimento interno vigente. No Brasil, a questão ainda está pendente e discute-se a necessidade de homologação da sentença da Corte e a obrigatoriedade do sistema de precatórios para esses pagamentos, levando-se em consideração a morosidade desse sistema, o fato de a vítima já ter passado por um longo processo interno e internacional até a decisão da Corte e os próprios prazos para cumprimento de sentença estabelecidos pela Corte. De acordo com o projeto de lei n º 4.667/2004, apresentado pelo então Deputado José Eduardo Cardozo, o pagamento de indenizações determinadas por decisões de órgãos internacionais é de responsabilidade da União – ressalvado o direito a ação regressiva contra a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que tiver causado a violação de direitos humanos – e a sentença internacional serve como título executivo judicial, diferentemente das sentenças estrangeiras, que precisam ser homologadas. O projeto já sofreu emendas substitutivas que alteram substancialmente a sistemática de pagamento proposta na redação original (AFFONSO; LAMY, 2005).
Com relação ao cumprimento das medidas de não-repetição e da obrigação de investigar, a situação também é grave. Parte do problema reside no fato de que a maioria dos juízes, ministros, promotores públicos e advogados tem pouca familiaridade com o direito internacional, e em especial com o direito internacional dos direitos humanos. O recurso a esse ramo do direito ainda não tem sido parte do seu repertório de ações e precisa ser desenvolvido, como ocorreu com os ativistas de direitos humanos na década de 90.
José Ricardo Cunha conduziu um estudo interessante no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro com relação ao grau de educação e de interesse em direitos humanos dos magistrados responsáveis por 225 dos 244 juízos da comarca da capital. Algumas das suas respostas corroboram o argumento feito acima: 84% dos juízes entrevistados não teve qualquer educação formal em direitos humanos, 40% nunca estudou nada relativo a direitos humanos, nem mesmo informalmente, 93% nunca se envolveu em nenhum tipo de serviço social ou público. Com relação aos mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos, 59% declararam ter um conhecimento apenas superficial dos sistemas da ONU e da OEA, 20% admitiram não ter nenhum conhecimento sobre esses sistemas, e apenas 13% afirmou ler as decisões das cortes internacionais sistematicamente (CUNHA, 2011, p. 27-40) . Enquanto isso, o Judiciário de outros países como a Argentina e a Colômbia, vem aplicando automaticamente as decisões dos órgãos do sistema, ainda que proferidas em casos que tratavam de violações ocorridas em outros países, e reconhecendo a hierarquia constitucional dessas disposições (DI CORLETO, 2007; UPRIMNY, 2007).
O desconhecimento das diversas autoridades em distintos níveis de poder acerca dos compromissos decorrentes do pertencimento ao SIDH gera duas dificuldades: aumenta as chances de que haja uma violação à CADH, gerando novas denúncias encaminhadas à CIDH, e também dificulta sobremaneira o cumprimento das sentenças e das recomendações proferidas nos casos que já chegaram ao sistema.
Diante dessa realidade, organizações da sociedade civil, a Secretaria de Direitos Humanos e a academia têm tentado, com significativo sucesso, mudar esse cenário, promovendo seminários e oficinas sobre o tema e incluindo disciplinas sobre direito internacional dos direitos humanos nos currículos das faculdades de direito. Desde 2004, o Direito Internacional voltou a ser parte integrante das diretrizes curriculares mínimas do curso de Direito (BRASIL, 2004), e questões de Direito Internacional têm estado presentes no exame da Ordem dos Advogados.
Mesmo com avanços reais, a tradução dessa crescente consciência acerca da legitimidade do SIDH em efetiva transformação social e universalização de direitos é ainda ocasional e a questão do cumprimento de sentença permanece sendo um desafio. Esse problema não é exclusivo do Brasil, de acordo com pesquisa de Fernando Basch, Leonardo Filippini, Ana Laya, Mariano Nino, Felicitas Rossi e Bárbara Schreiber. Dentre as 462 medidas protetivas aplicadas tanto pela CIDH quanto pela Corte IDH, entre 2001 e 2006, 50% não foram cumpridas, 14% foram cumpridas parcialmente e 36% foram cumpridas. As medidas determinadas pelos órgãos do SIDH foram classificadas em quatro grandes categorias: reparação às vítimas, medidas de não-repetição, obrigação de investigar e sancionar as violações de direitos, e medidas de proteção de vítimas e de testemunhas. Dessas, as medidas com mais alto grau de cumprimento são as de reparação (econômica ou simbólicas) e as com mais baixo grau são as de não-repetição e as relativas à obrigação de investigar e sancionar. Ainda de acordo com o estudo, nesse período foram aplicadas pela CIDH 42 medidas contra o Brasil em seis casos, com o índice de 40% de cumprimento total, 24% de cumprimento parcial e 36% de descumprimento (BASCH et al., 2010).
A conformação às recomendações do sistema depende de uma série de circunstâncias empíricas e é “significativamente aumentada quando os casos são acompanhados de pressão social sobre as autoridades domésticas através de diversos outros meios” (CAVALLARO; SCHAFFER, 2004, p. 235) capazes de mobilizar a opinião pública. Organizações que se especializam em levar casos para cortes supranacionais devem levar em consideração a agenda política doméstica ao selecionar seus casos, se de fato quiserem promover transformações sociais:
Litigantes em potencial no nível internacional devem ser cautelosos para não estabelecer uma agenda própria, baseada exclusivamente em critérios jurídicos. A experiência demonstra que litígios internacionais que não estejam acompanhados de campanhas organizadas pelos movimentos sociais e/ou da mídia dificilmente produzirá resultados efetivos. Em vista disso, nós enfatizamos a necessidade de litigantes supranacionais evitarem assumir a liderança na tomada de decisão estratégica sobre o uso do Sistema Interamericano.
(CAVALLARO; SCHAFFER, 2004, p. 235).
Com efeito, as organizações da sociedade civil especializadas nesse tipo de litígio não remetem à CIDH qualquer caso e desenvolveram um tipo de atuação que vem sendo chamada de advocacia de impacto. Em geral, são enviados à CIDH petições selecionadas a partir de três critérios principais: (a) casos que retratem cabalmente padrões sistemáticos de violação de direitos humanos internamente; (b) casos que levantem temas sobre os quais a Corte IDH ou a CIDH não tenham ainda se pronunciado claramente, visando colaborar com a construção de novos padrões internacionais de proteção aos direitos humanos; e (c) casos humanitários, em que a situação de extrema vulnerabilidade da vítima justifica o litígio, ainda que não se produza nenhum dos outros efeitos mencionados.Antes, então, do envio da petição à CIDH, faz-se uma avaliação estratégica à luz do contexto político-jurídico do país e do próprio SIDH quanto aos objetivos do litígio e às chances de sucesso em alcançar ou, ao menos, em se aproximar desses objetivos. “Sucesso”, nesse contexto, não significa exclusivamente a vitória processual. Significa, acima de tudo, a alteração da realidade de violação de direitos, o que por vezes se consegue, ainda que parcialmente, no curso do processo, com os espaços de negociação, de pressão e de educação para direitos humanos que o litígio internacional propicia, independentemente do resultado final no procedimento.
Somam-se a esse quadro de dificuldades as deficiências internas do SIDH, que é vulnerável a ações dos Estados insatisfeitos com as críticas formuladas tanto pela CIDH quanto pela Corte IDH. Constantemente, os dois órgãos sofrem pressão política através da redução do repasse de verbas, das tentativas de impedir a publicação do relatório da CIDH com as conclusões de violação à CADH, e das tentativas de intervir nos processos de nomeação dos Comissionados da CIDH e dos juízes da Corte IDH. Tais deficiências acabam fazendo com que se repliquem no SIDH um problema comum no âmbito interno, que constantemente constitui a própria razão de se procurar remédio no plano supranacional, qual seja, a demora injustificada nas decisões (THEREIN; GOSSELIN, 1997, p. 213) .
Na próxima seção, examinaremos em que medida o dever jurídico de investigar, processar e punir vem sendo devidamente implementado pelas autoridades competentes brasileiras.
No que se refere aos atores jurídicos brasileiros, o desconhecimento acerca das nossas obrigações internacionais discutido acima é responsável pela maior parte das condenações contra o Brasil e das dificuldades em cumprir as determinações dos órgãos do sistema interamericano. Isso se deve ao fato de que a principal causa das declarações de responsabilidade internacional do Brasil é a violação ao artigo 1.1 (dever geral de garantia) combinado com os artigos 8º (garantias processuais) e 25 (proteção judicial) da CADH. Esse quadro poderia ser revertido, ou amenizado, se nossos atores jurídicos se utilizassem rotineiramente dos padrões internacionais de proteção aos direitos humanos.
Antes de passarmos à consideração dos artigos acima mencionados, alguns pontos de natureza jurídica e política devem ficar bem esclarecidos. Em primeiro lugar, apesar de a Comissão e a Corte IDH serem órgãos da OEA, que, por sua vez, é uma organização internacional sujeita a pressões de política externa dos Estados-parte, a lógica de operação do SIDH é uma lógica supranacional, e não intergovernamental ou “inter-nacional”. Ao contrário daqueles indivíduos que atuam em outros órgãos da OEA, como a Assembleia Geral, juízes e comissionados atuam em nome próprio, como especialistas em direitos humanos com todas as garantias de independência próprias da função, e não representam o interesse de nenhum Estado nacional, apesar de terem suas candidaturas ao cargo lançadas necessariamente por algum Estado-membro. Evidentemente, essa característica não imuniza o SIDH contra pressões políticas, como mencionado acima, mas reduz sensivelmente o espaço para esse tipo de constrangimento.
Em segundo lugar, de acordo com o artigo 62.1 da CADH, a chamada cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, os Estados da região decidem autonomamente se vão ou não reconhecer a competência da Corte. Tal decisão é ato de soberania dos Estados. Porém, uma vez reconhecida a competência da Corte, ela se torna obrigatória e irrevogável, a não ser nas hipóteses previstas para denúncia do Pacto de San José. Nos termos do artigo 68.1 combinado com o artigo 2 da CADH, os Estados afirmam que cumprirão integralmente a sentença proferida pela Corte IDH, e nenhum argumento de direito interno, tais como prescrição e decadência, pode ser utilizado para afastar essa obrigação. O descumprimento de sentença da Corte, per se, gera responsabilidade internacional. Mesmo que um Estado resolva denunciar a CADH para evitar a obrigação de implementação de uma sentença determinada, as possíveis violações que tenham chegado à Corte IDH antes da denúncia serão examinadas e, possivelmente, a responsabilidade internacional do Estado será declarada.9
Já com relação às decisões da CIDH, há controvérsias quanto ao seu caráter obrigatório.10 Como meras recomendações, o descumprimento dos relatórios não gera responsabilidade internacional, mesmo que sejam emitidos após um procedimento que preserva as exigências mínimas do devido processo legal, como o contraditório e a ampla defesa, e que tenham uma forma similar a de uma sentença, com exposição dos fatos, fundamentação e parte dispositiva (NAGADO; SEIXAS, 2009, p. 295-299). Não obstante, a Corte IDH declarou no Caso Loayza Tamayo que os Estados devem empreender todos os esforços para dar cumprimento às decisões da CIDH como exigência da regra da boa-fé na interpretação dos tratados, codificada na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969:
Em virtude do principio da boa-fé, consagrado no mesmo artigo 31.1 da Convenção de Viena, se um Estado subscreve ou ratifica um tratado internacional, especialmente tratando-se de direitos humanos, como é o caso da Convenção Americana, tem a obrigação de realizar seus melhores esforços para aplicar as recomendações de um órgão de proteção como a Comissão Interamericana que é, ademais, um dos principais órgãos da Organização dos Estados Americanos, e que tem como função “promover a observância e a defesa dos direitos humanos” no hemisfério.
(Carta da OEA, artigos 52 e 111)
(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Loayza Tamayo v. Peru, 1997a, para. 80).11
Cumpre registrar que a obrigação de respeitar as disposições da CADH nasce da ratificação ou adesão ao tratado, e não do reconhecimento da competência obrigatória da Corte IDH, e que a CIDH é órgão autorizado pelos tratados pertinentes para interpretá-la. Ademais, a CADH, no artigo 2, estabelece o dever de adotar as medidas de caráter interno necessárias para a adequação às obrigações enunciadas naquele instrumento, e a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, no artigo 27 estabelece que um Estado “não pode invocar as disposições de direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.
Existem previsões de um sistema de garantia coletiva do cumprimento das decisões dos órgãos do SIDH. De acordo com a CADH, a Corte IDH deve enviar relatórios anuais à Assembleia Geral da OEA informando, dentre outras coisas, o descumprimento de suas decisões por Estados-parte. A CIDH procede da mesma forma, mesmo sem disposição expressa da CADH. O objetivo é gerar constrangimento ao Estado violador, em uma estratégia conhecida como “naming and shaming”, e possibilitar gestões diplomáticas para que o Estado passe a cumprir a determinação em questão. Dentre as faculdades da Assembleia Geral, ainda que esse recurso não tenha ainda sido utilizado, há possibilidade de se emitir resolução (e como tal, não vinculante) recomendando aos demais Estados-parte da OEA que imponham sanções econômicas ao Estado violador até que a decisão do órgão do SIDH em questão seja implementada (KRSTICEVIC, 2007, p. 34-37).
Em terceiro lugar, o conceito de reparação no direito internacional é mais amplo do que no direito interno. Além da obrigação de indenização econômica às vítimas e familiares de vítimas, as sentenças condenatórias internacionais incluem as reparações simbólicas, a promoção das responsabilidades internas pela violação e as chamadas “medidas de não-repetição”, que podem envolver alterações de políticas públicas, de legislação interna, e de jurisprudência pacificada até mesmo da Corte Suprema de um país. Exemplo de medidas de não-repetição foi a exigência da Corte, na recente sentença do casoJulia Gomes Lund et al versus Brasil (Caso Guerrilha do Araguaia), de que se elimine todos os obstáculos jurídicos e políticos para que o Estado investigue e julgue criminalmente os responsáveis pela perpetração do crime de desaparecimento forçado e de outros crimes contra a humanidade (como tortura) (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Julia Gomes Lund e outros v. Brasil , 2011, para. 65). Assim, ainda que existam dúvidas com relação a execução da sentença internacional nos seus aspectos econômicos, como vimos acima, diversos aspectos das medidas de não-repetição usualmente estabelecidas contra o Brasil poderiam ser implementadas sem a necessidade de lei estabelecendo procedimento especial.
Em quarto lugar, especificamente com relação ao Brasil, destaca-se a posição assumida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do recurso extraordinário 466.343, em 03.12.2008, que examinou especificamente a CADH e consagrou o caráter supralegal no ordenamento jurídico brasileiro dos tratados de direitos humanos ratificados anteriormente à Emenda Constitucional nº45, negando, como consequência, aplicabilidade às normas internas que conflitarem com os dispositivos do tratado. O resultado da decisão foi a edição da súmula vinculante n. 25 do STF, em 2009, considerando ilícita a prisão de depositário infiel, em qualquer modalidade, apesar da previsão constitucional do artigo 5 o, LXVII da Constituição Federal. Concluímos que quaisquer outras normas infraconstitucionais conflitantes com a CADH, além daquelas que regulamentavam a prisão civil do depositário infiel, também perderão a aplicabilidade.
Ainda com relação ao Brasil, além do previsto no artigo 4 º , inciso II, e artigo 5 º , parágrafos segundo e terceiro, o artigo 7 º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias anuncia que o Estado brasileiro propugnará pela formação de um tribunal internacional de direitos humanos. A interpretação sistemática da Constituição corrobora o entendimento de que tratados internacionais de direitos humanos terão status constitucional, ou ao menos supralegal, e que os órgãos internacionais que criam, e cuja competência contenciosa é reconhecida pelo Brasil através de ato específico, gozam de autoridade interna como intérpretes do referido documento. A tese de que as decisões que tais órgãos geram têm natureza política e que, portanto, seu cumprimento não seria obrigatório não é consistente com essa interpretação.
Assim, resta claro que a CADH estabelece obrigações jurídicas às autoridades estatais brasileiras, não se tratando de um documento meramente político que enuncia aspirações a serem perseguidas a longo prazo. Essa Convenção, assim como outros tratados internacionais de direitos humanos reconhecidos pelo Brasil, cria deveres jurídicos para o país. Como instrumento jurídico que integra o ordenamento interno, a fiscalização de cumprimento de tais obrigações não deve ser realizada apenas por órgãos supranacionais e impõe-se também como tarefa daqueles que desempenham internamente as funções essenciais de justiça, além do Judiciário. De fato, ao lado do controle de legalidade e de constitucionalidade, torna-se imperiosa a realização do controle de convencionalidade.12 O conhecimento dos padrões de interpretação dos artigos da CADH pela Corte IDH e também pela CIDH também estão incluídos nessa obrigação.
A realização desse controle se faz ainda mais indispensável na medida em que uma parte significativa das recomendações internacionais ao Brasil refere-se diretamente a atos que impactam a competência de órgãos do Poder Executivo responsáveis pela segurança pública e sistema prisional, assim como de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Advocacia e da Defensoria Pública. Tais atos referem-se ao dever de devida diligência e às obrigações de prevenir, investigar e punir, como veremos a seguir.
De acordo com o fixado pela Corte IDH desde a sentença no Caso Velásquez Rodríguez versus Honduras, o primeiro a ser decidido por esse órgão, a interpretação do artigo 1.1, que traz a chamada cláusula geral de garantia, combinado com os demais artigos que enunciam direitos dos indivíduos, leva à conclusão de que o dever do Estado de promoção dos direitos humanos não se esgota na mera abstenção de violação dos mesmos. De acordo com a Corte, o Estado tem responsabilidade internacional por violação dos artigos da CADH, mesmo que perpetrada por particulares, e não por agentes de Estado, sempre que não tiver agido com a “devida diligência” para evitar que tais violações ocorressem. O dever de devida diligência, por sua vez, foi interpretado pela Corte como incluindo as obrigações de “prevenir, investigar e punir” os crimes de direitos humanos (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Velásquez Rodríguez v. Honduras , 1988, para. 162, 172-174). Assim, ainda que tenha havido uma violação a direito enunciado na CADH, se o Estado tiver agido com a devida dilig ê ncia na apuração do crime, evitando impunidade, não há que se falar em responsabilidade internacional.
Ressalta-se dessa tríplice obrigação dos Estados o dever de “investigar” que decorre da interpretação assente do artigo 1.1, em relação aos demais direitos listados na CADH, como afirmado acima, e que também acaba envolvendo a análise de eventual violação dos artigos 8º (garantias judiciais) e 25 (proteção judicial) da CADH. Sobre a responsabilidade do Estado sobre atos e omissões que permitam violações de direitos humanos, a Corte IDH ressalta na primeira sentença em que declara a responsabilidade brasileira:
A Corte considera pertinente recordar que é um princípio básico do direito da responsabilidade internacional do Estado, amparado no Direito Internacional dos Direitos Humanos, que todo Estado é internacionalmente responsável por atos ou omissões de quaisquer de seus poderes ou órgãos em violação dos direitos internacionalmente consagrados, segundo o artigo 1.1 da Convenção Americana.
Os artigos 8 e 25 da Convenção consolidam, com referência às ações e omissões dos órgãos judiciais internos, o alcance do mencionado princípio de geração de responsabilidade pelos atos de qualquer dos órgãos do Estado.
(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Ximenes Lopes vs. Brasil, 2006, para. 172-173).
Para satisfazer essas obrigações, a investigação deve ser: “realizada por todos os meios legais disponíveis e orientada à determinação da verdade e à investigação, ajuizamento e punição de todos os responsáveis pelos fatos, especialmente quando estejam ou possam estar implicados agentes estatais (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Ximenes Lopes v. Brasil , 2006, para. 148) . A obrigação de investigar, processar e punir, ressalta a Corte, é obrigação de meio e não de fim, mas que para ser plenamente satisfeita, ainda que não seja possível a punição dos responsáveis, deve ser séria, imparcial e efetiva.
Segundo levantamento realizado por Bartira Nagado, em todos os casos em que foi declarada a responsabilidade internacional do Brasil por violação da CADH, seja nos relatórios de mérito da CIDH, seja nas sentenças da Corte IDH, o pa í s deixou de cumprir adequadamente com as suas obrigações de investigar, processar e punir os responsáveis por violações de direitos humanos. Segundo ela:
A violação do dever de investigar, processar e punir poderá ter como causa fática: (1) a não instauração de inquérito policial para apuração do suposto crime; (2) falhas no procedimento investigativo, intencionais ou não, que acabam por prejudicar o resultado das investigações; (3) demora injustificada na condução das investigações; (4) falhas no procedimento judicial, intencionais ou não; (5) demora injustificada na tramitação da ação penal, compreendendo aí todas as instâncias; (6) falta de diligência na localização de réu evadido, prejudicando o andamento da ação ou a execução da pena; (7) decisão judicial viciada. Essas hipóteses não esgotam necessariamente os possíveis problemas que podem ser aferidos em relação à persecução penal, mas abrangem grande parte dos incidentes verificados nos casos brasileiros.
(NAGADO, 2010).
Com relação a essas violações, Nagado (2010) assevera que “concorrem diretamente agentes do Estado, sejam autoridades policiais, membros do Ministério Público ou do Poder Judiciário, visto que esses agentes detêm a atribuição de promover a persecução penal, nos seus diversos estágios.”
Nem mesmo os advogados e a defensoria pública ficam imunes. No caso Roberto Moreno Ramos vs. Estados Unidos , em que o peticionário fora condenado à pena de morte, a CIDH declarou que o Estado não cumpriu com o seu dever de garantir um juízo justo e o devido processo com relação à vítima, previstos nos artigos XVIII e XXVI, respectivamente, da Declaração Americana de Direitos Humanos, na medida em que o advogado dativo designado pelo tribunal americano não esgotara as possibilidades de defesa e não arguira as circunstâncias atenuantes que poderiam afastar a aplicação da pena de morte. A CIDH afirmou também que a mera inexistência de uma defensoria pública que pudesse atuar em todo território estadunidense em casos de pena de morte violava as disposições supramencionadas (COMISSÃO INTERAMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, Roberto Moreno Ramos (Estados Unidos) 2005, para. 52-59) .13
A conclusão a que se chega contraria a autopercepção da classe: operadores do direito, que integram as funções essenciais à justiça, podem ser perpetradores de violações de direitos humanos consagrados internacionalmente. Os argumentos comumente invocados para justificar as causas não-intencionais de violação do dever de investigar, processar e punir os responsáveis pelas violações de direitos humanos, tais como excesso de ações no judiciário, falta de infraestrutura adequada, ou falta de pessoal, não podem ser utilizados para afastar a responsabilidade internacional do pa í s, caso contrário, o compromisso com a garantia e promoção dos direitos humanos se tornaria muito frágil, conforme estabelecido no já mencionado artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.
Sustentamos nesse artigo que o contencioso internacional de direitos humanos resguarda potenciais políticos importantes para o aprofundamento da cultura de direitos no Brasil, e examinamos especificamente o exemplo do SIDH. Tais potenciais emergem da compreensão das dinâmicas políticas subjacentes ao litígio como típicas de uma esfera pública transnacional. Nessas arenas, práticas e interesses podem (ou não) ser transformados através de estratégias de esclarecimento e de educação, bem como de estratégias de exposição de violações sistemáticas rotineiras, constrangendo e pressionando Estados que se apresentam diante da comunidade internacional como garantidores de direitos humanos. Como esfera pública, o recurso ao SIDH permite, ainda que isso nem sempre se concretize, a reconfiguração de poder internamente, empoderando grupos antes invisibilizados.
No entanto, tais potenciais políticos apenas subsistem enquanto os órgãos do SIDH forem considerados legítimos pelo Estado e, principalmente, pelas organizações da sociedade civil. Nesse sentido, a implementação cabal das determinações desses órgãos é vital. Dentre os tipos de medidas determinadas internacionalmente, as mais rotineiramente descumpridas pelo Brasil são as relativas ao dever de devida dilig ê ncia, que inclui a obrigação de investigar, processar e punir os perpetradores de violação de direitos humanos. Tais obrigações tocam diretamente em competências de atores jurídicos, que apesar de executarem funções essenciais à justiça, transformam-se eles próprios em violadores de direitos humanos.
Este artigo pretende chamar a atenção para a importância do controle de convencionalidade pelas autoridades nacionais, em especial, as judici á rias. Preventivamente, a utilização dos padrões de proteção estabelecidos internacionalmente por promotores, delegados, advogados, defensores e especialmente juízes diminuiria o n ú mero de casos enviados para a CIDH, evitando a sua sobrecarga, aumentando a sua agilidade e promovendo mais eficazmente os direitos humanos. Idealmente, apenas casos muito emblemáticos chegariam ao SIDH, acentuando o impacto das decisões tomadas.
Com relação aos casos que gerarem decisões contra o Brasil, as medidas cujo cumprimento têm sido mais difícil são novamente as relativas ao dever de devida dilig ê ncia. Portanto, a implementação integral dessas decisões também exigirá a capacidade dos atores jurídicos de reconhecer a obrigatoriedade do direito internacional dos direitos humanos.
1. A chamada Paz de Vestfália, firmada em 1648, pôs fim à Guerra dos Trinta Anos na Europa e é considerada o marco inicial do sistema interestatal moderno, baseado, por um lado, na afirmação do Estado territorial soberano, que emergia como unidade política relevante, e, por outro, na horizontalidade das relações internacionais. De acordo com esse paradigma, Estados soberanos coordenam suas ações internacionais sem admitirse nenhuma autoridade supranacional que pudesse exercer qualquer tipo de coerção vertical.
2. Para uma defesa de uma ordem mundial democrática e do multilateralismo como um principio das relações internacionais, ver o artigo de Fernando Henrique Cardoso, Política Externa: fatos e perspectivas (CARDOSO, 1993, p.8-9).
3. Sobre as políticas brasileiras relativas a tratados de direitos humanos, ver Cançado Trindade (2002).
4. Sobre soberania desagregada, ver: Anne-Marie Slaughter (2004), Sovereignty and Power in a Networked World Order. Sobreníveis de governança, ver: David Held (1995).
5. Sobre o processo preparatório para a Conferência de Viena sobre Direitos Humanos e sobre o legado deixado por essa conferência, ver o livro de José Augusto Lindgren Alves, Direitos Humanos como tema Global (2004) e o artigo do mesmo autor A atualidade retrospectiva da Conferencia de Viena Sobre Direitos Humanos (1993).
6. Na nota oficial nº 142, de abril de 2011, o Itamaraty repudia a decisão da CIDH, alegando ter sido tomado de surpresa por ela e não ter tido o tempo necessário para se defender das alegações formuladas contra ele (BRASIL, 2011). Ao invés de se defender utilizando os recursos processuais previstos no próprio sistema, o Estado ameaça a CIDH, retirando a candidatura de Paulo Vanucchi à CIDH, suspendendo o repasse de verbas ao órgão e chamando de volta ao Brasil o embaixador na OEA. Tal reação foi internamente aplaudida por muitos como um ato de soberania, demonstrando um enorme desconhecimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil quando ratificou o Pacto de San José, em 1992. A esse respeito, ver Observatório Eco: Direito ambiental (2011).
7. Flavia Piovesan fornece uma interessante análise da evolução dos casos contra o Brasil no Sistema Interamericano de Direitos Humanos com relação ao número de casos, direitos violados e perfil das vítimas (PIOVESAN, 2011).
8. Em 2010, foram enviadas 1598 petições à CIDH, das quais 76 eram contra o Brasil, 32 destas foram avaliadas pela CIDH e 9 foram aceitas para tramitação. A CIDH acompanha a implementação das recomendações em 12 casos que tiveram o relatório de mérito publicado em seu relatório anual, tornando-se, portanto, públicos, nos termos do artigo 51 da CADH. Muitos desses 97 casos pendentes não irão para a Corte IDH, pois referemse a fatos ocorridos antes do reconhecimento da competência da corte em 1998 (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, cap. III, seção B). Informações disponíveis no site da Corte IDH, em: <http://www.corteidh.or.cr/casos.cfm>. Último acesso em: 14 jul. 2011.
9. Sobre o caráter irrevogável do reconhecimento facultativo da jurisdição obrigatória, a Corte se pronunciou na sentença de mérito no Caso Tribunal Constitucional vs. Peru, de 24 de setembro de 1999.
10. Lembramos que a CIDH é órgão da OEA previsto no artigo 103 da Carta da OEA, ao contrario da Corte IDH, que foi criada pela CADH. Como órgão da OEA, a CIDH pode examinar alegações de violação da Carta da OEA e da Declaração Americana de Direitos Humanos por parte de qualquer Estado-membro da OEA. Com relação aos Estados-partes da CADH, seu mandato é mais extenso e ela pode examinar a eventual violação da longa lista de direitos enunciadas na mesma, ainda que o Estado em tela não tenha reconhecido a competência da Corte IDH.
11. Tradução livre. E ainda, o Juiz Máximo Pacheco Gomez, da Corte IDH, em voto disidente na Opinião Consultiva 15 (OC-15/97) estabeleceu que “La naturaleza y objeto de la sentencia de la Corte es diferente a la resolución o informe de la Comisión. Desde luego, el fallo de la Corte, aunque definitivo e inapelable es, conforme a la Convención Americana, susceptible de interpretación (artículo 67). La sentencia de la Corte es también obligatoria y se puede ejecutar en el respectivo país por el procedimiento interno vigente para la ejecución de sentencias contra el Estado (artículo 68.2 de la Convención). En cambio el informe o resolución de la Comisión no produce esos efectos vinculantes. Lo que se pretende mediante su intervención es que sobre la base de la buena fe, la Comisión pueda obtener la cooperación del Estado…” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1997b,para. 27-28).
12. A expressão controle de convencionalidade surgiu em um voto do concorrente do juiz Sergio Garcia Ramirez no caso Miriam Mack Cheng versus Guatemala, decidido em 2003. A respeito do desenvolvimento do conceito de controle de convencionalidade na jurisprudência da Corte, ver a monografia de Fernanda Ferreira Pradal “O poder Judiciário e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos: o dever de controle de convencionalidade” (2008).
13. Importante ressaltar que os Estados Unidos não ratificaram a CADH e, por isso, a CIDH tem apenas competência para examinar eventuais violações da Declaração Americana de Direitos Humanos.
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