Ensaios

A repressão nos Estados Unidos após o atentado de 11 de setembro11. Palestra realizada no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, em São Paulo, em outubro de 2003.

Paul Chevigny

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RESUMO

O presente trabalho avalia a forma pela qual o governo dos Estados Unidos se aproveitou da situação após o 11 de setembro de 2001 para aumentar o controle sobre as atividades das pessoas, em âmbito local e nacional, para levar aos tribunais pessoas que anteriormente eram deixadas em liberdade, para empreender detenções de estrangeiros e cidadãos americanos, e para deter pessoas suspeitas de terrorismo de forma indefinida, sem julgamento ou mesmo assistência de advogados.

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01

O ataque ao World Trade Center em Nova York, em 2001, foi um ato horrível, um evento atroz, de proporções sem precedentes. Representou um golpe devastador para o povo americano, que, literalmente, há muitas gerações, jamais sofrera uma grave agressão de agentes estrangeiros dentro de seu próprio país.

Isso tudo é indiscutível. A questão aqui é que as autoridades públicas dos Estados Unidos, tanto no âmbito local quanto no nacional, se aproveitaram da indignação e do medo causados pelos atentados para tentar assumir o controle do povo, e até mesmo da política do país. Tratam as críticas, como esta que faço aqui, como atos de deslealdade. Três meses após os ataques, o secretário da Justiça dos Estados Unidos declarou: “Aos que amedrontam o povo amante da paz com o fantasma da liberdade perdida, minha mensagem é a seguinte: essa tática só ajuda aos terroristas, pois corrói a unidade nacional e enfraquece nossa determinação. Ela fornece munição aos inimigos da América e incertezas a seus amigos”.1

Apesar das muitas ações empreendidas contra terroristas, e contra estrangeiros em geral, desde o 11 de setembro, acho que o objetivo de controlar o povo americano e criar uma agenda doméstica repressiva está bem configurado. Isso vem sendo levado a cabo com o cerceamento da privacidade e, de modo mais geral, dos direitos dos suspeitos, mediante a discriminação maciça contra estrangeiros de origem árabe e muçulmana, ações legais repressoras e intervenções na garantia do habeas corpus. Por outro lado, não quero exagerar: felizmente, o alcance da repressão tem sido limitado, graças a uma certa resistência popular, nos tribunais e até mesmo dentro da própria administração pública.

Também está claro que muitas das ferramentas de repressão são anteriores ao 11 de setembro, e já existiam mesmo antes de a presente administração assumir o poder. As ferramentas foram forjadas com base em leis contra o terrorismo promulgadas durante a administração Clinton, também pela já antiga legislação de imigração, que sempre foi potencialmente repressiva, e ainda por leis relativas ao serviço de informações sobre estrangeiros. É verdade que o governo federal adotou novas leis, como o USA Patriot Act, sobre o qual vocês já devem ter ouvido falar, e sobre o qual falarei mais adiante; mas leis como essa trazem apenas mudanças adicionais. Os governos locais e o nacional vêm se aproveitando principalmente do potencial repressivo da legislação já existente; organizações não-governamentais como a American Civil Liberties Union, há anos vêm nos advertindo sobre os perigos de tais leis.

No Brasil, tal como em muitas outras nações, a maioria da população não lida com problemas desse tipo, nem é diretamente afetada por eles. São notícias estrangeiras, talvez interessantes, mas algo remotas. Assim, na medida do possível, tentarei relacionar os problemas com experiências latino-americanas. As atitudes atuais do governo norte-americano não são comparáveis à repressão, legal e extralegal, existente no Cone Sul de vinte anos atrás. Mas algumas delas são aflitivamente familiares para muitos. Entre elas, a detenção de centenas de pessoas por longos períodos, sem conhecimento da opinião pública, ou a tática de afastar os suspeitos dos processos criminais e mantê-los sob custódia militar, em nome da segurança, impedindo que sejam soltos mediante habeas corpus e sujeitando-os a interrogatórios intermináveis.

Também pode parecer-lhes familiar a reação de alguns tribunais. Em vários casos, os juízes rejeitam as medidas repressivas tomadas pelo governo; no geral, porém, se empenham em aprovar tais ações, sempre que possível, mesmo que no íntimo não concordem com elas. Os juízes hesitam em interferir nos atos do executivo, pois temem ser desobedecidos. Não vêem vantagem em enfraquecer sua legitimidade, expedindo mandados que serão desafiados em nome da guerra contra o terror.

Em alguns casos, as ações do governo americano entraram em conflito com a lei humanitária internacional ou com os direitos humanos. Essas medidas jamais são mencionadas pelo governo e raramente por qualquer outra pessoa no país, exceto por especialistas em direito internacional.

02

Invasão de privacidade

A grande onda de protestos do público contra as intrusões do governo em sua privacidade ocorreram no final da década de 1960 e no início da seguinte. Naquela época, quando o governo reivindicava o poder de efetuar escutas telefônicas de grupos radicais do país, a Suprema Corte sustentou que, para tais medidas, a autoridade pública estava constitucionalmente obrigada a obter uma autorização judicial, fundamentada na demonstração da probabilidade de que um crime fora ou poderia vir a ser cometido.2 Entretanto, na época, estava claro que a coleta de informações sobre estrangeiros, que não seria usada em um processo penal interno, poderia ser efetuada com menos restrições, pois a Constituição não se aplica a estrangeiros que não se encontram no país. Um tribunal especial foi estabelecido para expedir mandatos para a obtenção de informações no exterior, com base em um nível de exigências bem mais baixo, bastando, muitas vezes, uma simples solicitação governamental. Milhares dessas ordens judiciais têm sido concedidas ao longo dos anos.

Mais ou menos na mesma época, na década de 1970, foram criadas restrições à espionagem realizada pela polícia contra grupos políticos nos Estados Unidos. Um famoso relatório do Senado descreveu os abusos de agentes federais que incitavam ao crime, promoviam a dissensão em grupos políticos e disseminavam informações danosas fora desses grupos.3 Práticas semelhantes foram encontradas nos departamentos de polícia estaduais e federais, inclusive em Nova York. Após vários processos judiciais, firmou-se uma espécie de “trégua” negociada, reconhecendo que, como regra geral, não seria permitido à polícia praticar espionagem apenas por razões políticas, mas unicamente com base em informações que apontassem para a possibilidade de práticas criminosas.

Os governos federal e local se aproveitaram do temor do público depois do 11 de setembro para permitir um grau maior de invasão da privacidade, quer por meios eletrônicos, quer recorrendo a informantes e infiltração, não apenas na esfera da inteligência internacional, mas, igualmente, em casos criminais e contra os ativistas políticos nacionais.

Atualmente, admite-se que o governo use ordens judiciais do United States Foreign Intelligence Court (tribunal de recursos da inteligência internacional) em crimes domésticos. Um dos artigos do USA Patriot Act, sancionado logo após o 11 de setembro, estipula que esse tribunal pode autorizar escutas telefônicas, tanto em investigações domésticas quanto nas estrangeiras. Esse dispositivo era quase invisível no texto da lei, pois foi preciso alterar apenas duas palavras da legislação anterior, que permitia a escuta telefônica para fins do serviço de inteligência internacional.4

O Foreign Intelligence Court também pode ser utilizado para fins mais gerais de espionagem política. O USA Patriot Act permite ao tribunal conceder ordens judiciais para a produção de documentos relacionados a uma investigação. Essa medida aparentemente inocente pode ser usada, por exemplo, para solicitar que as bibliotecas revelem quais livros foram retirados pelos leitores, sem poder informar aos leitores que eles estão sob investigação. Após uma tempestade de críticas, em setembro deste ano [2003], o secretário de Justiça, John Ashcroft, anunciou que o Departamento de Justiça jamais havia “usado” essa lei para forçar qualquer biblioteca a entregar seus registros, afirmando opor-se a “distorções e informações errôneas” relacionadas a ela.5 Talvez ao pé da letra seja verdade que o governo jamais foi ao tribunal a fim de conseguir uma ordem judicial para forçar qualquer biblioteca a revelar informações, mas um levantamento prévio revelou que o FBI obteve informações a respeito de centenas de leitores.6 Se há uma lei permitindo que as autoridades consigam essa informação por coerção, parece pouco provável que um bibliotecário recuse uma solicitação “voluntária”. Preciso acrescentar que os bibliotecários estão atemorizados e confusos?

Ao mesmo tempo, o governo vem mudando os padrões de vigilância e infiltração política da polícia, tentando anular as mudanças feitas na década de 1970. O secretário da Justiça alterou as diretrizes do FBI para a abertura de investigações sobre grupos internos, exigindo apenas uma “indicação razoá­vel” de atividade criminosa, ou até menos, no caso de um inquérito preliminar.

Os esforços para enfraquecer a proteção contra a espionagem política chegaram ao âmbito local em várias cidades, sendo Nova York o caso mais recente. Na década de 1970, foi movido um processo contra a polícia da cidade, alegando que ocorrera abuso de poder, por motivos políticos; este foi um dos inúmeros casos que levaram à “trégua” descrita acima.7 O caso foi resolvido na década seguinte. A polícia admitiu não investigar qualquer grupo político ou religioso, a menos que tivesse dados a respeito do envolvimento desse grupo com o crime; tais investigações deveriam ser aprovadas por uma comissão constituída de dois oficiais de polícia e uma pessoa de fora. Ela também concordou em limitar a divulgação de relatórios sobre a atividade política. E – muito importante – o tribunal federal se predispôs a fazer cumprir o acordo, o que chamamos em nossa legislação de “decreto de consenso” (consent decree). A ordem judicial vigorou durante dezessete anos e, aparentemen-te, funcionou bastante bem.

Depois de todos esses anos,  no segundo semestre de 2002, a polícia voltou ao tribunal federal para desfazer o acordo, alegando que, diante da ameaça do terrorismo, não poderia mais condicionar as investigações à necessidade de uma informação específica que apontasse para um crime, ou restringir a divulgação de dados. Os advogados da parte contrária, entre os quais me incluo, lutaram contra isso, mas o tribunal aprovou diretrizes para investigações similares às do FBI e depois saiu de cena, sem nem mesmo incorporar as diretrizes à sua decisão.

Então ocorreu um escândalo, pequeno, mas significativo. A polícia de Nova York começou a prender pessoas em manifestações contra a guerra, e a intimidá-las com perguntas sobre suas afiliações políticas. Nada a ver com terrorismo, nada a ver com influência estrangeira – eram apenas cidadãos que se opunham à atual política externa. Manifestantes pacíficos em Nova York eram pegos de surpresa e intimidados; muitos quiseram dar queixa à justiça. Agora estávamos de volta ao tribunal, e o juiz, irritado com as táticas policiais, incorporou as novas diretrizes para investigações em sua decisão, dando-lhes força de ordem judicial.

Todas essas alterações na proteção da privacidade são significativas – fraco nível de exigência na obtenção de mandado judicial para realizar escuta telefônica em casos criminais e obter informações em bibliotecas e outras instituições, e enfraquecimento da proteção contra espionagem. Porém, o mais importante nisso tudo, o ponto que desejo enfatizar, é que as alterações não foram dirigidas principalmente contra o terrorismo estrangeiro. Os mandados do Foreign Intelligence Court podem agora ser empregados em assuntos domésticos. As alterações das diretrizes do FBI a que me referi não servem para investigar o terrorismo estrangeiro. O FBI tem um conjunto de diretrizes especiais para tais investigações, secretas há anos, e eu não faço a mínima idéia de seus dispositivos. As diretrizes que foram alteradas são as que tratam da criminalidade interna e de outros assuntos. No momento em que escrevo, oNew York Times noticia que os novos poderes foram amplamente usados em assuntos criminais domésticos.8 E a história que relatei sobre as mudanças em Nova York é um exemplo de como as alterações são feitas com o objetivo de atingir o povo – o povo americano que não concorda com o governo.

03

Processos criminais posteriores a 11 de setembro

São poucos os processos instaurados por crimes posteriores aos eventos de setembro de 2001 – em parte, na realidade, por terem decorrido apenas dois anos desde aquela data. Além do mais, embora tenham envolvido centenas de pessoas, as detenções feitas pelo governo revelaram pouquíssimos crimes graves. E foi porque o governo não teve muitos casos de peso para levar a julgamento, por mais que quisesse encontrá-los, que ocorreu o incidente que relato a seguir. Ou, pelo menos, é o que me parece.

Esse caso diz respeito a uma advogada de Nova York, Lynne Stewart, indiciada em 2002, juntamente com outros dois advogados, por fornecer “apoio material” a uma organização terrorista estrangeira, cometer fraude e mentir para o governo dos Estados Unidos. São acusações graves. A de fornecer apoio material a uma organização terrorista estrangeira decorre das leis antiterrorismo sancionadas durante a administração Clinton, que reputam ser crime apoiar qualquer organização rotulada pelo governo como entidade terrorista estrangeira. A configuração do crime não depende de algum auxílio real a terroristas, ou da intenção de ajudar o terrorismo. Tudo de que se precisa é que o acusado tenha apoiado uma das organizações proibidas. Assim, por exemplo, se uma instituição beneficente muçulmana enviar donativos para organizações na Palestina, e algumas delas for violentamente contra Israel, essa instituição será rotulada como organização terrorista estrangeira – e dar dinheiro a ela será considerado crime. Isso aconteceu com várias organizações muçulmanas.

Uma das organizações rotulada como terrorista sob essa lei chamava-se Grupo Islâmico, com sede no Egito. O xeque Abdel-Rahman, líder religioso muçulmano supostamente ativo no grupo, era um refugiado egípcio. Em 1995, o xeque e vários outros acusados foram condenados por conspirar para bombardear locais públicos de Nova York, inclusive o World Trade Center. Sua defesa baseou-se em parte na afirmação de que sua pregação era meramente retórica – pois trabalhava em uma mesquita –, e na realidade não planejara ato algum de violência. O júri não se convenceu e ele foi condenado à pena de prisão perpétua e mais alguns anos. Lynne Stewart, uma advogada que participou de sua defesa, tinha um histórico de envolvimento com causas radicais e se interessou pelo caso do xeque.

Enquanto trabalhava na apelação da sentença, em 2000, Lynne Stewart visitou o xeque na prisão, acompanhada de um tradutor árabe. A visita foi gravada eletronicamente, assim como suas conversas telefônicas com os seguidores do xeque. Como ele era considerado um prisioneiro político perigoso, a advogada precisou assinar uma “medida administrativa especial”, pois ele estava impedido de se comunicar com pessoas de fora. Durante a visita, o xeque redigiu uma declaração que ela divulgou para a imprensa. Ela foi acusada também de ficar falando em inglês, em voz bem alta, para encobrir a conversa, em árabe, entre o xeque e o tradutor, impedindo que as autoridades entendessem o que diziam. A acusação alegou ainda que, ao telefone, ela concordou com a divulgação de uma mentira: de que a prisão não prestava cuidados médicos adequados ao prisioneiro. Supostamente, ela teria dito a um dos seguidores do xeque que ninguém iria descobrir a verdade.

Segundo a teoria oficial, a visita de Lynne Stewart, incluin­do a declaração à imprensa e o telefonema, constituiu “apoio material” para o Grupo Islâmico. A acusação de mentir e cometer fraude contra o governo surgiu porque a advogada assinou a medida administrativa especial. As autoridades alegaram que ela jamais teve a intenção de cumpri-la e, portanto, cometera fraude ao concordar com ela.

Tomemos um pouco de distância para examinar o aspecto político do caso. Todo o processo tomou por base leis que estavam em vigor antes da administração Bush, porém o mais importante é que os acontecimentos também eram anteriores a esse governo. Os fatos ocorreram durante a administração Clinton e, na época, não foram considerados suficientemente importantes para justificar a instauração de um processo. Depois do 11 de setembro, o governo passou a dar-lhes importância suficiente para entrar com uma ação. Ashcroft, secretário da Justiça, foi em pessoa a Nova York para anunciar a acusação, em 2002.

Nem preciso dizer que muitos advogados criminais de defesa nos Estados Unidos se sentiram ultrajados com a instauração desse processo. Ele se baseava em atos que sem dúvida haviam sido imprudentes, mas inúmeros advogados fariam o mesmo por um cliente. Além do mais, quase todas as provas estavam alicerçadas na escuta eletrônica de Lynne Stewart, na prisão e ao telefone. Aparentemente, a escuta fora autorizada como uma investigação contra estrangeiros, do tipo daquelas que já mencionei. É provável que a escuta seja tecnicamente admissível, mas ela ilustra o problema de tais táticas. Em um momento de descuido, a maioria de nós poderia ter dito algo como “decerto ninguém lá fora saberá disso”, sem supor que isso serviria para um indiciamento por conspiração. A escuta torna muito difícil o trabalho eficiente de um advogado. Ela nos intimida e nos deixa em constante alerta contra a espionagem estatal. Ashcroft reforçou esse ponto, introduzindo uma regra geral que autoriza o governo a monitorar as comunicações entre os prisioneiros e seus advogados em todos os casos, quer envolvam ou não terrorismo ou relações exteriores.9 Mais uma vez, o 11 de setembro está sendo usado como desculpa para um cerceamento geral do trabalho dos advogados de defesa.

Um dos melhores advogados do país concordou em defender Lynne Stewart, e persuadiu o tribunal a rejeitar algumas das acusações. Em agosto, o tribunal considerou que as palavras e os atos da advogada não constituíam “apoio material” para uma organização, como seria uma contribuição com fundos. E sustentou que, se o significado das palavras incluís­se atos como os de Lynne Stewart, a lei seria vaga demais para definir um crime. Sem dúvida, foi um grande alívio para a defesa; todavia, a advogada ainda está sendo acusada de mentira e fraude a respeito da medida administrativa especial. E ainda não sabemos qual o alcance do crime de “apoio material” para uma organização terrorista estrangeira.

Enquanto preparava o processo contra Stewart, a administração Bush também se apressava em expandir o alcance das leis contra o terrorismo. O USA Patriot Act define “terrorismo doméstico” como atos criminosos que ameacem a vida “com o objetivo […] de influenciar a política do governo mediante a coerção”.10 Até agora não se instauraram processos por esse crime, mas parece claro que o governo tenta usar o temor criado pelo terrorismo internacional para atingir protestos domésticos violentos, como os tumultos em Seattle em torno do comércio e das finanças internacionais.

04

As detenções ocorridas desde o 11 de setembro

As detenções foram muito mais comuns que os processos criminais. Talvez sejam, até o momento, o maior sinal de repressão, apesar de ainda ser cedo demais para dizer o que o futuro trará. Imediatamente após o 11 de setembro, o governo efetuou a captura de centenas de pessoas, sobretudo estrangeiros, e praticamente todas, até onde pude perceber, com sobrenome muçulmano ou árabe. Por exemplo, dois cidadãos norte-americanos com nomes que pareciam árabes foram presos ao voltar de uma viagem ao México, e um deles permaneceu detido durante dois meses.11

Essas centenas de pessoas foram presas sob pretextos varia­dos: pequenos delitos, questões de imigração, ou mesmo a vaga alegação de ser “testemunha material”, expressão que autoriza a detenção, pela legislação americana. No entanto, a verdade é que não sabemos exatamente quantas foram presas, os motivos alegados, quem são ou o que houve com elas, pois o governo simplesmente se recusou a prestar qualquer informação ao público. Como indivíduos, se suas famílias conseguissem encontrá-los e se comunicar com eles, pode­riam contratar os serviços de um advogado. O secretário da Justiça aumentou o sigilo decretando que, nesses casos, os procedimentos da imigração ficariam interditados à imprensa e ao público.12 Apesar das inúmeras reclamações por parte de conhecidas organizações de direitos humanos, a tática do governo teve bastante sucesso, o que provavelmente não surpreenderia um advogado latino-americano; na medida em que os procedimentos governamentais são mantidos em segredo, fica difícil para o público acompanhar tais ações. Essas centenas de presos receberam bem pouca simpatia do público, pois constituíam apenas um vago grupo de pessoas não-identificadas; supunha-se que eram em sua maioria estrangeiros, e que seriam deportados por terem violado sua condição de imigrantes. Na verdade, centenas acabaram sendo libertados dentro dos Estados Unidos. A condição dessas pessoas era apenas um pretexto; parece que as mesmas táticas sigilosas teriam sido adotadas se a maioria dos detidos fosse composta por cidadãos americanos.

Nos Estados Unidos, as ONGs, apoiadas pela imprensa, entraram com uma ação para forçar o governo a revelar os nomes e as acusações e, a princípio, um juiz determinou que o governo deveria revelar os nomes dos detidos. Mas o poder público entrou com recurso e o tribunal de apelação em Washington decidiu que as ONGs não tinham o direito de saber esses nomes. Ao tomar essa decisão, o tribunal declarou: “É papel do executivo melhorar e exercer sua perícia na proteção da segurança nacional. Não cabe aos tribunais questionar as decisões do executivo tomadas em prol da consecução do papel precípuo desse poder”.13

O tribunal de apelação se apoiou em casos recentes, julgados por outros tribunais que assumiram posição semelhante, de que não poderiam interferir nas decisões do executivo. O resultado foi desastroso para as centenas de pessoas detidas após o 11 de setembro. Quando o governo esconde seus atos do público, ou quando seus atos não são transparentes, é possível que esteja escondendo abusos cometidos contra os que são mantidos sob custódia, como os advogados da América Latina sabem por experiência própria. Era exatamente isso o que a imprensa e as ONGs temiam no caso desses detidos, e com razão. Apesar de, no momento, a maioria deles ter sido solta – alguns foram deportados dos Estados Unidos, mas centenas ganharam a liberdade dentro do país –, na primavera de 2003, o corregedor-geral do Departamento de Justiça emitiu um relatório criticando a maneira como haviam sido tratados.

Parece que o corregedor-geral se incumbiu de redigir um relatório detalhado, de mais de trezentas páginas, em parte porque havia tão pouca informação pública sobre as prisões. Os abusos identificados por ele eram exatamente o que esperaríamos naquelas circunstâncias. Em geral, os motivos de suspeita eram quase nulos. O corregedor-geral exemplifica com o caso de um homem do Oriente Médio que encomendou um carro em uma revendedora, em setembro de 2001. Ele foi preso por não aparecer para buscar o carro e só foi solto seis meses depois. Em outro caso, alguns homens originários do Oriente Médio que trabalhavam na construção de uma escola de Nova York foram parados por causa de uma infração de trânsito; e presos porque, naturalmente, carregavam a planta da escola no carro. A posição do governo era de que ninguém poderia ser solto até que a suspeita de terrorismo pudesse ser descartada e, como resultado, havia grande relutância em liberar qualquer um que fosse. O período de detenção era extraordinariamente longo – em média, de mais de oitenta dias, de onde se infere, é claro, que muitas vezes fosse bem maior. Os três órgãos públicos envolvidos – Federal Bureau of Investigation (FBI), Central Intelligence Agency (CIA) e Serviço de Imigração – não possuíam pessoal suficien­te para processar um número tão elevado de pessoas e, além disso, não estavam acostumados a coordenar seus trabalhos. Sem a vigilância da população, eles não tinham qualquer incentivo para agilizar os processos.

Além de tudo, em muitos casos o corregedor relatou que as autoridades trataram os presos como se já estivessem condenados por atos terroristas, embora a maioria nem mesmo tivesse sido acusada por qualquer crime. Muitos permaneceram confinados em uma seção de segurança máxima da cadeia federal de Manhattan. As celas eram pequenas, luzes e câmaras de vídeo permaneciam ligadas e os prisioneiros sempre saíam algemados de suas celas. Durante as duas primeiras semanas após o 11 de setembro, foram impedidos de entrar em contato com suas famílias ou advogados e não tinham permissão para telefonar. Alguns contaram que os guardas os ameaçavam com frases como “você nunca mais vai sair daqui”.14

Em síntese, o relatório do corregedor é um documento oficial extraordinário. Ele recomendou várias mudanças no procedimento dos órgãos do governo – para, dois meses depois, informar que muitas delas ainda não tinham sido adotadas.

A detenção desse primeiro grupo de centenas de indivíduos, por pior que tenha sido, não foi o fim dos problemas enfrentados por estrangeiros após o 11 de setembro. O serviço de imigração criou um sistema especial de registro para homens e meninos de vários países, a maioria árabes ou muçulmanos. Milhares de homens foram obrigados a procurar as autoridades para se registrar, sendo às vezes detidos sem aviso. Em Los Angeles, em dezembro de 2002, as autoridades da imigração prenderam quatrocentas pessoas, mantendo muitas delas em condições cruéis, em celas superlotadas.15 As detenções em massa, tendo por única justificativa a origem no Oriente Médio, geraram pânico e consternação entre a comunidade muçulmana espalhada por todo o território norte-americano.

Se as detenções nos Estados Unidos afetaram milhares de pessoas, o aprisionamento dos assim chamados combatentes inimigos suscitou as questões legais mais sérias. Nesses casos, o governo se omitiu, ou se recusou a apresentar acusações, e também se desobrigou de levar essas pessoas aos tribunais.

Em ações anti-terroristas empreendidas fora do território norte-americano, sobretudo no Afeganistão, o exército e outras instâncias prenderam centenas de pessoas e a maioria foi levada a um enclave americano em Cuba, em Guantánamo. Embora o governo cubano seja tecnicamente soberano sobre esse território, ele foi arrendado pelos Estados Unidos, por cem anos, para estabelecer uma base militar.

Algumas das pessoas detidas em Guantánamo alegam que foram capturadas por acaso, em batidas realizadas por tropas locais afegãs. Mas jamais conseguiram ser ouvidas em tribunal algum. Os Estados Unidos assumiram diversas posições que não são inteiramente consistentes com as leis internacionais, mas em geral tiveram êxito nos tribunais americanos e perante a opinião pública. Aqueles que foram capturados em guerra, assim parece, deveriam ser tratados como prisioneiros de guerra, de acordo com a Convenção de Genebra de 1949. Nos termos do artigo 5o da Terceira Convenção de Genebra, os detidos cujo status legal é questionável deveriam ter o direito a uma audiência em um “tribunal competente” para determinar esse status. Entretanto, os Estados Unidos jamais aceitaram que qualquer um fosse denominado “prisioneiro de guerra”. Em nome dos detidos, foi apresentado um protesto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e, em 12 de março de 2002, a comissão adotou medidas preventivas exigindo que os Estados Unidos “tomassem as necessárias e urgentes providências para que um tribunal competente determinasse o status legal dos detentos na baía de Guantánamo”. Pelo que sei, até agora a mídia e o governo dos Estados Unidos continuam a ignorar essa importante decisão.

Em lugar de um tribunal determinar o status legal dos presos, o governo dos Estados Unidos os designou “combatentes inimigos”, termo sem significado exato na lei internacional. Alguns tentaram obter um habeas corpus para esclarecer sua posição, alegando que qualquer pessoa privada da liberdade por funcionários norte-americanos, em local controlado pelos Estados Unidos, tinha esse direito. O governo argumentou que Guantánamo se encontrava fora da jurisdição dos Estados Unidos e, como os detentos não possuíam direitos de cidadãos, não havia jurisdição hábil para a expedição de um habeas corpus. O tribunal de apelações acatou os argumentos do governo e rejeitou a petição.16

Ao que parece, o governo prendeu pessoas em Guantánamo para poder alegar que os tribunais norte-americanos não tinham jurisdição sobre elas, e essa tática foi bem-sucedida. Creio que os tribunais estão aliviados por terem conseguido evitar a revisão das decisões estatais sobre o motivo das prisões. No entanto, isso apenas deixa em aberto a questão a respeito do que o governo pretende dos detentos, e nesse ponto a intenção é muito clara: quer saber tudo sobre o terrorismo. Deseja poder interrogar os detentos até ter certeza de que conseguiu todas as informações possíveis. O governo libertou umas poucas pessoas que pareciam nada saber. Também está clara a razão pela qual o governo não considera os detentos como prisioneiros de guerra. Se fossem assim denominados, eles não teriam obrigação de dar informações a seus captores.

05

Há dois casos de cidadãos detidos nos Estados Unidos rotulados como “combatentes inimigos”. Eles enviaram petições de habeas corpus e seus casos não podem ser descartados com tanta facilidade quanto os de Guantánamo, pois expõem perfeitamente a questão dos poderes do executivo. Embora sejam tão poucos, são juridicamente significativos.

O primeiro caso, Hamdi, envolve um cidadão americano que efetivamente combateu no Afeganistão ao lado do Taleban. O presidente declarou-o combatente inimigo e enviou-o para um centro militar de detenção. Seu pai enviou uma petição de habeas corpus para determinar seu status legal e o tribunal de apelações emitiu uma opinião restrita.17 O tribunal julgou que, sendo cidadão, ele tinha direito de requerer habeas corpus. Mas, segundo o tribunal, em tempos de guerra o presidente tem o poder de decretá-lo combatente inimigo, determinação que os tribunais não podem rever. Assim, o tribunal não poderia conceder-lhe o habeas corpusou ajudá-lo de alguma forma. Com relação ao argumento de que Hamdi tinha direito a uma audiên­cia nos termos da Convenção de Genebra, o tribunal simplesmente disse que a Justiça Federal americana não tinha jurisdição para examinar casos sob a Convenção. Esse caso talvez seja menos alarmante, porque aparentemente Hamdi participou de um exército inimigo.

O outro caso é bem mais perturbador. Ninguém alega que José Padilla, cidadão norte-americano, tenha participado de algum combate contra os Estados Unidos em qualquer sentido relevante do termo. Primeiro, ele foi preso como testemunha, sob a suspeita de que tivesse conhecimento de atividades terroristas. Foi designado um advogado para representá-lo. Nada de extraordinário, nos dias que correm. De repente, como o governo suspeitava de uma importante conexão com conspiradores terroristas, Padilla foi declarado combatente inimigo e posto sob custódia militar. Nem o advogado, nem qualquer outra pessoa recebeu autorização para entrar em contato com ele – ele estava e permanece incomunicável. Seu advogado requereu um habeas corpus. Como no caso Hamdi, o tribunal sustentou que Padilla tinha direito de submeter a petição e que o presidente tinha poder de declará-lo combatente inimigo.18 Mas o tribunal também acrescentou que Padilla tinha o direito de questionar as bases para a decisão e precisaria ver seu advogado; não podia ser mantido incomunicável. E foi nesse ponto que o conflito com o executivo aconteceu.

O governo se recusou a cumprir a ordem e tentou fazer com que o juiz mudasse de idéia. Este, um magistrado de primeira instância da Justiça Federal, ficou evidentemente frustrado e mesmo enfurecido. Porém, o governo jamais permitiu que Padilla visse seu advogado e o juiz desistiu, encaminhando o caso em recurso extraordinário, que ainda não foi a julgamento. Enquanto tentava manter Padilla incomunicável, o governo enfim explicou o que seus interrogadores desejavam. Aqui, cito a declaração de um comandante da Defense Intelligence Agency (DIA):

Desenvolver o tipo de relacionamento de confiança e dependência necessário para a realização de interrogatórios eficientes é um processo que pode levar muito tempo. Há inúmeros exemplos de situações em que os interrogadores foram incapazes de obter informações valiosas durante meses, até mesmo anos, após o início do processo.

Qualquer coisa que ameace a confiança e a dependência experimentadas entre o interrogado e o interrogador ameaça diretamente o valor do interrogatório como instrumento de coleta de informações. Até mesmo interrupções aparentemente sem importância podem exercer profundo impacto psicológico nas delicadas relações entre o interrogado e o interrogador. Qualquer inserção de aconselhamento nas relações entre o interrogado e o interrogador – mesmo por tempo limitado ou para um propósito específico – pode desfazer meses de trabalho e interromper permanentemente o processo de interrogação.

Creio que o significado disso é bem claro. As autoridades alegam que o presidente tem o poder de afastar uma pessoa do processo no tribunal e confiná-la sob custódia militar. Na verdade, vão mais longe, alegando que o homem não será torturado, mas apenas interrogado, até fornecer as respostas desejadas. E se o tribunal afirmar que as autoridades não podem agir desse modo, elas simplesmente desobedecerão à decisão judicial.

Essa postura traz semelhanças com a situação jurídica vivenciada durante as ditaduras na América Latina. O governo afirma que pode prender pessoas e pô-las sob custódia militar a seu bel-prazer. Nessa condição, elas permanecerão incomunicáveis e sujeitas a infindáveis interrogatórios. Um pedido de habeas corpus ou de outro recurso similar mostra-se inútil, ainda que tecnicamente admissível. O requerente pode protocolar a petição, mas se o tribunal acatá-la, o governo desafiará o tribunal. Isso deixa os tribunais em uma posição embaraçosa. Eles não possuem meios de fazer cumprir suas determinações sem o auxílio do poder executivo, e se suas decisões forem desafiadas, ficarão em condições piores do que se jamais houvessem acatado o pedido. É provável que procurem meios de evitar deferir tal petição.

O triste histórico de detenções durante períodos repressivos anteriores levou o sistema interamericano de direitos humanos a estabelecer uma instância específica para os pedidos dehabeas corpus. Como vocês provavelmente já sabem, na década de 1980 o Tribunal Interamericano determinou que o habeas corpus é um direito básico de tal importância que não pode ser suspenso, mesmo em situação de emergência nacional. Ele não é derrogável.19 Creio não haver dúvida de que o tribunal busca deixar claro para os governos do Ocidente que o padrão de deter e interrogar pessoas, mantendo-as incomunicáveis e sem recursos legais, é a ferramenta essencial da repressão; se o poder dos tribunais de acatar as petições de habeas corpus for reconhecido, o poder da repressão será amplamente enfraquecido. A Convenção Internacio­nal para os Direitos Civis e Políticos não foi tão precisa; parece que a proteção do habeas corpus pode ser suspensa em situações de emergência nacional, porém apenas se for feita uma declaração minuciosa das condições de emergência ao secretário-geral das Nações Unidas.

Naturalmente, os Estados Unidos não fizeram tal declaração e é bem pouco provável que a façam. A Constituição dos Estados Unidos determina que o direito ao habeas corpus não pode ser suspenso, exceto “em casos de rebelião ou invasão, quando a segurança pública assim o exigir”.20 O governo americano não assumiu uma atitude oficial de suspender o habeas corpus, ou qualquer outro direito; e seria politicamente muito difícil adotar tal postura. Em vez disso, evitou enfrentar o problema tomando a posição de que, com efeito, os declarados combatentes inimigos não têm direito aos benefícios desse mandado, mesmo no caso de serem cidadãos. Sem dúvida, o governo diria que está engajado em uma guerra contra o terrorismo e que Padilla participou dessa guerra; mas isso implica que qualquer pessoa acusada de conexão com o terrorismo estrangeiro pode ser detida e mantida incomunicável, sem direito a um recurso eficiente. Trata-se de uma posição espantosa e perigosa.

Quais as lições a serem tiradas dessas experiências análogas, nas duas metades do hemisfério? Elas sugerem que a resposta provável dos governos a graves ameaças à segurança nacional será similar. O governo se aproveitará da ameaça, não só para agir contra seus inimigos, como também para controlar e disciplinar a massa da população, sejam cidadãos do país ou estrangeiros. Assim fazendo, estará justificando as invasões de privacidade, os processos políticos e as detenções maciças. Ele tentará manter sua atuação em segredo, tanto quanto possível, para que haja menos protestos públicos; e o próprio sigilo tanto ocultará quanto encorajará os abusos. Mais importante: o governo deixará claro para os tribunais que, se desafiarem o executivo, o executivo, em contrapartida, os desafiará. É possível que mesmo um judiciário totalmente independente receie se tornar ineficiente sob tais circunstâncias.

Por outro lado, não desejo pintar um quadro totalmente pessimista. Com certeza, há problemas nos Estados Unidos que apontam para um quadro de repressão. Invasões de privacidade, aumento da vigilância política, interferência no trabalho dos advogados, assédio de pessoas devido a suas ligações árabes ou muçulmanas, sigilo governamental e detenções sem direito a recurso visando interrogatório ilimitado são problemas perturbadores. Na verdade, são intimidantes tanto para o judiciário quanto para todos nós, nos Estados Unidos.

Entretanto, há uma oposição imensa às medidas adotadas até agora. Milhares marcham em manifestações contra o governo e dezenas, como eu, escrevem artigos criticando o governo. Até o momento, não foi tomada nenhuma medida séria contra nós. O secretário da Justiça tem viajado pelo país, tentando se contrapor às críticas, o que significa que a questão começa a preocupar o governo. Alguns juízes, sobretudo os de primeira instância, têm rejeitado a argumentação jurídica do governo, ainda que não venham sendo muito bem-sucedidos em suas apelações. Não obstante, o processo de apelações não terminou. E alguns funcionários do governo já se declararam contra os abusos governamentais, como no caso da crítica do corregedor-geral à detenção de estrangeiros.

Embora o Congresso não tenha feito quase nada para resistir ao USA Patriot Act em 2001, rejeitou algumas tentativas de introduzir outros programas repressivos nos últimos dois anos. Alguns dos dispositivos mais invasivos de fiscalização inseridos nessa lei estarão prescritos em 2005.21

Além do mais, o USA Patriot Act não se mostrou uma medida completamente repressiva. Para aplacar os receios que suscitou, o Congresso determinou em um dos artigos da Lei que o corregedor-geral do Departamento de Justiça deveria receber as reclamações de violação da liberdade civil e informar a respeito;22 foi esse dispositivo que permitiu ao corregedor-geral conduzir suas investigações. Ele poderia ignorar essa determinação, ou simplesmente efetuar sua investigação de forma aparente; pouquíssimos teriam notado. Em vez disso, levou seu trabalho a sério. Enquanto houver cidadãos vigilantes e funcionários responsáveis, os poderes da repressão permanecerão restritos.

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Notas

1. Declaração de John Ashcroft, 6 de dezembro de 2001.

2. US vs US District Court, 407 US 297 (1972).

3. “Final Report of the Select Committee to Study Gov’tl Operations with Respect to Intelligence Activities”. Relatório do Senado 94-755 (1976).

4. USA Patriot Act, seção 218. Nancy Chang, “How Democracy Dies: The War on Our Civil Liberties”. In: Cynthia Brown (ed.), Lost Liberties. Nova York: New Press, 2003, p. 43.

5. Eric Lichtblau, “US Says It Has Not Used New Library Records Law”. New York Times, 19 set. 2003, A20.

6. USA Patriot Act, seção 215. Nancy Chang, op. cit., p. 44.

7. Chevigny, “Politics and Law in the Control of Local Surveillance”. Cornell Law Review, 69: 735-84, 1984, descreve a situação tal como era há vinte anos.

8. Eric Lichtblau, “US Uses Terror Law to Pursue Crimes from Drugs to Swindling”. New York Times, 28 set. 2003, A1.

9. 28 Code of Fed. Regulations, seção 501.3d. Chang, op. cit., p. 38.

10. USA Patriot Act, seção 802; 18 US Code sec. 1331.

11. Kate Martin, “Secret Arrests and Preventive Detention”. In: Cynthia Brown, op. cit., p. 77.

12. Id., pp. 79-80.

13. Center for National Security Studies vs US Dept. of Justice (D.C. Cir. 2003). Caso n. 02-5254, 02-5300.

14. US Dept. of Justice, Office of the Inspector General, “The September 11 Detainees: A Review of the Treatment of Aliens Held on Immigration Charges in Connection with the Investigation of the September 11 Attacks” (Washington DC, abr. 2003).

15. Lawyers Comm for Human Rights, “Imbalance of Powers”, 43 (2003).

16. Al Odah vs US 321 F.2d 1134 (D.C.Cir. 2003).

17. Hamdi vs Rumsfeld, 316 F. 2d 450 (4th Cir. 2003).

18. Padilla ex. rel. Newman vs Bush, 233 F. Supp. 2d 564 (S.D.N.Y. 2002).

19. Inter-American Court of Human Rights, Advisory Opinions 8/87 and 9/87.

20. US Constitution, artigo 1º, seção 9, cláusula 2.

21. USA Patriot Act, seção 224.

22. USA Patriot Act, seção 1.001.

Paul Chevigny

Professor da cátedra Anne B. and Joel S. Ehrenkranz na Faculdade de Direito da New York University.