O objetivo do artigo é analisar diferentes linhas de trabalho das organizações de direitos humanos que atuam no campo dos direitos econômicos, sociais e culturais. Nesse sentido, a partir da definição das principais características desses direitos e de sua estrutura, é analisada a possibilidade de exigi-los nas instâncias judiciais, enfocando também os problemas e os limites das estratégias de tutela judicial. Na segunda parte, é abordado o debate sobre o papel dos tribunais em questões vinculadas a políticas sociais e examinado, sob a perspectiva das organizações de direitos humanos, o aparente impasse entre as estratégias de incidência judicial e as de incidência política, bem como sua possível articulação.
Quem defende a tese de um “defeito de origem” nos direitos econômicos, sociais e culturais enquanto direitos demandáveis acredita que o cerne da impossibilidade de se conseguir sua exigibilidade está em sua própria natureza. Os argumentos usados pelos opositores da aplicação judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais se baseiam na diferença entre a natureza desses direitos e a natureza dos direitos civis e políticos.
Um dos aspectos sempre reiterados para sustentar a pretensa distinção dos direitos civis e políticos em relação aos econômicos, sociais e culturais é o suposto caráter de obrigatoriedade negativa do primeiro gênero de direitos, enquanto os direitos econômicos, sociais e culturais implicariam o nascimento de obrigações positivas que, na maioria dos casos, deveriam ser liquidadas com recursos do erário público.1 De acordo com essa posição, as obrigações negativas se esgotariam em um “não fazer” por parte do Estado: não deter arbitrariamente as pessoas, não aplicar penas sem julgamento prévio, não restringir a liberdade de expressão, não violar a correspondência nem os papéis privados, não interferir na propriedade privada etc. A estrutura dos direitos econômicos, sociais e culturais se caracterizaria, ao contrário, por obrigar o Estado a fazer, ou seja, a prestar atendimento positivo: fornecer serviços de saúde, assegurar a educação, preservar o patrimônio cultural e artístico da comunidade.
No primeiro caso, bastaria limitar a atividade do Estado, proibindo sua atuação em algumas áreas. No segundo, o Estado deveria necessariamente alocar recursos para prestar os serviços exigidos, de forma positiva.2 Essas distinções têm como base uma visão distorcida e “naturalista” do papel e do funcionamento da máquina estatal, que coincide com a posição de um Estado mínimo, responsável por garantir apenas justiça, segurança e defesa.3 Entretanto, até para os pensadores mais típicos da economia política clássica, como Adam Smith e David Ricardo, era mais do que óbvia a inter-relação entre as supostas “obrigações negativas” do Estado – em especial quanto à garantia da liberdade de comércio – e uma longa série de obrigações positivas vinculadas à manutenção das instituições políticas, judiciais, de segurança e defesa, condição necessária para o exercício da liberdade individual.
Smith, por exemplo, atribui ao Estado um papel ativo na criação das condições institucionais e legais para a expansão do mercado.4 O mesmo cabe assinalar com relação a muitos outros direitos “civis e políticos” – tal como o devido processo legal, o acesso à justiça, a formação de associações e o direito de eleger e ser eleito – que implicam a criação de condições institucionais correspondentes por parte do Estado (existência e manutenção de tribunais; estabelecimento de normas e registros que tornem juridicamente relevante a atuação coletiva de um grupo de pessoas; convocação de eleições; organização de um sistema de partidos políticos etc.).5
Mesmo certos direitos que parecem se ajustar com mais facilidade à caracterização de “obrigação negativa”, ou seja, que requerem uma limitação na atividade do Estado a fim de não interferir na liberdade dos cidadãos – por exemplo, a proibição de detenção arbitrária, de censura prévia à imprensa ou de violação à correspondência e aos papéis privados –, acarretam intensa atividade estatal para evitar que agentes do próprio Estado, ou particulares, interfiram nessa liberdade, de tal modo que a contrapartida pelo exercício desses direitos passa a ser o cumprimento de funções de polícia, segurança, defesa e justiça por parte do Estado. Evidentemente, o cumprimento dessas funções implica obrigações positivas, caracterizadas pela alocação de recursos, não bastando a mera abstenção do Estado.6
Em síntese, a estrutura dos direitos civis e políticos pode ser caracterizada como um complexo de obrigações negativas e positivas do Estado: obrigação de abster-se de atuar em certos âmbitos e de realizar uma série de funções, para garantir o gozo da autonomia individual e impedir que seja prejudicada por outros cidadãos. Dada a coincidência histórica dessa série de funções positivas com a definição do Estado liberal moderno, a caracterização dos direitos civis e políticos tende a tornar “natural” essa atividade estatal e enfatizar os limites de sua atuação.
Sob essa perspectiva, os direitos civis e políticos se distinguem dos direitos econômicos, sociais e culturais mais em uma questão de grau do que em aspectos substanciais.7 Pode-se reconhecer que a faceta mais visível dos direitos econômicos, sociais e culturais sejam as obrigações de fazer, e é por isso que às vezes são denominados “direitos-prestação”.8 Contudo, não é difícil descobrir, quando se observa a estrutura desses direitos, a existência concomitante de obrigações de não fazer: o direito à saúde compreende a obrigação estatal de não prejudicar a saúde; o direito à educação pressupõe a obrigação de não piorar a educação; o direito à preservação do patrimônio cultural implica a obrigação de não destruir esse patrimônio.
É por essa razão que muitas das ações legais tendentes à aplicação judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais são direcionadas para a correção da atividade estatal, quando esta deixa de cumprir obrigações de não fazer. Em suma, os direitos econômicos, sociais e culturais também podem ser caracterizados como um complexo de obrigações positivas e negativas do Estado, embora nesse caso as obrigações positivas se revistam de maior importância simbólica para identificá-los. Assim, por exemplo, Contreras Peláez, ao perceber a impossibilidade de uma distinção taxativa entre ambos os tipos de direito, afirma que para “os direitos sociais […] a prestação estatal representa verdadeiramente a substância, o núcleo, o conteúdo essencial do direito; em casos como o direito à assistência gratuita para a saúde ou a educação, a intervenção estatal acontece todas as vezes que o direito é exercido; a não-prestação desse serviço pelo Estado pressupõe automaticamente a denegação do direito”.9
É ainda possível mostrar outro tipo de problema conceitual que dificulta a distinção radical entre direitos civis e políticos, por um lado, e direitos econômicos, sociais e culturais, por outro, ressaltando as limitações dessas diferenciações e reafirmando a necessidade de um tratamento teórico e prático comum em relação a tudo que é substancial. A concepção teórica – e inclusive a regulamentação jurídica concreta de vários direitos tradicionalmente considerados “direitos de autonomia”, que geram obrigações negativas por parte do Estado – tem variado de tal modo que alguns dos direitos classicamente considerados “civis e políticos” adquiriram um indubitável aspecto social. A perda do caráter absoluto do direito de propriedade com base no interesse público é o exemplo mais cabal a respeito, ainda que não seja o único.10 As tendências atuais do direito de danos de responsabilidade civil atribuem um lugar central à distribuição social de riscos e benefícios como critério para determinar a obrigação de reparar.
O impetuoso surgimento de um direito do consumo transformou de modo substancial os vínculos contratuais, quando há consumidores e usuários participando da relação.11 A consideração tradicional da liberdade de expressão e de imprensa adquiriu dimensões sociais que ganham força pela formulação da liberdade de informação como um direito de todo membro da sociedade – que compreende, em certas circunstâncias, a obrigação positiva de produzir informação pública. As liberdades de empresa e de comércio são restringidas quando seu objeto ou seu desenvolvimento acarreta um impacto sobre a saúde ou o meio ambiente.12 Em suma, muitos direitos que por tradição estão incluídos no catálogo de direitos civis e políticos foram reinterpretados do ponto de vista social, de modo que as distinções absolutas também não têm razão de ser em tais casos.13 Nesse sentido, a jurisprudência dos órgãos de proteção internacional de direitos humanos e, em especial, a Corte Européia de Direitos Humanos (CEDH), estabeleceu a obrigação positiva dos Estados de: remover os obstáculos sociais que impossibilitam o acesso à jurisdição; tomar medidas apropriadas para evitar que alterações ambientais cheguem a constituir uma violação do direito à vida privada e familiar;14 e desenvolver ações afirmativas para impedir riscos previsíveis e evitáveis que afetem o direito à vida.15
Dada a interdependência dos direitos civis e políticos com os direitos econômicos, sociais e culturais, em muitos casos as violações dos primeiros afetam também os segundos, e vice-versa. A contundente diferenciação entre ambas as categorias costuma desvanecer quando se procura identificar a violação dos direitos em casos concretos. Muitas vezes, o interesse tutelado por um direito civil cobre também o interesse tutelado pela definição de um direito social. O limite entre uma categoria e outra é certamente tênue. Quando não existem mecanismos diretos de tutela judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais no direito interno dos Estados, ou no sistema internacional de proteção aos direitos humanos, uma estratégia indireta consiste em reformular as obrigações sujeitas à justiça do Estado em matéria de direitos civis e políticos, de modo a discutir a violação por essa via. Tal encaminhamento é de suma importância em países como, por exemplo, Espanha e Chile, onde a tutela jurisdicional, por meio de ações como a de amparo, se restringiu a um catálogo fechado de direitos denominados “fundamentais”, que em geral coincidem com os da lista clássica de direitos civis. Assim, fica possível ter acesso à tutela jurisdicional em situações de flagrante violação de um direito social. Nesse sentido, é de suma utilidade consultar o mecanismo de tutela de direitos sociais conexos com direitos fundamentais na jurisprudência da Corte Constitucional colombiana, como exemplo de uma modalidade de proteção indireta dos direitos sociais a partir de sua íntima relação com um direito civil ou político.16
O uso do direito à vida para proteger interesses amparados por direitos sociais é outra estratégia de proteção indireta de direitos econômicos, sociais e culturais, adotada no nível doméstico, mas que poderia ser aplicada também aos mecanismos de proteção internacional de direitos humanos. No sistema europeu, o direito à vida tem sido utilizado como forma de proteger interesses vinculados ao direito à saúde e de exigir, do Estado, obrigações positivas de proteção. No caso L. C. B. vs Reino Unido, o CEDH afirmou que o primeiro parágrafo do Artigo 2o da Convenção obriga os Estados não só a se abster de retirar a vida de alguém, intencional e ilegalmente, mas também a adotar medidas apropriadas para garantir a vida. No caso em questão, discutia-se o alcance do dever do Estado de fornecer informação adequada à requerente sobre as circunstâncias que poderiam ter minimizado ou evitado a doença de que sofria.
Também foi explorada, como estratégia de exigibilidade indireta de reivindicação de direitos sociais, a íntima relação entre a escolha de um modo de vida individual e o aproveitamento de bens culturais que identificam, por exemplo, uma determinada minoria, ou um povo indígena. Nesse sentido, o direito de autonomia – ou o direito de estabelecer um projeto de vida de forma autônoma – se aproxima do direito social de participar de certas práticas ou bens culturais. Argumentou-se, por isso, que o projeto de vida de cada membro dessa coletividade depende profundamente do desfrute de bens culturais – língua, religião, terra ancestral e práticas econômicas tradicionais – dos povos indígenas.17
Poderia então ser dito que a adscrição de um direito ao catálogo de direitos civis e políticos, ou ao de direitos econômicos, sociais e culturais, tem um valor heurístico, ordenador, classificatório; no entanto, uma conceitualização mais rigorosa levaria a admitir um continuum de direitos, no qual o espaço de cada direito estaria determinado pelo peso simbólico do componente de obrigações positivas ou negativas nele delineadas. Por esse raciocínio, alguns direitos, claramente passíveis de serem caracterizados segundo obrigações negativas do Estado, ficam enquadrados no horizonte dos direitos civis e políticos – caso, por exemplo, da liberdade de pensamento ou da liberdade de expressão sem censura prévia. No outro extremo, alguns direitos que em sua essência se caracterizam por obrigações positivas do Estado estarão contidos no catálogo de direitos econômicos, sociais e culturais – por exemplo, o direito à moradia.18 No espaço intermediário entre esses dois extremos há um espectro de direitos que conjugam uma combinação de obrigações positivas e negativas, em graus diversos: identificar se um deles está na categoria dos civis e políticos, ou no grupo dos econômicos, sociais e culturais resulta de uma decisão convencional, mais ou menos arbitrária.
Na mesma linha do que já foi dito, autores como van Hoof ou Asbjorn Eide propõem um esquema interpretativo que consiste em assinalar “níveis” de obrigações estatais que caracterizariam o complexo identificador de cada direito, independentemente de atribuí-lo ao conjunto de direitos civis e políticos ou ao de direitos econômicos, sociais e culturais. De acordo com a proposta de van Hoof,19 por exemplo, seria possível discernir quatro “níveis”: obrigações de respeitar, de proteger, de garantir e de promover o direito em questão. As obrigações de respeitar se definem pelo dever do Estado de não interferir nem obstaculizar ou impedir o acesso ao desfrute dos bens que constituem o objeto do direito. As obrigações de protegerconsistem em evitar que terceiros interfiram, obstaculizem ou impeçam o acesso a esses bens. As obrigações de garantir pressupõem assegurar que o titular do direito tenha acesso ao bem quando não puder fazê-lo por si mesmo. As obrigações de promover se caracterizam pelo dever de criar condições para que os titulares do direito tenham acesso ao bem.
Como se pode ver, o raciocínio de “níveis” de obrigações é perfeitamente aplicável a todo o espectro de direitos, sejam eles classificados como direitos civis e políticos ou como direitos econômicos, sociais e culturais. Boa parte do trabalho dos organismos de direitos humanos e dos órgãos internacionais de aplicação das normas internacionais de direitos humanos em matéria de direito à vida e direito à integridade física e psíquica (e as correspondentes proibições de morte e tortura) – em geral classificados como civis e políticos – consiste em reforçar os aspectos vinculados às obrigações de proteger e satisfazer esses direitos. Diversas medidas são utilizadas para isso, como: a investigação das práticas estatais violadoras; o julgamento ou o estabelecimento de responsabilidades civis ou penais a seus perpetradores; a reparação às vítimas; a modificação da legislação que estabelece foros especiais para o julgamento de fatos de morte, desaparecimento e tortura; a modificação dos programas de formação das forças militares e de segurança; e a inclusão de formas de educação em direitos humanos nos currículos escolares.
É importante repetir que a objeção à aplicabilidade judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais parte da consideração simplista de que esses direitos estabelecem exclusivamente obrigações positivas, idéia que, como vimos, está longe de ser correta.20 Tanto os direitos civis e políticos quanto os econômicos, sociais e culturais constituem um complexo de obrigações positivas e negativas. Mas convém aprofundar essa noção, pois de seu aperfeiçoamento dependem a extensão e o alcance da exigibilidade de ambos os tipos de direitos.
No que se refere às obrigações negativas, trata-se das obrigações de se abster de realizar certa atividade por parte do Estado. Por exemplo: não impedir a expressão ou a difusão de idéias; não violar a correspondência; não deter pessoas arbitrariamente; não impedir a filiação de uma pessoa a um sindicato; não intervir em caso de greve; não piorar o estado de saúde da população; não impedir uma pessoa de ter acesso à educação.
Quanto às obrigações positivas, convém estabelecer algumas distinções que nos darão a pauta do tipo de medidas que se pode exigir do Estado. Com certo automatismo, costuma-se vincular diretamente as obrigações positivas do Estado à obrigação de dispor de fundos. Não há dúvida de que se trata de um dos modos mais característicos de cumprir as obrigações de fazer ou de dar, em especial ao se falar em saúde, educação e acesso à moradia. No entanto, as obrigações positivas não se esgotam em ações que se resumem a dispor de reservas orçamentárias para oferecer uma prestação de serviços. As obrigações de fornecer serviços podem caracterizar-se pelo estabelecimento de uma relação direta entre o Estado e o beneficiário da prestação. Mas é possível, para o Estado, assegurar o gozo de um direito por meios diferentes, com a participação ativa de outros sujeitos obrigados.
1. Certos direitos se caracterizam pela obrigação do Estado de estabelecer algum tipo de regulamentação, sem a qual o exercício de um direito não tem sentido.21 Nesses casos, a obrigação do Estado nem sempre está vinculada à transferência de fundos ao beneficiário da prestação, mas precisamente ao estabelecimento de normas que concedam relevância a uma situação determinada ou à organização de uma estrutura que se encarregue de pôr em prática certa atividade. Se quisermos dar um conteúdo operacional, o direito a asso-ciar-se livremente implica a obrigação estatal de dar relevância ou reconhecimento jurídico à associação que resultar do exercício desse direito. Da mesma forma, o direito de constituir um sindicato ou de se afiliar a um sindicato implica o direito a outorgar conseqüências jurídicas relevantes a sua atuação. O direito político de eleger pressupõe a possibilidade de eleger entre diferentes candidatos, o que por sua vez implica uma regulamentação que assegure a possibilidade de vários candidatos representarem partidos políticos e se candidatarem às eleições. O direito à informação implica ao menos o estabelecimento de uma legislação estatal, tendente a assegurar o acesso à informação de origem diversa e a pluralidade de vozes e opiniões. O direito ao casamento implica a existência de uma regulamentação jurídica que outorgue alguma eficiência ao fato de se contrair núpcias. O direito à proteção da família pressupõe a existência de normas jurídicas que confiram à existência de um grupo familiar algum tipo de consideração diferencial em relação a sua inexistência.
O gozo desses direitos implica um complexo de normas estabelecendo conseqüências jurídicas relevantes, resultantes da permissão original. Mais uma vez, podem ser novas normas permissivas (a possibilidade de uma associação celebrar contratos, ou de um casal registrar sua moradia como bem de família, para protegê-la de possíveis execuções etc.); proibições para o Estado (a impossibilidade de impor restrições arbitrárias ou discriminatórias no exercício dos direitos mencionados, ou a proibição de discriminar filhos nascidos fora do matrimônio); ou até de obrigações para o Estado (reconhecer os candidatos propostos pelos partidos políticos, ou os delegados sindicais).
2. Em outros casos, a obrigação exige que a regulamentação estabelecida pelo Estado limite ou restrinja os poderes dos cidadãos ou lhes imponha obrigações de algum tipo. As legislações vinculadas aos direitos trabalhistas e sindicais em geral compartilham essa característica, tal como as normas relativamente recentes que regem a defesa do consumidor e a proteção ao meio ambiente. Assim: o estabelecimento de um salário-mínimo; o princípio da equiparação salarial, que estabelece a igualdade de remuneração diante da igualdade de tarefas; a obrigatoriedade de descansos, jornada de trabalho limitada e férias pagas; a proteção contra demissão arbitrária; as garantias dos delegados sindicais para o cumprimento de sua gestão etc., teriam pouco sentido se fossem exigíveis ao Estado apenas quando ele atua como empregador. Nas economias de mercado, o conteúdo dessas obrigações estatais consiste em estabelecer uma regulamentação que se estenda aos empregadores privados. Situação equivalente é a das normas referentes a relações de consumo e a obrigações ambientais.
Há ainda casos em que a regulamentação estatal pode estabelecer limitações ou restrições à livre consignação de fatores econômicos por parte do mercado, de modo a promover ou favorecer o acesso de setores com menos recursos a direitos como a moradia. A regulamentação estatal das taxas de juros em matéria hipotecária e a regulamentação das locações para moradia familiar são exemplos desse tipo de medida. No entanto, tais restrições não se limitam ao campo econômico. O direito de retificação ou resposta é um bom exemplo: o Estado estabelece restrições a um meio jornalístico privado em favor de um cidadão que se sente afetado por uma informação inexata ou ofensiva.
3. Por último, o Estado pode cumprir sua obrigação fornecendo serviços à população, de forma exclusiva ou em modalidades de garantia mista que incluam, além de um aporte estatal, regulamentações que contemplem os cidadãos afetados por restrições, limitações ou obrigações. As medidas estatais de cumprimento das obrigações positivas podem assumir múltiplos aspectos: organização de um serviço público (por exemplo, o funcionamento dos tribunais, que assegura o direito à jurisdição; a previsão do cargo do defensor público, que assegura o direito de defesa em juízo aos que não podem pagar um advogado particular; ou a organização do sistema educacional público); oferta de programas de desenvolvimento e capacitação; estabelecimento de formas escalonadas público/privadas de cobertura (por exemplo, mediante a organização de formas privadas de aporte para a manutenção de obras sociais que cubram o direito à saúde das pessoas empregadas e de suas famílias, e o estabelecimento de um sistema público de saúde que cubra o direito das pessoas não-amparadas pela estrutura de emprego); administração pública de créditos diferenciais (por exemplo, os créditos hipotecários destinados à moradia); criação de subsídios; realização de obras públicas; prestação de benefícios fiscais ou isenções de impostos.
Como se pode ver, o complexo de obrigações que um direito pode abranger é muitíssimo variado. Os direitos econômicos, sociais e culturais se caracterizam justamente por envolver um amplo espectro de obrigações estatais. Em conseqüência, é falsa a afirmação de que são escassas as possibilidades de aplicabilidade judicial desses direitos: cada tipo de obrigação oferece um leque de ações possíveis, que vão desde a denúncia de descumprimento de obrigações negativas, passando por diversas formas de controle do cumprimento de obrigações negativas, até chegar à exigência de cumprimento de obrigações positivas descumpridas.
Do que foi dito até agora se depreendem conclusões que questionam claramente a idéia de que só os direitos civis e políticos estão no âmbito da justiça.22 Ora, se entendemos que todo direito gera para o Estado um complexo de obrigações negativas e positivas, cabe analisar quais tipos de obrigação oferecem a possibilidade de ser exigidos mediante atuação judicial. O problema nos remete a uma das discussões clássicas em matéria de definição dos direitos: a relação entre um direito e a ação judicial existente para exigi-lo. Algumas das dificuldades conceituais propostas por essa discussão – fonte constante de respostas circulares – dizem respeito à estreita vinculação entre a noção clássica de direito subjetivo, a noção de propriedade e o modelo de Estado liberal.23 As noções substanciais e processuais próprias da formação jurídica continental tradicional surgem em boa parte do marco conceitual determinado por essa vinculação; por isso, muitas das respostas quase automáticas diante da possível aplicação judicial aos direitos econômicos, sociais e culturais insistem em mostrar a falta de ações ou garantias processuais concretas que tutelem esses direitos.
Algumas das facetas apontadas se referem ao caráter coletivo de muitas reivindicações vinculadas a direitos econômicos, sociais e culturais. Referem-se também à inadequação da estrutura e da posição do Poder Judiciário para impor obrigações que exigem dos poderes políticos disponibilidade de fundos para seu cumprimento ou à desigualdade que geraria o sucesso de algumas ações individuais nas quais se tornasse exigível um direito, enquanto se mantivesse a situação de descumprimento nos demais casos idênticos não questionados judicialmente. Nesse sentido, alguns autores expressam como um obstáculo à tutela judicial o limitado marco cognitivo de um processo judicial: o marco de decisão do litígio judicial nem sempre é o âmbito mais adequado para discutir e decidir questões de políticas públicas que podem implicar priorizar objetivos, distribuir recursos, equilibrar interesses contrapostos etc.24 Outros se referem à formação profissional dos juízes: certas questões apresentadas à consideração da judicatura requerem conhecimentos técnicos específicos e abundante informação sobre os fatos, aspectos para os quais uma agência administrativa especializada seria melhor que um juiz.25
Mesmo percebendo essa dificuldade teórica – que evidentemente coloca limites à tutela judicial de algumas obrigações que surgem de direitos econômicos, sociais e culturais – é necessário realizar uma análise mais precisa para explicitar distintos tipos de situações nas quais a violação de direitos econômicos, sociais e culturais seria corrigível mediante atuação judicial. É preciso acrescentar, também, que a inexistência de instrumentos processuais concretos para remediar a violação de certas obrigações que têm como fonte direitos econômicos, sociais e culturais não implica de forma alguma a impossibilidade técnica de criá-los e desenvolvê-los. O argumento da inexistência de ações idôneas expõe simplesmente um estado26 suscetível de ser modificado. O que se afirma é que os instrumentos processuais tradicionais – surgidos no contexto de litígios que tinham como medida o interesse individual, o direito de propriedade e uma concepção abstencionista do Estado – se mostram limitados para exigir judicialmente tais direitos.27
Por um lado, como dissemos, em muitos casos as violações de direitos econômicos, sociais e culturais provêm do descumprimento de obrigações negativas por parte do Estado. Além de alguns dos exemplos dados, é útil lembrar que um dos princípios liminares estabelecidos em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais é a obrigação estatal de não discriminar no exercício desses direitos (ver Artigo 2.2 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC), o que de fato estabelece importantes obrigações negativas para o Estado. Violações desse tipo abrem um enorme campo para a tutela judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais, cujo reconhecimento passa a constituir um limite e, portanto, um padrão de impugnação da atividade estatal que não respeita tais direitos.
Pensemos, por exemplo, na violação estatal do direito à saúde, a partir da contaminação do meio ambiente realizada por seus agentes; ou na violação do direito à moradia, a partir do despejo forçado de habitantes de uma determinada zona sem que se lhes ofereça residência alternativa; ou na violação do direito à educação, a partir da limitação do acesso à educação por razões de sexo, nacionalidade, condição econômica ou outro fator discriminatório; ou na violação de qualquer outro direito desse tipo, quando a legislação na qual se estabelecem as condições de acesso e gozo é discriminatória. Nesses casos, são perfeitamente viáveis muitas das ações judiciais tradicionais, sejam elas ações de inconstitucionalidade, de impugnação ou nulidade de atos regulamentares de alcance geral ou particular, declaratórias, de amparo, ou inclusive de perdas e danos. A atividade positiva do Estado, que acaba por violar os limites negativos impostos por determinado direito econômico, social ou cultural, é questionável judicialmente e, constatada essa vulnerabilidade, o juiz decidirá privar de valor jurídico a manifestação viciada de vontade do Estado, obrigando-o a corrigi-la de maneira a respeitar o direito afetado.
Por outro lado, nos deparamos com casos de descumprimento de obrigações positivas do Estado, ou seja, omissões do Estado em suas obrigações de realizar ações ou tomar medidas no sentido da proteção e da satisfação dos direitos em questão. É nesse ponto que surgem mais dúvidas e questionamentos em relação à tutela judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais. No entanto, a questão apresenta uma multiplicidade de facetas, que convém revisar. Pode-se entender que no caso limite, ou seja, no descumprimento geral e absoluto de toda obrigação positiva por parte do Estado, seja extremamente difícil promover seu cumprimento direto por meio da atuação judicial. Cabe dar razão a algumas das tradicionais objeções efetuadas nessa matéria: o Poder Judiciário é o menos indicado para realizar planejamentos de política pública; a ação judicial é um meio pouco apropriado para discutir medidas de alcance geral; a discussão processual gera problemas de desigualdade em relação às pessoas afetadas pelo mesmo descumprimento que não participaram da ação; o Poder Judiciário carece de meios compulsórios para a execução forçada de uma suposta sentença que condene o Estado a cumprir uma prestação que havia sido omitida para todos os casos envolvidos ou para editar a regulamentação omitida; a substituição de medidas gerais por decisões ad hoc efetuadas pelo juiz no caso particular pode ter também como resultado desigualdades indesejáveis; etc.
Mesmo admitindo as dificuldades, vale a pena mostrar algumas nuanças nessas objeções. Em princípio, é difícil imaginar uma situação na qual o Estado descumpra integral e absolutamente toda obrigação positiva vinculada a um direito econômico, social e cultural. Como já comentamos, o Estado cumpre em parte sua obrigação com direitos à saúde, à moradia ou à educação mediante legislações que estendem obrigações aos cidadãos, interferindo no mercado por meio de regulamentações e do exercício do poder de polícia, efetuado a priori (por autorizações, habilitações ou licenças) ou a posteriori (por fiscalização). De modo que, cumprida em parte a obrigação de tomar medidas tendentes a garantir esses direitos, mesmo nos casos em que as medidas não implicam a prestação direta de serviços por parte do Estado, fica sempre aberta a possibilidade de questionar judicialmente a violação de obrigações do Estado, por assegurar o direito de forma discriminatória.
As possibilidades são mais evidentes quando de fato o Estado presta um serviço de forma parcial, discriminando parcelas inteiras da população. Podem subsistir, é certo, entraves processuais e operacionais na formulação de casos semelhantes, mas é difícil discutir que a realização parcial ou discriminatória de uma obrigação positiva não resulte em matéria passível de tutela judicial. Nesse sentido, a apelação por julgamentos com igualdade de tratamento para reivindicar direitos sociais foi uma via tradicionalmente utilizada pelos movimentos de direitos humanos em suas estratégias de litígio. Desde o movimento pelos direitos das mulheres, que cobravam a equiparação salarial nos postos de trabalho, até o movimento de direitos civis nos Estados Unidos – ao reivindicar igualdade de acesso a postos de trabalho, equiparação salarial e equivalentes condições de educação e saúde pública –, a igualdade de tratamento e a proibição de discriminação foram vias exploradas com sucesso para exigir indiretamente direitos econômicos, sociais e culturais para grupos ou setores menos protegidos pelo Estado. Também nesse ponto é de grande utilidade consultar o desenvolvimento dos critérios e padrões de igualdade e não-discriminação estabelecidos pela Corte Constitucional da Colômbia, e sua aplicação em relação aos direitos sociais.28
Em segundo lugar, além das múltiplas dificuldades teóricas e práticas que se apresentam para a articulação de ações coletivas, muitas vezes o descumprimento do Estado pode se reformular, mesmo em um contexto processual tradicional, em termos de violação individualizada e concreta, e não de forma genérica. A violação geral do direito à saúde pode se reconduzir, ou se reformular, mediante a articulação de uma ação particular liderada por um titular individual que alegue uma violação ocasionada pela falta de produção de uma vacina; pela negação de um serviço médico do qual dependa sua vida ou sua saúde; pelo estabelecimento de condições discriminatórias no acesso à educação ou à moradia; ou ainda por pautas não-razoáveis ou discriminatórias no acesso a benefícios de assistência social (por exemplo, a proibição de estender a imigrantes ilegais os benefícios de um programa de medicamentos para tratamento da aids). A habilidade do questionamento fundamentar-se-á na descrição inteligente das violações de obrigações positivas e negativas, ou então na demonstração concreta das conseqüências da violação de uma obrigação positiva baseada em um direito econômico, social e cultural, sobre o gozo de um direito civil e político. Se a violação afetar um grupo amplo de pessoas, na situação denominada pelo direito processual contemporâneo de “interesses ou direitos individuais homogêneos”,29 as numerosas decisões judiciais individuais constituirão um sinal de alerta aos poderes políticos acerca de uma situação de descumprimento generalizado de obrigações em matérias relevantes de política pública, efeito especialmente valioso para o aspecto de que trataremos a seguir.
A resposta da administração judicial às ações coletivas e diretas de direitos sociais motivadas pela inação do Estado pode assumir diversos perfis. Em princípio, a atuação judicial pode consistir em declarar que a omissão estatal constitui uma violação do direito em questão, e assim intimar o Estado para que assuma a conduta devida. Nesses casos, cabe ao órgão judicial indicar ao poder público o caráter da conduta devida: seja a partir do resultado concreto requerido, sem considerar quais meios empregar (por exemplo, o acesso de uma parcela da população a serviços médicos ou o remanejamento de pessoas despejadas arbitrariamente); ou ainda, no caso de existir uma única medida possível para obter-se o resultado requerido, descrevendo com precisão a ação que deve ser adotada. Em tais hipóteses, a informação pública disponível e a conduta prévia do Estado, seus “atos próprios”, se revestem de enorme importância, pois contribuem para amparar a discussão sobre assuntos de “política pública” ou de índole técnica – por exemplo, acerca das prioridades orçamentárias ou de formulação, projeto ou implementação de medidas oficiais específicas. É nesse tipo de caso, em que os obstáculos à exigibilidade dos direitos sociais são mais evidentes, que o Poder Judiciário costuma agir com maior reticência.
Não resta dúvida de que a implementação de direitos econômicos, sociais e culturais depende em parte de atividades de planejamento, previsão orçamentária e implementação que, por sua natureza, cabem ao poder público, sendo limitados os casos em que o Poder Judiciário pode cumprir a tarefa de suprir a inoperância daquele. Mesmo em casos assim, há variadas margens para a atuação da magistratura, e os tribunais têm encontrado a maneira de garantir a vigência dos direitos sociais afetados, baseando sua intervenção nos padrões jurídicos ditados pelas constituições e pelos tratados de direitos humanos e buscando, em cada caso, a melhor maneira de resguardar a órbita de ação dos demais poderes do Estado. Em certas ocasiões, reencaminham o caso após estabelecer seu marco jurídico, para que seja definida a medida, ou a política pública, necessária para reparar a violação dos direitos em questão.
A jurisprudência dos tribunais domésticos na América Latina dá exemplos de algumas vias exploradas por eles com sucesso para cumprir a função de garantir os direitos econômicos, sociais e culturais. Entre outros casos relevantes, foi por essa via que se conseguiu que os juízes obrigassem o Estado a: fornecer medicamentos a todos os portadores de aids do país; fabricar uma vacina e aplicá-la a toda a população afetada por uma doença endêmica; criar centros de atendimento materno-infantil para um grupo social discriminado; abastecer de água potável toda uma comunidade indígena; estender a cobertura de um benefício educacional ou assistencial a um grupo originalmente excluído; reintegrar a uma escola secundária privada alunos punidos por uma expulsão injustificada.30
A análise das circunstâncias históricas que levaram a um maior ativismo judicial em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais na América Latina está diretamente relacionada com a existência de fatores políticos que outorgaram ao Poder Judiciário uma especial legitimação para ocupar novos espaços de decisão, anteriormente restritos aos demais poderes do Estado. A debilidade das instituições democráticas de representação, bem como a deterioração dos espaços tradicionais de mediação social e política, contribuíram para transferir à esfera judicial conflitos coletivos que eram dirimidos em outros âmbitos ou espaços públicos ou sociais, reeditando em especial o tema dos direitos sociais – a velha polêmica sobre as margens de atuação das instâncias judiciais em relação às instâncias administrativas. Em certa medida, o reconhecimento de direitos judicialmente tuteláveis limita ou restringe o espaço de atuação da administração pública. A análise dessa questão excede o marco conceitual deste trabalho. No entanto, entendemos que de modo algum essa pergunta pode ser respondida de forma abstrata, sem nos atermos ao contexto social e institucional no qual é convocada a intervenção da justiça.31
Está claro, entretanto, que a intervenção judicial nesses campos, no interesse de preservar sua legitimidade, deve estar firmemente assentada sobre um padrão jurídico: a “regra de juízo”, na qual se baseia a intervenção do Poder Judiciário, só pode ser um critério de análise da medida em questão se surgida de uma norma constitucional ou legal (por exemplo, princípios de “razoabilidade”, “adequação” ou “igualdade”, ou a análise de conteúdos mínimos que podem advir das próprias normas que estabelecem direitos). Por isso, o Poder Judiciário não tem como tarefa projetar políticas públicas, mas sim confrontar as políticas assumidas com os padrões jurídicos aplicáveis e, no caso de haver divergências, reenviar a questão aos poderes pertinentes para que eles ajustem sua atividade.
Quando as normas constitucionais ou legais determinarem, para o planejamento de políticas públicas, pautas das quais dependa a vigência dos direitos econômicos, sociais e culturais, e os poderes respectivos não tiverem adotado medida alguma, caberá ao Poder Judiciário repreender essa omissão e reenviar a questão, para que alguma medida seja elaborada. Essa dimensão da atuação judicial pode ser conceituada como a participação em um “diálogo” entre os distintos poderes do Estado para a concretização do programa jurídico-político estabelecido pela Constituição ou pelos pactos de direitos humanos.32 Somente em circunstâncias excepcionais, quando se justificou pela magnitude da violação ou pela ausência total de colaboração dos poderes políticos, os juízes avançaram, a partir de seu próprio critério, na definição concreta das medidas a serem adotadas.33
Podemos tentar caracterizar situações típicas em que o Poder Judiciário assumiu a tarefa de verificar o cumprimento de padrões jurídicos no projeto e na execução de políticas públicas.
Um primeiro tipo de situação são as intervenções judiciais que tendem a dar conteúdo jurídico a medidas de política pública assumidas pelo Estado sem valorar a própria política pública – transformando medidas formuladas pelo Estado dentro de um marco de arbitrariedade em obrigações jurídicas e, portanto, sujeitas a sanções em caso de descumprimento. Em sua análise, o tribunal aceita a medida desenhada pelos outros poderes do Estado, mas transforma seu caráter, de mera decisão arbitrária em obrigação constituída. Assim, o Poder Judiciário se torna garantidor da execução da medida. Em muitos casos desse tipo, a medida formulada pelo Estado coincide com a reivindicada pelos demandantes, só que sua adoção passa a assumir um caráter obrigatório, e sua execução não fica sujeita apenas à vontade do órgão que a formulou. Um exemplo é o caso Viceconte,34 no qual o Estado argentino assumira a decisão política de fabricar uma vacina contra uma doença endêmica e epidêmica, elaborando inclusive um cronograma para sua produção. O tribunal se limitou a alterar o caráter dessa medida, transformando-a em uma obrigação legal; por esse motivo, citou o Estado nos termos do cronograma, determinando sanções para o caso de inexecução.
A discussão sobre os problemas de legitimação da magistratura nesse tipo de ação coletiva, ou de impacto coletivo, tem arestas particulares nos casos em que é necessário decidir exclusivamente acerca do cumprimento, pela administração, de obrigações muito claras fixadas por lei ou por regulamentos sobre matéria social. Supondo que isso ocorra, o tribunal não deve estabelecer comportamentos ou políticas, limitando-se a fazer cumprir, executar, o que está disposto em lei. Podemos usar como exemplo uma lei referente à aids que defina com clareza os benefícios devidos às pessoas afetadas, ou um regulamento do Ministério da Saúde que determine a abrangência da cobertura assistencial para casos de aids em todos os hospitais públicos, em cumprimento a um mandato judicial. Não ocorre aí a discussão sobre a existência de uma obrigação, no sentido jurídico, de oferecer o serviço, mas apenas se examina o descumprimento por parte da administração.
Ainda que todo ato de interpretação da lei resulte em certa medida em um ato de criação de direito, a atuação judicial segue os contornos e as pautas fixadas pelo Congresso, o que, na teoria clássica de divisão de poderes, é a expressão da vontade política dos interesses majoritários.35 O mesmo acontece quando a justiça é convocada para executar regulamentações ou atos emanados da própria administração, dos quais derivam obrigações jurídicas para a mesma. A possível intromissão em áreas ou esferas de atuação reservadas aos demais poderes não é uma questão que possa ser colocada de forma válida nesses casos. A justiça se limita a fazer cumprir obrigações da administração determinadas por uma lei, ou pela própria administração, no exercício de suas competências regulamentares.
Um segundo tipo de situação se configura naqueles casos em que o tribunal examina a compatibilidade da política pública com o princípio jurídico aplicável e, portanto, sua idoneidade para satisfazer o direito em questão. Nessas circunstâncias, se o tribunal considerar que essa política – ou um aspecto dela – é incompatível com o princípio, reenvia a questão aos poderes concernentes, para que a reformulem. Os exemplos de princípios a partir dos quais os tribunais analisam uma política pública são os de razoabilidade, adequação, não-discriminação, progressividade, não-retroatividade, transparência36 etc. Assim, por exemplo, no caso Grootboom,37 a Corte Constitucional entendeu que a política de moradia desenvolvida pelo governo sul-africano não era razoável, por não prever o fornecimento imediato de soluções habitacionais aos setores da população com necessidades imperativas de moradia – o tribunal concluiu que um aspecto da política era contrário ao princípio da razoabilidade, mas não questionou a totalidade da política. De maneira geral, os tribunais reconhecem aos demais poderes uma ampla margem para projetar políticas públicas, de modo que não os substituem na escolha dos contornos que se ajustem aos princípios jurídicos aplicáveis.
Se os poderes políticos atuarem de acordo com os princípios jurídicos, o Poder Judiciário não chegará a analisar a possibilidade de ter sido adotada alguma política alternativa. A margem de controle também depende do princípio: a análise de “razoabilidade” é menos rigorosa do que uma análise que se poderia elaborar com base na noção de “medida apropriada” do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Importante destacar que, nesse tipo de caso, a atuação judicial na etapa de execução não consiste na imposição compulsória de uma condenação, entendida como uma ordem detalhada e auto-suficiente, como por exemplo a imposição da obrigação de pagar um valor líquido e exigível; é dada continuidade a uma instrução determinada em termos gerais, cujo conteúdo concreto vai sendo construído ao longo da instância, a partir do “diálogo” entre o juiz e a autoridade pública. De modo que a sentença, longe de constituir a culminação do processo, opera como um ponto de inflexão que modifica o sentido da atuação jurisdicional: uma vez ditada a sentença, cabe ao Estado planejar o modo de cumprir as instruções do juiz, e o tribunal se limitará a controlar a adequação das medidas concretas adotadas a partir do mandado expedido.
Em um terceiro tipo de situação, o próprio Poder Judiciário se vê forçado a estabelecer a medida a ser adotada. Nesse caso, a passividade dos demais poderes diante da vulnerabilidade de um direito social levaria o tribunal a verificar a existência de uma única medida de política pública adequada – ou seja, a inexistência de alternativas para satisfazer o direito em questão – e ordena sua realização. Um bom exemplo pode ser o caso Beviacqua,38 em que a preservação da vida e da saúde de um menino com uma doença de medula de suma gravidade requeria o tratamento com um medicamento específico, que os pais não tinham condições de pagar. Aqui, ao contrário dos casos anteriores, é o Poder Judiciário que assume a escolha da medida a ser adotada e, portanto, da conduta devida.
Pode-se pensar em um quarto tipo de intervenção judicial, que se limite a declarar que a omissão do Estado é ilegítima, sem propor medidas de reparação. Mesmo se a sentença de um juiz não resultar diretamente exeqüível, cabe ressaltar o valor de uma ação judicial em que o Poder Judiciário declare que o Estado está em mora ou descumpriu obrigações assumidas em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais. Tanto em decisões judiciais individuais que sejam executáveis – como no citado caso Beviacqua –, ou em decisões judiciais que declarem o descumprimento da obrigação do Estado em determinada matéria, fazendo eventualmente o comunicado aos poderes políticos, as sentenças obtidas podem constituir importantes veículos para encaminhar aos poderes políticos as necessidades da agenda pública, mediante uma gramática de direitos, e não apenas por meio de atividades de lobby, ou de demanda político-partidária.
As múltiplas formas de intervenção judicial, que obedecem a diferentes níveis ou graus de ativismo, determinam o potencial das diversas estratégias de incidência legal, bem como a possibilidade de estabelecer articulações frutíferas com outras estratégias de incidência política – supervisão de políticas públicas sociais,lobbying nas instâncias da administração ou no Parlamento, negociação, mobilização social ou campanhas de opinião pública. Por isso, é errôneo pensar nas estratégias legais como excludentes de outras estratégias de incidência política, ou propor como alternativas atuar nos tribunais ou fazê-lo na esfera política pública. Em princípio, toda estratégia de reivindicação de direitos, especialmente em casos que expressam conflitos coletivos ou situações de interesses individuais homogêneos, tem um claro sentido político. Além disso, no universo das ações de exigibilidade de direitos econômicos, sociais e culturais, a chave do sucesso está exatamente na articulação dos diferentes campos, para que a resolução do caso legal possa contribuir para transformar as deficiências institucionais, as políticas de Estado ou as situações sociais que estão na raiz do conflito. Em geral, as estratégias legais bem-sucedidas costumam ser as que são apoiadas pela mobilização e pelo ativismo dos protagonistas do conflito real.
Às vezes, as vias legais resguardam ou tornam efetivas as “conquistas” obtidas no plano político.39 No marco de nossas frágeis democracias, a sanção de leis pelo Congresso nem sempre assegura a efetividade dos direitos reconhecidos e, como vimos, às vezes é necessário entrar em litígio para conseguir a implementação e o cumprimento dessas normas. Dessa forma, em um sistema institucional com fortes falhas, nem as vitórias judiciais em matéria de direitos sociais nem os triunfos políticos são definitivos, e impõem a utilização de todos os meios de reivindicação e de ação disponíveis.
Um dos sentidos da adoção de cláusulas constitucionais, ou de tratados que estabelecem direitos para as pessoas e obrigações ou compromissos para o Estado, consiste na possibilidade de reivindicar o cumprimento desses compromissos – não como concessão gratuita, e sim como um programa de governo assumido tanto interna como internacionalmente. Parece evidente que, nesse contexto, é importante estabelecer mecanismos de comunicação, debate e diálogo que lembrem aos poderes públicos os compromissos assumidos, forçando-os a incorporar nas prioridades de governo medidas destinadas a cumprir suas obrigações em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais. Nesse sentido, é especialmente relevante que o próprio Poder Judiciário “comunique” ao poder público o descumprimento de suas obrigações em relação a essa matéria.
A lógica desse processo é similar à que informa o requisito do esgotamento dos recursos internos como condição prévia para acessar o sistema internacional de proteção aos direitos humanos: oferecer ao Estado a possibilidade de conhecimento e reparação da violação alegada antes de apelar à esfera internacional para denunciar o descumprimento. Quando o Executivo não cumpre as obrigações e é “constituído em mora” pelo Judiciário, além das possíveis conseqüências adversas no plano internacional, terá de enfrentar a correspondente responsabilidade política derivada da demora em sua atuação perante seu próprio povo.
Vimos como a margem de atuação do Poder Judiciário pode variar consideravelmente, de acordo com as ações de exigibilidade direta de direitos econômicos, sociais e culturais – legalizar uma decisão de política pública já assumida pelo Estado; executar uma lei ou uma norma administrativa que determina obrigações jurídicas em matéria social; estabelecer um padrão dentro do qual a administração deva planejar e implementar ações concretas e supervisionar sua execução; determinar uma conduta a seguir; ou, em certos casos, constituir em mora o Estado em relação a uma obrigação, sem impor um remédio processual ou uma determinada medida de execução. A articulação das ações legais que possam conduzir a alguns desses resultados com outras estratégias de incidência política será a chave de uma estratégia efetiva de exigibilidade. Poderia se supor que a maior moderação com que age a justiça tornará necessário um trabalho político mais ativo, para conseguir que essa decisão judicial possa se traduzir na satisfação dos direitos em questão. No entanto, não existem fatores que obriguem a considerar que as estratégias legais excluem as vias políticas.
Convém analisar outras suposições que permitam articular essas duas vias no trabalho de exigibilidade de direitos econômicos, sociais e culturais. Às vezes é possível recorrer à intervenção judicial apenas com o objetivo de mostrar outras frentes abertas para encaminhar demandas sobre instâncias administrativas ou órgãos legislativos do Estado. São estratégias legais complementares, que partem de uma perspectiva ou de um “enfoque procedimental”: não se exige uma prestação, nem se impugna diretamente uma política ou uma medida referente a direitos sociais. O que se pretende é garantir condições que tornem possível a adoção de processos deliberativos de produção de normas legislativas ou atos da administração.
Nessas situações, as demandas não pretendem que a justiça tenha conhecimento direto do conflito coletivo e garanta um direito social, mas que complemente as demais ações de incidência política. Assim, por exemplo, reivindica-se à justiça a abertura de espaços institucionais de diálogo, o estabelecimento de seus marcos legais e procedimentos, ou a garantia de participação das pessoas potencialmente afetadas nesses espaços, sob condições igualitárias. Também se pode pedir o acesso à informação pública indispensável para o controle prévio das políticas e decisões a serem adotadas – e a legalidade delas –, a produção de dados, se for o caso, bem como a execução e o cumprimento dos acordos conseguidos por pessoas ou organizações sociais, nas diversas instâncias formais ou informais de intercâmbio e comunicação com a administração.
Em alguns países da América Latina, as organizações de usuários e consumidores desenvolveram com sucesso essas vias de ação. Reivindicaram, por exemplo, a realização de audiências públicas antes da negociação de tarifas de serviços domiciliares – energia elétrica, água, gás – ou dos contratos com as empresas concessionárias, pedindo acesso à informação pública indispensável para fazer valer seus direitos nesses âmbitos e resguardando (às vezes com intervenção judicial) o resultado alcançado após os processos deliberativos. As organizações ambientalistas também desenvolveram estratégias de incidência judicial, com o objetivo de reivindicar espaços de participação e de acesso à informação antes da adoção de medidas ou políticas que implicavam riscos para o ambiente. Na mesma modalidade de estratégia legal se enquadram as ações judiciais dos povos indígenas que buscam conseguir mecanismos de consulta e participação na tomada de decisões concernentes a seus territórios culturais.
O movimento de direitos humanos tem muito a aprender sobre essas estratégias. Quando a administração dispõe de espaços de participação cívica para discutir ou analisar certas medidas ou políticas (audiências públicas no parlamento ou em órgãos administrativos, elaboração participativa de normas, orçamento participativo, conselhos de planejamento estratégico nas cidades), as ações podem ter como meta a discussão das condições de admissão, bem como os mecanismos de debate e diálogo, a fim de garantir regras básicas de procedimento. Em tais situações, ainda que se discuta formalmente o direito de participação cívica ou cidadã, os direitos sociais em questão podem definir o alcance dessa participação – por exemplo, ao configurar a coletividade afetada, o setor que deveria merecer atenção prioritária do Estado, ou contar com um espaço institucional de participação antes da adoção de uma decisão de política social.
Assim, por exemplo, no caso da Federação Independente do Povo Shuar do Equador (FIPSE) contra a empresa petroleira Arco se conseguiu, com amparo judicial, proibir que a companhia negociasse sua entrada em território indígena para realizar atividades de exploração sem incluir as legítimas autoridades políticas do povo indígena. Esse caso, similar aos tradicionais conflitos de enquadramento sindical e de legitimação de sindicatos nos processos de negociação coletiva, pretendeu resguardar as regras do processo de negociação, definindo os atores legitimamente autorizados a desenvolvê-lo.40
Às vezes, a intervenção judicial pode ser necessária apenas para efetivar um acordo obtido como fruto de uma negociação com o Estado: por exemplo, um acordo de realocação de um grupo de pessoas exposto ao risco de despejo compulsório. Ainda que nesses casos se trate de executar decisões assumidas pelo Estado, as características dos direitos sociais em questão – como o direito à moradia – determinam as margens de atuação da justiça e a interpretação do próprio alcance das obrigações que emanam desses acordos.41
Entre as ações legais que poderiam se desenvolver no marco das estratégias legais indiretas ou “procedimentais” destacam-se as que buscam o acesso e a produção de informação pública.42 O direito à informação constitui um instrumento imprescindível para tornar efetivo o controle cidadão das políticas públicas na área econômica e social, ao mesmo tempo que contribui para a vigilância, por parte do próprio Estado, do grau de efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais. O Estado deve dispor dos meios necessários para garantir o acesso à informação pública em condições de igualdade. Em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, especificamente, o Estado deve produzir e pôr à disposição dos cidadãos, no mínimo, informação sobre: (a) as condições das diferentes áreas afetadas, em particular quando sua descrição requer medições expressas por indicadores; e (b) o conteúdo das políticas públicas desenvolvidas ou projetadas, com expressa menção a seus fundamentos, objetivos, prazos de realização e recursos envolvidos. As ações de acesso à informação costumam atuar como vias legais que sustentam o trabalho de supervisão de políticas sociais e a documentação de violações aos direitos econômicos, sociais e culturais.43
O que caracteriza essas ações indiretas ou complementares é que as vias judiciais, longe de serem o centro da estratégia de exigibilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais, servem para afirmar as demais ações políticas empreendidas para encaminhar as demandas de direitos em um conflito coletivo: queixas diretas à administração, desenvolvimento de vias de negociação, ou até lobbying sobre os funcionários, o Congresso ou empresas privadas. Novamente, fica claro que não há opções excludentes e que os instrumentos legais podem potencializar o trabalho de incidência política.
* Este artigo foi elaborado com a colaboração de Julieta Rossi.
** Esta parte do texto expressa as conclusões de um trabalho de pesquisa mais amplo, elaborado em conjunto com Christian Courtis (2002).
1. Ver F. Hayek, 1976, vol. 2, cap. 9.
2. Outra tentativa de diferenciação consiste em correlacionar um tipo específico de obrigação do Estado com cada categoria de direitos. Assim, para alguns autores, aos direitos civis e políticos correspondem obrigações de resultado, enquanto aos direitos econômicos, sociais e culturais correspondem apenas obrigações de conduta. Para maior aprofundamento, consultar
R. Garretón Merino, 1996, p. 59; e P. Nikken, 1994. Ver também A. Eide, 1993, pp. 187-219. Ver argumentos contrários em G. H. J. van Hoof, 1984,
pp. 97-110; e P. Alston, 1991. De fato, apesar da possibilidade de sustentar a distinção, ela resulta pouco relevante para diferenciar os direitos civis e políticos dos econômicos, sociais e culturais.
3. C. Nino (1993, p. 17) qualifica essa posição de “liberalismo conservador”, embora esclareça que é “mais conservador(a) que liberal”.
4. A esse respeito, ver também A. Smith, 1937; L. Billet, 1975, pp. 430 e ss.; B. de Sousa Santos, 1991, pp. 175-178.
5. Ver van Hoof, 1984, pp. 97 e ss.
6. Ver também, sobre o tema, a opinião de C. Nino, pp. 11-17. Do ponto de vista econômico, o argumento é a tese central de S. Holmes & C. R. Sunstein, 1999. Ver também R. Bin, 2000; e R. Plant, 1992.
7. Ver também F. Contreras Peláez, 1994, p. 21: “Não existem, em resumo, obrigações ‘negativas’ puras (ou melhor, direitos que comportem exclusivamente obrigações negativas), mas parece possível afirmar uma diferença de grau no que se refere à relevância que as prestações têm para um e outro tipo de direitos”.
8. Ver também Contreras Peláez, pp. 17-20. E ainda B. de Castro, “Los derechos sociales: análisis sistemático”, em Derechos económicos, sociales y culturales, de vários autores. Múrcia, 1981, pp. 15-17.
9. Contreras Peláez, op. cit., p. 21.
10. Ver Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), Artigo 21.1: “Toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social” (grifo nosso).
11. Ver T. Bourgoignie, 1994.
12. Ver S. Felgueras, 1996.
13. Ver também F. Ewald, 1985, Livro IV.2.
14. CEDH, caso López Ostra vs Espanha, A 303-C (1994). CEDH, caso Guerra e Outros vs Itália, 19 de fevereiro de 1988.
15. Ver na jurisprudência européia o caso Osman vs Reino Unido, sentença de 28 de outubro de 1998, no qual a Corte Européia estabeleceu que entre essas obrigações estava o dever primário de garantir a vida, implementando uma legislação penal efetiva para evitar o cometimento de delitos contra as pessoas, e mantendo um sistema legal para a prevenção e o castigo das condutas criminosas. Isso inclui, em determinadas circunstâncias, a obrigação positiva de adotar medidas operacionais para proteger um indivíduo, ou indivíduos, cuja vida esteja em risco por atos criminosos de outros indivíduos. A gama de obrigações positivas impostas ao Estado varia consideravelmente. Assim, por exemplo, o dever do Estado de investigar oficialmente se um indivíduo foi morto pelo uso da força foi considerado, também, uma conseqüência do Artigo 2o, lido junto com o dever geral imposto pelo Artigo 1o da Convenção. Ver CEDH, Mc Cann e Outros vs Reino Unido, sentença de 27 de setembro de 1995, e Kaya vs Turquia, sentença de 19 de fevereiro de 1998. Mais recentemente, em Mahmut Kaya vs Turquia, sentença de 28 de março de 2000, foram estabelecidos deveres positivos em relação ao direito à vida sobre a base do direito a um recurso efetivo estabelecido no Artigo 13 da Convenção.
16. A Corte Constitucional estabeleceu que a aceitação da tutela para os direitos econômicos, sociais e culturais só cabe nos casos em que existe violação de um direito fundamental, de acordo com os requisitos e critérios de distinção correspondentes. Ver C. Const., S. Primera de Rev. Sent T-406, junho 5/92. Exp. T-778. M. P. Ciro Angarita Barón. Ver também M. J. Cepeda Espinosa, “Derecho constitucional jurisprudencial”, legis, Bogotá, 2001.
17. Este foi o argumento utilizado no caso Loverace vs Canadá (1981), Comunicado n. 24/1977. A requerente pertencia etnicamente ao povo indígena Maliseet. De acordo com a legislação indígena e as regras fixadas pela própria comunidade para o uso da reserva de Tobique, onde ela morava, as mulheres que contraíssem matrimônio com um não-indígena perderiam o direito a habitar a reserva, mesmo tendo nascido nela. A peticionária, nascida na reserva, casara-se com um não-indígena mas depois, ao se divorciar, desejava voltar a viver na reserva como parte do povo Maliseet, ao qual pertencia. A comunidade lhe negou esse direito. Baseada no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a autora alegou que estava sendo violado não só seu direito de participar da cultura da comunidade, garantido pelo Artigo 27, mas também seu direito de fixar residência (Artigo 12), seu direito de não sofrer ingerência em sua vida privada e familiar (Artigo 17), e de não ser discriminada por seu gênero (Artigo 26). Em sua alegação, que foi aceita pelo Comitê de Direitos Humanos (CDH) ficou evidente a relação profunda entre a autonomia pessoal e o desfrute dos bens culturais. Seu plano de vida estava ligado ao uso do território cultural, pois exclusivamente naquela reserva existia a comunidade a que ela pertencia. O CDH entendeu que, no caso, o Artigo 27 devia ser lido à luz dos Artigos 12, 17 e 26, entre outros, e considerou que a legislação canadense violava o Artigo 27 do Pacto.
18. Mesmo nesse caso é possível apontar obrigações negativas. De acordo com van Hoof, o Estado violaria o direito à moradia se admitisse que as moradias modestas pertencentes a pessoas de parcos recursos fossem demolidas e substituídas por moradias de luxo, fora do alcance econômico dos habitantes originais, sem oferecer-lhes a alternativa de habitações em termos razoáveis. Ver van Hoof, p. 99. Com mais razão, o Estado deve se abster de realizar por si mesmo o remanejamento, em condições como essas. O exemplo está longe de ser teórico: ver as observações do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais sobre o relatório apresentado pela República Dominicana (UN Doc. E/C.12/1994/15), pontos 11, 19 e 20 (citado por H. Steiner & P. Alston, 1996, pp. 321).
19. Ver van Hoof, p. 99. Henry Shue (1980) sugeriu originalmente essa distinção. No campo do direito internacional dos direitos humanos, a distinção foi assumida – com alguma correção, que reduz a enumeração a três categorias: obrigações de respeito, obrigações de proteção e obrigações de garantia, satisfação ou cumprimento – nos principais documentos interpretativos do PIDESC: Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: Observação Geral (OG) n. 3 (1990) “La Índole de las Obligaciones de los Estados-Partes – párrafo 1 del art. 2 del Pacto”; OG n. 4 (1991) “El Derecho a la Vivienda Adecuada – párrafo 1 del art. 11 del Pacto”; OG n. 5 (1994) “Personas con Discapacidad”; OG n. 6 (1995) “Los Derechos Económicos, Sociales y Culturales de las Personas de Edad”; “Principios de Limburgo” (1986); “Principios de Maastricht” (1997); CIJ, “Declaración y Plan de Acción de Bangalore” (1995). Encontro Latino-Americano de Organizações de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: “Declaração de Quito” (1998).
20. No mesmo sentido, ver a opinião de R. Alexy (1993, pp. 419-501), que defende uma concepção ampla das obrigações positivas do Estado ou, segundo sua denominação, “direitos a ações positivas do Estado”. Estes incluiriam os direitos de proteção, os direitos à organização e ao procedimento e os direitos a prestações em sentido estrito.
21. Alexy afirma que “uma ação só pode ser impossibilitada juridicamente se for um ato jurídico. Atos jurídicos são ações que não existiriam sem as normas jurídicas que as constituem. Assim, sem as normas do direito contratual não seria possível o ato jurídico da celebração de um contrato, sem o direito de sociedades não seria possível o ato jurídico de fundação de sociedades […] O caráter constitutivo das normas que as possibilitam caracteriza tais ações como ações institucionais. As ações jurídicas institucionais são impossibilitadas se forem anuladas suas normas constitutivas. Portanto, entre a anulação dessas normas e a impossibilidade das ações institucionais existe uma relação conceitual” (pp. 189-190). Nosso argumento é complementar ao de Alexy: as “ações jurídicas institucionais” não só são impossibilitadas com a anulação das normas que são constitutivas para elas, mas também quando essas normas não são criadas. Se a constituição ou um pacto de direitos humanos estabelece direitos cujo exercício depende conceitualmente da criação de normas, isso implica a obrigação estatal positiva de criar essas normas. Alexy (pp. 194-195) retoma o ponto quando trata dos direitos a ações positivas, distinguindo entre direitos a “ações positivas fácticas e a ações positivas normativas”. Os direitos a ações positivas normativas são “direitos a atos estatais de imposição de norma”.
22. A esse respeito, ver o voto em separado do juiz Piza Escalante na
OC–4/84, de 19 de janeiro de 1984, “Proposta de modificación a la Constitución Política de Costa Rica relacionada con la naturalización”, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em seu ponto 6: “[…] a distinção entre direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais obedece meramente a razões históricas, e não a diferenças de natureza jurídica; de maneira que, na realidade, o que importa é distinguir, com um critério técnico-jurídico, entre direitos subjetivos plenamente exigíveis, vale dizer, ‘exigíveis diretamente por si mesmos’, e direitos de caráter progressivo, que se comportam de fato como direitos reflexos ou interesses legítimos, ou seja, ‘exigíveis indiretamente’, mediante imposições políticas ou de pressão, por um lado, e de ações judiciais de impugnação interpostas em oposição ao direito ou que lhe faça discriminação. Os critérios concretos para identificar de que tipo de direitos se trata, em cada caso, são circunstanciais e historicamente condicionados, mas pode-se afirmar, em geral, que quando se conclui que um determinado direito fundamental não é diretamente exigível por si mesmo, se está diante de um direito ao menos exigível indiretamente e de realização progressiva”.
23. Ver, a respeito, a lúcida análise de J. R. de Lima Lopes, 1994.
24. Ver também, por exemplo, Lon L. Fuller, “The Forms and Limits of Adjudication”, 92 Harvard Law Review, p. 353.
25. Ver também, por exemplo, Cass R. Sunstein, “Response: From Theory to Practice”, 29 Arizona State Law Journal.
26. Uma “lacuna” que determina a falta de plenitude do sistema, de acordo com a terminologia de Ferrajoli (1999, p. 24). Segundo o autor, “deve-se reconhecer que para a maior parte de tais direitos [os direitos sociais] nossa tradição jurídica não elaborou técnicas de garantia tão eficazes como as estabelecidas para os direitos de liberdade. Mas isso depende, sobretudo, de um atraso das ciências jurídicas e políticas, que até os dias de hoje não teorizaram nem projetaram um Estado social de direito equiparável ao velho Estado liberal; permitiram que o Estado social se desenvolvesse de fato mediante uma simples ampliação dos espaços de arbitrariedade dos aparatos administrativos, do jogo não-regulamentado dos grupos de pressão e do clientelismo, da proliferação das discriminações e dos privilégios e do crescimento do caos normativo que elas mesmas denunciam e contemplam agora como ‘crise da capacidade reguladora do direito’” (p. 30).
27. A falta de mecanismos ou garantias judiciais adequados nada diz sobre a impossibilidade conceitual de tornar passíveis de tutela judicial os direitos econômicos, sociais e culturais, mas – como já foi dito – requer que sejam imaginados e criados instrumentos processuais aptos para levar adiante tais reivindicações. Parte dos avanços do direito processual contemporâneo se direciona para esse objetivo; as novas perspectivas da ação de amparo, as possibilidades de formulação de ações de inconstitucionalidade, o desenvolvimento da ação declaratória, as class actions, a ação civil pública e os mandados de segurança e de injunção brasileiros, a legitimação do Ministério Público ou da Defensoria Pública para representar interesses coletivos, são exemplos dessa tendência. Cabe acrescentar, além disso, que outra fonte de supostas dificuldades na promoção de ações que tentam evidenciar o descumprimento do Estado em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais reside justamente nos privilégios com que o Estado conta quando é levado a juízo, privilégios que não seriam admissíveis se questões similares ocorressem entre cidadãos.
28. Ver a pesquisa: “Análisis jurisprudencial. La igualdad en la jurisprudencia de la Corte Constitucional”. In: Vários Autores, Pensamiento Jurídico – Revista de Teoría del Derecho y Análisis Jurídico. Universidad Nacional de Colombia, n. 15, 2002, pp. 347-369.
29. Ver, a respeito, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Artigo 81, parágrafo único(iii).
30. Para examinar casos relevantes em torno desse tema podem ser consultadas experiências desenvolvidas por Argentina, República Dominicana, Venezuela e Nicarágua na pesquisa: Los derechos económicos, sociales y culturales. Un desafío impostergable (IIDH, 1999).
31. Em “Reyes desnudos. Algunos ejes de caracterización de la actividad política de los tribunales” (inédito), Christian Courtis mostra que a pergunta sobre a legitimidade da atuação judicial não pode ser respondida de forma abstrata, considerando uma ou duas variáveis normativas, como a posição dos tribunais em uma “teoria pura” da democracia, ou a origem não-eletiva dos juízes. A questão da legitimidade requer informação empírica sobre o funcionamento do sistema político e o conhecimento concreto do contexto histórico no qual os juízes atuam. Nesse sentido, a análise da legitimidade da atuação judicial implica a necessária comparação com a análise da legitimidade da atuação dos demais poderes.
32. Acerca da legitimidade de um tribunal constitucional em um Estado social e democrático de direito, para atuar resguardando as condições procedimentais da gênese democrática das leis, que inclui a garantia dos direitos sociais fundamentais que asseguram a inserção no processo político, ver J. Habermas, 1994, pp. 311 e ss. Sobre o papel dos juízes em um Estado constitucional e social de direito pode-se ver, também, Ferrajoli (pp. 23-28). Outros autores justificam uma intervenção judicial forte para resguardar das maiorias os direitos de grupos sociais em desvantagem. Ver ainda Owen Fiss, 1999, pp. 137-159.
33. Assim ocorreu nos mencionados litígios de reforma estrutural. É útil destacar, em resposta às objeções apontadas a respeito da incapacidade da administração de justiça para resolver questões técnicas, ou das limitações do processo judicial para tratar questões complexas ou com múltiplos autores, que muitos analistas têm valorizado o papel judicial de avançar no projeto de políticas e na mudança de práticas institucionais. A pouca predisposição da administração ou das legislaturas de reconhecer e modificar suas políticas e ações ilegais determinaria a estrita necessidade de que a questão fosse abordada e resolvida por um tribunal imparcial e independente. Ver, por exemplo, William Wayne, “Two Faces of Judicial Activism”, 61 George Washington Law Review 1 (1992).
34. Cámara Nacional de Apelaciones en lo Contencioso Administrativo Federal, Sala IV, caso Viceconte, Mariela vs Estado Nacional-Ministerio de Salud y Acción Social s/ amparo, 2 de junio de 1998, La Ley, Suplemento de Derecho Constitucional, 5 nov. 1998. Pode-se consultar o caso na pesquisa do IIDH: Los derechos económicos, sociales y culturales, p. 81.
35. Nesses casos, a discussão entre direitos tuteláveis judicialmente e atuação livre das instâncias políticas é limitada, pois a política atua previamente por meio do Congresso e, de qualquer modo, se autolimita ao determinar para si obrigações legais em matéria de política social. A respeito da clássica discussão sobre a tensão entre democracia e direitos, com referência aos direitos sociais tuteláveis judicialmente, pode-se ver G. Pisarello, 2001, e também E. Rivera Ramos, 2001. Para uma visão mais geral do debate suscitado no Reino Unido com a incorporação do estatuto de direitos humanos e a conseguinte atribuição de novos poderes à justiça em detrimento do Parlamento, ver M. Loughlin, 2001.
36. A referência é aos casos em que uma norma legal impõe a obrigação de desenvolver processos de produção de informação e consulta – por exemplo, aos beneficiários – na etapa de projeto e avaliação de uma política social. Assim, no caso Defensoría del Pueblo de la Ciudad vs INSSJP, o critério para a anulação do processo de privatização foi precisamente a falta de acesso à informação dos usuários do sistema. Da mesma forma, em outros casos, o contencioso-administrativo da justiça argentina anulou ajustes de tarifas de serviços públicos pela ausência de audiência pública – entendida como a oportunidade de consulta aos usuários – prévia à adoção da decisão.
37. Corte Constitucional da África do Sul, caso CCT 11/00, Governo da República da África do Sul e Outros vs Irene Grootboom e Outros.
38. CSJN, caso Campodónico de Beviacqua, Ana Carina vs Ministerio de Salud y Acción Social – Secretaría de Programas de Salud y Banco de Drogas Neoplásicas, sem recurso de fato, 24 out. 2000.
39. No caso Asociación Benghalensis, um grupo de organizações defensoras dos direitos dos aidéticos promoveu uma ação de interesse coletivo, que foi resolvida pela Corte Suprema de Justiça argentina. A decisão obrigava o Poder Executivo a fazer cumprir a lei sobre aids referente à obrigatoriedade do fornecimento de medicamentos. Essa lei havia sido promulgada como resultado de uma intensa campanha de incidência política, em parte estimulada pelos mesmos grupos e autores que depois se viram obrigados a impulsionar a ação judicial para torná-la efetiva. Também se podem mencionar os casos em que organizações de mulheres compareceram aos tribunais para exigir a implementação e o cumprimento da legislação sobre saúde reprodutiva pela qual haviam lutado no Congresso.
40. Ver Tarimiat, Firmes en nuestro territorio. FIPSE vs Arco. Quito: CDES, 2001. Disponível em http://www.infodesarrollo.org/archivos/6c70ae2fcdc4dc83dcd0aa5b37d87252/TARIMIAT_2DA_EDICION.pdf. Acesso em 7 jan. 2005.
41. Em um caso relativo a um acordo entre famílias despejadas e o Governo da Cidade de Buenos Aires foi demandado judicialmente o cumprimento das obrigações estatais que já haviam sido estabelecidas: construção de casas em um terreno fiscal e solução temporária para as necessidades habitacionais do grupo durante a execução das obras. Nessa ação, que era fundamentalmente de execução do acordo, foram utilizados os padrões constitucionais e internacionais sobre o direito à moradia para interpretar a abrangência da obrigatoriedade de oferecer moradia temporária com determinadas características, o que foi solicitado como medida cautelar. O Tribunal atendeu ao pedido e ordenou que as famílias fossem abrigadas em hotéis da cidade, sob determinados requisitos de habitabilidade. Ainda que o acordo tenha resultado da negociação e da pressão política sobre o governo, foi o litígio que o tornou efetivo e determinou o alcance legal das obrigações assumidas pelo Estado. Ver Agüero Aurelio Eduvigio e Outros vs Governo da Cidade de Buenos Aires s/ amparo (Artigo 14 CCABA), Exp. 4437/0. Resolução de 26 fev. 2002.
42. Ao adotar o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Estado se obriga a levantar informações e formular um plano, como destaca o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Em alguns temas – como o direito à moradia adequada – é expressamente reconhecida a obrigação do Estado de implementar de forma imediata uma vigilância eficaz da situação da moradia em sua jurisdição, e para isso precisa realizar um levantamento do problema e dos grupos que se encontram em situação vulnerável ou em dificuldades – pessoas desabrigadas e suas famílias, pessoas alojadas de forma inadequada, pessoas que não têm acesso a instalações básicas, pessoas que vivem em assentamentos ilegais, pessoas sujeitas a despejo forçado e grupos de baixa renda (OG n. 4, ponto 13). Em relação ao direito à educação primária obrigatória e gratuita, aqueles Estados que não a tiverem implementado no momento da ratificação assumem o compromisso de elaborar e adotar, dentro de um prazo de dois anos, um plano detalhado para sua implementação progressiva (Artigo 14, PIDESC). Essas obrigações de vigilância, reunião de informação e preparação de um plano de ação para a implementação progressiva são extensivas, como medidas imediatas, aos demais direitos consagrados no Pacto (OG n. 1, pontos 3 e 4).
43. Ver também Abramovich & Courtis, 2000.
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