“Tortura Indiana” e o relatório da comissão sobre tortura em madras de 1855
Embora seja comumente defendida a idéia de que a tortura policial constitui uma prática institucionalizada na Índia, o único estudo confiável apoiado pelo governo na história moderna indiana é o Relatório da Comissão sobre Tortura de Madras, de 1855. No contexto do silêncio que encobre a violência policial atualmente praticada na Índia, o curioso fenômeno de uma Comissão investigativa, instituída por um Estado colonial há mais de cento e cinquenta anos atrás, é particularmente intrigante. Nesse artigo experimento uma análise textual do Relatório, e uma investigação de seu contexto ideológico e histórico. Defendo que o Relatório serviu, primeiramente, para discursivamente “tratar” do tema da tortura, negando a cumplicidade do Estado colonial em sua prática, além de argumentar que as reformas por ele sugeridas resultaram na institucionalização de um modelo colonial específico na reestruturação da polícia indiana, uma estrutura que substancialmente sobrevive até os dias de hoje.
Alec Mellor, em seu livro considerado referência no que diz respeito à história da tortura, La Torture, publicado em 1949, logo após a Segunda Guerra Mundial, tenta explicar as razões para a suposta reaparição da tortura no século vinte. Ele sugere três causas fundamentais para esse ressurgimento: a ascensão do estado totalitário culminando na União Soviética; a importância da reunião de «inteligência» e «métodos especiais de interrogatório» como resultado das formas modernas de guerra; e, finalmente, a influência do «Asianismo» (PETERS, 1985, p. 106). Mesmo que a terceira «causa» pareça meio fora de contexto em relação às duas primeiras, essa fetichização etnocêntrica da «Ásia» como a natural terra natal da tortura e outras práticas «bárbaras», e seu resultado – tortura vista como uma prática alheia à moderna e esclarecida Europa – não é um aspecto isolado. Montesquieu, em suas “Cartas Persas”, por exemplo, usou a idéia da “tirania dos Turcos” em contraste à de Luís XIV. Na verdade, tal análise é representativa de uma história longa e variada, de um discurso no qual tal projeção de “despotismo” como unicamente “oriental” “ajudou europeus a se definirem em termos europeus, deixando claro o que não são, ou talvez o que não pretendiam ser.” (METCALF, 1994, p.7).
Nesta mesma linha, como escreve Talal Asad, frequentemente pode-se observar “que as regras européias em países coloniais, mesmo que não democráticas, trouxeram melhorias morais ao comportamento – p. ex., o abandono de práticas ofensivas contra o ser humano.” (ASAD, 1998, p. 293). Entretanto, o progresso alcançado na erradicação de práticas desumanas, como a tortura, foram admitidamente um tanto desiguais. Nesse sentido, a descrição aceitável dos eventos é que mesmo tendo os europeus tentado seu melhor para acabar com essas práticas cruéis (as quais anteriormente o mundo não-europeu considerava como dadas), eles não foram inteiramente bem sucedidos (ASAD, 1998, p. 293). Reconhecendo o fracasso de sua pedagogia, o Leste continua com seus sinceros esforços em arenas como as Nações Unidas, com Organizações Não-Governamentais levantando a bandeira em seu nome.
Em 1973, uma dessas organizações, a Anistia Internacional, publicou uma pesquisa internacional sobre tortura. Na sessão sobre a Índia, reportou a disseminação do uso da tortura pela polícia Indiana (ANISTIA INTERNACIONAL, 1973). A partir disso, Upendra Baxi defendeu que a tortura é, de fato, institucionalizada na Índia. Como ele coloca, “violência em custódia ou tortura é parte integral das operações policiais na Índia.” (BAXI, 1982, p. 123). Ele destaca, entretanto, a dificuldade em acessar a magnitude desse fenômeno, por causa da falta de algum estudo completo apoiado pelo governo sobre essa prática. Ironicamente, ele diz, “quando alguém olha para trás um pouquinho, descobre que a elite governante britânica foi mais explicitamente preocupada com o uso da tortura pela polícia nativa, do que a elite governante da Índia independente” (BAXI, 1982, p. 129). A afirmação de Baxi provavelmente deriva do fato de que o único estudo abrangente sobre este tema na história da Índia moderna é o Relatório da Comissão de Tortura de 1855. A Comissão foi formada pelo então Governo Madras, sob as ordens da Corte de Diretores da Companhia do Leste da Índia. Baxi nota que as conclusões da Comissão no que tange à triste condição das vitimas são válidas até hoje. A tortura policial é tão real hoje quanto era na época (BAXI, 1982, p. 130).
No contexto do silêncio que cerca as atuais violências cometidas pela polícia na Índia, o curioso fenômeno da uma Comissão investigativa, instituída por um estado colonial, mais de cento e cinquenta anos atrás, é particularmente interessante. Por que a elite governante Britânica estava tão explicitamente preocupada com o uso da tortura pela polícia nativa?
Não estou preocupado aqui em examinar o grau em que a tortura foi predominante na Índia pré-colonial, colonial ou pós-colonial. Meu objetivo é, no entanto, examinar o discurso da tortura, e em particular, as peculiaridades assumidas nesse discurso no contexto colonial indiano do meio do século dezenove.
Meu argumento se dá em duas partes: primeiro, eu defendo que esse Relatório serviu primeiramente para discursivamente “tratar” do tema tortura, apagando a cumplicidade do estado colonial em sua prática. Segundo, que as reformas por ele sugeridas resultaram na institucionalização de um modelo colonial específico na reestruturação da polícia indiana.
A primeira sessão analisa a linguagem do Relatório. Como um órgão totalmente europeu chamado para investigar a predominância da tortura em uma província ao sul da Índia em meados do século dezenove, como a Comissão interpretou esse mandato? Como construiu o problema que deveria observar? Como atentou às questões de raça? Ou mais especificamente, como fixou responsabilidades entre indianos e europeus pela prática? E finalmente, qual foi o diagnóstico para o mal-estar e quais as soluções sugeridas?
A segunda sessão tenta examinar a curiosa questão de por que a Comissão foi formada. Por que o Relatório foi escrito daquela maneira e para quem ele foi escrito? Para responder a essas questionamentos, essa sessão examina o contexto ideológico do Relatório. Nos séculos dezoito e dezenove, a questão da tortura e sua abolição tinham se tornado um tema moral e humanitário crucial na Europa, o que refletiu no tom moral quase triunfante das histórias populares sobre o assunto. Isso é seguido pela análise da natureza do discurso colonial do século dezenove sobre a Índia, o que, eu acredito, ser crucial para entender por que a comissão colonial para tortura chegou a tais conclusões. Especificamente, a narrativa do Relatório, ao colocar a culpa quase inteiramente na polícia nativa e sua pressuposta “propensão à tortura”, acompanha a tendência ideológica colonial da época.
A parte final examina o legado do relatório nos termos das reformas que dele resultaram. Toda a estrutura da Polícia de Madras foi revista, amplamente de acordo com as recomendações da Comissão. O modelo de Madras mais tarde tornou-se a base para as reformas policiais por toda Índia. Essa estrutura perdura até os dias atuais. Seu princípio organizacional, assim como o da Guarda Irlandesa, a partir do qual foi estruturado, é em seguida criticamente examinado. Para concluir, eu argumento que as mudanças de longo alcance mesmo que introduzidas na estrutura da polícia colonial devem ser colocadas no contexto da burocracia da Índia colonial como um todo, especialmente se quisermos compreender o que acredito ser o caráter colonial específico do regime de poder moderno na Índia.
Essa dissertação é movida pela crença que a “raiz da miséria pós colonial” (nas palavras de Partha Chatterjee) encontra-se na “rendição às antigas formas do estado moderno”, como as “formas autônomas de imaginação da comunidade foram, e continuam sendo, sobrecarregadas e inundadas pela história do estado pós-colonial.” (CHATTERJEE, 1993, p. 11).
“Não é a tortura da alta espécie européia… A tortura Indiana é pronta, improvisada, engenhosa, barata, irritante, repugnante, revoltante e trivial ao extremo… É a tortura de crianças muito más.” (The Times, 3 de setembro, 1855 apud PEERS, 1991, p. 50).
Em 1854, a Câmara dos Comuns foi abalada por alegações de tortura contra a Honrosa Companhia do Leste da Índia. Durante o debate, baseado nas informações providas pela Presidência de Madras, foi dito que “tortura era frequentemente usada pelos oficiais nativos para compelir os camponeses indianos a pagar as demandas do Governo” (GUPTA, 1974, p. 310). Sr. Danby Seymore, membro do Parlamento, acusou a Companhia “de usar tortura e coerção ‘para conseguir dez xelins de um homem quando ele possuía apenas oito’” (RUTHVEN, 1978, p. 183). Logo estas notícias tomaram conta da imprensa britânica. The Times escreveu sobre a “Inquisição Indiana” e o Punch publicou uma sátira sobre o assunto (PEERS, 1991, p. 34). A Corte de Diretores imediatamente ordenou que o Governo de Madras organizasse “um ‘inquérito muito profundo’ e elaborar um relatório completo sobre o assunto.” (GUPTA, 1974, p. 311). Dessa maneira, em 9 de setembro de 1954, uma Comissão com três membros1 foi formada para investigar o “uso da tortura pelos servos nativos do estado, com o propósito de arrecadar os impostos governamentais.” (Relatório dos Comissários para Investigação dos Supostos Casos de Tortura em Madras, 1855, p. 3 – de agora em diante: MADRAS, 1855). Entretanto, o escopo da investigação foi logo ampliada para incluir “o suposto uso de tortura para extrair confissões em investigações policiais” (MADRAS, 1855, p. 3). Os Comissários foram informados de que:
As instruções do Governo eram no início confinadas ao Departamento Fiscal , porque a imputação do uso da tortura referia-se exclusivamente à cobrança dos impostos públicos; mas o Governador no Conselho deseja aproveitar essa oportunidade para apurar qual a extensão do uso de práticas similares nos assuntos policiais, onde há muito tempo seu uso tem sido amplamento admitido, e à Comissão, portanto, será pedido a extensão das investigações para o Departamento de Polícia e, na verdade, ir a fundo em todo o assunto e seus desdobramentos (MADRAS, 1855, p. 3).
A Comissão elaborou uma notificação para tornar sua existência conhecida pelas pessoas. Foram enviadas cópias da mesma a todos os distritos da Presidência para serem distribuídas e afixadas em todos os departamentos: 150 em inglês, 10.000 em tâmil, 10.000 em telugu, 10.000 em canarese, 5.000 em malaiala e 5.000 em hindustâni (MADRAS, 1855, p. 3). Ainda, as notificações foram publicadas em todos os jornais da Presidência e as reclamações deveriam ser remetidas à Comissão até 1o. de fevereiro de 1855. Cerca de 519 reclamações foram recebidas pela Comissão, algumas de distâncias que excediam 300 milhas. 1.400 reclamações também foram recebidas por meio de cartas (MADRAS, 1855, p. 4). Depois de existir por cerca de 7 meses, a Comissão submeteu seu Relatório em 16 de abril de 1855.
O primeiro assunto tratado pelo Relatório foi a questão de novidade na prática da tortura. Baseando-se nas “antigas autoridades”, o relatório atentou ao “fato histórico” de que a “tortura era um método reconhecido para obter tanto impostos quanto confissões” desde os tempos pré britânicos (MADRAS, 1855, p. 5). Especificamente com menção da prática de tortura para extrair confissões, até mesmo a Ordem Governamental de 19 de setembro de 1854 estendendo a atribuição da Comissão para investigação de assuntos policiais, disse:
Tão enraizado, entretanto, o mal foi encontrado, e tão poderosa a força do hábito, surgindo da licença não reprimida do exercício de tais atos de crueldade e opressão sob os antigos governantes desse país, que não tem sido viáveis as medidas destinadas a erradicar integralmente tais práticas, não obstante o caráter enérgico destas medidas adotadas – de um lado, a tendência quase inata da generalidade dos oficiais nativos no poder em recorrer a tais práticas e, de outro lado, a submissão do povo a estas práticas; além de ainda persistir estes abusos no Departamento de Polícia, mesmo que, sem a menor dúvida, não na mesma proporção do que anteriormente. (MADRAS, 1855, p.5)
A Comissão, aceitando essa “tendência nativa”, então enquadra o assunto sob análise da seguinte maneira: a “mudança de governo causou alguma mudança radical nos hábitos dos oficiais nativos de baixo escalão?” (MADRAS, 1855, p.5). A pergunta examinada é:
[…] se houve qualquer coisa na administração civil dos últimos anos que tenha sido capaz de influenciar especialmente esta prática, ou tenha previnido a continuidade desta prática, ou gerado alguma tendência particular a extinção de tais atos. (MADRAS, 1855, p. 5)
O Relatório então discute as diversas intervenções britânicas que até então tratavam a tortura na esfera penal. Identificou-se que entre 1806 e 1852, 10 ordens circulares foram promulgadas pela Faujdari Adalat (a Suprema Corte Penal) sobre extração de confissões (MADRAS, 1855, p. 8). Em abril de 1926, a Corte de Diretores da Companhia enviou uma carta ao Governo de Madras sobre os diversos relatos de tortura da Presidência (MADRAS, 1855, p. 5). Curiosamente, a Corte discutia em seus despachos os diversos pronunciamentos judiciais sobre a tortura em Madras, nas quais um tema recorrente é a conivência dos magistrados europeus com os oficiais da polícia nativa, nos casos de má conduta (MADRAS, 1855, p. 5-8). Essas alegações foram deixadas de lado pelo poderoso Presidente do Governo de Madras, Sir Thomas Munro com o seguinte comentário:
Não existe nenhuma dúvida que muitas irregularidades são usadas para obter confissões e que, em alguns momentos, atrocidades são cometidas; mas quando consideramos o imenso número de prisioneiros, e os costumes destes povos, sempre acostumados com a coação onde há suspeita, quão difícil é erradicar tais hábitos, e quão pequena a proporção de casos em que a violência é usada comparada ao todo – o número desses atos dificilmente pode ser considerado maior do que o que poderia ser esperado, e está diminuindo a cada dia. (MADRAS, 1855, p. 8)
Em 1832, o Seleto Comitê Parlamentar para Assuntos do Leste da Índia examinou a tortura na Índia administrada pelos britânicos. Alexander Campbell, que havia sido Escrivão do Sudder Diwani e Faujdari Adalat (a Suprema Corte Civil e Penal, respectivamente) foi questionado pelo Comitê,
Você poderia nos dizer se a prática de tortura pelos oficiais nativos, com o propósito de extorquir confissões ou obter evidência, é usada frequentemente? [Ele respondeu] Sob o governo nativo que nos precedeu em Madras, o objetivo universal de todo oficial de polícia era obter a confissão do prisioneiros visando sua condenação independentemente da infração cometida; e não obstante todos os esforços dos tribunais europeus para colocar fim a esse sistema, frequentes casos dessa prática chegaram aos nossos tribunais penal. (RAO, 2001, p. 4127)
Em seguida o Relatório considera os laudos das autoridades contemporâneas britânicas trabalhando no “interior”, que deveriam responder às alegações de tortura. O Relatório supôs que a opinião neste departamento, com pouquíssimas exceções, era que a tortura realmente aconteceu, mesmo que em diversos graus em vários distritos. A maioria dos testemunhos era baseada em boatos. Para explicar a falta de reais testemunhas da operação por seus conterrâneos, os Comissários notaram que “certamente nenhum nativo iria em sã consciência correr o risco de assumir ter recorrido a tal prática na presença de um europeu” (MADRAS, 1855, p. 11). O Relatório, de forma interessante, examina então as várias testemunhas oculares dos casos de tortura e conclui que “tal conjunto de evidência de testemunhas oculares confiáveis e quase integralmente européias, ao nosso ver, é conclusivo” (MADRAS, 1855, p. 15).
O Relatório lidou, então, com as evidências coletadas pela Comissão de vários peticionários. Como já mencionado, houve um total de 1.959 reclamações. O relatório concluiu,
[…] fazendo todos os descontos necessários dada a tendência dos nativos de exagerar, mesmo quando sua história é baseada nos fatos; sendo dolorosamente consciente de sua falta de verdade, sabendo por experiência o quão controverso e vingativo eles são, nós ainda pensamos que a maior parte de seus depoimentos, como um todo, possuem marcas de veracidade, e que suas histórias são essencialmente verdadeiras. (MADRAS, 1855, p. 16)
O Relatório, por fim, analisa os registros dos casos de tortura dos sete anos anteriores, investigados pelas Cortes ou magistrados. Os Comissários notaram que as condenações bem sucedidas eram raras, dada a falta de evidência adequada e o excesso de tolerância no momento de punir mesmo nestes casos raros. Entretanto, para deixar claro, eles citam, com sua autorização, Sr. Daniel, agente do Governo em Kurnool, que disse, “Eu não tenho nenhuma hesitação ao dizer que nem os camponeses indianos, nem outro grupo de pessoas tem consciência de que atos de violência na cobrança de impostos são tacitamente tolerados pelo Governo ou seus oficiais europeus…” (MADRAS, 1855, p. 287-92).
Com base nessas evidências, a Comissão concluiu
que a violência pessoal praticada pelos cobradores de imposto nativos e os oficiais de policia geralmente prevalecem ao longo desta presidência, tanto nas coletas de impostos, quanto em casos policiais; mas ao mesmo tempo é nosso dever expor nossa opinião de que nos últimos anos a prática tem constantemente decaído tanto em gravidade quanto em alcance. (MADRAS, 1855, p. 31)
O Relatório apresentou o termo “tortura” como definido pelo Dr. Johnson – “a dor pela qual a culpa é punida ou a confissão extraída” (MADRAS, 1855, p. 31)2 para ser aplicada às práticas predominantes na Presidência.
O Relatório tentou então explicar por que comparativamente as denúncias de casos com uso de tortura para extrair confissões eram menores do que para cobrança de impostos. Seu raciocínio torna a leitura interessante. Ele expressa o alívio (baseado nos testemunhos sobre “os costumes das pessoas”) que:
tortura é ordinariamente utilizada apenas quando existem bons motivos para acreditar que a parte realmente culpada é a sofredora. [E continua] E essa realmente parece ser a opinião universal entre os próprios nativos, que em casos criminais a prática não é apenas necessária, mas correta. Seu exercício não causa em suas mentes nem aversão, nem surpresa, nem repugnância. (MADRAS, 1855, p. 34)
O Relatório então elucida através do título, “Costumes das pessoas” que
nós temos casos de tortura sendo livremente praticados em todos aspectos da vida doméstica. Servos são ameaçados pelos seus mestres e por outros servos; crianças por seus pais e diretores de escola, pelas mais triviais ofensas; as próprias peças da população (e a questão dos dramas de um povo rude, nelas satirizados) que despertam risadas na maioria da audiência rural ao mostrar a cobrança moeda por moeda dos impostos de um contribuinte devedor, através da aplicação de “provocações” familiares, sob a superintendência de um caricaturado tehsildar3; parece uma instituição “honrada pelo tempo”, e nós não podemos nos abalar se a prática é ainda vastamente predominante dentre a classe ignorante e não instruída dos servidores públicos nativos. (MADRAS, 1855, p. 34)
O Relatório, entretanto, esclareceu imediatamente que a intensidade da prática decaiu com a intervenção européia. Isso se deu por causa das ordens passadas pelo Faujdari Adalat regulando as confissões e disse que elas “não poderiam deixar de produzir seu efeito” (MADRAS, 1855, p. 34).
Também funcionou como desincentivo à pratica o fato de que confissões sem confirmação eram altamente improváveis de resultar em condenação4. O Relatório então revela a base de sua fé nas intervenções européias. Ele afirma, “Não existe um servidor público nativo, desde o mais alto ao mais baixo escalão, que não sabe bem que essas práticas acontecem por desdém dos seus superiores europeus” (MADRAS, 1855, p. 34).
Os Comissários então expressam sua angústia frente às dificuldades que as vítimas de tortura encontram ao obter compensação. Mas a primeira afirmação do Relatório nesse assunto busca esclarecer que o Governo ou seus oficiais europeus são completamente livres de culpa e os concede total crédito por seus esforços (MADRAS, 1855, p. 35). O Relatório reitera que os oficiais nativos são conscientes da desaprovação dessa prática pelos seus superiores europeus. Migrando dos oficiais nativos para o resto da população, eles continuam com a defesa:
nós não vimos nada que desse a entender que as pessoas em geral acreditam que os maus tratos a eles aplicados sejam aprovados ou tolerados pelos oficiais do Governo europeu. Ao contrário, todos eles parecem desejar que os europeus em seus respectivos distritos assumam a investigação das reclamações a eles apresentadas. [Resumindo seu ponto de vista no assunto, a Comissão afirma] Todo o clamor das pessoas, que chegaram até nós, é para os salvar das crueldades de seus colegas nativos, e não dos efeitos da grosseria ou indiferença por parte dos oficiais do Governo europeu. (MADRAS, 1855, p. 35).
O Relatório procura então explicar as contradições entre os nativos vendo os oficiais europeus como seus salvadores e a raridade de reclamações deles sobre oficiais nativos. O Relatório considera como fatores as altas taxas de absolvição nos processos sobre tortura e as penas amenas aplicadas (MADRAS, 1855, p. 35). Entretanto, ele continua a insistir no caráter dos nativos como principal razão para isso e não parece considerar as autoridades européias, que julgam esses casos e que de fato toleram a prática de tortura, como responsáveis. Isso ocorre apesar da carta previamente mencionada da Corte de Diretores da Companhia em 1826, assim como da análise da própria Comissão acerca dos casos de tortura dos sete anos anteriores, que claramente demonstrou a brandura adotada em tais casos. Ao final, o Relatório afasta ainda mais a culpa dos oficiais europeus ao relatar a enormidade de tarefas que eles realizam, a imensidão das áreas que administram e o minúsculo número de europeus na administração (MADRAS, 1855, p.37).
Os Comissários observam que mesmo que a prática de tortura tenha sido fortemente impactada pela reforma do caráter do nativo através “da disseminação da educação, da abertura dos meios de comunicações” e “o aumento da relação entre mente e espírito”, esses eram apenas os “remédios gerais” e “graduais” (MADRAS, 1855, p. 39). Ao invés disso, eles sugeriram a solução ao problema que pensaram ser específico ao caso indiano. A proposta do Relatório é colocada da seguinte forma:
Não podemos negar que um maior número de servidores governamentais europeus em uma província tenderá a sua melhor administração, e a questão é como e em que direção tal leva adicional poderia ser melhor empregada e se tornar mais vantajosa para acabar com as práticas nativas de recorrer a tais atos ilegais de violência pessoal como aqueles que estamos engajados em comentar. (MADRAS, 1855, p. 39)
O Relatório então expõe sua visão acerca do caráter dos nativos e dos europeus. O Relatório explica,
a polícia toda é mal paga, notoriamente corrupta, e sem qualquer impedimento moral e respeito próprio, normalmente gerados pela educação; e o caráter do nativo quando possui poder se mostra ganancioso, cruel e tirânico, ao menos, quando o Hindu é um mero individual privado, suas principais características são subserviência, covardia e malandragem. (MADRAS, 1855, p. 40)
Tal grupo de pessoas não surpreendentemente seria capaz de uma prática, cuja “mera afirmação de sua existência é tão alarmante aos ouvidos europeus quanto sua realidade é repugnante para a moralidade européia” (MADRAS, 1855, p. 40).
A solução era então simplesmente ter superintendentes de policia europeus para todos os distritos. O que, de acordo com a Comissão, “iria em pouco tempo interpor uma restrição eficaz ao uso da tortura na extração de confissões” (MADRAS, 1855, p. 42).
O Relatório, tendo encontrado o Santo Graal, detalha com entusiasmo “o grande efeito no bem-estar das pessoas” que isto geraria. O resultado final, sugere, seria que:
a mesma conduta que tem suficientemente garantido a paz e a segurança dos países europeus durante os últimos trinta anos, tempo em que podemos dizer que a ciência da polícia foi inteiramente concebida, seria rapidamente capaz de proporcionar a esta Presidência polícias admiráveis, preventivas e investigativas. (MADRAS, 1855, p. 43).
O Relatório conclui esclarecendo que sua sugestão para “uma infusão abundante da intervenção européia” na administração civil não se deve a uma atitude hostil frente aos nativos, tampouco busca privá-los “de sua justa parte no governo de seu país”. O Relatório então de maneira tranquilizadora discute o mérito relativo do termo intervenção “moral” (em oposição ao termo intervenção “européia”), uma vez que “existem vários Indianos do Leste e alguns nativos a quem, em nossa opinião, podem seguramente ser confiadas posições de poder, da mesma forma que confiamos a qualquer um dentre nós” (MADRAS, 1855, p. 46).
A Comissão finalmente termina seu Relatório listando modestamente os propósitos aos quais busca servir:
a garantia concedida às pessoas em geral de que, qualquer que tenha sido a prática, ela não foi aprovada pelo governo; a maneira assertiva com a qual a atenção de todas as autoridades européias para o assunto foi chamada pelo governo; o medo salutar que não poderia senão ter sido gerado nos corações dos oficiais nativos; cuja publicidade deve ter dado às pessoas a confiança para resistirem aos seus opressores. (MADRAS, 1855, p. 47)
Tortura deixou de existir.
(Victor HUGO, 1874 apud PEERS, 1991, p. 5).
Dor não é meramente negativa. Ela é, literalmente, um escândalo.
(TALAL ASAD apud ASAD, 1998, p. 290).
A questão surge: por que a Comissão sobre Tortura de Madras foi formada? Ou mais precisamente, por que um governo colonial estaria interessado em instituir um inquérito sobre a prática de tortura? Como discutido no tópico anterior, incidentes de tortura na Presidência de Madras foram reportados por diversas autoridades governamentais bem no início do século dezenove, mas pouca ou nenhuma ação foi tomada (GUPTA, 1974, p. 308-310). Essa abordagem foi resumida por um crítico da Companhia., que escreveu, “casos de tortura pela polícia são notoriamente frequentes […] mas como reportá-los não serve a nenhum propósito político, eles são vistos sem alarde pelo governo” (PEERS, 1991, p. 51).
Entretanto, as revelações no Parlamento e a cobertura da imprensa que seguiu em 1854 impulsionou a administração a entrar em ação e a Comissão foi instituída. A carta original da Corte de Diretores da Companhia, pedindo a formação da Comissão, é revelador em sua sinceridade. Admitiu-se que agora alguma ação teria que ser tomada por causa do clamor público “e não em razão dos relatórios anteriores de nossos próprios servidores” (PEERS, 1991, p. 51).
O objetivo da Comissão era permitir que o governo negasse todas as alegações. Como pudemos ver, ela desempenhou essa tarefa de forma admirável. O tema recorrente em todo o Relatório é a procura desesperada de negar qualquer cumplicidade por parte das autoridades britânicas na prática da tortura. Entretanto, mesmo que o relatório tente racionalizar isso, as próprias descobertas da Comissão apontam claramente alguns indícios de cumplicidade por parte de agentes britânicos. O Relatório discute as 1826 cartas das autoridades da Companhia em Londres para Madras, que cita um juiz federal [originalmente, circuit judge] ao dizer, “Eu não vejo onde mais depositar a responsabilidade por estes atos senão na brandura com qual tais aberrações foram encaradas pelos seus superiores imediatos” (PEERS, 1991, p. 49).
Entretanto, ao invés de focar nos oficiais britânicos superiores, o Relatório consistentemente tenta explicar a persistência da tortura pela “propensão inata dos nativos”. Essa “propensão” foi vista como tão profundamente enraizada que mesmo a “intervenção moral” européia foi apenas parcialmente e gradualmente capaz de desfazê-la. Já Anupama Rao coloca em outro contexto, “a polícia era entendida como uma instituição cultural comprometida pelo fato de ser ‘nativa’, e então fundamentalmente irracional e propensa ao excesso” (RAO, 2001, p. 4127). O relatório é realmente um clássico exemplo do processo que eu me referi como ‘a alienação da tortura’.
Radhika Singha resume acertadamente. “O Comitê para Tortura primeiramente foi endereçado”, ela escreve, “para o público britânico, a fim de assegurar que os nativos não poderiam acreditar que funcionários britânicos toleravam tortura“ (SINGHA, 1998, p. 305). A linguagem do Relatório não deixa dúvidas sobre seu destinatário. Seria então pertinente examinar as atitudes britânicas contemporâneas com relação à tortura – tanto em termos gerais, quanto no contexto específico do domínio britânico na Índia.
Na mitologia da história universal sobre tortura, o século dezenove é visto como um período em que a tortura desapareceu na Europa, e graças à influência européia, declinou mesmo nas colônias5. Realmente, de 1750 em diante, os dispositivos que previam a prática da tortura foram gradualmente removidos dos códigos penais da Europa (PEERS, 1991, p. 74). Junto com essas mudanças legais, emergiu uma crescente literatura que passou a condenar a tortura com fundamentos morais. O mais famoso exemplo de texto anti-tortura talvez seja o “Dos Delitos e Das Penas” de Cesare Beccaria. No século dezenove, o regime de tortura havia se tornado, nas palavras de Edward Peters, “o foco de boa parte da critica Iluminista ao antigo regime” (PEERS, 1991, p. 74). Tortura se tornou um termo pejorativo universal: “a maior ameaça à lei e à razão que o século dezenove poderia imaginar” (PEERS, 1991, p. 75). A abolição da tortura foi o maior marco na linha evolutiva que a Europa estava supostamente percorrendo ao final do século dezoito. O fim da tortura era agora um símbolo poderoso da nova Europa moderna e era usado para diferenciar a Europa atual dos tempos da Idade Média, tornando-se, assim, um elemento importante na forma como a própria Europa passou a se definir a partir do século dezenove.
A nova sensibilidade moral ganhou um papel central na historiografia da abolição da tortura. No trabalho de historiadores europeus e americanos do século dezenove, o processo de criminalização da tortura era explicado apenas por um tipo específico de narrativa progressista. Na verdade, essa história muitas vezes descreve tais mudanças como um ‘movimento de abolição’ paralelo ao movimento de erradicação da escravidão. A estória conta que o sistema de tortura continuou até o século dezoito, quando uma série de autores renomados como Beccaria e Voltaire revelaram suas deficiências e chocaram a consciência européia, inspirando os grandes monarcas Iluministas a abolirem a tortura (PEERS, 1991, p. 75).
John Langbein (1977), em seu agora clássico trabalho “Torture and the Law of Proof”, dispensou essa versão das coisas – de maneira provocativa – como um “conto de fadas”. Rejeitando a noção de que a influência humanitária foi de fato decisiva para a abolição da tortura no século dezoito, Langbein enfatiza, no entanto, as inovações puramente judiciais na lei das provas, que eram cada vez mais utilizadas desde o início do século dezessete, que gradualmente tornaram a tortura redundante. O Direito Canônico Romano da prova, que requeria ou a confissão ou duas testemunhas oculares para condenação, estava decaindo gradualmente. Com novas formas de sanções criminais, como o galé, o trabalho caseiro e a prática de transporte sendo usadas, juízes puderam exercer maiores discrições do que antes nas sentenças que promulgavam. Portanto, cada vez mais, nos casos em que altos padrões de evidência não eram alcançados, até mesmo evidências circunstanciais poderiam agora ser usadas para condenação, com uma punição menos grave– uma prática análoga à do sistema moderno de negociação para redução de pena (‘plea-barganing’) (PETERS, 1985, p. 84). A tortura, portanto, não era mais necessária para o processo criminal.
Entretanto, mesmo Langbein reconhece que “os escritores tiveram alguma participação” na ‘criminalização’ da tortura, e que sua abolição “era um evento relacionado com muitos dos temas profundamente relacionados com a história política, administrativa e intelectual do século dezoito” (LANGBEIN, 1977, p. 69). A condenação da tortura teve implicações morais relacionadas fortemente aos pensamentos Iluministas. Mesmo que a sabedoria atual tenha fornecido explicações mais abrangentes e complexas sobre a abolição da tortura do que a singular influência da paixão moral de Beccaria, fato é que a identificação da tortura no final do século dezenove com uma visão de mundo totalmente rejeitada se baseou em argumentos morais e legais. Realmente, desde então, a tortura passou a ser condenada com base em argumentos morais, como símbolo das barbaridades do antigo regime. Essas intervenções remodelaram o próprio significado da tortura – concedendo-lhe o poder de um dispositivo retórico, tornando-se um trunfo argumentativo por excelência.
Darius Rejali, entretanto, critica a própria idéia de abolição da tortura e, por essa razão, contesta a relação entre a transição de tortura para punição com a transição para a modernidade. Ele defende que longe de ser um resquício bárbaro do passado, a tortura integra o estado moderno (REJALI, 1994)6. No seu estudo sobre a história da tortura no Irã desde o final do século dezoito, Rejali mostra que a tortura tem sido essencial para e vastamente empregada por sucessivos regimes no país. Utilizando a abordagem de Foucault (FOUCAULT, 1995), ele argumenta que houve um afastamento gradual da tortura cerimonial do século dezenove. Essa mudança foi considerada um sinal de progresso, especialmente pelos colonialistas (REJALI, 1994, p. 16). A nova forma de tortura que a substituiu era diferente. Foi desenvolvida fora do domínio público, no contexto de operações policiais e prisões disciplinares, componentes inseparáveis da disciplina moderna da sociedade. Os rituais públicos de tortura foram substituídos por rituais secretos. Como Talal Asad (1998, p. 290) explica, “a tortura moderna como parte do policiamento é tipicamente secreta, parcialmente porque infligir dor física em um prisioneiro para extrair informação, ou para qualquer propósito ‘não é civilizado’ e, portanto, ilegal”. Essa nova sensibilidade acerca da dor física resultou no fato de que o estado moderno só pode praticar tortura conjuntamente com uma “retórica de negação”. O relatório da Comissão sobre Tortura é realmente um caso clássico de prática dessa retórica de negação.
Esse período, quando os debates sobre tortura aconteciam na Europa, também representou, certamente, o apogeu do conflito colonial do subcontinente indiano. Quando os britânicos começaram a dominar a Índia, eles tiveram que inventar uma visão do passado e o futuro da Índia para justificar a si mesmos seu domínio. Thomas Metcalf (1994) argumentou que através do ‘Raj”, as ideias que mais poderosamente formaram as concepções britânicas sobre a Índia e seu povo foram as de ‘diferença’ Indiana. Dentre as ideias mais vastamente aceitas nesse período estava a noção de “Despotismo Oriental”. Esse conceito tornou-se uma maneira popular de imaginar os Asiáticos como pessoas que voluntariamente se submetem ao absolutismo. Pensadores Iluministas como Voltaire e Montesquieu engajariam em polêmicas contra a monarquia francesa comparando-a ao “Despotismo Oriental” (METCALF, 1994, p.7). No livro História do Hinduísmo publicado em 1770, Alexandre Dow escreveu sobre os Imperadores Mughul como déspotas orientais por excelência presidindo estados sem lei (COHN, 1989, p. 137-140). Desta forma, os tempos déspotas na Índia pré-britânica foram diferenciados da lei e ordem que o governo britânico traria.
O modelo que confinou a tortura ao antigo regime na Europa – ao ser confrontado com a prática da ‘tortura’ em sociedades como a Índia – fez uso de uma explicação similar. Nesse modelo progressista, o estado asiático não moderno e ‘primitivo’ simplesmente substituiu os poderes do antigo regime e a suposta natureza primitiva do início da cultura européia. Tortura agora tornou-se algo que poderia existir tanto no passado europeu, quanto no presente ‘Oriental’. Na verdade, como Metcalf coloca
Na Índia, a Europa pôde encontrar, viva nos dias atuais, sua história toda. A Índia foi uma vez terra de vilas ‘republicanas’ Teutônicas, era ‘o velho mundo pagão’ da antiguidade clássica; um conjunto de reinos feudais medievais; nas cidades da costa ‘algo semelhante à nossa própria civilização’ poderia até ser reconhecido; e a Índia era, certamente, também uma terra ‘oriental’ moldada pelo despotismo. (METCALF, 1994, p. 66).
Guiado pelo ‘historicismo’ do século dezenove, as histórias britânicas sobre a Índia ajudaram a construir o diferencial atribuído à Índia. O ‘progresso’ britânico era complementado por essa história do ‘declínio’ indiano – tornando o domínio britânico inevitável e necessário. Defendendo este ponto de vista, John Barrrow diz que:
A humanidade era única não porque era igual em todo lugar, mas porque as diferenças representavam diferentes estágios de um mesmo processo. E concordando em chamar o processo de progresso, poderíamos converter a teoria social em moral e política. (BURROW,1966, p. 98-99)
De acordo com Thomas Metcalf (1994, p. 17), a idéia de ‘melhoria’ e ‘estado de direito’ já eram justificativas fundamentais para o domínio britânico no final do século dezenove. Esses temas foram conhecidamente exauridos no episódio dramático da alta sociedade envolvendo o julgamento do impeachment de Warren Hastings de 1787 em diante. Enquanto Hastings argumenta que como um governante ‘Asiático’, a autoridade discricionária era necessária e justificável, seu grande oponente Edmund Burke procurou torná-lo o símbolo da ganância com a qual a Companhia do Leste da Índia estava exercitando seu ‘poder arbitrário’ na Índia (METACALF, 1994, p. 18). De acordo com Sara Suleri, durante o julgamento, Burke e seus companheiros formavam juntos uma “trama da angústia colonial”. Não era apenas um julgamento, mas “a documentação das angústias da opressão, onde ambos o prisioneiro e o acusador compartilham igualmente a culpa colonial” (SULERI, 1992, p. 53).
Realmente, se a retórica de Burke fosse acompanhada de sua conclusão lógica, todo o regramento da Companhia estaria em julgamento, não apenas Hastings. Mas esse não era o objetivo de ninguém naquele momento. Ao invés, o julgamento tornou-se um espetáculo, servindo para renovar a fé no estado de direito britânico. Como Burke disse, “Estou certo de que todos os meios efetivos de preservar a Índia de seus opressores representam uma salvaguarda para preservar a Constituição britânica de sua mais grave deterioração” (METCALF, 1994, p. 19). Debatendo sobre a importância de ‘melhorias’, Burke disse que não há nada “que possa fortalecer a justa autoridade da Grã-Bretanha na Índia, o que nem de perto visa, senão em conjunto e na mesma proporção, mitigar o sofrimento do Povo” (METCALF, 1994, p. 19-20). A semelhança desse caso com a Comissão sobre Tortura – outro exemplo de exorcismo da culpa colonial – é realmente evidente. Para caracterizar as normas britânicas como morais, ‘civilizadas’ e ‘civilizadoras’, a idéia de ‘estado de direito’ era crucial. Sua hegemonia duradoura pode ser mesurada pelo fato de que em 1950 um eminente grupo de historiadores concluiu que o estado de direito foi o maior benefício recebido pela Índia com a introdução das teorias jurídicas inglesas (LIPSTEIN, 1957, p 87). Muito antes de 1950, entretanto, Sir. James Fitzjames Stephen, membro jurídico do Conselho do Vice-Rei de 1869 a 1872, discutiu a importância destas idéias:
O estabelecimento de um sistema jurídico que regula as partes mais importantes da vida diária das pessoas constitui uma conquista moral mais admirável, mais durável e muito mais sólida do que a conquista física que o tornou possível. Isso exerce uma influência na mente das pessoas de várias formas como uma nova religião… Nossa lei é de fato a totalidade e a substância do que nós temos para ensiná-los. É, no modo de falar, um evangelho compulsório que não admite dissenso ou desobediência. (METCALF, 1994, p. 39)
A obsessão pela criação de leis na Índia começou logo ao final do século dezenove, com as tentativas de William Jones em fazer Cornwallis “o Justiniano da Índia” e a si mesmo Triboniano, uma “compilação total das leis Hindus e Muçulmanas” (COHN, 1989, p. 146). Como Jones escreveu para Cornwallis, com tal código o Governo britânico daria aos nativos da Índia “segurança para devida administração da justiça, similar ao que Justiniano fez com as normas gregas e romanas” (COHN, 1989, p. 146). O grandioso sonho de criar leis como uma panacéia continuou com James Mill, que trabalhou para Companhia do Leste da Índia por dezessete anos, até sua morte em 1936. Em sua obra clássica História das Índias Britânicas, publicada pela primeira vez em 1818, traçou o estado de retrocesso e desvalorização da sociedade indiana para o despotismo do governo nativo e sugeriu uma solução simples – a codificação das leis ‘boas’ (STROKES, 1959, p. 68-70). Na verdade, Benthan é acusado de ter defendido no fim da sua vida que “Mill será o governante vivo – eu hei de ser o legislador morto da Índia” (STROKES, 1959, p. 68-70).
Colocar a culpa da tortura na “propensão inata dos nativos” pôs a tortura no mesmo patamar da abolição de outras ‘práticas horríveis’ como o hookswinging, infanticídio, sati, thuggee e o sacrifício humano, todas as formas de crueldade que pareciam caracterizar a sociedade Indiana (RAO, 2001). Paradoxalmente, a iniciativa liberal de erradicar essas manifestações de ‘barbarismo’ indiano apenas consolidou ainda mais as concepções sobre a singularidade da sociedade indiana. O exemplo de hookswinging7 é explicativo. Na analise de Nicholas Dirks no inquérito conduzido pelas autoridades britânicas sobre esse ritual ele cita o oficial britânico presidente ao concluir que:
É, na minha opinião, desnecessário ao final do século dezenove e, considerando o nível atingido pela civilização indiana, a considerar os motivos pelos quais os participantes são motivados a fazer parte do hookswinging, a andar pelo fogo e outras barbaridades. Do ponto de vista dos próprios participantes, seus motivos podem ser bons ou maus; eles podem ceder à auto tortura para satisfazerem os fervorosos votos religiosos feitos com sinceridade e pelas razões mais desinteressadas; ou podem entrar nessa com a pior das motivações de enaltecimento pessoal, seja pelas esmolas que receberão ou pela distinção pessoal e glória que podem vir a receber; mas a questão é se a opinião pública nesse país não é contra os atos externos dos participantes, como de fato sendo repugnantes aos ditames da humanidade e capazes de desmoralizá-los e a todos que venham a testemunhar estas performances. (DIRKS, 1997, p. 192-193)
Talal Asad argumenta que, nas tentativas de erradicar tais ‘práticas cruéis’, o que realmente motivou os europeus foi “o desejo de impor o que consideraram ser parâmetros civilizados de justiça e humanidade para a população – p. ex., o desejo de moldar novos sujeitos” (ASAD, 1998, p. 293). Ao equiparar a tortura policial a estes diversos atos de ‘barbaridade’, o uso da violência para extrair confissões foi nornalizado no ideário britânico e o contexto colonial apagado, com os Europeus surgindo como cavaleiros em armaduras brilhantes, lutando contra tudo e todos para humanizar os Indianos: de alguma maneira, para os salvar de si próprios.
Todo nativo Hindu, eu de fato acredito, é corrupto. (Lord Cornwallis apud LUDDEN, 1993, p.255)
Como vimos na primeira parte, a Comissão recomendou reorganizar a polícia de Madras de maneira a institucionalizar e garantir uma completa supervisão européia da polícia nativa em todos os níveis e procurou minimizar sua discricionariedade. O Relatório concluiu com o aviso de que se nenhuma medida for tomada como as reformas sugeridas, “os oficiais nativos terão aprendido mais uma lição sobre seu próprio poder e sobre impunidade” (MADRAS, 1855, p. 47). Reformas policiais eram apresentadas como a solução para uma maior vigilância e controle da força policial, cuja necessidade surgiu da construção de uma polícia nativa fundamentalmente não confiável por causa de sua inferioridade racial.
Nas palavras do historiador especialista na Polícia Indiana colonialista, Sir Percival Griffith, o Relatório “impulsionou o Governo de Madras a entrar em ação.” Propostas para a reforma policial baseada no Relatório foram apresentadas pela Comissão em Agosto de 1855 (GRIFFITH, 1971, p. 81). Esses foram entretanto encarados com hesitação no início por parte da administração da Companhia em Londres, visto que sua implementação envolvia despesas consideráveis. A Corte de Diretores estimou um custo adicional de um milhão de rúpias para implementar as mudanças recomendadas (GUPTA, 1974, p. 322). Respondendo a essas objeções, o Governador de Madras respondeu que a principal razão para o aumento de despesas era o aumento significante no número de oficiais europeus. Ele acrescentou que isso era “absolutamente necessário” e que “seria inútil a reorganização da força sem, em primeiro lugar, apontar um oficial europeu para cada distrito” (GUPTA, 1974, p. 325).
Logo a Corte de Diretores mudou de idéia e aceitou o diagnóstico do Relatório, que apontava o raro uso “pelos Oficiais Ingleses responsáveis pela Polícia” de mecanismos de “supervisão e controle efetivos” como a principal causa da falência e ineficiência da polícia (GUPTA, 1974, p. 354) por causa da grande carga de trabalho e do fato dos oficias nativos não terem sido “adequadamente supervisionados e controlados” (ARNOLD, 1986, p. 22). A Corte concordou com a Comissão ao afirmar que a polícia nativa estava naturalmente pré-disposta à “má conduta e corrupção”, e que isso só poderia acabar com “a mais elevada inteligência e apurada honestidade” de um número suficiente de oficiais europeus (ARNOLD, 1986, p. 22). As sugestões foram incorporadas pelo Ato nro. XXIV de 1859. O modelo Madras foi eventualmente estendido por toda Índia britânica pelo Ato da Polícia Indiana de 1861, que continua a ser o principal estatuto regulador da polícia na Índia até os dias de hoje.8 A reforma policial que resultou da Comissão sobre Tortura removeu completamente os indianos das posições de responsabilidade administrativa e simultaneamente fortaleceu a supervisão européia.
O novo Departamento de Polícia de Madras era para ser estruturado de maneira a assegurar o máximo controle e supervisão pelos oficiais europeus superiores. No afã inicial por reforma, as autoridades de Madras foram atraídas pelo modelo da Polícia Metropolitana de Londres, formada em 1829 (1986, p. 25). Mas logo se percebeu, como David Arnold sugere, “que um sistema político planejado pela metrópole imperial não corresponderia às necessidades da província colonial.” O modelo das Polícias Irlandesas começou a ser visto como mais adequado para os propósitos indianos. A Irlanda colonial tinha uma força policial paramilitar centralizada, enquanto a Inglaterra e o País de Gales naquele tempo9 tinham um sistema político descentralizado, com forças policiais separadas para quase todos os distritos e grandes cidades (ARNOLD, 1986, p. 25). Esse modelo obviamente não era considerado adequado para a Índia, visto que um estado colonial precisa de uma polícia colonial, responsável apenas por ela mesma.
As Polícias Irlandesas, por outro lado, eram completamente centralizadas com um Inspetor Geral e seu oficial chefe, que respondia diretamente ao Secretário Chefe do governo. A polícia local não era responsável perante a população local, apenas perante o governo. O modelo Irlandês era ainda particularmente popular dentre os oficiais britânicos na Índia porque muitos deles tiveram experiências anteriores na Irlanda, seja porque pertenciam a classes abastadas da Irlanda, seja porque serviram na Irlanda. Sir Hugh Rose, que serviu na Irlanda e agora era Comandante Chefe do Exército Indiano, afirmou em outubro de 1861, “Nenhum sistema policial jamais trabalhou melhor para a supressão da agitação política, ou da desordem agrária que as Polícias Irlandesas” (ARNOLD, 1986, p. 26). Uma vez que esses objetivos dos britânicos eram também aplicáveis à Índia e o contexto colonial similar, o modelo seguido primeiramente para a reconstituição da polícia indiana foi da Irlanda colonial, um precedente que mais tarde, no final da metade do século dezenove, foi seguido por muitas outras colônias (ARNOLD, 1986, p. 27).
O princípio de supervisão articulado pela Comissão sobre Tortura e ratificado pelo Governo de Madras e a Corte de Diretores formou as bases governamentais da estrutura política da Presidência de Madras sob esse novo Ato. De acordo com David Arnold, havia três partes essenciais conectadas nesse novo sistema de supervisão e controle: primeiro, controle sobre o departamento de polícia pela administração civil; segundo, a supervisão dos oficiais indianos subordinados por seus superiores europeus; e terceiro, “uma hierarquia rígida na distribuição dos cargos e funções, estando a superintendência no topo, os inspetores no meio e as policias devidamente na base da hierarquia” (ARNOLD, 1986, p. 29). Todo o sistema estava organizado de maneira a institucionalizar a falta de confiança dos europeus com relação aos indianos, mesmo quando eles estavam apenas servindo o estado colonial. Presumiu-se que a corrupção e a ineficácia dos subordinados indianos só poderiam ser corrigidas por um rígido sistema de supervisão que tinha como topo os superintendentes europeus. A maioria dos policiais, entretanto, continuou sendo formada por indianos por causa da restrição de recursos e a necessidade de conhecimento e língua locais, aos inspetores era permitida alguma iniciativa própria – o mesmo não era permitido aos meros policias. Por outro lado, os caros oficiais europeus estavam concentrados nos postos chaves de supervisão.
David Arnold (1986, p. 29) argumenta que a estrutura da polícia colonial foi idealizada como uma realização institucional do Panóptico, idealizado por Bentham. Realmente, as designações dadas aos oficiais superiores da força policial – Inspetor, Superintendente, Inspetor-Geral – apresenta precisamente suas funções de supervisão. Os oficiais superiores tinham, primeiramente, a função de observar seus subordinados e não de engajar em funções policiais. Seu papel era, portanto, o de “policiar a polícia” (ARNOLD, 1986, p. 29).
O caso da polícia talvez seja o exemplo mais extremo, mas a suspeita com que os britânicos viam a burocracia dos subordinados indianos possui um longo histórico, com altos e baixos. David Ludden nota como o desejo de William Jones de organizar uma abrangente “Compilação das leis Hindus e Muçulmanas” em inglês surgiu primeiramente porque ele não confiava nos intérpretes nativos. Similarmente, as reformas agrárias de Thomas Munro em Madras foram inspiradas na idéia de evitar qualquer autoridade intermediária entre a Companhia e o agricultor (LUDDEN, 1993, p. 254-257). A condução imperativa visava controlar a intervenção indiana na administração de maneira mais estrita.
Richard Saumarez Smith tem argumentado que dados estatísticos, pesquisas e registros das operações foram cruciais em proporcionar aos britânicos os meios técnicos para controlar a “administração nativa” da estrutura burocrática (SMITH, 1985, p. 153-176). O funcionamento técnico de toda a parcela subordinada do corpo burocrático foi rigorosamente restringido em meados de 1840. Manuais detalhados foram elaborados, esmiuçando as atribuições. Utilizando como exemplo o patwari (contador da vila) em Punjab, Smith discute como foi considerado necessário regular suas atividades e os títulos sob o qual ele compilava informações, desde que se tornou a figura central na nova administração local. Um momento notável desse ‘Manual de Regras’ é o “curso educacional para contadores (patwaris) da vila” de quatro partes publicado em Punjab, 1845. As quatro partes compreendiam em uma designação oficial de certos objetos (meses, colheitas, postos do Governo e tipos de documentos oficiais), incluindo o nome de vinte e nove castas diferentes; cálculo, que incluía uma maneira especial de designar quantidades; pesos e medidas, que incluía um método de calcular áreas de dimensões lineares; e um modelo completo de contabilidade para agricultores e moradores da vila. (SMITH, 1985, p. 159).
Enquanto as funções governamentais expandiam, aos indianos cada vez mais eram reservados papéis subordinados e não funções gerenciais, postos locais e não provinciais e funções técnicas e não políticas. Como Smith diz,
No decorrer do período de domínio britânico em Punjab foi mantida uma divisão entre os altos níveis burocráticos, aos cuidados do Serviço Civil Indiano trabalhando em inglês, e os cargos inferiores, reservados a quadros locais e provincianos trabalhando na língua materna. (SMITH, 1985, p. 161)
Essa divisão racial da burocracia é um exemplo do que Partha Chatterjee chamou de “a regra da diferença colonial”, que foi central no desenvolvimento do poder disciplinador no estado colonial. Ele explica essa “regra”:
O estado colonial não era representado apenas pela administração que trouxe as formas exemplares do estado moderno para as colônias; também era uma administração que estava destinada a nunca cumprir com a missão pacificadora do estado moderno porque a premissa do seu poder era a regra da diferença colonial, nominalmente, a preservação da alienação do grupo dominante. (CHATTERJEE, 1993, p. 10).
Como a instituição do estado moderno estava sendo introduzida na colônia no final da metade do século dezenove, os dominadores europeus deixaram clara a diferença racial entre os dominadores e os dominados, seja na elaboração das leis, na burocracia, ou na administração da justiça. Quanto mais ganhava força o processo de racionalização burocrática durante esse período, bem como a lógica do regime moderno de poder, ainda mais a questão de raça continuava a ser colocada, enfatizando o caráter colonial específico do domínio britânico na Índia (CHATTERJEE, 1993, p. 19).
O legado do Relatório da Comissão sobre Tortura é evidenciar que talvez a “regra da diferença colonial” esteja inscrita em termos mais maléficos na estrutura da polícia indiana do que em qualquer outro aparato burocrático na Índia.
1. Os três Comissários eram E.F Elliot, H. Stokes e J.B. Norton. Elliot foi Superintendente da polícia e juiz da cidade de Madras de 1834 a 1853 e Norton foi Defensor Público. (GUPTA, 1974, p. 311).
2. A Comissão expandiu a definição para incluir também a extorsão de dinheiro.
3. Coletor de impostos para o tehsil, uma unidade administrativa (cf. SINGHA, 1998, p. xxviii).
4. Seria interessante mencionar aqui um artigo do Calcutta Review de 1846, de acordo com o qual 70 por cento de todas as condenações na Índia eram baseadas nas confissões (cf. PEER S, 1991, p. 48).
5. Como um interessante exemplo, veja o Relatório da Anistia Internacional sobre Tortura (1973).
6. É interessante recordar aqui o argumento de Douglas Peers, segundo o qual a crescente intromissão do estado favoreceu o aumento dos casos de tortura policial na Presidência de Madras em meados do século dezenove. Novos crimes de natureza ‘moral’ foram adicionados aos crimes contra a pessoa e o patrimônio, enquanto certo atos ofensivos aos olhos dos britânicos passaram a ser monitorados pelo Estado e punidos penalmente. Entre estes atos, podem ser citados a mendicância, jogos de azar, venda de livros obscenos, “destruição arbitrária de árvores”, desobediência de ordens (com base nas leis britânicas que regem a relação entre mestre-servo), “simular atos de bruxaria”, “vender espíritos por grãos”, “dirigir ou cavalgar de maneira descontrolada”, “promover caridade através da exibição de deformidades corporais” e recusar pagar dote prometido. A ociosidade também deveria ser punida e as atividades de pessoas “desocupadas” deveriam ser monitoradas. Nota-se, portanto, que a vida das pessoas estava sendo disciplinada de forma nunca antes vista na Índia (PEER S, 1991, p. 43).
7. “Hookswinging envolve uma cerimônia na qual o celebrante é pendurado em uma trava construída para esse propósito em uma carroça, suspensa por dois ganchos de aço na parte de baixo das costas do celebrante” (ASAD, 1998, p. 306).
8. Um Comitê para Elaboração do Ato Policial foi formado com o intuito de re-examinar as leis policiais na Índia e em 2006 apresentou uma nova proposta de lei. Mesmo que o Parlamento não tivesse ainda aprovado a proposta, em 2006, a Suprema Corte da Índia apresentou uma diretiva com alguns princípios básicos para o policiamento dos governos estaduais. A Corte pediu aos governos estaduais que seguissem esses princípios por completo até que a nova legislação fosse aprovada. Seguindo essas diretrizes, muitos governos começaram a revisar suas leis policiais. Enquanto isso, o Ato Policial de 1861 permaneceu nos códigos jurídicos e ainda se questiona se as reformas recentes representariam uma modificação fundamental nos contornos das relações de poder entre a superintendência, a inspetoria e a policia, hierarquia essa que compunha o alicerce da polícia colonial. O continuo uso de termos como “teeth to tail ratio” em documentos oficiais do governo (a relação entre oficiais policiais de diferente escalão, desde aqueles que ocupam o cargo de Sub-Inspetores Assistentes e cargos mais elevados até aqueles policias que ocupam posições inferiores de subordinação, como, por exemplo, Chefes de Polícia e Oficiais de Polícia) revela a permanência das mesmas idéias coloniais discutidas aqui. Veja, por exemplo, www. mppolice.gov.in/crimeinindia/CHAP17.htm
9. A exceção foi, claro, Londres, onde o Comissário teve que reportar diretamente ao Secretário Nacional.
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