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Quando defensoras e defensores são silenciados11. Agradeço a Marina Wilbraham por sua assistência. O conteúdo deste artigo se baseia em um estudo encomendado pelo ISHR: Liam Mahony, Intimidation and its Impact on Engagement with the UN Human Rights System…,” março de 2020.

Madeleine Sinclair

Abordando o impacto da intimidação no engajamento com o sistema de direitos humanos da ONU

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RESUMO

Se a Organização das Nações Unidas deve monitorar efetivamente o cumprimento das obrigações de direitos humanos e proteger as vítimas de abusos, é crucial que defensoras e defensores dos direitos humanos e as vítimas de violações dos direitos humanos possam acessar e se comunicar com a ONU de forma livre e segura. Vários Estados comprometem sistematicamente o direito ao acesso sem obstáculos e à cooperação com os mecanismos de direitos humanos da ONU por meio de intimidações ou represálias. Nos últimos anos, a ONU tomou algumas medidas bem-vindas para resolver o problema. No entanto, documentar incidentes declarados de intimidação e represálias usando métodos legais baseados em casos padronizados tem sido a opção privilegiada em relação a abordar o tipo de intimidação que inibe defensoras e defensores de se envolverem com a ONU. Perversamente, isso significa que Estados muito repressivos podem escapar do escrutínio. Para começar a abordar essa questão, o ISHR encomendou um estudo22. “Reprisals: ISHR Launches New Study on Intimidation And Its Impact on Engaging With the UN,” International Service for Human Rights, 16 de março de 2020, acesso em 13 de julho de 2020, https://www.ishr.ch/news/reprisals-ishr-launches-new-study-intimidation-and-its-impact-engaging-un. que considera os desafios e as oportunidades metodológicas inerentes à medição do impacto da intimidação, em particular no envolvimento com o sistema de direitos humanos da ONU.33. Liam Mahony, Intimidation and its Impact on Engagement with the UN Human Rights System: Methodological Challenges and Opportunities.” International Service for Human Rights, março de 2020, acesso em 13 de julho de 2020, https://www.ishr.ch/sites/default/files/documents/final_ishr_intimidation_reportweb.pdf.

Palavras-Chave

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1.Introdução

Caso a Organização das Nações Unidas (ONU) queira monitorar efetivamente o cumprimento estatal de compromissos com os direitos humanos e proteger as vítimas de violações no âmbito internacional, é fundamental que defensoras e defensores de direitos humanos e as vítimas de violações neste campo possam ter acesso e se comunicar com a ONU com liberdade e segurança. Infelizmente, “liberdade” e “segurança” não são características das experiências de diversas defensoras e defensores e vítimas que buscam se engajar com a organização. Diversos Estados sistematicamente comprometem o direito de livre acesso e cooperação com os mecanismos de direitos humanos das Nações Unidas por meio de intimidação: ameaças voltadas a inibir a cooperação antes que ela ocorra ou durante os esforços de engajamento com a ONU; bem como por meio de represálias: ações de retaliação contra aqueles que cooperaram.

Reconhecendo que a intimidação e as represálias prejudicam a capacidade de cumprir seu mandato de proteger os direitos humanos, nos últimos anos, a ONU tomou algumas medidas bem-vindas para abordar este problema. Há bastante tempo, o elemento central destes esforços tem sido o relatório anual do secretário-geral (SG) da ONU sobre a “Cooperação com as Nações Unidas, seus representantes e mecanismos no campo dos direitos humanos” (também conhecido como o “Relatório sobre Represálias”).44. “Cooperation with the United Nations, Its Representatives and Mechanisms in the Field of Human Rights: Report of the Secretary General,” A/HRC/42/30, Nações Unidas, 9 de setembro de 2019, acesso em 10 de junho de 2020, https://www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/RegularSessions/session42/Documents/A_HRC_42_30.docx. Publicado anualmente desde 1991, o Relatório sobre Represálias limita-se a uma estática compilação anual de casos específicos, com algumas informações de acompanhamento incluídas nos últimos anos. Em resposta à incidência contínua por parte da sociedade civil realizada há anos, em 2016, a atuação da ONU foi reforçada pela nomeação pelo SG de uma “alta autoridade em represálias”. Este mandato foi ocupado inicialmente por Andrew Gilmour, o então secretário-geral assistente para direitos humanos (ASG, na sigla em inglês).55. “Ban Ki-moon Appoints High-ranking Official to Combat Reprisals Against Human Rights Defenders,” International Service for Human Rights, 4 de outubro de 2016, acesso em 10 de junho de 2020, https://www.ishr.ch/news/ban-ki-moon-appoints-high-ranking-official-combat-reprisals-against-human-rights-defenders. Desde então, quem ocupa esse cargo é Ilze Brands Kehris, a atual secretária-geral assistente.

Os governos que não desejam ser retratados como violadores de direitos humanos no cenário internacional recorrem a uma ampla variedade de táticas para impedir ou punir a cooperação com os mecanismos de direitos humanos da ONU, incluindo violência direta, prisões, perseguições, ataques financeiros, difamações e ameaças contra as pessoas, ou contra as famílias daqueles que buscam se engajar com os mecanismos de direitos humanos. Embora algumas das táticas usadas pelos Estados e pelos atores não governamentais possam ser diretas, outras podem ser mais sutis e, frequentemente, contam com certos traços de legalidade.

Embora o Relatório sobre Represálias seja um recurso importante para chamar atenção e condenar publicamente as violações do direito ao livre acesso e à cooperação com os mecanismos de direitos humanos da ONU, ele conta apenas uma parte da história. Diversos casos de intimidação e represálias não são relatados. Outros são relatados, mas permanecem não documentados, por medo de mais represálias. Outra questão crítica que é ainda mais difícil de mensurar e que encobre sobremaneira o verdadeiro alcance das intimidações e represálias é o fato de que os esforços de intimidação, muitas vezes, são bem-sucedidos em impedir completamente que defensoras e defensores e vítimas de violações de direitos humanos se envolvam com a ONU. Perversamente, isso pode levar a uma situação na qual Estados muito repressivos podem deixar de ser listados no relatório. Esta questão se torna perceptível, por exemplo, quando se considera que a maioria dos dez países que recebem as pontuações mais baixas no ranking de liberdade internacional da organização Freedom House não aparece no Relatório sobre Represálias de 2019 (Síria, Coreia do Norte, Guiné Equatorial, Somália, Tajiquistão e Líbia)66. Sarah Repucci, “Freedom in the World (2020): A Leaderless Struggle for Democracy.” Freedom House, junho de 2020, acesso em 20 de junho de 2020, https://freedomhouse.org/report/freedom-world/2020/leaderless-struggle-democracy. ou que um terço dos países classificados como “fechados” pela ferramenta de monitoramento “Monitor”, da ONG CIVICUS, tampouco são citados no relatório (Azerbaijão, República Centro-Africana, Guiné Equatorial, Líbia, Laos, Coreia do Norte, Sudão e Síria).77. “National Civic Space Ratings,” CIVICUS Monitor, 2020, acesso em 10 de junho de 2020, https://monitor.civicus.org/. Além disso, mesmo nos Estados nos quais alguns casos específicos de intimidação e represálias são relatados, isso pode ser apenas parte da história, pois inúmeras defensoras e defensores podem ser intimidados a ponto de nunca se engajarem, e essa história não está sendo contada.

É positivo que os últimos Relatórios sobre Represálias e declarações da alta autoridade tenham demonstrado grande preocupação com tamanha gravidade de intimidação e “autocensura” associada.88. A/HRC/42/30, Nações Unidas, 9 de setembro de 2019. Em outubro de 2018, Andrew Gilmour, a então alta autoridade em represálias, reconheceu as lacunas nas informações recebidas, devido aos enormes riscos que defensoras e defensores enfrentam para compartilhar informações, além de incidentes que não estão incluídos no Relatório sobre Represálias devido à falta de consentimento das vítimas ou de suas famílias. Gilmour também admitiu que provavelmente recebe informações de países que contam com uma sociedade civil relativamente vibrante, capaz de se engajar com a ONU, e que, dessa maneira, o Relatório sobre Represálias apresenta um retrato um tanto distorcido, com mais cobertura sobre estes países do que sobre outros, ainda mais fechados e repressivos, nos quais é impossível que a sociedade civil tenha qualquer envolvimento com a ONU.99. “Comments by Assistant Secretary-General for Human Rights, Andrew Gilmour, at OHCHR Side Event,” OHCHR, 24 de outubro de 2018, acesso em 10 de junho de 2020, https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Reprisals/CommentsReprisalsEvent24Oct2018.docx. Em 2019, o SG relatou que estava particularmente preocupado com o conjunto de evidências que apontam para uma crescente autocensura de vítimas e atores da sociedade civil que optam por não se envolver com a ONU tanto no terreno, quanto na sede das Nações Unidas, por temer por sua segurança ou em contextos nos quais o trabalho relacionado com os direitos humanos é criminalizado ou difamado publicamente.1010. A/HRC/42/30, Nações Unidas, 9 de setembro de 2019. Por fim, no diálogo com o Conselho de Direitos Humanos na 42ª sessão em setembro de 2019, Gilmour reconheceu que a autocensura é o objetivo dos Estados e outros atores que praticam represálias e intimidações, e que é somente quando defensoras e defensores se recusam a se autocensurar que essas represálias são abordadas.

Gilmour destacou que é muito complicado combater a autocensura porque é difícil provar que defensoras e defensores e organizações de direitos humanos estão tão intimidados a ponto de não quererem se envolver com a ONU. Alguns Relatórios sobre Represálias recentes citaram certos países nesse sentido,1111. Hungary, Egypt and South Sudan were cited in the 2019 Reprisals Report, A/HRC/42/30, Nações Unidas, 9 de setembro de 2019. mas apenas na medida em que tal autocensura foi realmente relatada. Dessa forma, o Relatório sobre Represálias privilegia os incidentes relatados e sistematicamente deixa de considerar a questão da autocensura e de documentar as situações por país nas quais o Estado tem “êxito” em intimidar a sociedade civil para que ela não se envolva com a ONU.

Para começar a tratar dessas questões, o Serviço Internacional para os Direitos Humanos (International Service for Human Rights – ISHR, na denominação em inglês) encomendou um estudo, lançado no Conselho de Direitos Humanos em março de 2020,1212. “Reprisals…,” ISHR, 16 de março de 2020. que considera as oportunidades e os desafios metodológicos inerentes à mensuração do impacto da intimidação no envolvimento com o sistema de direitos humanos da ONU.1313. Liam Mahony, Intimidation and its Impact on Engagement with the UN Human Rights System…,” março de 2020. A atual falta de compreensão de como as táticas de intimidação efetivamente inibem a denúncia das violações e as atividades relacionadas à defesa dos direitos humanos reforça a impunidade das violações estatais. Até que a ONU e a sociedade civil tomem medidas conjuntas para compreender melhor as barreiras contra o engajamento enfrentadas por defensoras e defensores e vítimas das violações de direitos humanos, incluindo a intimidação, as soluções permanecerão ilusórias e os violadores seguirão atuantes. É claro que o tipo de intimidação que inibe a ação é mais difícil de ser mensurado do que os incidentes de intimidação e represálias evidentes para os quais se usam métodos padronizados de documentação jurídica baseados nos casos de violações. Sem desconsiderar estes desafios, o ISHR concluiu que existem etapas importantes e abordagens metodológicas que a ONU e outros atores podem adotar para solucionar essas lacunas e começar a responsabilizar os violadores. Elas serão examinadas a seguir.

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2.Considerando a psicologia da intimidação e as respostas dos ativistas

Como ponto de partida, o estudo do ISHR constatou que, para maximizar ou otimizar a cooperação com os mecanismos de direitos humanos da ONU e abordar a intimidação, precisamos entender quem usa esses mecanismos, por que os usam e como reagem à ampla gama de obstáculos que enfrentam ao fazê-lo. Nesse sentido, o estudo do ISHR recomenda que todas as partes atuantes em direitos humanos (incluindo ONU, ONGs, acadêmicos e Estados) desenvolvam mais análises de impacto que avaliem os resultados positivos resultantes do uso dos mecanismos de direitos humanos da ONU e disseminem e popularizem todas as análises existentes. Simplificando, o sistema de direitos humanos precisa fornecer a defensoras e defensores fundamentos para que possam tomar decisões bem embasadas sobre o esforço e os problemas de engajamento. A tendência atual de enfatizar a importância de “não fazer mal” àqueles que cooperam ou podem cooperar com a ONU deve ser equilibrada com informações suficientes sobre possíveis benefícios positivos e êxitos anteriores. Evidentemente, as decisões e o arbítrio dos defensores devem ser respeitados, independentemente das propensões que podem fundamentar suas decisões – ativistas no terreno são afetados mais diretamente pela ação estatal e se encontram na melhor posição para determinar os perigos com os quais se sentem confortáveis, bem como se o engajamento com o sistema das Nações Unidas é de seu interesse estratégico. No entanto, entender os possíveis impactos positivos da ONU é tão importante para a tomada de decisões de um indivíduo quanto entender os riscos envolvidos. Isso significa que as ONGs internacionais e a ONU devem fornecer análises de impacto significativamente mais coerentes e fundamentadas sobre como o engajamento com estes mecanismos pode valer a pena diante dos riscos envolvidos.

Neste sentido, a ONU também deve procurar fortalecer o feedback das ações para que aqueles que usam os mecanismos da organização recebam informações rápidas e adequadas sobre o andamento de seu caso. Infelizmente, não é raro que defensoras e defensores sintam que as informações fornecidas à ONU desapareceram em um buraco negro, apesar de terem feito um esforço considerável e assumido riscos para prover informações. A falta de feedback pode corroer a confiança no sistema e desencorajar um maior engajamento. Da mesma forma, levando-se em conta que diversas vítimas e defensoras e defensores consideram potencialmente protetora qualquer atenção dada à sua situação pelas Nações Unidas, os mecanismos da ONU que dependem da cooperação devem implementar uma estratégia de incidência de acompanhamento mais rigorosa àqueles em risco, a fim de garantir que essa proteção seja real e não apenas imaginada.

O estudo do ISHR também constatou a necessidade de desenvolver e fortalecer novas estratégias para aumentar a conscientização sobre os mecanismos da ONU, especialmente em países mais fechados e repressivos onde a sociedade civil e as vozes dissidentes são efetivamente sufocadas. Quanto mais repressiva a situação, menos informações estão disponíveis para as pessoas sobre o potencial dos mecanismos das Nações Unidas. Por fim, as pessoas que atuam na área de direitos humanos devem reconhecer as desigualdades estruturais que dificultam o acesso de algumas vítimas e defensoras e defensores aos mecanismos da ONU e realizar esforços adicionais para lidar com elas, incentivando o engajamento e oferecendo apoio àqueles mais isolados ou marginalizados.

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3.Considerando os desafios sobre os dados: como medir a cooperação e a intimidação

Para poder identificar os países nos quais os impactos inibidores da intimidação são significativos, precisamos de dados sobre os graus das violações de direitos humanos, intimidação e cooperação com o sistema da ONU. Precisamos, também, rastrear as mudanças ao longo do tempo. É deveras problemático que isso não esteja sendo adequadamente mensurado – os níveis de cooperação podem estar melhorando ou se deteriorando em locais diferentes, mas sem esses dados, não podemos avaliar com precisão o que está acontecendo. Somente investindo na coleta e agrupamento sistemático de dados, de maneira que a cooperação possa ser rastreada e analisada, é possível identificar e priorizar os obstáculos e buscar soluções.

Embora essas questões sejam complexas e desafiadoras, as observações do estudo sobre as abordagens baseadas em dados e limitações apontam para várias etapas iniciais que podem fortalecer a capacidade da ONU de avaliar a intimidação e seu impacto na cooperação. Para abordar esses desafios, a Organização das Nações Unidas deve acompanhar o engajamento de indivíduos e da sociedade civil de maneira mais ampla, em todos os seus mecanismos, e produzir relatórios quantitativos regularmente sobre a cooperação com a ONU.1414. Isso deve incluir o Conselho de Direitos Humanos, a Revisão Periódica Universal, os Órgãos de Tratado, presença no terreno, visitas nos países e outras fontes. Para fazer isso de maneira abrangente, este esforço pode exigir recursos adicionais. Até que estejam disponíveis, o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH) e a alta autoridade em represálias poderiam criar um banco de dados parcial sobre o engajamento com os mecanismos pelo qual a coleta de dados com menos recursos seria viável. Ao mesmo tempo, os principais organismos de coleta de dados sobre direitos humanos (incluindo o ACNUDH) devem continuar aperfeiçoando o grau de coleta e o gerenciamento de dados sobre todas as violações de direitos humanos, colaborando com ONGs e iniciativas acadêmicas baseadas na coleta de dados que permitam quantificar e classificar comparativamente os graus das violações. Com essas duas fontes de dados, a ONU teria a capacidade de identificar os Estados onde há muitas violações e baixa cooperação, bem como aqueles com muitas violações e alta cooperação. A pesquisa sobre as melhores práticas poderia, então, prover auxílio aos Estados onde a intimidação tem uma inibição continuada de maneira mais significativa. Por fim, para determinar quais países precisam de estudos mais aprofundados, não há motivo para “reinventar a roda” − o ACNUDH e as ONGs de direitos humanos devem usufruir dos dados e ferramentas de medição existentes sobre liberdades, liberdades civis e espaço cívico como parâmetros aproximados para os graus de intimidação. Esses dados também podem ajudar a identificar os países nos quais é necessário um estudo mais aprofundado.

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4.Considerando a política de intimidação: respostas estatais e da ONU

Os Estados que pretendem manter seu engajamento internacional ao mesmo tempo em que controlam sua população têm maior probabilidade de usar táticas sutis e com certos traços de legalidade nas intimidações para impedir a defesa dos direitos humanos a um custo político mais baixo do que aquele causado por cometer violações abertamente. Portanto, as pessoas que atuam com direitos humanos devem garantir que este tipo de violação sutil tenha um custo político mais alto. Para que isso ocorra, é importante que a ONU, os Estados e as ONGs reconheçam a importância de documentar a intimidação e tomem medidas, mesmo em locais com restrições. Atualmente, a Organização das Nações Unidas não está conseguindo monitorar e abordar adequadamente esse problema. Os mecanismos de direitos humanos da ONU permanecem como uma realidade remota para muitas pessoas. Ademais, embora as presenças de monitoramento da ONU no terreno (como o ACNUDH ou as operações de paz) sejam boas ferramentas, neste caso, elas são escassas e desconectadas. Além disso, outras agências da ONU destacadas nos Estados repressivos por meio das Equipes de Países da organização, geralmente, não têm flexibilidade e vontade política para assumir responsabilidades de direitos humanos por medo de retaliação política dos Estados anfitriões. Atualmente, o ACNUDH gera certa pressão pela responsabilização estatal por meio da análise em seu relatório anual sobre procedimentos especiais de casos nos quais os Estados bloquearam a cooperação,1515. “UN Human Rights Council Annual Report Special Procedures for 2018,” A/HRC/40/38, Nações Unidas, 12 de março de 2019, acesso em 10 de junho de 2020, https://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/SP/A_HRC_40_38.docx. mas isso poderia ser expandido e fortalecido, documentando e quantificando com mais precisão todos os incidentes nos quais alguém foi impedido de cooperar durante as visitas aos países. Por fim, estratégias para promover maior cooperação devem ser fortalecidas, inclusive incentivando convites permanentes e visitas a países e divulgando publicamente a recusa de tais visitas. A falta de cooperação é e deve continuar sendo mencionada nas discussões sobre candidaturas dos Estados para os organismos de direitos humanos, como o Conselho de Direitos Humanos.

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5.Conclusão

Diversos Estados e a Organização das Nações Unidas demonstraram que consideram a intimidação e as represálias uma questão crítica. O Relatório sobre Represálias anual e o mandato da alta autoridade em represálias são ferramentas cruciais para lidar com as represálias e intimidações contra quem busca cooperar ou está cooperando com a ONU. No entanto, a responsabilização precisa ir além de casos e ataques específicos. Os Estados devem ser expostos pelas abordagens de dissuasão que estão usando continuadamente para manter uma atmosfera de medo e inibição. O SG e a alta autoridade em represálias identificaram corretamente a intimidação, que resulta em autocensura, como uma preocupação premente e é hora de ir além de nomear o problema e encontrar soluções reais. Embora a intimidação que resulta em inibição seja realmente difícil de ser mensurada, isso não é impossível, e o estudo do ISHR oferece vários pontos de partida factíveis. Com uma melhor compreensão sobre como a intimidação afeta defensoras e defensores e como enfrentar as estratégias estatais, aliada a meios mais eficazes de mensurar como a intimidação e as represálias afetam a cooperação com a ONU, este importante trabalho pode começar. A ONU, em conjunto com a sociedade civil, deve ampliar os esforços existentes para combater as represálias e responsabilizar os Estados pela intimidação em todas as suas formas.

Madeleine Sinclair - Estados Unidos

Madeleine Sinclair é codiretora do escritório de Nova York e consultora jurídica do Serviço Internacional para os Direitos Humanos (ISHR, na sigla em inglês). Sinclair lidera o trabalho do ISHR para combater represálias contra defensoras e defensores dos direitos humanos e coordena o trabalho jurídico e os litígios estratégicos da instituição. Sob a sua liderança, o ISHR tem contribuído significativamente para avançar a resposta das Nações Unidas a intimidações e represálias. Ela possui um Mestrado em Direito pela Universidade de Nova York (NYU), um Doutorado em Direito pela Dalhousie Law School (Canadá) e um Bacharelado em Artes (com Honras) pela Queen’s University (Canadá).

Recebido em maio de 2020.

Original em inglês.
Traduzido por Fernando Sciré.