Dossiê SUR sobre recursos naturais e direitos humanos

Massacre em Marikana

Manson Gwanyanya e Michael Power

Um fracasso de supervisão e a necessidade de envolvimento direto da comunidade

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RESUMO

Este artigo avalia as conclusões da Comissão de Inquérito de Marikana contra a Lonmin - a empresa de mineração que estava no centro de uma disputa salarial que resultou na morte de 34 mineiros que protestavam no cinturão de platina da África do Sul – e contra o Departamento de Recursos Minerais da África do Sul (DRM), particularmente em relação a: (1) não fornecimento pela Lonmin de moradia adequada aos mineiros; (2) incapacidade do DRM de exercer uma supervisão adequada sobre a Lonmin; (3) como a Lonmin e o DRM ajudaram a criar um ambiente propício ao massacre; e (4) a pouca mudança que haverá sem o envolvimento e a supervisão direta da comunidade.

Palavras-Chave

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1. Introdução

Em 16 de agosto de 2012, 34 militantes que protestavam foram mortos a tiros por membros do Serviço de Polícia Sul-Africano (SAPS) perto de um koppie11. “Koppie” é o nome sul-africano dado a uma pequena colina numa área geralmente plana. em Marikana,22. Marikana localiza-se no cinturão de platina da África do Sul, que produz cerca de 80% do abastecimento mundial de platina. localizada na Província do Noroeste da África do Sul. Outros 79 mineiros foram feridos e 259 foram presos. Os mineiros, empregados na mina de platina da Lonmin em Marikana,33. Depois da Anglo American Platinum (Amplats) e da Impala Platinum (Implats), a Lonmin é a terceira maior produtora de platina da África do Sul e a quarta maior do mundo. protestavam contra a empresa e pediam um “salário digno” de 2.500 rands por mês (cerca de 930 dólares americanos). Na semana anterior ao tiroteio, dez pessoas foram mortas, entre elas dois guardas de segurança privada e dois policiais.

A Comissão de Inquérito (Comissão Marikana) que foi nomeada pelo presidente sul-africano Jacob Zuma após o massacre concluiu, entre outras coisas, que o não cumprimento pela Lonmin de suas obrigações habitacionais “criou um ambiente propício à criação de tensão, agitação operária, desunião entre seus empregados ou outra conduta prejudicial”.44. “Marikana Report,” Marikana Commission of Inquiry, 26 de junho de 2015, p. 542.

Este artigo avalia as conclusões contra a Lonmin a que chegou a Comissão Marikana, em particular quanto ao fato de a empresa não fornecer moradia adequada aos mineiros nos termos de seu Social and Laboral Plan (Plano Social e Trabalhista,SLP, sigla em inglês), e examina a incapacidade do Departamento de Recursos Minerais (DRM) de exercer suas obrigações de supervisão legal da Lonmin. Argumentamos que isso pode ser um componente adicional do assim chamado “conluio tóxico entre o Estado e o capital”55. Marikana Commission of Inquiry, dias 1-3, p. 18, transcrição. apontado na Comissão Marikana, e um dos principais fatores que levaram à disputa salarial e ao subsequente Massacre de Marikana. Este artigo conclui argumentando que, apesar da constante indignação pública, nem a Lonmin nem o DRM corrigiram substancialmente essas falhas sistemáticas e, em consequência, são necessários o envolvimento e a supervisão direta da comunidade para evitar futuras mortes.

2. SLPs e conclusões relacionadas à Lonmin e ao DRM

Em seus termos de referência, a Comissão Marikana foi encarregada de determinar “se [a Lonmin] por ação ou omissão, criou um ambiente que favorecia a criação de tensão, agitação trabalhista, desunião entre seus funcionários ou outra conduta prejudicial”.66. “Marikana Report,” 2015, 522. Os termos de referência originais também requeriam que a Comissão Marikana investigasse o papel desempenhado pelo DRM e determinasse se ele havia atuado conforme suas obrigações legais.77. Ibid., 523. Essa obrigação foi, no entanto, removida dos termos de referência atualizados da Comissão Marikana, publicados em 5 de maio de 2014, e adiados para consideração em “uma etapa posterior”.88. Ibid., 554-5.

Em seu relatório, publicado em 26 de junho de 2015, a Comissão Marikana dedica um capítulo inteiro à conduta da Lonmin e conclui finalmente que a empresa foi responsável pela criação de tensões dentro de sua força de trabalho, o que levou à disputa salarial e contribuiu para o massacre resultante. A Comissão Marikana concluiu que a responsabilidade da Lonmin era, sobretudo, consequência de sua incapacidade de implementar as obrigações habitacionais que constavam em seu SLP.

2.1 O que é um SLP?

“Os SLPs podem ser vistos como parte de um projeto mais amplo cujo objetivo é enfrentar o legado do colonialismo e do apartheid”.99. “The Social and Labour Plan Series, Phase 1: System Design and Trends Analysis Report,” Centre for Applied Legal Studies, março de 2016, p. 23, acesso em 28 mai. 2017, https://www.wits.ac.za/media/wits-university/faculties-and-schools/commerce-law-and-management/research-entities/cals/documents/programmes/environment/resources/Social%20and%20Labour%20Plans%20First%20Report%20Trends%20and%20Analysis%2030%20March%202016.pdf. De acordo com as Diretrizes Revisadas do Plano Social e Trabalhista de 2010 (Diretrizes do SLP), publicadas nos termos da Lei 28 de Recursos Minerais e Petrolíferos e Desenvolvimento da África do Sul de 2002 (MPRDA, sigla em inglês), os SLPs

exigem que os candidatos a direitos de mineração e produção criem e implementem programas abrangentes de Desenvolvimento de Recursos Humanos, Planos de Desenvolvimento da Comunidade Mineira, Planos de Habitação e Condições de Vida, Planos de Equidade de Emprego e processos para salvar empregos e gerenciar a redução de atividade e/ou fechamento

na indústria extrativa da África do Sul.1010. “Revised Social and Labour Plan Guidelines,” Department of Mineral Resources, outubro de 2010, p. 2, acesso em 28 mai. 2017, http://cer.org.za/wp-content/uploads/2013/03/SLP-guidelines-2010.pdf. É importante salientar que os SLPs são legalmente exigidos para o exercício do direito de mineração.

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2.2 Implementação da Lonmin de seu SLP em Marikana

As operações da Lonmin em Marikana antecederam a promulgação da MPRDA. Em consequência, para que a Lonmin convertesse seus antigos direitos de mineração em Marikana para direitos de mineração compatíveis com a MPRDA, ela teve de apresentar um SLP aprovado pelo DRM.1111. Seção 23(1)(e) e 25(2)(f) e (h) da MPRDA. De acordo com sua proposta de SLP, a Lonmin comprometeu-se a “eliminar progressivamente todas as acomodações existentes em albergues separados por sexo, convertendo a maioria dos albergues existentes em unidades de solteiros ou familiares, e a construir mais 5.500 casas para seus empregados migrantes”.1212. “Marikana Report,” 2015, 526. Em 2006, o DRM aprovou o SLP proposto pela Lonmin, tornando-o assim legalmente vinculante para a empresa. Vale ressaltar que um SLP só pode ser modificado com o consentimento por escrito do DRM, o qual, no caso da Lonmin, nunca foi dado ou procurado.1313. De acordo com as diretrizes do Plano Social e Trabalhista revisado de 2010, um SLP não pode ser emendado ou alterado sem o consentimento do Ministro depois da concessão do direito de mineração ou produção ao qual se refere o SLP. Ver mais no “Marikana Report,” 2015, 527.

De acordo com as conclusões da Comissão Marikana, após a alteração de seus direitos de exploração mineral, a Lonmin deixou de cumprir as obrigações contidas em seu SLP, principalmente em relação à moradia:

  • Até o final do ano financeiro de 2009, a Lonmin havia construído somente três “casas modelos” das 3.200 casas que se comprometera a construir nos primeiros três anos de seu SLP de 2006. Também reformara somente 29 dos setenta albergues propostos.1414. Ibid., 534-5.
  • Até 16 de agosto de 2012, a Lonmin havia construído apenas três das 5.500 casas que se comprometera a construir até setembro de 2011, nos termos do SLP de 2009.1515. Ibid., 527.
  • Era do conhecimento de todos que um grande número de trabalhadores da Lonmin vivia em assentamentos informais sórdidos, “verdadeiramente estarrecedores”, situados em torno dos poços da mina, sem serviços sociais básicos.1616. Ibid.

Na justificativa de sua conduta, a Lonmin argumentou que, em consequência da crise financeira de 2008, não conseguiu construir casas para seus empregados e, ao contrário de suas obrigações legais, os empregados não queriam comprar casas. No entanto, a justificativa da Lonmin relacionada à crise financeira de 2008 foi considerada implausível pela Comissão Marikana, pois a empresa pagara 607 milhões de dólares em dividendos aos seus acionistas entre 2007 e 2011, enquanto o custo estimado do projeto de habitação proposto totalizava somente 665 milhões de rands (aproximadamente 65 milhões de dólares).1717. Ibid., 539.

A Comissão Marikana concluiu então que o não cumprimento pela Lonmin de suas obrigações habitacionais ajudou a criar um ambiente propício ao massacre.1818. Ibid., 542. Essa conclusão acabou por ser corroborada pelo representante designado da Lonmin na Comissão Marikana que, em reexame, admitiu que “o conselho diretor e o executivo da Lonmin entenderam que os trágicos acontecimentos em Marikana estavam ligados àquela escassez [de habitação]”.1919. Ibid., 527-8.

2.3 O papel de supervisão do DRM

Após as emendas de 5 de maio de 2014 aos termos de referência da Comissão Marikana, a Comissão já não estava mais obrigada a investigar o papel desempenhado pelo DRM. No entanto, em suas conclusões, ela afirma que:

1. O não cumprimento pela Lonmin de suas obrigações de habitação estabelecidas pelo SLP deve ser levado à atenção do [DRM], que deve tomar medidas para que a Lonmin cumpra essas obrigações.2020. Ibid., 554-5.

b. Tendo em vista o fato de a Comissão ter constatado que a Lonmin não cumpriu as obrigações de habitação dos SLPs […] recomenda-se que devam ser investigados os tópicos tratados no parágrafo eliminado [dos termos de referência emendados], em particular, a aparente omissão do [DRM] de monitorar adequadamente a implementação pela Lonmin de suas obrigações relacionadas à habitação.2121. Ibid., 555.

Apesar das conclusões contra a Lonmin apresentadas pela Comissão Marikana, o DRM tem por obrigação, nos termos da MPRDA, desempenhar um papel de supervisão e, quando necessário, suspender ou rescindir os direitos de mineração quando fica claro o não cumprimento de um SLP. Em nenhum momento, entre 2006 e o ​​massacre, o DRM exerceu adequadamente essa função de supervisão, apesar das claras violações cometidas pela Lonmin das obrigações determinadas por seu SLP. Conforme veremos adiante, o DRM continua a ameaçar a Lonmin com sanções legais, mas onze anos depois que a empresa apresentou seu SLP em 2006, ainda não tomou nenhuma medida concreta.

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3. A exploração dos recursos naturais e as normas de direitos humanos

A Comissão Marikana descobriu que é geralmente aceito que a disputa salarial em Marikana, liderada por trabalhadores migrantes2222. Ver página 7 para uma visão geral do trabalho migrante na África do Sul: “Smoke and Mirrors: Lonmin’s Failure to Address Housing Conditions at Marikana, South Africa,” Amnesty International, agosto de 2016. acesso em 28 mai. 2017, https://www.amnesty.org.nz/sites/default/files/AMNESTYLONMINREPORTFINAL11082016.pdf. e o subsequente assassinato dos mineiros que protestavam foram, em parte, consequência das condições de vida deploráveis ​​e da falta de serviços básicos na comunidade de Marikana. Um grande número de empregados da Lonmin vivia e ainda vive em assentamentos informais miseráveis ​​em torno da mina, apesar das obrigações nacionais e internacionais da Lonmin e do DRM de garantir o cumprimento das normas de direitos humanos. O pedido de um “salário digno” de 12.500 rands que iniciou a disputa salarial não deve ser visto apenas em termos monetários, mas também como um apelo por melhores condições de vida, por sair do status quo vigente e uma demanda por receber um tratamento humano e digno.

No plano interno, o direito a uma moradia adequada está previsto na Declaração dos Direitos da África do Sul.2323. “Republic of South Africa Constitution,” South Africa, seção 26, 1996, acesso em 28 mai. 2017, http://www.gov.za/sites/www.gov.za/files/images/a108-96.pdf. Em termos da Lei das Empresas da África do Sul2424. “Companies Act 71 of 2008,” South Africa, seção 7, 2008, acesso em 28 mai. 2017, http://www.justice.gov.za/legislation/acts/2008-071amended.pdf. e da MPRDA, a Lonmin tem o dever de garantir que, em suas operações, ela promova o cumprimento da Declaração de Direitos, conforme previsto na Constituição. A Constituição e a MPRDA exigem ainda que o DRM exerça uma supervisão das operações de mineração. As normas internacionais, como os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU e vários outros tratados internacionais e regionais de direitos humanos,2525. A África do Sul é parte do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e da Carta Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos, que falam do direito à moradia adequada. dos quais a África do Sul é parte, preveem o direito à moradia adequada e à dignidade. Os Princípios Orientadores das Nações Unidas, em particular, exortam as empresas a implementarem um “processo de devida diligência em direitos humanos para identificar, prevenir, mitigar e, quando necessário, corrigir violações dos direitos humanos ligadas às suas operações”.2626. “Smoke and Mirrors,” agosto de 2016, 4.

Através do testemunho de seus representantes designados para a Comissão Marikana, a Lonmin estava bem ciente das condições de vida prevalecentes e da escassez de moradia em Marikana, da mesma forma que o DRM. O governo sul-africano deixou flagrantemente de cumprir a lei, responsabilizando a Lonmin pela falta de implementação de seus SLPs e pelas violações dos direitos humanos decorrentes do não cumprimento das obrigações estabelecidas em seus SLPs. Mais ainda, a falta de responsabilidade da Lonmin prejudica os objetivos da Carta da Mineração da África do Sul, que busca promover o acesso equitativo de todas as pessoas da África do Sul aos recursos minerais da nação, bem como o bem-estar socioeconômico das comunidades de mineração e das áreas de recepção de mão-de-obra, entre outras coisas.

É lamentável que, como afirma um relatório recente da Anistia Internacional,2727. Ibid., 12. a situação atual dos mineiros em Marikana continue fundamentalmente inalterada, apesar dos acontecimentos de 2012, das conclusões da Comissão Marikana e do sistema legislativo da África do Sul. Em dezembro de 2016, a Presidência do país divulgou um trabalho sobre o progresso da implementação das recomendações da Comissão Marikana. Em particular, ele indica que após uma inspeção do DRM em 25 de junho de 2015:

  • A Lonmin completou a alteração de todos os seus albergues.
  • O SLP revisado de 2004 da Lonmin é “amplo e sem cronogramas claros sobre construção de casas, e a Lonmin foi orientada […] a revisar este plano para atender às condições de vida e moradia dos mineiros”.
  • O SLP revisado de 2014 da Lonmin propõe a construção de apartamentos em lotes vazios para substituir as 5.500 casas pendentes que a Lonmin se comprometeu a construir.
  • “Um plano de habitação que cumpra a lei será solicitado da Lonmin, sem o qual serão tomadas medidas imediatas em termos de suspensão ou cancelamento do direito à mineração”.2828. Jacob Zuma, “Marikana: A Progress Report on Farlam’s Recommendations – Jacob Zuma.” PoliticsWeb, 11 de dezembro de 2016, acesso em 28 mai. 2017, http://www.politicsweb.co.za/news-and-analysis/marikana-a-progress-report-on-farlams-recommendati.

Até 7 de outubro de 2016, quando foi feita a última inspeção conhecida do DRM, cem unidades familiares e 225 unidades de solteiros tinham sido construídas pela Lonmin, muito aquém das 5.500 casas propostas no SLP de 2006.

Apesar das conclusões dessas inspeções e da cultura de não obediência da Lonmin, ela continua em funcionamento.

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4. “Conluio tóxico” e a persistência do status quo

Um dos argumentos primordiais apresentados perante a Comissão Marikana, em particular pelos representantes legais das vítimas, foi que houve um “conluio tóxico” entre o Estado, em especial o SAPS, e a Lonmin, numa tentativa de acabar com a disputa salarial. Argumentou-se que esse conluio foi além dos limites legais aceitáveis ​​e foi “uma causa do massacre e ilegal”.2929. “Marikana Report,” 2015, 505. Em relação a esse chamado conluio entre a polícia e a Lonmin, a Comissão rejeitou o argumento. No entanto, a questão do “conluio tóxico” quando aplicada à relação entre a Lonmin e o DRM não foi considerada diretamente.

A falha do DRM em fiscalizar a Lonmin, especialmente em relação à implementação de seus SLPs, e a falha da Lonmin e de seus acionistas em se autorregular são evidentes. As questões que persistem são: por que o DRM não atuou? Por que as autoridades públicas não foram responsabilizadas por suas falhas de supervisão? Como a Lonmin continua a atuar na mineração?

Além disso, não foram suficientemente explicadas as razões pelas quais foi suprimido em momento posterior o parágrafo 1.5 do Termo de Referência original, que inicialmente impunha à Comissão “investigar se o papel desempenhado pelo [DRM] era apropriado nas circunstâncias e consistente com seus deveres e obrigações de acordo com a lei”.3030. “Proclamation 30 of 2014,” National Gazette 587, no. 37611 (5 de maio de 2014): subparágrafo 1.5 apagado dos Termos de Referência Originais entre outras coisas. Em consequência dessa alteração, a Comissão não pôde tirar qualquer conclusão sobre conluio, direta ou de outra forma, uma vez que não mais fazia parte do seu mandato investigar o papel desempenhado pelo DRM, ou por qualquer outro departamento ou agência em relação ao massacre. Se o conluio tóxico existiu, ou o DRM, sem qualquer conluio, não conseguiu responsabilizar a Lonmin por sua inação, isso permanece não decidido formalmente. De qualquer modo, a situação das pessoas de Marikana não mudou.

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5. Conclusão

O Massacre de Marikana foi comparado às revoltas de Sharpeville e Soweto de 1960 e 1976, nas quais a polícia matou pessoas que protestavam contra o sistema de apartheid. Em Marikana, dezoito anos depois que a África do Sul fez a transição para um Estado democrático, pessoas protestaram contra a indignidade das condições de vida impostas por uma empresa de mineração, sobre a qual o Estado exercia supervisão. A polícia, tanto a pré como a pós-apartheid, reagiu com munição de verdade. Depois do massacre, a Lonmin continuou a descumprir suas obrigações, assim como o DRM.3131. “Smoke and Mirrors,” agosto de 2016, 45-51.

Desde o massacre, o Estado e a Lonmin fizeram promessas de melhorar as condições socioeconômicas em Marikana. No entanto, pouco, se tanto, foi feito para resolver de forma substancial essas questões. No cerne dessa inação está o flagrante fracasso do Estado em fazer cumprir suas diretrizes e a legislação que rege a mineração na África do Sul. No entanto, o protesto público e a contínua pressão política e da sociedade civil resultante do Massacre de Marikana e da inação do Estado na indústria extrativa tiveram algum efeito positivo. O massacre levou a novos pedidos públicos de uma ampla reforma na indústria extrativa sul-africana; levou à fundação de um novo partido político – o Economic Freedom Fighters (Lutadores pela Liberdade Econômica) – no espaço político partidário do país; a Associação dos Mineiros e Sindicato da Construção – um sindicato criado pouco antes do massacre – continua a desafiar o domínio do Sindicato Nacional dos Mineiros nos setores da mineração de ouro e platina; e as práticas de policiamento da ordem pública na África do Sul são objeto de uma revisão abrangente graças ao trabalho contínuo do Painel de Especialistas de Marikana, criado em consequência do relatório da Comissão Marikana. É importante ressaltar que Marikana, de várias maneiras, se tornou um símbolo político da necessidade de mudanças, em meio à apatia estatal.

A reforma no setor de mineração da África do Sul ainda precisa de maior atenção e o caso de Marikana deixou claro que são necessários freios e contrapesos adicionais na indústria extrativa. Apesar da inação estatal, as empresas de mineração precisam garantir o cumprimento de suas iniciativas de Responsabilidade Social Corporativa e, em particular, de suas estratégias de gestão das relações trabalhistas e das obrigações estabelecidas em seus SLPs. Mais importante ainda, a indústria extrativa e o Estado devem colocar em primeiro lugar as comunidades afetadas pela mineração. O grau em que as comunidades são integradas em empreendimentos de mineração é fundamental para garantir benefícios socioeconômicos tangíveis para as comunidades anfitriãs,3232. Manson Gwanyanya, “The South African Companies Act and the Realisation of Corporate Social Responsibilities,” PER 18, no. 1 (2015): 3106. bem como permitirá a supervisão comunitária necessária sobre a extração mineral e as condições de vida, com ou sem o envolvimento adequado do Estado ou da sociedade civil. A luta pela responsabilização na indústria extrativa de África do Sul deve ser liderada pelas comunidades. Estas, com interesses próprios, estão mais bem posicionadas para assegurar a responsabilização, como complemento dos mecanismos de supervisão do Estado, ou no caso em que esses mecanismos sejam falhos.

Esperamos que o legado do Massacre de Marikana desempenhe ao longo do tempo um papel central no empoderamento das comunidades afetadas pela mineração e sirva como caso exemplar de falhas na responsabilização corporativa e no controle estatal. Enquanto isso, a luta pela responsabilização em Marikana e na indústria extrativa de África do Sul precisa continuar.

Manson Gwanyanya - África do Sul

Manson Gwanyanya é Advogado Candidato no Centro de Recursos Legais, África do Sul (LRC), atuando na área de Transparência e Responsabilização do LRC. No momento, presta assistência à família de uma das vítimas do Massacre de Marikana em sua ação civil contra o Ministro da Polícia da África do Sul. Ele escreve a título pessoal.

Recebido em abril de 2017.

Original em inglês. Traduzido por Pedro Maia Soares.

Michael Power - África do Sul

Michael Power é advogado da Corte Suprema da África do Sul, atuando no Centro de Recursos Legais, África do Sul (LRC). Foi membro da equipe legal do LRC que representou a família de uma das vítimas na Comissão de Inquérito de Marikana. Ele escreve a título pessoal.

Recebido em abril de 2017.

Original em inglês. Traduzido por Pedro Maia Soares.