Ensaios

A implementação das recomendações dos órgãos de tratados da ONU11. Algumas seções deste artigo foram publicadas como parte da Plataforma Acadêmica de Genebra sobre a revisão dos órgãos de tratados em 2020 (Geneva Academic Platform on treaty body review 2020, na denominação original em inglês) e estão disponíveis em: Vincent Ploton, “The Development of Grading Systems on the Implementation of UN Treaty Body Recommendations and the Potential for Replication to other UN Human Rights Bodies.” ISHR, March 2017, acesso em 21 maio 2017, https://goo.gl/4LpUQx.O autor também gostaria de agradecer Albane Prophette, Phil Lynch e Roland Chauville pelos comentários sobre um rascunho anterior deste artigo.

Vincent Ploton

Uma avaliação dos últimos acontecimentos e como melhorar um mecanismo chave na proteção dos direitos humanos

laurent KB

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RESUMO

Recentemente, o Comitê contra a Tortura (CAT) das Nações Unidas adotou um sistema inovador para dar seguimento, avaliar e dar notas à implementação de suas recomendações aos Estados. O novo procedimento de seguimento baseia-se, em grande parte, no precedente estabelecido pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, embora também seja mais abrangente. O sistema oferece uma série de novas oportunidades aos defensores e profissionais de direitos humanos tanto para aumentar a visibilidade da implementação das recomendações do CAT, como para incentivar os Estados Partes a fazerem mais para cumprir essas recomendações. Na atualidade, o CAT e o Comitê de Direitos Humanos estão na vanguarda de uma tendência emergente de maior avaliação da implementação das recomendações dos órgãos de direitos humanos da ONU. Apesar do enorme potencial que o sistema de avaliação e classificação proporciona, ainda há muito a ser feito para aproveitá-lo em sua totalidade. Eles precisam ser melhor promovidos e disseminados para uma ampla gama de atores e devem ser harmonizados e tornados mais acessíveis.

Palavras-Chave

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1. Definindo o contexto: uma grande lacuna entre o discurso e a realidade de implementação

Os órgãos de monitoramento dos tratados de direitos humanos das Nações Unidas (ONU) constantemente se empenham em melhorar a forma como dão seguimento às suas recomendações (ou “Observações Finais” de acordo com a terminologia da ONU) aos Estados.22. Veja, por exemplo, “The Poznan Statement on the Reforms of the UN Human Rights Treaty Body System,” International Seminar of Experts on the Reforms of the United Nations Human Rights Treaty Body System, Sept. 28-29, 2010, §25-31, acesso em 21 maio 2017, http://www2.ohchr.org/english/bodies/HRTD/docs/PoznanStatement.pdf; or “Implementation of Human Rights Instruments,” UN Doc A/71/270, 2016, acesso em 21 maio 2017, http://tbinternet.ohchr.org/Treaties/CHAIRPERSONS/Shared%20Documents/1_Global/A_71_270_25154_E.docx. Os atores da sociedade civil também solicitam e estimulam os órgãos de tratados a melhorarem a forma como apoiam e dão seguimento à implementação destas recomendações.33. Veja, por exemplo, “Joint NGO Statement. 2015 Annual Treaty Body Chairpersons Meeting, 22-26 June, 2015, San José,” Coalition of NGOs, §B, 26 dez. 2015, acesso em 21 maio 2017, http://goo.gl/jge5Qv.

A retórica sobre a necessidade de melhorar o seguimento, avaliação e impacto das recomendações dos órgãos de direitos humanos da ONU é difundida e amplamente aceita. No entanto, o que é necessário para transformar o discurso em realidade é literalmente uma mudança de paradigma. O arcabouço de direitos humanos da ONU e de seus aliados e contrapartes governamentais e não-governamentais precisa reequilibrar drasticamente seus esforços e se concentrar mais na implementação e avaliação e menos na formulação de resoluções e recomendações.

As recomendações dos órgãos de tratados (TBs, na sigla em inglês) recebem atenção primária tanto dos redatores como de grupos de incidência na fase de formulação e não na sua efetiva implementação. O nível de competição entre especialistas em direitos humanos, diplomatas, organizações não governamentais (ONGs), instituições nacionais de direitos humanos (INDH) e grupos de incidência é bastante elevado em termos de formulação de recomendações e estes diferentes atores competem para assegurar que suas principais preocupações serão devidamente refletidas nas recomendações. No entanto, pouquíssimos esforços são feitos para verificar o nível de implementação dessas resoluções no terreno. A mudança de paradigma necessária para reequilibrar a formulação com a implementação e avaliação poderia envolver a formulação de menos recomendações por parte dos órgãos de tratados da ONU e que, ao invés disso, eles destinassem mais recursos mensurando a avaliação das recomendações anteriores e divulgando os resultados de suas avaliações. Os elaborados sistemas de seguimento e classificação adotados nos últimos anos por vários órgãos de tratados das Nações Unidas e os cartões de pontuação ou notas relacionados que refletem a avaliação do nível de implementação das recomendações por parte dos órgãos de tratados, são uma exceção única e evidente no atual contexto de enorme falta de visibilidade na implementação das resoluções e recomendações da ONU.

O sistema foi desenvolvido principalmente pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU e se foca no nível de cumprimento de algumas de suas recomendações de doze a dezoito meses após a revisão dos Estados Partes. Este sistema inovador e eficaz foi reproduzido e, inclusive, melhorado pelo Comitê contra a Tortura (CAT) (ver seção 4 abaixo). O sistema de órgãos de tratados também oferece valiosas oportunidades para “levar as recomendações para casa” como parte das visitas de seguimento nos países analisados, conforme detalhado abaixo em dois estudos de caso específicos.

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2. A abordagem inovadora do Comitê de Direitos Humanos

2.1 Seguimento das recomendações (ou observações finais)

Em 2013, o Comitê de Direitos Humanos da ONU, órgão que monitora a implementação do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), foi o primeiro órgão de tratado da ONU a adotar um sistema elaborado para dar seguimento e acompanhar o nível de implementação de algumas de suas recomendações (no máximo quatro) aos Estados.44. "Note by the Human Rights Committee on the procedure for follow-up to concluding observations," UN Doc CCPR/C/108/2, United Nations, 21 out. 2013, acesso em 21 maio 2017 http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CCPR%2FC%2F108%2F2&Lang=en.

O procedimento sistematizou uma prática que o Comitê iniciou em 2012.55. O primeiro relatório de seguimento do Comitê de Direitos Humanos, que mencionou as notas das recomendações, foi adotado durante a 104ª sessão, em março de 2012 (UN Doc CCPR/C/104/2). As notas mencionadas no relatório eram ligeiramente distintas das notas sistematizadas no processo de 2013. Por exemplo, elas não incluíam a nota E. Outras simplificações foram trazidas para as notas durante a 119ª sessão em março de 2017, veja “Human Rights Committee discusses progress reports on Follow-Up to Views and on Follow-Up to Concluding Observations,” The Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (OHCHR), 20 mar. 2017, acesso em 21 maio 2017 , https://goo.gl/KuIrUY. Ele se baseia numa escala simples de notas que vão de A a E, que refletem o melhor nível de implementação de uma recomendação (nota A) e o pior nível (nota E). As notas são adotadas pelo Comitê com base em informações fornecidas pelo Estado Parte e outros atores, em especial, a sociedade civil ou INDHs. As contribuições para as análises de seguimento do Comitê são previstas para doze meses após a revisão dos relatórios periódicos, com base de duas a quatro recomendações que o Comitê identificou como detentoras de atenção prioritária.66. CCPR/C/108/2, § 6&7. Essas recomendações devem ser implementadas pelo Estado Parte dentro de doze meses após a revisão dos relatórios periódicos, ao contrário de outras recomendações que contam com um prazo mais longo (normalmente, cerca de quatro anos77. Intervalos mais longos para os relatórios periódicos subsequentes dos Estados são concedidos pelo Comitê aos países onde a aplicação do PIDCP é considerada menos problemática. Intervalos mais curtos são concedidos aos Estados que aparentemente têm mais problemas na implementação do PIDCP.). O prazo de doze meses, que é relativamente curto para implementar recomendações importantes e, muitas vezes, difíceis, é, no entanto, adequado para encorajar os Estados Partes a concentrarem seus esforços e priorizá-los no ano após as suas revisões em Genebra. Esses métodos de priorização não são exclusivos do Comitê de Direitos Humanos da ONU e outros quatro órgãos de monitoramento de tratados adotaram procedimentos similares para priorizar a implementação de algumas recomendações.88. Sendo esses o Comitê contra a Tortura, Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, Comitê para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres e o Comitê contra Desaparecimentos Forçados

Um relator especial para dar seguimento às observações finais e um representante são eleitos entre os membros do Comitê de Direitos Humanos. Eles são responsáveis ​​pela elaboração de relatórios e notas de avaliação com base nas informações de seguimento fornecidas pelo Estado Parte doze meses após a sua revisão. Os relatórios preliminares de avaliação e notas que refletem o nível de implementação são debatidos e aprovados em uma sessão plenária durante as sessões públicas do Comitê. Os relatórios de seguimento e notas do Comitê estão disponíveis na sua página da internet.99. “The Treaty Body Database,” The Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (OHCHR), acesso em 21 maio 2017, http://goo.gl/vXPK5H. Além disso, o Secretariado do Comitê atualiza e publica regularmente uma análise completa sobre o status dos Estados Partes que estão em seguimento.1010. “Follow-up to concluding observations - International Covenant on Civil and Political Rights,” Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), acesso em 21 maio 2017, http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/TreatyBodyExternal/FollowUp.aspx?Treaty=CCPR&Lang=en. O Centro para Direitos Civis e Políticos, Centre for Civil and Political Rights, (ou sigla em inglês, CCPR Centre), uma ONG com sede em Genebra, que desempenhou um papel de destaque na adoção do procedimento,1111. CCPR/C/108/2, §17. publica resenhas das notas do Comitê em seu site após cada sessão do Comitê.1212. Por exemplo, veja “Latest Assessment on the Implementation of HR Committee Recommendations,” Centre for Civil and Political Rights, 2017, acesso em 21 maio 2017, http://conta.cc/2mJTfCm. A organização também apoiou a preparação e apresentação de relatórios de seguimento da sociedade civil em mais de trinta países em todo o mundo.1313. Disponível na página da internet do CCPR Centre, www.ccprcentre.org. Uma seção com perguntas frequentes (CCPR Centre 2016) no sistema de seguimento e notas do Comitê de Direitos Humanos também está disponível no site da organização. 1414. “Follow Up and Assessment,” CCPR, acesso em 21 maio 2017, http://ccprcentre.org/follow-up-and-assessment

Os critérios detalhados ou notas1515. CCPR/C/108/2, §17. utilizados pelo Comitê de Direitos Humanos são os seguintes:

Resposta/ação satisfatória
A Resposta satisfatória em grande parte
Resposta/ação parcialmente satisfatória
B1 Ações substantivas tomadas, porém informações adicionais foram solicitadas
B2 Ação inicial tomada, porém informações adicionais foram solicitadas
Resposta/ação insatisfatória
C1 Resposta recebida, mas as medidas tomadas não implementam a recomendação
C2 Resposta recebida, mas sem relevância para a recomendação
Falta de cooperação com o Comitê
D1 Nenhuma resposta a uma ou mais recomendações de seguimento ou parte de uma recomendação de seguimento
D2 Nenhuma resposta recebida após o(s) lembrete(s)
As medidas tomadas são contrárias às recomendações do Comitê
E A resposta indica que as medidas tomadas vão contra as recomendações do Comitê

Graças à abordagem inovadora do Comitê de Direitos Humanos mais de sessenta e cinco países de todas regiões do mundo foram avaliados segundo seu nível de conformidade com as recomendações prioritárias do Comitê. Exemplos de notas A, que refletem a aplicação integral da recomendação, podem ser encontrados em países como a Mongólia (sobre a reforma do sistema de justiça criminal1616. “Report of the Special Rapporteur for follow-up on concluding observations of the Human Rights Committee (106th session, October 2012),” UN Doc CCPR/C/106/2, CCPR, 13 nov. 2002, acesso em 21 maio 2017, http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CCPR%2FC%2F106%2F2&Lang=en.) ou Angola (sobre o registo universal de nascimentos1717. “Report on follow-up to the concluding observations of the Human Rights Committee,” UN Doc CCPR/C/112/2 , CCPR, 8 dez. 2014, acesso em 21 maio 2017, http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CCPR%2FC%2F112%2F2&Lang=en.). Da mesma forma, o Comitê adotou uma nota E, quando a Indonésia realizou uma série de execuções de pessoas condenadas à pena de morte por crimes relacionados às drogas, contrariando a recomendação do Comitê,1818. “Report on follow-up to the concluding observations of the Human Rights Committee,” UN Doc CCPR/C/113/2, CCPR, 27 maio 2015, acesso em 21 maio 2017 http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CCPR%2FC%2F113%2F2&Lang=en. ou quando a Colômbia promulgou uma reforma do sistema de justiça militar que foi considerada contrária à recomendação do Comitê de que os tribunais civis investigassem as violações cometidas pelas forças armadas.1919. “Report of the Special Rapporteur for follow-up on concluding observations of the Human Rights Committee (107th session, 11–28 March 2013),” UN Doc CCPR/C/107/2, CCPR, 30 abril 2013, acesso em 21 maio 2017http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CCPR%2FC%2F107%2F2&Lang=en.

As notas adotadas pelo Comitê de Direitos Humanos desde 2013 constituem um conjunto crescente de evidências sobre o impacto das recomendações em termos nacionais. Os relatórios de seguimento do Comitê e as notas, embora pouco acessíveis, dão uma visibilidade única às ações dos governos e outros atores no cumprimento das recomendações do Comitê. Elas também fornecem um corpo crescente de dados estatísticos e evidências empíricas que são de relevância evidente e fundamental para o estudo “negligenciado academicamente” sobre o impacto doméstico das recomendações dos órgãos de tratados da ONU.2020. Jasper Krommendijk, "The Domestic Effectiveness of International Human Rights Monitoring in Established Democracies. The Case of the UN Human Rights Treaty Bodies,” The Review of International Organizations 10, no. 4 (Dec. 2015): 1-24. Dessa forma, o sistema tem potencial para melhorar substantivamente a forma como podemos estudar e compreender a implementação de recomendações do Comitê e seu impacto.

2.2 Seguimento de petições individuais

O sistema de notas também é usado pelo Comitê de Direitos Humanos para dar seguimento a aplicação por parte dos Estados de suas opiniões relacionadas a queixas individuais (ou “Comunicações” de acordo com a terminologia da ONU). Os Estados que ratificaram o Primeiro Protocolo Facultativo ao PIDCP, podem ter queixas individuais levadas à consideração do Comitê. As opiniões adotadas posteriormente pelo Comitê são transmitidas aos Estados como recomendações aos Estados Partes e o Comitê usa o mesmo conjunto de notas para mensurar o nível de ação sobre suas opiniões em relação às queixas individuais dirigidas aos Estados Partes.

Exemplo de notas do Comitê adotadas no caso Al Gertani VS Bósnia e Herzegovina durante a 113ª sessão do Comitê de Direitos Humanos (março-abril de 2015). CCPR/C/113/3. P. 6.

Avaliação do Comitê:

  • Recurso efetivo, incluindo compensação adequada: C1
  • Libertação (ou provisão da possibilidade adequada para contestar todas alegações nas quais a detenção foi fundamentada): A
  • Completa reconsideração das razões para a remoção para o Iraque e dos efeitos disto em sua família, antes da remoção ao país de origem
  • Publicação das opiniões do Comitê: A
  • Não repetição: C1

Os relatórios de seguimento do Comitê de Direitos Humanos sobre as comunicações individuais estão disponíveis nas páginas da internet das sessões2121. “Sessions for CCPR - International Covenant on Civil and Political Rights,” CCPR, acesso em 21 maio 2017, http://goo.gl/tHuUQl. durante as quais foram adotados. Além do requerente e do réu, outras partes como ONGs podem submeter contribuições ao Comitê sobre as medidas tomadas pelos Estados Partes para cumprir as opiniões do Comitê. No seguimento das opiniões do Comitê, o Relator pode solicitar reuniões com representantes dos Estados Partes.

Embora a maioria das opiniões do Comitê de Direitos Humanos sobre petições individuais não sejam adequadamente seguidas ou implementadas pelos Estados Partes, exemplos positivos de implementação podem ser encontrados em diversos casos. Por exemplo, o Comitê constatou em 2015 que a Austrália tinha cumprido plenamente três de quatro de suas recomendações sobre o caso “Horvath”2222. “Communication No. 1885/2009,” Federation of Community Legal Centres, 2 jul. 2010, acesso em 21 maio 2017, http://www.communitylaw.org.au/flemingtonkensington/cb_pages/images/Reply%20to%20the%20Australian%20Government.pdf. e adotou a nota A para as três recomendações abaixo (CCPR/C/113/3):

  • Foi fornecida uma compensação adequada à vítima
  • Foi realizada uma revisão adequada da legislação
  • A não repetição da violação foi garantida

Outros exemplos de ações primárias ou substantivas tomadas em relação às opiniões do Comitê de Direitos Humanos podem ser encontrados em vários países do Sul Global (por exemplo, no CASO Maharjan VS Nepal2323. Caso 1863/2009, conforme acessado no relatório “Follow-up Progress Report on Individual Communications, Adopted by the Committee at its 112th Session (7–31 October 2014),” CCPR/C/112/3, CCPR, 16 dez 2014, acesso em 21 maio 2017, https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/244/45/PDF/G1424445.pdf?OpenElement.).
Conforme afirmado por Joseph,2424. Sarah Joseph, Katie Mitchell, Linda Gyorki, and Carin Benninger-Budel, Seeking Remedies for Torture Victims. A Handbook on the Individual Complaints Procedures of the UN Treaty Bodies (Geneva: World Organization against Torture, 2014): 96. o sistema de notas das petições individuais “serve para exercer uma pressão contínua sobre os Estados desobedientes”. Tal como acontece com a implementação das recomendações do Comitê, a utilização de notas para todas as queixas individuais consideradas pelos órgãos de tratados melhoraria consideravelmente a visibilidade do nível de implementação nacional das opiniões do Comitê. Contudo, as notas de seguimento dos pareceres do Comitê sofrem da mesma falta de atenção e divulgação que as notas das recomendações aos Estados Partes. Não é possível para as pessoas, sem um conhecimento sólido do procedimento e do Comitê, acessar as informações sobre o sistema de notas e as próprias notas adotadas.

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3. Oportunidades e desafios relacionados ao atual procedimento do Comitê de Direitos Humanos

Apesar das oportunidades mencionadas acima proporcionadas pelo sistema de seguimento de recomendações e opiniões do Comitê de Direitos Humanos, o sistema ainda permanece pouco conhecido e subutilizado por atores e ativistas de direitos humanos. Embora as análises de seguimento de países como Estados Unidos (EUA)2525. Por exemplo, veja Sarah Lazare, “UN Report Card Gives US ’Failing Grade’ on Human Rights.” Common Dreams, 30 jul. 2015, acesso em 21 maio 2017, http://www.commondreams.org/news/2015/07/30/un-report-card-gives-us-failing-grade-human-rights. ou Hong Kong2626. Por exemplo, veja “UN Rights Panel Calls for Open Elections in Hong Kong,” View HK, 24 out. 2014, acesso em 21 maio 2017, http://viewhk.blogspot.com.br/2014/10/un-rights-panel-calls-for-open.html. (China) tenham recebido enorme atenção, muitos atores de direitos humanos ainda não conhecem ou não usam o sistema de seguimento (ou as duas coisas). Por exemplo, os atores da sociedade civil e INDHs, podem fornecer informações e, inclusive, sugerir notas sobre sua própria avaliação do nível de implementação das recomendações do Comitê. Conforme evidenciado nos relatórios de seguimento do Comitê, estas contribuições são fontes fundamentais de informação para o trabalho de seguimento do Comitê. Ainda há muito a ser feito em matéria de divulgação, fortalecimento de capacidades e pesquisa, a fim de utilizar o processo de seguimento do Comitê em seu pleno potencial.

3.1 Falta de estratégia de divulgação

A limitação mais grave que atualmente afeta o procedimento de seguimento do Comitê de Direitos Humanos se refere a sua falta de visibilidade adequada e aos escassos esforços para disseminar as notas adotadas. Atualmente, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), que atua como Secretariado do Comitê, não realiza qualquer atividade de divulgação relacionada especificamente às notas adotadas pelos órgãos de tratados. A adoção dos relatórios de seguimento não é mencionada juntamente com as revisões de países e outras ações corriqueiras do Comitê nos envios de e-mails e divulgações regulares do ACNUDH (por exemplo, ver a seção de notícias no final das sessões do Comitê2727. "UN Human Rights Committee publishes findings on South Africa, Namibia, Sweden, New Zealand, Slovenia, Costa Rica, Rwanda," Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), acesso em 21 maio 2017 http://www.ohchr.org/en/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=18541&LangID=E.). Na verdade, as notas só aparecem sem destaque nos relatórios de seguimento, que, por sua vez, só podem ser encontrados por aqueles que estão mais familiarizados com os métodos de trabalho do Comitê (veja abaixo o exemplo).

Exemplo de notas do Comitê adotadas para o Chile durante a 104ª sessão (março de 2012). CCPR/C/104/2. P.3.

Avaliação – Parágrafo 9:
[D1]: O Estado Parte não proporciona qualquer informação sobre a proibição de que as pessoas condenadas por violações de direitos humanos exerçam funções públicas.
[B1]: Recordando os princípios estabelecidos no parágrafo 4 da Observação geral No. 31, deveria ser solicitado ao Estado Parte que no próximo relatório periódico sejam fornecidas informações sobre as modalidades e circunstâncias de aplicação por parte da Corte Suprema da prescrição progressiva e medidas adotadas para evitar que esta dê lugar a impunidade dos casos de violação de direitos humanos (parágrafo 9).

Nem o Comitê, nem o ACNUDH emitem uma declaração quando os relatórios de seguimento são emitidos, tampouco eles são distribuídos proativamente às partes relevantes interessadas. Os relatórios são disponibilizados nas páginas da internet de cada sessão do Comitê, uma vez que são adotados (atualmente, isso significa, em média, de dois a seis meses após o final de cada sessão. Veja por exemplo a página da 116ª sessão2828. Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), acesso em 21 maio 2017, http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/SessionDetails1.aspx?SessionID=1016&Lang=en.).

As justificativas para essa atual falta de visibilidade podem ser parcialmente atribuídas a diferentes fatores, incluindo a falta de vontade e prioridades conflitantes dos principais atores do sistema, especialmente o Secretariado, bem como uma capacidade limitada de divulgação do Secretariado.
Melhorar a visibilidade do sistema de seguimento e avaliação do Comitê não contribuiria apenas para aumentar o nível de implementação das recomendações. Dado que os órgãos de tratados foram historicamente desprovidos de recursos, isso também pode acarretar em efeitos colaterais positivos, como o aumento do apoio público e financeiro ao trabalho destes órgãos.2929. Vincent Ploton, “Addressing the Critical Funding Gap at the UN Human Rights Office.” Oxford Human Rights Hub blog, 6 dez. 2014, acesso em 21 maio 2017, http://goo.gl/Ew6kcQ.

3.2 Oportunidades para disseminar as notas no sistema das Nações Unidas e nos tribunais

As notas adotadas pelo Comitê de Direitos Humanos fornecem uma avaliação confiável da implementação de uma importante norma internacional de direitos humanos por um órgão quase judicial. Apenas dentro da ONU, tanto as notas sobre recomendações, como sobre as queixas não estão atualmente refletidas, mas poderiam ser:

  • No Índice Universal de Direitos Humanos do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH)3030. Índice Universal de Direitos Humanos, acesso em 21 maio 2017, http://uhri.ohchr.org/en.
  • Na lista de documentos correspondentes a cada ciclo de revisão por país na página da internet dos órgãos de tratados
  • Na compilação das informações das Nações Unidas utilizadas na preparação da Revisão Periódica Universal (UPR)
  • Como informações básicas sobre os Estados que se candidatam ao Conselho de Direitos Humanos ou ao Conselho de Segurança
  • Nos relatórios dos Procedimentos Especiais da ONU caso relevante (por exemplo, Relator Especial sobre Tortura, Relator Especial sobre a Liberdade de Expressão, Relator Especial sobre Execuções Extrajudiciais, etc.)
  • Nos relatórios temáticos e por país do Conselho de Direitos Humanos
  • Nos relatórios de outros órgãos de tratados (por exemplo, Comitê Contra a Tortura, Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, etc.)
  • Nas seções por país da ONU sobre os planos nacionais de direitos humanos

Além disso, as notas adotadas no seguimento de queixas individuais fornecem um relevante indicativo sobre a capacidade e/ou disposição dos Estados em cumprirem as opiniões do órgão encarregado da interpretação do PIDCP. Desta forma, as notas das queixas poderiam ser refletidas nos procedimentos dos tribunais regionais e nacionais, como um dos elementos de jurisprudência do órgão de tratado.

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4. Procedimentos semelhantes adotados por outros órgãos de tratados da ONU

O pioneiro sistema de notas do Comitê de Direitos Humanos foi, até o presente momento, parcialmente reproduzido pelo Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD, na sigla em inglês)3131. http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/TreatyBodyExternal/FollowUp.aspx?Treaty=CRPD&Lang=acesso em 09 junho 2017. e pelo Comitê contra Desaparecimentos Forçados (CED na sigla em inglês)3232. “Report on follow-up to concluding observations of the Committee on Enforced Disappearances (7th session, 15-26 September 2014),” UN Doc CED/C/7/2, CED, 28 out. 2014, acesso em 21 maio 2017, https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/193/35/PDF/G1419335.pdf?OpenElement.. O Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, na sigla em inglês) utiliza um sistema de avaliação mais simples3333. http://tbinternet.ohchr.org/Treaties/CEDAW/Shared%20Documents/1_Global/INT_CEDAW_FGD_7102_E.pdf, acesso em 09 junho 2017. com base nessas quatro categorias:

  • Implementado
  • Parcialmente implementado
  • Não implementado
  • Faltam informações suficientes para fazer uma avaliação

Todo o sistema de classificação de órgãos de tratados se baseia apenas em algumas das recomendações aos Estados, não em todas. A adoção por estes três órgãos de tratados de procedimentos elaborados para promover a implementação de recomendações e/ou opiniões é sem dúvida bem-vinda. No entanto, eles têm um potencial semelhante de desenvolvimento e desafios similares aos listados acima em relação ao Comitê de Direitos Humanos. Ou seja, esses procedimentos, que ainda são relativamente novos, precisarão beneficiar mais os movimentos de base e defensores e profissionais de direitos humanos. Diversos atores, incluindo ONGs e alguns órgãos de tratados, constantemente incentivam (por exemplo, a declaração de Poznan3434. Ibid. § 27, reunião de 2016 de presidentes dos órgãos de tratados3535. Ibid.) os órgãos de tratados que ainda não dispõem de procedimentos de seguimento a adotar um mecanismo e/ou combinar os diferentes procedimentos existentes. Recentemente, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais3636. The Global Initiative for Economic, Social and Cultural Rights, 2017, acesso em 21 maio 2017, http://eepurl.com/cGNkcf. declarou que um procedimento de seguimento seria estabelecido e tornado público durante sua 61ª sessão em junho de 2017. Os detalhes desse novo procedimento não eram conhecidos no momento de redação deste artigo.

4.1 O novo procedimento do Comitê contra a Tortura

O procedimento de seguimento e avaliação3737. "Guidelines for Follow-up to Concluding Observations," UN Doc. CAT/C/55/3, CAT, September 17, 2015, acesso em 21 maio 2017, https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G15/210/35/PDF/G1521035.pdf?OpenElement. recentemente adotado pelo CAT não se baseia somente nos elementos positivos e efetivos do procedimento anterior do Comitê de Direitos Humanos. Ele também integra elementos inovadores que abordam alguns dos desafios existentes acima mencionados encontrados no procedimento do Comitê de Direitos Humanos. Ele se foca nas Observações Finais e, de acordo com Jens Modvig, o principal arquiteto desse novo procedimento3838. Conversa com o autor em 27 nov. 2015. Jen Modvig foi relator de seguimento do CAT na época em que o procedimento foi estabelecido e foi eleito como presidente do CAT em abril de 2016. não existem planos para que tal sistema de avaliação seja adotado para o seguimento de queixas individuais apresentadas ao CAT.

Para abordar alguns dos desafios acima mencionados sobre o procedimento do Comitê de Direitos Humanos, o procedimento do CAT combina três conjuntos diferentes de notas:

  • Um primeiro conjunto de notas (de 0 a 3) diz respeito à qualidade das informações de seguimento apresentadas pelo Estado (§ 19)
  • Um segundo conjunto de notas (de A a E) se refere ao nível de implementação das recomendações. Esse sistema é quase inteiramente semelhante ao do Comitê de Direitos Humanos (§20)
  • Um terceiro conjunto de notas se refere a um avanço inovador, já que agora o CAT recomenda que os Estados adotem planos de implementação (§11) para as recomendações que não são assinaladas como requerendo atenção prioritária. Estas notas variam de A a C, refletindo a qualidade dos planos de implementação do Estado. (§21)

Portanto, o novo procedimento do CAT abordará a necessidade de diferenciar entre as medidas tomadas pelos Estados para dar cumprimento às recomendações e a forma como os Estados se reportam ao Comitê. Mas, de modo ainda mais importante, o novo procedimento do CAT também está abordando a questão das recomendações que não são sinalizadas como detentoras de atenção prioritária nos doze meses após as revisões em Genebra. Ao encorajar os Estados a apresentarem planos de implementação dessas recomendações, o CAT encontrou uma maneira criativa e eficaz de promover a implementação de suas recomendações. Sem criar uma nova obrigação para os Estados (o procedimento “encoraja” os Estados a seguirem esse caminho), é provável que este novo avanço contribua ao menos para dar mais visibilidade às medidas tomadas em escala nacional após as revisões para que as recomendações sejam cumpridas.
Por fim, o novo procedimento do CAT também se inspirou em dois pontos importantes no procedimento do Comitê de Direitos Humanos:

  1. Quaisquer questões pendentes no âmbito do procedimento de seguimento devem ser automaticamente integradas nos ciclos de revisão subsequentes, por meio de perguntas feitas pelo CAT aos Estados como preparação às avaliações posteriores (§ 29-31). Curiosamente, o procedimento do CAT é mais elaborado do que o do Comitê de Direitos Humanos nesse aspecto.
  2. Assim como o Comitê de Direitos Humanos, o CAT também prevê um diálogo com os Estados sobre as fases de seguimento, incluindo encontros presenciais entre o relator de seguimento do CAT e os representantes dos Estados (§26-28).

5. Oportunidades e riscos potenciais para defensores e profissionais de direitos humanos

Conforme detalhado nas seções acima, os procedimentos de seguimento adotados pelo Comitê de Direitos Humanos, Comitê contra a Tortura e outros órgãos de tratados oferecem, em linhas gerais, dois tipos de oportunidades para os defensores de direitos humanos:

  • Formais, tal como a apresentação de relatórios como parte dos procedimentos de seguimento do Comitê, que podem ou não incluir avaliações e notas sugeridas em relação ao nível de implementação das recomendações.
  • Informais que são inúmeras e podem ser divididas em três fases consecutivas:
    • Antes da adoção das avaliações ou notas do Comitê: convidar especialistas do Comitê para realizar visitas aos países para difundir observações finais e realizar ações de incidência junto a altos funcionários do governo; preparar eventos nacionais e workshops para discutir e disseminar recomendações; preparar planos nacionais de implementação das recomendações, etc.
    • Após a adoção da avaliação ou das notas do Comitê: caso as sessões sejam públicas e transmitidas on-line, como as sessões do Comitê de Direitos Humanos, debates públicos em esfera nacional em torno das sessões podem ser organizadas em cooperação com as divisões por país da ONU.
    • Após a adoção das notas: disseminar as notas de forma ampla, incluindo às partes interessadas relevantes, como meios nacionais de comunicação, membros dos três ramos de poder, ONGs, INDHs, agências de aplicação da lei, sindicatos profissionais, etc.

Os procedimentos de seguimento dos órgãos de tratados oferecem muito mais oportunidades do que riscos para os defensores de direitos humanos. Uma exceção importante diz respeito às ameaças e represálias. A ONU melhorou consideravelmente sua resposta institucional às represálias e ameaças contra indivíduos que cooperam com seus órgãos de direitos humanos, por exemplo, com a adoção por parte dos Órgãos de Tratado das Diretrizes de San José em 2015.3939. “Guidelines against Intimidation or Reprisals (‘San José Guidelines’),” UN Doc. HRI/MC/2015/6, HRI, 30 jul. 2015, acesso em 21 maio 2017 http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=HRI/MC/2015/6&Lang=en. No entanto, contribuir para os procedimentos de seguimento deve continuar a ser uma decisão pessoal dos defensores de direitos humanos e, em especial, sugerir notas e fazer comentários sobre o nível de implementação das recomendações, pois pode colocá-los em risco de represálias.

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6. Usando o sistema de seguimento e avaliação como parte das visitas de seguimento de alto nível com membros do Comitê de Direitos Humanos

Um dos pontos fortes do procedimento de seguimento das recomendações do Comitê de Direitos Humanos é que ele foi utilizado pelos membros do Comitê como parte de diversas visitas de seguimento aos Estados Partes após as revisões em Genebra. Estas visitas não oficiais in loco, quase em sua totalidade organizadas pelo CCPR Centre (por exemplo, a Angola,4040. “Direitos Humanos: ONU Assinala Avanços e Recuos em Angola,” AGORA, 2014, acesso em 21 maio 2017, http://goo.gl/EYng5K. Camboja,4141. Charles Rollet e Vong Sokheng, “Rights review process ‘has little NGO input’.” The Phnom Penh Post, 27 ago. 2015, acesso em 21 maio 2017, http://goo.gl/Abe6Mt. Indonésia,4242. Hans Nicholas Jong, “UN Presses Indonesia on Human Rights Progress Report,” The Jakarta Post, 17 jan. 2015, acesso em 21 maio 2017, http://goo.gl/fo3HNn. Mauritânia4343. "Création d’un Collectif d’ONGs pour le Suivi des Recommandations des Mécanismes Onusiens de Droits de l’Homme en Mauritanie," CRIDEM, 30 ago. 2014, acesso em 21 maio 2017, http://goo.gl/yiUXIf.ou Namíbia4444. “Human Rights Committee Members Concerned about Discrimination and Gender-based Violence in Namibia,” CCPR Centre, 2016, acesso em 21 maio 2017, http://goo.gl/YOFM84.), fizeram uma diferença significativa. As visitas avançaram o diálogo construtivo iniciado com os Estados durante as revisões, incluindo reuniões com importantes tomadores nacionais de decisão, entrando em contato com as partes relevantes interessadas e contribuindo para a divulgação das recomendações. Essas visitas também desempenham um papel fundamental na explicação do procedimento de seguimento e avaliação dos organismos de tratados e encorajam os atores governamentais e não governamentais a aproveitarem as importantes oportunidades oferecidas pelo sistema. Tal como os Órgãos de Tratado reconheceram (por exemplo, Declaração de Poznan §28), as visitas in loco em escala nacional após as análises dos Estados Partes em Genebra provaram ser uma forma eficaz para manter este diálogo. Após uma dessas visitas ao Nepal, um membro do Comitê de Direitos Humanos disse: “Foi elucidativo para mim poder discutir com as partes governamentais e encontrar um leque muito mais amplo de atores relevantes do que aqueles com os quais normalmente interagimos em Genebra.”4545. Quoted in “UN Human Rights Committee. Participation in the reporting process. Guidelines for NGOs,” CCPR Centre, 2015, p. 19, acesso em 9 set. 2016, http://goo.gl/kyGPF5.

6.1 Estudo de caso de uma visita de seguimento a Moçambique

O autor acompanhou uma visita de seguimento de alto nível organizada pelo CCPR Centre a Moçambique em dezembro de 2014, liderada por Zonke Majodina (África do Sul), ex-presidente do Comitê de Direitos Humanos. A visita ocorreu após à primeira revisão de Moçambique realizada pelo Comitê em outubro de 2013. O Comitê de Direitos Humanos emitiu recomendações urgentes4646. “Concluding Observations on the Initial Report of Mozambique,” UN Doc. CCPR/C/MOZ/CO/1, CCPR, 19 nov. 2013, acesso em 21 maio 2017 http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CCPR/C/MOZ/CO/1&Lang=En. sobre prisão e detenção arbitrária, condições de detenção e necessidade de aumentar o número de juízes. Durante a visita de seguimento, a delegação pôde se reunir com uma série de altos funcionários governamentais e internacionais, incluindo o Ministro da Justiça, que foi o chefe da delegação do governo durante a revisão do Comitê em Genebra. Com toda certeza, a delegação do CCPR Centre não conseguiria ter tido acesso a essas pessoas se não tivesse sido chefiada por uma ex-presidente do Comitê de Direitos Humanos que, neste caso, era cidadã de um país vizinho e relativamente amigável. O encontro com o chefe da delegação do governo em Maputo foi fundamental para que a delegação do CCPR Centre pudesse avaliar os progressos realizados na implementação das recomendações urgentes. Embora os interlocutores governamentais do autor em Moçambique estivessem, na melhor das hipóteses, vagamente familiarizados com o procedimento de seguimento e avaliação do Comitê, havia, no entanto, mais interesses do que desafios. As reuniões com interlocutores governamentais também levaram Moçambique a elaborar planos para dar seguimento às recomendações da Revisão Periódica Universal. No entanto, não havia planos como esse para dar seguimento às recomendações dos órgãos de tratados.

Os principais objetivos da visita de seguimento de alto nível foram lembrar os funcionários do governo sobre as recomendações do Comitê de Direitos Humanos, avaliar os progressos alcançados para sua obtenção e encorajar os atores estatais e não governamentais a enviarem relatórios de seguimento ao Comitê. A visita a Maputo foi fundamental na consecução destes objetivos. Após a visita, o CCPR Centre (por meio de contatos bilaterais com funcionários governamentais) e o Comitê (por meio de contatos formais e informais com a Missão Permanente de Moçambique em Genebra) desenvolveram iniciativas continuadas e sustentadas de seguimento para convencer o governo a apresentar seu relatório de seguimento,4747. “Response to Concerns Raised in Paragraphs 13, 14 and 15 of the Recommendations Made by the Human Rights Committee Following the Examination of the Government of Mozambique During its 109th Session,” Missão Permanente da República de Moçambique junto às Nações Unidas em Genebra, 23 nov. 2015, acesso em 21 maio 2017, https://goo.gl/Vq0jDT. o que finalmente ocorreu em novembro de 2015. Paralelamente, a coalizão de organizações da sociedade civil com a qual o CCPR Centre tinha se relacionado antes, durante e após a primeira revisão de Moçambique pelo Comitê conseguiu apresentar sua própria avaliação4848. “Mozambique Follow Up Report to Human Rights Committee,” Coalition of Mozambique NGOs with support from CCPR Centre, 2015 mar., acesso em 21 maio 2017, http://goo.gl/sd7W7f. sobre o nível de implementação das recomendações do Comitê. No momento da redação deste artigo, o Comitê planejava revisar as contribuições do governo e das ONGs para o seguimento na 188ª sessão (outubro-novembro de 2016), que é quando o Comitê adotará as notas que refletem o nível de implementação das recomendações.

6.2 Estudo de caso de uma visita de seguimento à Mauritânia

O autor também esteve envolvido em uma visita de seguimento de alto nível à Mauritânia organizada pelo CCPR Centre em agosto de 2014. Lezhari Bouzid, especialista argelino do Comitê de Direitos Humanos, que havia sido relator por país da revisão da Mauritânia em outubro de 2013, liderou a delegação, organizada e financiada pelo CCPR Centre. Nesta ocasião, Lezhari Bouzid e o autor puderam se reunir com uma série de representantes governamentais, incluindo os Ministros da Justiça e Interior, Comissário Nacional para os Direitos Humanos, ACNUDH e outras divisões da ONU, missões diplomáticas, INDH e ONGs. A delegação também pôde se reunir com representantes da delegação interministerial de direitos humanos, que tinha a responsabilidade formal de dar informações e seguimento às recomendações dos órgãos de tratados sob o comando do Comissário Nacional para os Direitos Humanos. A série de reuniões e workshops com os homólogos nacionais provou ser fundamental para a conscientização e divulgação das recomendações adotadas pelo Comitê, menos de um ano antes, em Genebra. No entanto, a visita também permitiu que a delegação do CCPR Centre obtivesse uma boa visão geral das medidas que foram tomadas (ou não) para o cumprimento das quatro recomendações urgentes relacionadas com:

  1. A publicação nacional de tratados internacionais de direitos humanos
  2. A criminalização da tortura
  3. A abolição da escravatura
  4. As condições de detenção e superlotação das prisões

Quase todos os interlocutores da delegação nunca haviam ouvido falar do sistema de seguimento e avaliação do Comitê de Direitos Humanos ou sabiam pouco sobre ele. No entanto, na maioria dos casos, os interlocutores da delegação estavam bastante curiosos e a maioria estava disposta a contribuir para o processo na medida em que pudesse. Durante a visita, o Comissário Nacional para os Direitos Humanos se comprometeu a apresentar o relatório de seguimento no prazo4949. “Rapport Interimaire de Suivi Relatif a la Mise en Oeuvre des Recommandations Prioritaires du Comite des Droits de L’home,” Base de dados dos Órgãos de Tratado, ACNUDH, 2014, acesso em 21 maio 2017, https://goo.gl/YaHGoS. de um ano após a revisão, o que foi feito em novembro de 2014. Isto, conjuntamente com a apresentação de um relatório de uma coalizão de ONGs da Mauritânia5050. "Mauritanie: Rapport de Suivi des Observations Finales du Comité DH," CCPR Centre, out. 2014, acesso em 21 set. 2016, https://goo.gl/liCa87., apoiada pelo CCPR Centre, permitiu que o Comitê fizesse uma avaliação formal do nível de implementação de suas quatro recomendações prioritárias. Durante a 113ª sessão do Comitê, realizada em março de 2015, as seguintes notas5151. Carta de seguimento enviada à Mauritânia. Comitê de Direitos Humanos.13 abr., 2016, acesso em 21 maio 2017, https://goo.gl/gyJ8iw. foram adotadas:

  1. B2 sobre a publicação nacional de tratados internacionais de direitos humanos, reconhecendo as medidas iniciais tomadas a esse respeito
  2. Uma série de duas notas C e três B sobre a criminalização da tortura, reconhecendo as medidas tomadas em relação a alguns aspectos da recomendação e outras remanescentes sobre outros aspectos
  3. Uma nota C1 e duas notas B1 sobre a abolição da escravidão, particularmente graças à adoção de um roteiro sobre a erradicação da escravidão, tal como recomendado pelo Comitê
  4. Duas notas B2 sobre as condições carcerárias e superlotação, reconhecendo novamente neste caso algumas medidas tomadas após a revisão

O que é particularmente interessante e impressionante no exemplo da Mauritânia é que o governo manteve um alto nível de observância em relação ao Comitê após a publicação das notas e apresentou um novo relatório em maio de 2015,5252. “Concluding Observations on the Initial Report of Mauritania,” UN Doc CCPR/C/MRT/CO/1/Add.1, CCPR, 8 maio 2015, acesso em 21 maio 2017, https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G15/092/30/PDF/G1509230.pdf?OpenElement. que posteriormente permitiu que o Comitê revisse o primeiro conjunto de notas que tinham sido adotadas e adotasse um novo conjunto de notas atualizadas5353. Carta de seguimento enviada à Mauritânia. Comitê de Direitos Humanos. 15 abr., 2016, acesso em 21 maio 2017, https://goo.gl/JeugaF. em março de 2016. Isto evidencia o que a delegação e o autor perceberam durante a visita de seguimento à Mauritânia, ou seja, que os homólogos do governo estavam interessados ​​no sistema de avaliação e dispostos a contribuir com ele, com a clara esperança que o Comitê reconheceria os esforços feitos para cumprir as recomendações. A implementação de recomendações urgentes do Comitê na Mauritânia e sua avaliação, que ainda estava em curso no momento da redação, constituem um processo interessante dado que os atores governamentais e não governamentais contribuíram para o processo de boa fé. Isso permitiu que o Comitê adotasse notas que reconheciam as medidas tomadas, ao mesmo tempo em que solicitava que mais fosse feito para a observância plena das recomendações.

7. Conclusão

Conforme destacado nas seções acima, os sistemas inovadores de seguimento e avaliação desenvolvidos pelos órgãos de tratados constituem um avanço importante no desejo amplamente aceito de melhorar a implementação das recomendações de direitos humanos da ONU. Os elementos-chave de um sólido sistema de seguimento e avaliação incluem, entre outros: a necessidade de uma metodologia transparente, completa e clara; adesão e aceitação por parte de uma vasta gama de interessados relevantes; avaliação independente e feita por especialistas; ampla difusão e diferenciação entre substância e forma. Ainda há muito a ser feito para fortalecer, racionalizar, dar destaque e reproduzir os procedimentos existentes dentro dos próprios órgãos. O processo em curso de fortalecimento dos órgãos de tratados proporciona uma oportunidade adequada para que isso seja feito. Como foi argumentado anteriormente5454. A “capacidade do Alto Comissário de fortalecer de forma significativa os órgãos de tratados será um fator determinante para seu mandato”. Disponível em Vincent Ploton, “More Ambition Required to Reform UN Treaty Bodies.” Open Global Rights blog, 10 jul. 2014, acesso em 21 maio 2017, http://goo.gl/efvLOe. é necessário um amplo apoio do Alto Comissário para os Direitos Humanos para que o processo em andamento de fortalecimento dos órgãos de tratados seja eficaz e obtenha, significativamente, bons resultados na aplicação das recomendações.

Vincent Ploton - França

Atualmente, Vincent Ploton é diretor de advocacy dos órgãos de tratados do Serviço Internacional para os Direitos Humanos em Genebra. Anteriormente, Vincent trabalhou por dois anos e meio no Centre for Civil and Political Rights para a implementação do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Recebido em março 2017.

Original em Inglês. Traduzido por Fernando Sciré.