O Dossiê Sur sobre armas e direitos humanos

Agentes Antimotim: O Caso Pró-Regulamentação

Anna Feigenbaum

Os produtores de gás lacrimogêneo e outras chamadas armas “menos letais” aproveitam-se de um mercado desregulado, em detrimento de direitos humanos.

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RESUMO

O gás lacrimogêneo, usado pela primeira vez na Primeira Guerra Mundial, é cada vez mais a arma de escolha das forças de segurança em todo o mundo. Anna Feigenbaum oferece um quadro desolador de como as empresas – com um foco particular na Condor, do Brasil – estão capitalizando sobre esta tendência e colhendo benefícios financeiros ao comercializá-lo como uma arma “não letal”. Ela demonstra como, na realidade, categorizar o gás lacrimogêneo como “não letal” é, na melhor das hipóteses, equivocado e, na pior, desonesto. Feigenbaum expõe as razões históricas para esta categorização “não letal” do gás lacrimogêneo – razões essas que os governos e as grandes empresas utilizam com satisfação hoje em dia, apesar das crescentes evidências mostrando as extremas violações de direitos humanos que a utilização dessas armas inflige em populações civis em todo o mundo.

* partes deste artigo apareceram em versões anteriores da Waging Non-Violence e da Open Democracy. A pesquisa de campo para este artigo foi realizada na Fundação de Pesquisa Omega, na Biblioteca Wellcome Trust e no Arquivo Nacional dos Estados Unidos.

Palavras-Chave

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Introdução

Enquanto o Brasil se prepara para os Jogos Olímpicos de 2016, empresas abocanham rentáveis contratos de segurança. Hospedar megaeventos como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo permite que um país atraia a atenção não só para seus pontos turísticos mais famosos, hotéis cinco estrelas e cozinha requintada, mas também para o seu setor de segurança. Como analista de segurança David Evans escreve: “Grandes eventos, e especialmente os Jogos Olímpicos, podem mudar as formas de se trabalhar para sempre e podem apresentar novas oportunidades. São as empresas com olhar progressista aquelas que reconhecem isso, e estas procuram usar os jogos para impulsionar seus negócios adiante.”11. David Evans “The Role of the Private Security Industry” in Terrorism and the Olympics: major event security and lessons for the future, ed. Anthony Richards, Pete Fussey and Andrew Silke (London; New York: Routledge, 2010), 179.

A Condor Tecnologias Não Letais do Brasil (“Condor”) se beneficiou grandemente dessa oportunidade de negócio. A Condor é uma das principais fornecedoras mundiais de equipamentos policiais e a maior empresa de seu tipo na América Latina.22. http://www.condornaoletal.com.br/eng/institucional.php. A empresa, atualmente, trabalha dia e noite para atender a demanda de produtos. Com mais de 30.000 policiais designados para realizarem patrulhas durante os Jogos Olímpicos, uma estratégia de “policiamento discreto” será utilizada, segundo o relato de jornalistas brasileiros, envolvendo policiais à paisana, sistemas de raios-x e as chamadas tecnologias “não letais”.33. Marco Antônio Martins, “Rio-2016 Security Operation Will Be Smaller than in London Olympics,” Folha de S. Paulo, June 24, 2015, acesso em 16 outubro 2015, http://www1.folha.uol.com.br/internacional/en/sports/olympicgames/2015/06/1647023-rio-2016-security-operation-will-be-smaller-than-in-london-olympics.shtml. O termo mais preciso é armas “menos letais”, porque elas podem causar, e de fato causam, lesões graves e morte. A Condor é parte de uma indústria internacional de tecnologia militar e policial em crescimento.

“Exploração econômica de protestos é um fenômeno global”

Conforme será discutido neste artigo, ao longo dos últimos 100 anos, conceitos ambíguos, a frouxa regulamentação de exportação e o fracasso dos governos em responsabilizar a polícia e as corporações fabricantes ​​por violações dos direitos humanos vêm dando origem a um perigoso negócio que lucra com a exploração de protestos e agitações sociais. Utilizando a Condor como estudo de caso para examinar como as empresas se beneficiam de sistemas de desregulamentação e da impunidade, o artigo traça elos entre o contexto de segurança atual no Brasil e a história recente de controle antimotim. Este artigo argumenta que a exploração econômica de protestos é um fenômeno global, tornado possível por meio do intercâmbio transnacional de armamentos e de táticas para manter o controle social e político. Governos e empresas fecham acordos de milhões de dólares – muitas vezes sem que a população tenha conhecimento – que buscam a segurança por meio do armamento e militarização do policiamento. O Brasil, e a Condor, sua emblemática empresa de segurança, ocupam posição central nessa matriz de compra e venda de controle de tumultos sob o pretexto de respeitar os direitos humanos e a manutenção da democracia.

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Condor como Exploradora Econômica de Protestos

Desde 1985 a empresa Condor, baseada no Rio de Janeiro, desenvolveu mais de cem produtos distintos para o exército, forças de manutenção de paz da ONU, forças de operações especiais e forças policiais comuns.44. Condor Nonlethal Technologies, “The History of Condor Nonlethal Technologies,” accessed October 16, 2015, http://www.condornaoletal.com.br/eng/institucional.php. Hoje, a Condor produz uma vasta gama dessas munições de policiamento e controle de multidões. Os produtos Condor incluem a Oleorresina Capsicum (“OC”), agentes químicos apresentados em uma variedade de formas, incluindo espuma, gel e spray. A Condor também produz o composto químico mais comumente referido como “gás lacrimogêneo”, o 2-Chlorobenzalmalononitrile (“CS”), em calibre 12, 37/38mm e 37/40 milímetros.55. Para a listagem dos produtos, consulte http://www.condornaoletal.com.br/eng/produtos.php. Diferentes tipos de projéteis de gás lacrimogêneo incluem carregamento triplos e múltiplos,66. Para a listagem dos produtos, consulte http://www.condornaoletal.com.br/eng/produtos.php. cartuchos que se dividem em partes para permitir uma maior cobertura e para tornar mais difícil que sejam “arremessados de volta” (quando um civil atira um projétil de volta para o corredor policial, ou para longe de uma multidão). A Condor afirma promover o conceito menos letal de acordo com os Princípios Básicos das Nações Unidas sobre o Uso da Força e de Armas de Fogo,77. United Nations, Human rights, Office of the High Commissioner (OHCHR), Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials, 1990, accessed October 16, 2015, http://www.ohchr.org/EN/ProfessionalInterest/Pages/UseOfForceAndFirearms.aspx. por “Agentes Responsáveis ​​pela Aplicação da Lei”, que foi aprovada por consenso nos anos 1990.88. Condor, “The History”.

A Condor também fornece munições de impacto, incluindo balas revestidas de borracha e pastilhas de borracha, granadas que emitem fumaça colorida, granadas de efeito moral, que emitem flashes de luz ofuscantes, e granadas de luz e som, que emitem luz e um barulho intensamente alto.99. Para a listagem dos produtos, consulte http://www.condornaoletal.com.br/eng/produtos.php. A maioria das empresas fabricantes de produtos “menos letais” tem em sua linha produtos que combinam estes efeitos, como a linha Multi-impacto da Condor. A Condor também traz uma linha específica para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) com esses tipos de munições e se orgulha de ter sido a única empresa da América Latina a ser convidada para a Feira de Exposições Norte-Americana de Tecnologia de 2011.1010. Condor, “The History”. Em 2015, na grande Feira de Exposições IDEX de equipamentos de defesa, a Condor mostrou sua mais nova linha de produtos, as “munições de alta precisão” de 40 milímetros x 46 milímetros, as quais, segundo a empresa, permitirão às “Forças Armadas e às Forças Policiais enfrentarem diversas situações do dia a dia com eficiência, segurança e respeito aos direitos humanos”.1111. IDEX, “Condor presents its products at IDEX 2015”, acesso em 16 outubro 2015, http://www.idexuae.ae/page.cfm/action=Press/libID=1/libEntryID=81. Como discutido de maneira detalhada a seguir, este apelo aos direitos humanos perpassa a identidade corporativa da Condor.

Durante o severo policiamento do Brasil na Copa do Mundo de 2014, os produtos Condor foram amplamente expostos. A empresa ganhou um contrato de US$ 22 milhões, fornecendo gás lacrimogêneo, balas de borracha, armas de dardos elétricos, granadas de luz e som para a polícia e forças de segurança privadas durante o evento.1212. Anna Feigenbaum, “Repressing World Cup protests — a booming business for Brazil”, Waging Nonviolence, June 18, 2014, acesso em 16 outubro 2015, http://wagingnonviolence.org/feature/repressing-world-cup-protests-booming-business-brazil/. Também, Marina Amaral and Natalia Viana, “Why Are Brazilians Protesting the World Cup?” The Nation, June 21, 2013, acesso em 16 outubro 2015, http://www.thenation.com/article/why-are-brazilians-protesting-world-cup/. Na Feira Internacional de Defesa e Segurança LAAD em 2014, a Condor exibiu seus equipamentos em preparação para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Antônio Carlos Magalhães, Diretor de Relações Institucionais da Condor, disse: “A fábrica hoje funciona 24 horas por dia para atender os pedidos brasileiros feitos em meio às expectativas (de protestos) durante a Copa do Mundo e, depois, nos Jogos Olímpicos, mas também pedidos internacionais. A empresa opera hoje em 45 países”.1313. AP ARCHIVE, acesso em 16 outubro 2015, http://www.aparchive.com/metadata/Brazil-Security/92e7aa631b694316d96b806f270d7a14?query=robot¤t=13&orderBy=Relevance&hits=21&referrer=search&search=%2Fsearch%3Fquery%3Drobot%26allFilters%3DOlympic%2520games%3ASubject&allFilters=Olympic+games%3ASubject&productType=IncludedProducts&page=1&b=0d7a14. Tais demonstrações públicas de produtos da Condor têm ajudado a cimentar o lugar da empresa como líder mundial no fornecimento de policiamento militarizado.

Com o crescimento do uso internacional de gás lacrimogêneo desde a Primavera Árabe em 2011, as vendas da Condor dispararam. Em 2011 e 2012, os produtos da empresa apareceram nas ruas do Egito e Bahrein,1414. Para discussões sobre o envolvimento da Condor com o Egito e Bahrein veja Gabriel Elizondo “Bahrain hitting close to home in Brazil,” Al Jazeera, December 18, 2011, accessed October 16, 2015, http://blogs.aljazeera.com/blog/americas/bahrain-hitting-close-home-brazil; Daniel Santini and Natalia Viana “Brazil arms exports: country preaches peace, sells tons of arms,” Publica, March 5, 2012, acesso em 16 outubro 2015, http://apublica.org/2012/03/brazil-arms-exports-country-preaches-peace-sells-tons-arms/; Holly Atkinson and Richard Sollom, Weaponizing Tear Gas: Bahrain’s Unprecedented Use of Toxic Chemical Agents Against Civilians (Cambridge: Physicians for Human Rights, August 2012), acesso em 16 outubro 2015, https://s3.amazonaws.com/PHR_Reports/Bahrain-TearGas-Aug2012-small.pdf. o que resultou em pressão internacional para que o governo brasileiro interviesse. Em resposta a essas críticas humanitárias, em 2011, o governo brasileiro afirmou que não havia produtos Condor sendo enviados diretamente para a região. Isto sugeria que as vendas deveriam estar passando por um país intermediário ou próximo. Em 2013, relatos de uso na Turquia também vieram à tona.1515. Bruno Fonseca and Natalia Viana, “Bomba brasileira na pele turca,” Publica, June 5, 2013, acesso em 16 outubro 2015, http://apublica.org/2013/06/gas-lacrimogeneo-brasileiro-utilizado-pela-policia-na-turquia/. Quatro anos mais tarde, os produtos da Condor ainda surgem no Bahrein, onde o gás lacrimogêneo é constantemente utilizado fora do protocolo, disparado diretamente nas pessoas e em espaços fechados, causando ferimentos graves e morte. Registros do governo mostram que vendas entre US$ 10 e US$ 50 milhões foram realizadas pela Condor para o Bahrein em 2014.1616. http://www.mdic.gov.br//sitio/interna/interna.php?area=5&menu=1444&refr=603 e selecione “Bahrain”.

“Nós sempre aconselhamos uma correta escalada da força”, afirma Beni Iachan, Analista de Negócios Sênior da Condor.1717. Correspondência do autor, Milipol 2013. Mas, na realidade, há relatos confiáveis ​​de que as tecnologias da Condor continuam a ser usadas intencionalmente por forças estatais para causar danos, incluindo alegações de tortura sistemática de pessoas em Bahrein e no Egito.1818. Elizondo, “Bahrain”; Santini and Viana, “Brazil arms”; Atkinson and Sollom, Weaponizing. Um trabalho investigativo realizado pela ONG Bahrain Watch relacionou o gás lacrimogêneo da Condor à morte de um homem idoso em janeiro de 2015.1919. “Brazilian tear gas linked to recent death of Abdulaziz Al-Saeed,” Bahrain Watch, January 26, 2015, acesso em 16 outubro 2015, https://bahrainwatch.org/blog/2015/01/26/brazilian-tear-gas-linked-to-the-recent-death-of-abdulaziz-al-saeed/. Abdulaziz Al-Saeed morreu em sua casa em Bilad Al-Qadeem devido à inalação de gás lacrimogêneo. Fotos de bombas de gás lacrimogêneo tiradas do lado de fora da sua casa pelo “proeminente defensor dos direitos humanos Nabeel Rajab” mostraram o projétil interno de uma bomba de carga múltipla lacrimogênea listada no catálogo de Munições CS da Condor.2020. Bahrain Watch, “Brazilian tear”.

Agentes químicos da marca Condor fora da validade também estão sendo usados ​​contra civis, o que foi recentemente documentado nas ruas da Venezuela.2121. Daniel Lansberg-Rodríguez, “Venezuela’s Protesters Are Learning to Live with Tear Gas,” Foreign Policy, May 9, 2014, acesso em 16 outubro 2015, 2015,http://foreignpolicy.com/2014/05/09/venezuelas-protesters-are-learning-to-live-with-tear-gas/. Bombas de gás lacrimogêneo normalmente têm um prazo de validade. O prazo de validade permite aos usuários saber quando o uso de uma munição não é mais seguro ou eficaz. Gás lacrimogêneo com prazo vencido é perigoso por uma série de razões. Em primeiro lugar, o mecanismo que dispara a bomba e a granada pode tornar-se defeituoso. Isto pode causar lesões nas pessoas que estão utilizando o dispositivo. Além disso, a perda de validade pode aumentar a chance de que dispositivos inflamáveis causem incêndios. Em segundo lugar, o composto químico contido na granada já não é passível de aprovação pelos mais recentes testes e certificados de segurança. Em terceiro lugar, pode ser ainda mais difícil rastrear as bombas de gás com prazo vencido até seu ponto de venda. Isso ocorre porque as munições menos letais não têm o mesmo tipo de procedimentos de rastreamento das armas de fogo; elas podem ser transferidas entre instalações de armazenamento com pouca ou nenhuma documentação acessível ao público. Assim como não é claro se a Condor está fornecendo estes dispositivos diretamente para certos países, também é problemático que o gás com prazo vencido ainda esteja em circulação nas ruas. Equipamentos antigos devem ser retirados de circulação e destruídos de acordo com protocolos ambientais cuidadosos para a correta eliminação de resíduos.

Tal utilização abusiva desses produtos colocou sob escrutínio a promessa feita pela Condor em 2010 de ser uma “pioneira na divulgação do conceito ‘Não Letal’ no Brasil … por meio do uso controlado da escalada de força, sem qualquer prejuízo para os direitos humanos”.2222. http://www.epicos.com/Portal/Main/IndustryNews/NewsAndEvents/Pages/article_2010_02_17_02.aspx. Os interesses lucrativos da Condor agora ofuscam até mesmo compromissos retóricos para a segurança civil. Embora a Condor não divulgue publicamente detalhes a respeito de seus lucros, de acordo com o CV do seu diretor de marketing, em 2014 a empresa teve vendas internacionais da ordem de US$ 50 milhões com armas/munições não letais.2323. CV do Diretor de Marketing, agora off-line (link anterior: http://www.catho.com.br/buscar/curriculos/curriculo/6832632/?q=Marketing+Director&logTipoId=13&perfil_id=8&estado_id=&x=0&y=0#ixzz2Wpla6iso). On file with the author. Nos últimos anos, a Condor teve um aumento de receita de 33% com o uso de uma nova estratégia de marketing e a contratação de uma campanha publicitária em torno da representação do uso gradual da força, além de aumentar a participação em feiras de negócios e exposições.2424. CV do Diretor de Marketing, atualmente off-line; correspondência pessoal Milipol 2013, Condor Nonlethal Technologies, “Gradual use of force explained,” accessed October 16, 2015, http://www.condornaoletal.com.br/eng/condor-uso-gradual-proporcional-da-forca.php. Com estas iniciativas, o diretor de marketing já teria promovido um crescimento médio de vendas da ordem de 90%2525. CV do Diretor de Marketing, atualmente off-line; correspondência pessoal Milipol 2013; Condor Nonlethal Technologies, “Gradual”. e aumentado as vendas de 12 para mais de 40 países, com novos mercados na Ásia e África.2626. CV do Diretor de Marketing, atualmente off-line; correspondência pessoal Milipol 2013; Condor Nonlethal Technologies, “Gradual”.

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O Problema da Regulamentação

Tal como acontece com muitos outros países, a regulamentação das armas menos letais no Brasil deixa um espaço aberto para a corrupção, o erro e a irresponsabilidade. De acordo com um relatório do grupo de jornalismo investigativo Publica, todas as vendas internacionais de gás lacrimogêneo do país passam pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil e pelo Ministério da Defesa.2727. Santini and Viana, “Brazil arms”. No entanto, eles não mantêm um registro de como estes produtos são usados ​ posteriormente e os números de vendas não são tornados públicos. Como o Publica diz, “[n]esta indústria, a norma é a falta de transparência”.2828. Ibid.

Apesar de sua crescente utilização como força mortal, “agentes antimotim” permanecem isentos da Convenção sobre Armas Químicas, que permite que gases tóxicos sejam usados por forças policiais contra civis. Embora haja regulamentações em torno do comércio de gás lacrimogêneo, tanto nacional quanto internacionalmente, a maneira com que estas são aplicadas varia de país para país. A França, por exemplo, conta com alta produção e uso de gás lacrimogêneo por forças policiais, mas aplica rígido controle sobre suas exportações para a região do Oriente Médio e Norte da África, e demais países africanos.2929. Correspondência pessoal Milipol 2015. Em outros países, as leis de comércio são mais flexíveis, facilitando as vendas comerciais diretas com pouca ou nenhuma supervisão do governo.3030. Para uma visão geral, consulte Weapons Law Encyclopedia, “Riot control agents”, acesso em 16 outubro 2015, http://www.weaponslaw.org/weapons/riot-control-agents e para relatos detalhados sobre regulamentação em controle de motins veja Omega Research Foundation, “Publications”, acesso em 16 outubro 2015, http://www.omegaresearchfoundation.org/publications/. Da mesma forma que outras tecnologias são classificadas como equipamentos de policiamento, esses agentes, muitas vezes, são excluídos das restrições às vendas de armas. Isso deixa sua venda ainda menos regulamentada que os produtos da indústria farmacêutica.3131. De forma significativa, a Enciclopédia sobre a Lei de Armas sugere que poderia ser dada mais atenção à forma como as leis de direitos humanos são aplicadas aos agentes antimotim, observando que “os tratados internacionais e regionais que cobrem esses direitos, incluindo o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos e Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e Tratamento Desumano ou Degradante ou Punição, e a Convenção Interamericana de Prevenção e Punição à Tortura” (Weapons Law Encyclopedia, “Riot“). Para uma discussão mais aprofundada veja Michael Crowley, “The Use of Riot Control Agents in Law Enforcement,” Chapter 11 in Weapons Under International Human Rights Law, ed. Stuart Casey-Maslen (Cambridge: Cambridge University Press, January 2014).

O uso do gás lacrimogêneo se encaixa em algumas orientações de órgãos responsáveis pela aplicação da lei, bem como nos Princípios Básicos das Nações Unidas de 1990 sobre o Uso da Força e de Armas de Fogo por Agentes Responsáveis pela Aplicação da Lei (PBUFAF), que oferecem diretrizes para policiamento com controle antimotim. A Enciclopédia sobre a Lei de Armas resume da seguinte forma:

  • A PBUFAF prevê que “o desenvolvimento e o uso de armas paralizadoras não letais devem ser avaliados cuidadosamente, a fim de minimizar o risco de se pôr em perigo pessoas não envolvidas” e que “o uso de tais armas deve ser cuidadosamente controlado” (Princípio 3). O PBUFAF também exige que, “sempre que o uso legítimo da força e de armas de fogo for inevitável, os agentes responsáveis pela aplicação da lei devem:
    · Usar moderação em seu uso e agir em proporção à seriedade da ofensa …;
    · Minimizar danos e ferimentos, e respeitar e preservar a vida humana;
    · Certificar-se de que serão prestadas assistência e ajuda médica às pessoas feridas ou afetadas o mais cedo possível”.3232. Weapons Law Encyclopedia, “Riot”.

Embora muitos fabricantes adotem essas diretrizes em seus treinamentos e materiais de marketing, estas, com frequência, não se traduzem na realidade, quando se trata da sua aplicação por agentes da lei. Uma vez que estes princípios básicos não são juridicamente vinculantes, sua capacidade de efetivamente regular a fabricação e o uso de agentes antimotim é limitada.

Assim, enquanto o governo brasileiro evita a responsabilidade de monitorar o uso dos bens que exporta, os fabricantes corporativos, como a Condor, permanecem protegidos atrás de rótulos de advertência, apesar do uso cada vez mais abusivo de seus produtos. Desde a sua adoção no início do período pós-Primeira Guerra, a frouxa regulamentação referente ao gás lacrimogêneo – e posteriormente aos projéteis de luz e som e outros dispositivos antimotim – tem sido repetidamente questionada por funcionários do governo, delegados das Nações Unidas, ONGs e associações médicas.3333. Por exemplo, já em 1930, um relatório do Comitê de Wickersham descobriu que o gás lacrimogêneo estava sendo usado como uma forma de tortura em interrogatórios policiais em que uma caixa de madeira era colocada sobre a cabeça de uma pessoa e gás lacrimogêneo era inserido nela (see Richard A. Leo, Police interrogation and American justice. Harvard University Press, 2008.). Mais tarde, na década de 1960, após o uso de bombas de gás lacrimogêneo altamente explosivas de fabricação chinesa por forças dos EUA no Vietnã, na 21a Sessão das Nações Unidas, a delegação húngara apresentou uma proposta para ter o uso de gás lacrimogêneo listado como arma química, e, assim, o seu uso se tornaria crime internacional (veja D. Hank. Ellison, Chemical warfare during the Vietnam War: riot control agents in combat (New York: Routledge, 2011). Os EUA rejeitaram a proposta como sendo propaganda comunista, e insistiram sobre o uso aceitável de gás lacrimogêneo ao redor do mundo para a aplicação da lei. Na década de 1980 a organização Physicians for Human Rights relatou o uso abusivo de gás lacrimogêneo na Coreia do Sul e na Palestina (veja Jonathan Fine et al., “The Use of Tear Gas in the Republic of Korea: A report by health professionals” Physicians for Human Rights (PHR), July 1987, acesso em 16 outubro 2015, http://physiciansforhumanrights.org/library/reports/the-use-of-tear-gas-in-korea.html). Embora haja uma infinidade de forças em jogo para manter mal regulamentado o comércio de armas menos letais, uma das principais forças moldando a legislação e a política em torno deste equipamento remonta à Irlanda do Norte no final de 1960.

04

“Considere-os como droga, não como arma”

Em 12 de agosto de 1969, a área de Bogside, em Derry, Irlanda do Norte, tornou-se o primeiro local do Reino Unido a ter civis atacados por gás lacrimogêneo. Em um impasse de 36 horas com a polícia, os moradores de Bogside enfrentaram um bloqueio com 14 granadas e 1.091 cartuchos contendo 12,5g de gás CS. O gás entrou em casas de maneira indiscriminada e prejudicou crianças e idosos. Relatos da mídia causaram ondas de indignação pública, levando à primeira investigação médica em larga escala sobre os efeitos do gás lacrimogêneo CS.3434. Informações gerais sobre o ataque por gás lacrimogênio de Bogside podem ser encontradas em: “1969: Police use tear gas in Bogside” BBC, August 12, 1969, acesso em 16 outubro 2015, http://news.bbc.co.uk/onthisday/hi/dates/stories/august/12/newsid_3829000/3829219.stm. Todos os detalhes relacionados à investigação são provenientes das Atas de Reuniões do Comitê Himsworth, Coleção Himsworth, Wellcome Trust.

Um inquérito foi realizado entre 1969-1971 por um grupo de médicos especialistas liderados pelo médico altamente qualificado Sir Harold Himsworth. Embora o Comitê Himsworth tenha sido considerado independente, todos os seus membros tinham laços militares. Um deles inclusive trabalhou como pesquisador para o Ministério da Defesa.3535. BBC, “1969”. Todos os detalhes relacionados à investigação são provenientes das Atas de Reuniões do Comitê Himsworth, Coleção Himsworth, Wellcome Trust. Nos estágios iniciais da revisão, Himsworth explicou à sua equipe que os efeitos do gás lacrimogêneo CS deveriam ser analisados “de maneira mais semelhante à que utilizamos em relação a uma droga do que a que usamos para analisar uma arma”.3636. Ibid. Todos os detalhes relacionados à investigação são provenientes das Atas de Reuniões do Comitê Himsworth, Coleção Himsworth, Wellcome Trust.

Esta abordagem foi obtida nos Estados Unidos, onde testes e avanços em Edgewood Arsenal seguiram tal protocolo clínico. Esta distinção foi tanto científica – representando as medições toxicológicas que determinam a segurança do gás lacrimogêneo – quanto um estratagema de relações públicas. As pessoas interessadas em promover e lucrar com a proliferação de gases menos letais para a aplicação da lei estavam dispostas a manter esta classe de agentes químicos separada da regulamentação que cerca as armas de pequeno porte e a guerra química.

Apesar do testemunho de clínicos gerais da Irlanda do Norte, relatando várias lesões e efeitos adversos à saúde, o Comitê Himsworth não encontrou motivos para condenar o uso de gás lacrimogêneo CS. Em vez disso, o relatório declarou o gás lacrimogêneo CS como seguro para as multidões e sem “evidência de qualquer sensibilidade especial por parte de idosos, crianças ou mulheres grávidas”.3737. Veja a discussão do relatório Himsworth no Estados Unidos. Congresso. Comissão sobre a Reforma do Governo e Supervisão, Investigation into the activities of federal law enforcement agencies toward the Branch Davidians: thirteenth report (Washington: U.S. G.P.O., 1996), acesso em 16 outubro 2015, http://www.gpo.gov/fdsys/pkg/CRPT-104hrpt749/html/CRPT-104hrpt749.htm. Embora cautela tenha sido recomendada quanto ao uso do gás lacrimogêneo CS em locais fechados, as conclusões do comitê foram interpretadas como sendo equivalentes a um certificado de segurança ou uma etiqueta de aprovação do Food and Drug Administration.

As conclusões divulgadas causaram indignação entre muitos dos clínicos gerais consultados sobre o relatório da Comissão. Dr. Raymond McClean, um médico muito respeitado em Derry, que veio a se tornar o prefeito da cidade, contestou a classificação do gás lacrimogêneo CS como uma droga por parte do relatório, questionando como a situação política na Irlanda do Norte poderia ser reduzida a um conjunto de efeitos colaterais e fatores sociológicos infundados. Baseando-se em suas próprias experiências de repressão cada vez mais violenta e de internação na Irlanda do Norte, McClean espalhou aos quatro ventos que “o verdadeiro propósito deste relatório precisa ser seriamente questionado”.3838. Raymond McClean, The Road to Bloody Sunday (Dublin: Poolbeg Press, 1983).

O Dr. McClean não estava sozinho em suas objeções à comissão Himsworth. Na verdade, dois anos antes do relatório final ser lançado, a Sociedade Britânica para a Responsabilidade Social da Ciência criticou preventivamente o inquérito. A Sociedade sentia que, embora a comissão Himsworth já estivesse funcionando como uma equipe oficial de investigação, seria importante olhar para além da perspectiva clínica e incluir cientistas sociais “para fazer os devidos questionamentos sobre os efeitos do uso do gás CS – e não apenas examinar os olhos e pulmões de quem consultou médicos, e sim de todo o grupo de pessoas afetadas”.3939. Hilary Rose and Russel Stetler, “What Gas Did in Derry,” New Society, September 25, 1969. Mas Himsworth não tinha interesse na experiência humana. Indicações de que as condições psicológicas de situações de tumulto poderiam ter impactos fisiológicos foram incluídas em seu relatório final apenas para serem distinguidas dos “efeitos reais” do gás lacrimogêneo CS. O relatório final tratou as reações corporais como efeitos colaterais, como se fossem o resultado de disfunções pessoais ou de alergias raras a um produto usado no dia a dia, em vez de corpos humanos respondendo ao ar envenenado por armas químicas.

“Aqueles na comunidade médica são incapazes de examinar os estudos sobre os quais estão baseadas as alegações de segurança sobre as armas menos letais”

Apesar das objeções de dentro da comunidade médica, nas duas décadas seguintes o relatório do Comitê Himsworth serviu de justificativa fundamental para que a comunidade internacional continuasse a usar cada vez mais agentes antimotim. Interesses comerciais, ao lado de interesses militares e do governo em manter o controle social, mostraram-se muito mais poderosos do que os registros médicos e depoimentos de vítimas de direitos humanos. A maioria dos ensaios clínicos sobre o gás lacrimogêneo – e posteriormente sobre armas menos letais – foi conduzida em instituições de pesquisa sobre defesa altamente secretas, como Edgewood Arsenal (EUA) e Porton Down (Reino Unido). Isso equivalia a dizer que as motivações que moldaram o estudo dos impactos humanos dessas armas foram determinadas por prioridades militares – concebidas para a defesa contra o combatente inimigo, e não para proteger os civis. Além disso, esses estudos eram muitas vezes altamente confidenciais e não estavam disponíveis ao público, sem que fossem apresentadas autorizações de segurança de alto nível. Isso quer dizer que aqueles na comunidade médica são incapazes de examinar os estudos sobre os quais estão baseadas as alegações de segurança sobre as armas menos letais.

Embora incidentes envolvendo abusos de direitos humanos com o uso de armas menos letais tenham por vezes adentrado debates públicos e políticos, o mantra do Comitê Himsworth manteve a posição dominante. Em um relatório de junho de 1988, a Anistia Internacional registrou cerca de 40 mortes resultantes do uso de gás lacrimogêneo, bem como milhares de casos de enfermidades. De acordo com o relatório, como parte de suas operações, as forças israelenses haviam atirado bombas de gás lacrimogêneo em casas, clínicas, escolas, hospitais e mesquitas, muitas vezes utilizando-o em áreas residenciais com crianças e idosos.4040. Amnesty International Report, Israel and the Occupied Territories: The Misuse of Tear Gas by Israeli Army Personnel in the Israeli Occupied Territories, (London: June 1, 1988). Após análise dessas violações de direitos humanos ligadas à exportação pelos EUA de US$ 6,5 milhões em gás lacrimogêneo para Israel entre janeiro de 1987 e dezembro de 1988, o Departamento de Estado citou as conclusões do Relatório Himsworth de que “a margem de segurança no uso de gás CS é grande”.4141. United States, General Accounting Office, Use of U.S.- Manufactured Tear Gas in the Occupied Territories (Washington, DC: GAO, April 1989), acesso em 16 outubro 2015, http://www.gao.gov/assets/220/211128.pdf. Eles concluíram que suspender o embarque de gás lacrimogêneo “seria inconsistente com os esforços dos EUA para incentivar Israel a fazer uso da contenção e poderia funcionar em prejuízo da população palestina nos territórios ocupados”.4242. United States, Use of U.S.

Na década de 1990, o uso dos sprays de gás lacrimogêneo e pimenta CS proliferou. A produção em massa de vasilhames de aerossóis fez com que esses agentes de controle se tornassem móveis, em forma portátil, podendo ser amarrados aos cintos de equipamentos de agentes de segurança e aplicação da lei. Naquela década, os sprays de pimenta começaram a ser usados pela polícia em todos os EUA.4343. Ver, por exemplo Charles M. Greinsky, Sheri Holland, and Jules Martin, Report of the Pepper Spray Committee of the Civilian Complaint Review Board (New York: New York Civilian, October 2000), acesso em 16 outubro 2015, http://www.nyc.gov/html/ccrb/downloads/pdf/pepper2000.pdf. Logo depois, sprays portáteis semelhantes ao gás lacrimogêneo CS foram enviados para polícias em todo o mundo.

Em um catálogo de 1993 para a Feira de Exposições de Artigos para Segurança Milipol, o fabricante israelense ISPRA explicou esta linha tênue entre drogas e armas, introduzindo sua nova linha de spray de pimenta:

Levando em consideração as sensibilidades do público europeu e tendo em conta o novo objetivo de preservação do meio ambiente, o ISPRA desenvolveu o Modelo Protectojet 5 OC … OC significa Oleorresina Capsicum, que é um extrato da planta da pimenta natural. Embora o OC seja usado na indústria de alimentos e medicamentos, foi convertido com sucesso por pessoal qualificado do ISPRA, para ser utilizado no Protectoject Modelo 5, aproveitando-se de seu enorme poder de lacrimejamento e irritação. Uma vez liberado por nosso Protectojet ele se torna um eficaz dispositivo de dissuasão.4444. Omega Research Foundation Archives.

A abordagem do ISPRA para comercializar este spray de pimenta simboliza bem os esforços de relações públicas da indústria de equipamentos menos letais para que seus produtos soem “orgânicos” e seguros e, ao mesmo tempo, capazes de causar intensa dor.

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100 Anos de Impunidade

A dupla promessa de segurança e ameaça do ISPRA se tornou parte da publicidade dos agentes antimotim, uma vez que estes foram introduzidos no mercado inicialmente na década de 1920. Um exemplo é um folheto antigo sobre a empresa química Lake Erie que promete que seu gás lacrimogêneo resultaria em “Uma Explosão Incontrolável de Dor que Cega e Engasga”, da qual “nenhuma lesão permanente resultaria”.4545. National Archives, “175.2 Records of the Office of the Chief Army Chemical Officer 1918-60,” CWS Correspondence (arquivado com o autor). Seu catálogo de vendas também destacava a falta de regulamentação do comércio de gás lacrimogêneo, prometendo aos clientes que seu produto “não se enquadra na lei que proíbe a posse de armas perigosas e mortais”.4646. National Archives, “175.2 Records”. Em outras palavras, a Lake Erie usou o status desregulamentado do gás lacrimogêneo para ajudar a comercializar o produto como ferramenta para a aplicação da lei.

Dessa forma, as primeiras propagandas anunciavam o gás lacrimogêneo com foco em sua eficácia, e ao mesmo tempo elevavam o status moral de “subprodutos” químicos da Primeira Guerra Mundial. “Há muitos casos registrados em que o gás lacrimogêneo poderia ter sido utilizado para salvar vidas humanas”, reivindicou-se.4747. Amos Fries, “By-Products of Chemical Warfare,” Industrial and Engineering Chemistry 20, no. 10, (October 1928): 1083. Em outro, o gás lacrimogêneo foi anunciado como “inócuo e eficaz como os chinelos da família”.4848. Theo M. Knappen, “War gases for Dispersing Mobs,” Gas Age Record, November 26, 1921, 702-703. Essa aparente inocuidade significava que a polícia não precisava esperar por ordens ou para que a violência saísse do controle para utilizar esta arma. Em vez disso, o gás lacrimogêneo poderia ser usado sem escrúpulos “no momento que a multidão começasse a se formar”.4949. Knappen, “War gases”.

“Em vez de vestígios de sangue e hematomas, o gás lacrimogêneo evapora da cena, com danos muito menos pronunciados na superfície da pele, ou na lente da câmara”

No período pós-Primeira Guerra Mundial, textos sobre o gás lacrimogêneo afetaram o cuidadoso equilíbrio entre vender a dor e a promessa de inocuidade. Os impactos psicológicos separaram o gás lacrimogêneo das balas, com a função de desmoralizar e dispersar uma multidão, sem disparar balas reais. Por meio de tortura sensorial, o gás lacrimogêneo força as pessoas a recuarem. Esses recursos anunciaram o aspecto de novidade trazido pelo gás lacrimogêneo a um mercado no qual antes só o cassetete e as balas estavam disponíveis para os policiais. A invisibilidade e a efemeridade do gás lacrimogêneo também preveem melhores relações entre a polícia e o público. Livres da reação negativa causada por se atirar em alguém, os policiais poderiam dispersar uma multidão com “uma quantidade mínima de publicidade indesejável”.5050. Seth Wiard, “Chemical Warfare Munitions for Law Enforcement Agencies,” Journal of Criminal Law and Criminology 26, no. 3 (Fall 1935): 439. Em vez de vestígios de sangue e hematomas, o gás lacrimogêneo evapora da cena, com danos muito menos pronunciados na superfície da pele, ou na lente da câmara.

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Conclusão

Cem anos mais tarde, essas armas, agora chamadas de ‘menos letais” ou “agentes antimotim”, vêm tendo um rápido crescimento. A pressão nacional e internacional por uma imagem democrática e humana coexiste com a agitação civil em torno dos impactos das mudanças climáticas, a austeridade, a guerra e as crescentes disparidades de riqueza. Uma empresa de informações de negócios, a Visiongain, publicou o seu relatório de mercado para os anos de 2015-2025 referente aos seus equipamentos de polícia. O relatório observa uma “utilização crescente de sistemas de armas não letais, mesmo em países que normalmente utilizam sistemas de força letal”.5151. “Police & Law Enforcement Equipment Market 2015-2025: Militarisation of the Police & Modernisation of Essential Technologies,” PR Newswire's, London, April 20, 2015, acesso em 16 outubro 2015, http://www.prnewswire.com/news-releases/police--law-enforcement-equipment-market-2015-2025--militarisation-of-the-police--modernisation-of-essential-technologies-300068822.html. Conforme os fabricantes menores juntam-se aos maiores, tanto a integração horizontal quanto a vertical ocorrem na indústria. Parcerias de produtos como a existente entre a Ripple Effect e a Condor permitem a venda de sistemas de tecnologia integrados (munições + lançador), beneficiando ambos os fabricantes.

Enquanto isso, redes como a Rede de Competência da NewCo Segurança reúnem empresas do Oriente Médio, Índia, América do Norte, América do Sul e Europa, permitindo-lhes compartilhar propostas e negociar estratégias de cadeia de suprimentos rentáveis. Em outubro de 2014, a Condor nomeou o veterano militar canadense e engenheiro Tawfiq Ghadban como gerente regional baseado em Abu Dhabi, responsável ​​por 30 países em todo o Oriente Médio, África do Norte, Ásia Central e Turquia.5252. http://everitas.rmcclub.ca/?p=135639.

Atualmente, muitos países africanos e do Oriente Médio estão abraçando o uso de armas menos letais. Visto que agentes antimotim são tolerados e regularmente utilizados pelas principais potências ocidentais e muitas vezes incentivados por democracias ocidentais, os países geralmente podem usá-los para reprimir protestos sem passar por muito escrutínio internacional. Mesmo em países como Bahrein, Turquia e Brasil, onde grupos de direitos humanos condenam o uso abusivo e excessivo de agentes antimotim, pouco tem sido feito para responsabilizar os governos, departamentos de polícia e corporações fabricantes.

Pelo fato de as armas menos letais não serem bem regulamentadas por lei ou pelas políticas comerciais internacionais, continua a ser relativamente fácil para as forças de segurança adquirir grandes quantidades de não letais sem escrutínio público ou supervisão com base em direitos humanos. Para os fabricantes antimotim como a Condor, um bom mercado é aquele em que você pode facilmente vender o seu produto. Em termos empresariais, as armas menos letais criam e, em seguida, preenchem um nicho em crescimento – a demanda por controle político sem muito sangue. A aparência de força razoável é mantida, em parte, por meio da ficção continuamente propagandeada de que agentes antimotim são seguros – que estes são equipamentos para a aplicação da lei, e não armas químicas.

Anna Feigenbaum - Reino Unido

Anna Feigenbaum é professora titular da Universidade de Bournemouth. Seu livro Tear Gas: From the Battlefields of WWI to the Streets of Today (em tradução livre, Gás Lacrimogêneo: Dos campos de batalha da 1ª Guerra Mundial para as ruas de hoje) será publicado pela Editora Verso em 2016. Seus textos podem ser encontrados em uma variedade de veículos acadêmicos e de comunicação, incluindo The Guardian, The Atlantic, Al Jazeera América e Open Democracy.

Recebido em Outubro de 2015

Original em Inglês. Traduzido por Adriana Guimarães.